Erradicação da pobreza
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A erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais é um dos objetivos fundamentais do Brasil, expresso em seu artigo 3º da Constituição Federal (Brasil, 1988). O Estado deve promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação. O texto é coeso; 86% dos brasileiros creem que o desenvolvimento do Brasil está condicionado à redução das desigualdades sociais (Georges, 2019Georges, R. (2019). Nós e as desigualdades: Pesquisa Oxfam Brasil/DataFolha: Percepções sobre desigualdades no Brasil . São Paulo, SP: Oxfam Brasil. Recuperado de https://bit.ly/34okdqI https://bit.ly/34okdqI...
). Todavia, a pobreza ainda assombra a vida dos brasileiros. Apesar das conquistas de outrora, os números voltaram a crescer e, hoje, 13,5 milhões de brasileiros são miseráveis, ou seja, vivem com menos de US$ 1,90/dia. Em Mato Grosso do Sul, 17% da população (73.470 mil pessoas) vive na linha da pobreza, com renda domiciliar per capita de R$ 385; 3% vivem na extrema pobreza (Frias, 2019Frias, S. (2019, 6 de novembro). Em MS, 3% da população vive na extrema pobreza. Campo Grande News . Recuperado de https://bit.ly/3yHikDy https://bit.ly/3yHikDy...
). São oito favelas no estado, sendo cinco em Corumbá (MS), o que representa 5.767 pessoas (Souza, 2019Souza, P. N. (2019, 10 de dezembro). Cruzar a fronteira Brasil-Bolívia por Corumbá. Campo Grande News . Recuperado de https://bit.ly/3oYIn4L https://bit.ly/3oYIn4L...
). No lado boliviano a situação é ainda pior, apesar do avanço que o país conquistou nos últimos anos. Diversos são os desafios, como o acesso à água potável e o tratamento de esgoto, as moradias, a alimentação e o trabalho: fatores críticos de desenvolvimento que pedem inovações sociais e reestruturação da gestão pública com o fortalecimento da governança, valorização da participação da comunidade e abordagens de empoderamento. |
Vulnerabilidade social, racial e igualdade de gênero
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No Brasil, a desigualdade social e a pobreza agem como catalisadores das desigualdades de gênero e dos problemas étnico-raciais, criando grupos marginalizados socialmente, economicamente e culturalmente. Essa situação evidencia a ineficácia das ações do poder público, com políticas públicas que não atendem às demandas da sociedade mais vulnerável. Assim, a vulnerabilidade social se tem estabelecido como um grande desafio para os governantes, na medida em que novas políticas públicas precisam ser pensadas, repensadas e, principalmente, operacionalizadas e discutidas com a sociedade civil. A violência e a exploração sexual de mulheres e meninas é uma realidade presente nessa zona fronteiriça. De prostituição na rua a casas de prostituição, o turismo sexual vive uma “naturalização”. A sociedade civil, o poder público, o judiciário e o aparato policial têm conhecimento desta atividade. Porém, poucas são as ações estabelecidas. As mulheres exploradas sofrem uma ação interseccional, pois, além da questão de gênero, são, em sua maioria, negras e pobres. |
Saúde pública e bem-estar
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Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), a taxa de mortalidade no Brasil é de 6,6 para cada 1.000 nascidos. Já em Corumbá e Ladário (MS) essa taxa mais do que dobra e chega a 17,8. No lado boliviano os números diminuíram nos últimos anos, passando de 50 para 24, mas ainda é alto. Essa diferença é um potente indicador dos problemas que as cidades precisam enfrentar em relação à saúde. Devido aos expressivos casos de raiva e leishmaniose, os desafios vão além da mortalidade infantil e envolvem questões como dengue, H1N1, aborto, tratamento de câncer e a saúde animal. Mesmo com um alto número populacional (160 mil habitantes), muitos procedimentos não são realizados nessas cidades, que dependem de Campo Grande (MS) ou de Santa Cruz (Bolívia). A falta de uma UTI neonatal e as limitações do Hemosul nos surtos de dengue indicam a necessidade de se repensar os serviços de vigilância epidemiológica em saúde em áreas de fronteira. O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteira) surgiu visando melhorar esses serviços, que tem por intenção realizar um diagnóstico da saúde local e elaborar um plano operacional para o aprimoramento da rede de serviços de saúde nos municípios fronteiriços (Krüger et al., 2017Krüger, C., Dantas, M. K., Castro, J. M., Passador, C. S.,& Caldana, A. C. (2017). Análise das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de fronteira brasileira. Ambiente & Sociedade , 20 (4), 41-62.doi:10.1590/1809-4422asoc0005r1v2042017 https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc000...
