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“Arreda, Homem, que aí Vem Mulher”: Gênero e Afrorreligiosidade em Organizações Religiosas Afro-brasileiras

Resumo

Esta pesquisa investiga como organizações religiosas de matriz africana, por meio do discurso expresso nos cânticos destinados e entoados às Pomba-Giras1, contestam os estereótipos de gênero, possibilitando a compreensão de múltiplas feminilidades. Neste artigo, para analisar o corpus , optou-se pelo aporte teórico metodológico da análise do discurso (AD) de linha francesa oriunda do pensamento de Pêcheux. Observamos que ao estudar o gênero em organizações religiosas, por meio da figura da Pomba-Gira, abrem-se espaços para novos diálogos dentro do campo dos estudos organizacionais, além de compreender como algumas palavras usadas no cotidiano para menosprezar a mulher podem assumir outros significados nos cânticos, contribuindo para uma compreensão da performance do feminino de uma forma não puritana. A partir da reflexão proposta por este artigo, ousamos afirmar que a Pomba-Gira não é apenas uma divindade, mas também um dos inúmeros modos de performance de gênero, servindo de lente para compreender outras formas de resistência e existência das múltiplas feminilidades em diversos tipos de organizações e práticas organizativas. Seguindo o pensamento de Oyěwùmí ao propor uma análise oxunista sobre gênero e embasados nas características da divindade Ọ̀ṣun (Oxum), sugerimos aqui o pombagirismo como orientação analítica para os estudos de gênero.

organizações religiosas; afrorreligiosidade; gênero, Pomba-Gira

Abstract

This research investigates how religious organizations of the African matrix, through the discourse expressed in the songs intended for and chanted to the Pomba-Giras , contest gender stereotypes, enabling the understanding of multiple femininities. In this article, to analyze the corpus , we opted for the methodological theoretical contribution of the French discourse analysis (DA) derived from Pêcheux. We observed that by studying gender in religious organizations, through the figure of the Pomba-Giras , spaces are opened up for new dialogues within the field of organizational studies, besides understanding how some words used in daily life to belittle women can assume other meanings in the songs, contributing to an understanding of the performance of femininity in a non-puritanical way. Based on the reflection proposed by this article, we dare to affirm that the Pomba-Giras is not only a deity, but also one of the numerous modes of gender performance, serving as a lens to understand other forms of resistance and existence of the multiple femininities in various types of organizations and organizational practices. Following Oyěwùmí in proposing an Oxunist analysis of gender and based on the characteristics of the divinity Ọ̀ṣun (Oxum) , we suggest pombagirismo here as an analytical orientation for gender studies.

religious organizations; afro religiosity; gender; Pomba-Gira

Abrindo a gira

♪Meu Santo Antônio, me abre a gira e fecha a porta

Ô abre a Gira como abre lá Aruanda♪

As religiões praticadas em organizações religiosas de matriz africana se mostram campo particularmente interessante para a área dos estudos organizacionais na medida em que o universo das divindades costuma reproduzir com habilidade a vida dos humanos que lhes são devotos, evidenciando práticas e saberes subalternizados que, por muito tempo, foram – e ainda são – marginalizados pelo campo das organizações. Manter essas práticas à margem desse campo do conhecimento é ignorar todas as contribuições que podem emergir dessas organizações. Meneses (2012)Meneses, M. P. (2012). Bodies of violence, resistance languages: the complex knowledge sinets in contemporary Mozambique. Critical Journal of Southern Epistemologies, 80, 161-194. doi:10.4000/rccs.701
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argumenta que as dimensões mágicas das políticas oriundas da África são frequentemente preteridas por pesquisadores, contudo, essa dimensão “mágica” não é marginal, uma vez que é uma dimensão central da natureza de algumas lideranças e de identidades populares no continente.