). Apesar dos benefícios, esse programa ainda não foi implantando na região. Por isso, os desafios para as diferentes iniciativas da sociedade civil vão desde reivindicar a operacionalização de políticas públicas até a distribuição de bens e serviços em redes de apoio. |
Degradação ambiental
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A degradação ambiental é todo processo de destruição e remoção de uma vegetação nativa, gerando consequências graves para a fauna que vive nesse habitat . Essa região possui dois grandes biomas: o Cerrado, o segundo maior bioma da América do Sul, com 5% da biodiversidade do Planeta; o Pantanal, uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta (Ministério do Meio Ambiente, 2020Ministério do Meio Ambiente. (2020). Biomas . Recuperado de: https://bit.ly/3AdlL5B https://bit.ly/3AdlL5B...
). Tanta riqueza não evita as mazelas decorrentes, principalmente, das atividades ligadas à agropecuária e à mineração. Em 2019, o Pantanal registrou 334% mais queimadas do que no ano anterior. Consequentemente, a temperatura aumentou até 6 °C enquanto as chuvas diminuíram 25% (Oliveira, 2019Oliveira, E. (2019, 12 de setembro). Pantanal registra 334% mais focos de queimadas em 2019, ano com menos chuvas e intensa onda de calor na região. G1 . Recuperado de https://glo.bo/2wGDKWi https://glo.bo/2wGDKWi...
). Em março de 2020, as queimadas triplicaram. Corumbá e Ladário (MS) lideram o ranking nacional com focos de queimada. O problema vira um “jogo de vizinhos” em que os prefeitos brasileiros e bolivianos colocam a “culpa” sobre as queimadas um no outro, como se o fogo respeitasse o limite internacional. Outros desastres surgem devido ao desmatamento, ao tráfico de animais silvestres, à falta de gestão de resíduos sólidos e à poluição das águas, lembrando que essa região não possui aterro sanitário e os compromissos para tal efetivação são lentos (“Corumbá e Ladário firmam compromisso para implantar aterro sanitário”, 2019). A BR-262, que corta o Pantanal, é conhecida como a “Rodovia da Morte” devido ao atropelamento de animais silvestres. São, em média, 6 mortes/dia e uma estimativa de 3 mil mortes por ano (Naujorks, 2018Naujorks, J. (2018, 20 de novembro). ‘Rodovia da Morte’: Seis animais morrem atropelados por dia na BR-262 que cruza o Pantanal de MS. G1 . Recuperado de https://glo.bo/3cm54bz https://glo.bo/3cm54bz...
). Por tudo isso, a mudança para a sustentabilidade é impulsionada por abordagens e iniciativas heterogêneas da rede de atores da sociedade civil nas cidades e suas preocupações ambientais. Nessa problemática, as ações micro dialogam com as ações macro em razão de a mudança ambiental ser de interesse global. |
Fome Zero e agricultura sustentável e familiar
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A fome em um Estado agrário é uma prática que chama atenção. A fome aumentou no mundo, passando a atingir 820 milhões de pessoas (Jarvis et al., 2019Jarvis, A., Loboguerrero, A. M., Martinez-Baron, D., Prager, S., Ramirez, J., Eitzinger, V. A., . . . Tarapues, J. (2019). Situación rural de América Latina y el Caribe con 2 grados de calentamiento. 2030 – Alimentación, agricultura y desarrollo rural en América Latina y el Caribe, No. 10 . Santiago do Chile: Organización de Las Naciones Unidas para La Alimentación y la Agricultura. Recuperado de https://bit.ly/3upKPSO https://bit.ly/3upKPSO...
). Poucos estudos trazem um retrato específico dessa região. Porém, notícias sobre desnutrição infantil de povos ribeirinhos, indígenas e outros grupos (seguida de morte) são rotineiras. O Objetivo 2 da ODS (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas. (2015). Agenda 2030. 17 objetivos para transformar o mundo. Recuperado de https://bit.ly/3hhgDoH https://bit.ly/3hhgDoH...
) estipula que até 2030 deveríamos acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano. Para isso é necessário valorizar a produção da agricultura familiar, dos povos indígenas e dos pequenos produtores pescadores através do acesso à terra, a linhas de créditos, a políticas públicas que fortaleçam o mercado entre outros. Faltam dez anos para o cumprimento do acordo. Pesquisas mostram que dificilmente o Brasil alcançará tal meta e o aumento da pobreza é um indicativo disto (Favareto, 2019Favareto, A. (2019). A dimensão territorial do desenvolvimento brasileiro recente e os vetores de uma transição ecológica nos marcos da Agenda 2030. IGEPEC.33 (1), 172-190. doi:10.48075/igepec.v23i0.22752 https://doi.org/10.48075/igepec.v23i0.22...
). Segundo Jarvis et al. (2019)Jarvis, A., Loboguerrero, A. M., Martinez-Baron, D., Prager, S., Ramirez, J., Eitzinger, V. A., . . . Tarapues, J. (2019). Situación rural de América Latina y el Caribe con 2 grados de calentamiento. 2030 – Alimentación, agricultura y desarrollo rural en América Latina y el Caribe, No. 10 . Santiago do Chile: Organización de Las Naciones Unidas para La Alimentación y la Agricultura. Recuperado de https://bit.ly/3upKPSO https://bit.ly/3upKPSO...
, os pequenos agricultores possuem quatro vezes mais chances de entrar na linha da pobreza se comparados às chances de outros indivíduos, empregados em diferentes setores da economia. Essa região possui cerca de dez grupos de produtores, em sua maioria assentados, com dificuldades para ampliar a produção de alimentos, sobretudo por falta de água e opressão dos grandes produtores. As transições das bases produtivas, com atenção para a natureza, a valorização das famílias, das feiras livres e de programas que amplifiquem a aquisição da produção da agricultura familiar estão no centro das discussões para promover o desenvolvimento da região e de suas interações. |
Educação e cultura
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As tendências pedagógicas atuais têm revelado cada vez mais uma perspectiva teórica intercultural. Essa tendência busca criar laços de valorização, aceitação e respeito das mais variadas manifestações culturais, entendendo que não existem relações culturais superiores ou hierárquicas, mas uma diversidade que precisa ser respeitada e compreendida. Essa perspectiva intercultural é fundamental para que, através da educação, se diminuam preconceitos étnicos, de gênero ou xenofobia. A desvalorização ou depreciação cultural fica mais evidente em regiões com grande fluxo cultural, caso dessa fronteira, que apresenta interações sociais de brasileiros, bolivianos, paraguaios, palestinos, indígenas e outros povos. Esse fluxo cultural, ao tempo em que cria hibridizações, gera também preconceitos culturais. Por isso, as escolas dessa região devem atuar de modo a promover relações interculturais, priorizando a integração, a compreensão da vida e das oportunidades na fronteira, valorizando os sentidos de fronteira, o ensino bilíngue e formando cidadãos aptos a conviver com a diversidade. Daí a importância de projetos de extensão das universidades para apoiar as escolas nessa empreitada, das iniciativas de suporte em financiar futuros projetos e de outras iniciativas de inovação social que também promovam a difusão cultural e educacional na fronteira. |
Imigração e refugiados
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O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) define como imigrantes todos aqueles que entram em um país diferente da sua nação de origem, por razões diversas. Já os refugiados são “as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais e que não possam (ou não queiram) voltar para casa” (ACNUR, 2018). Este conceito se expande e engloba, além dos motivos citados, as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, a questões de gênero, de violência e violação massiva dos direitos humanos. Segundo a ACNUR (2017), existem 258 milhões de migrantes internacionais, 25,4 milhões dos quais deixaram seu país em decorrência de guerras, violência e perseguições, o que leva a atravessar fronteiras, tornando-se um refugiado. Aqui, 81 mil estrangeiros cruzaram a fronteira Brasil-Bolívia em 2019; destes, 56 mil eram turistas. Devido à proximidade com a Bolívia, o tráfego (ir e vir) é constante devido às inúmeras relações de troca. Não há nenhum controle fronteiriço para a população local, o que leva muitos imigrantes a entrar ilegalmente no país. Essa certa “permissividade”, que favorece as trocas locais, não exclui a xenofobia e o racismo, o que demonstra a urgência social da causa dos imigrantes e refugiados e sua imprescindibilidade na cidade. |