No campo dos estudos organizacionais, as religiões continuam sendo marginalizadas devido à aparente crença de que a religião não é um “objeto” apropriado de estudo científico para o campo da gestão. Logo, o estudo da religião não é atraente para as escolas de gestão consideradas “tradicionais”, tampouco é passível de análise sistemática em qualquer caso ( Tracey, Phillips, & Lounsbury, 2014Tracey, P., Phillips, N. , & Lounsbury, M. (2014). Taking religion seriously in the study of organizations. Research in the Sociology of Organizations, 41(2), 3-21. doi:10.1108/S0733-558X20140000041009 ). É importante observar que o estudo da influência da religião na teoria das organizações e suas práticas não é bem desenvolvido e articulado, não obstante a religião tenha um papel significativo nas vidas dos indivíduos, na sociabilidade, nas sociedades e nas nações ( Dyck, 2014)Dyck, B. (2014). God on management: The world's largest religions, the "theological turn," and organization and management theory and practice. Research in the Sociology of Organizations, 41(2), 23-62. doi:10.1108/S0733-558X20140000041010 . O campo da gestão vem explorando essa questão de forma leve e restrita, como em relação à influência da religião no local de trabalho ( Dyck, 2014)Dyck, B. (2014). God on management: The world's largest religions, the "theological turn," and organization and management theory and practice. Research in the Sociology of Organizations, 41(2), 23-62. doi:10.1108/S0733-558X20140000041010 . No Brasil, o estudo pioneiro de Vergara e Irigaray (2000)Vergara, S.C, & Irigaray, H. A. R. (2000). The orixás of the administration. Public Administration Journal, 34(2), 1-8. Recovered from https://bit.ly/3sKKH2n
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faz uso da ideia de divindade dos Orixás, utilizando a mitologia afro-brasileira como metáfora para estudo das organizações. Embora poucos estudos sobre organizações venham timidamente compreendendo as organizações religiosas, é possível verificar a produção majoritária de saber sobre uma única religião: o cristianismo. Alguns saberes foram subalternizados e, consequentemente, relegados dessa área do conhecimento, sobretudo quando o objeto de estudo são saberes oriundos de organizações religiosas de matriz africana. Tal fato não é surpreendente, uma vez que o próprio campo ontológico e epistemológico da administração foi forjado a partir de um pressuposto em que prevalecia a figura central do homem, cis, heterossexual, branco e empregado da indústria ( Alvesson & Billing, 2009Alvesson, M., Billing, Y. D. (2009). Understanding gender and organizations. London: Sage. ; Hansen, 2002)Hansen, L.L. (2002). Rethinking the Industrial Relations Tradition from a Gender Perspective: An Invitation to Integration. Employee Relations, 24(2), 190-210. doi:10.1108/01425450210420910
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Ao falar de saberes subalternizados, não se deve ser guiado somente pela ideia de que esse ato consiste em expor o pensamento daqueles que, por um longo período, foram silenciados. Deve-se ir além, buscando desenvolver outra gramática, outras referências e epistemologias, diferentes daquelas que são hegemônicas e nos ensinadas como “verdadeiras” ou, até mesmo, como as únicas dignas de serem aprendidas e respeitadas (Pelúcio, 2012). Quando tomamos as organizações religiosas de matriz africana como objeto, é possível verificar que algumas divindades são mais demonizadas do que outras. Por exemplo, a Pomba-Gira, por ter um caráter transgressor, foi associada pela religião cristã como uma divindade diabólica ( Barros & Bairrão, 2015Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 ). Logo, “conhecer a figura da Pomba-Gira nos permite entender algo das aspirações e frustrações de largas parcelas da população, que estão muito distantes de um código de ética e moralidade embasados em valores da tradição ocidental cristã” ( Prandi, 1996, pPrandi, R. (1996). Axé heiress. Sao Paulo, SP: Hucitec. , p. 46). Assim, as Pomba-Giras são exemplos consideráveis de uma religião que incorpora diversas características humanas ao sagrado ( Barros & Bairrão, 2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 , principalmente quando essas características são atreladas às questões de gênero ( Barros & Bairrão, 2015Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 ; Birman, 2005Birman, P. (2005). Sex and trances: sex and gender in Afro-Brazilian cults, a flyover. Feminist Studies, 13(2), 403-414. Doi:10.1590/S0104-026X2005000200014 ; Capone, 2004)Capone, S. (2004). Africa's search for candomblé: tradition and power in Brazil. Rio de Janeiro, RJ: Pallas. . Posto esse cenário, a pergunta de partida deste artigo é: como organizações religiosas, por meio dos cânticos destinados às Pomba-Giras, contestam os estereótipos de gênero e como esses cânticos possibilitam a compreensão do que é ser feminino?

Prandi (1996)Prandi, R. (1996). Axé heiress. Sao Paulo, SP: Hucitec. observa que “nas religiões afro-brasileiras, todo cerimonial é cantado ao som dos atabaques, e quase todo também dançando. As cantigas de candomblé e os pontos-cantados da umbanda são instrumentos de identidade das entidades” (p. 144). Barros e Bairrão (2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 apontam ainda que “as religiões afro-brasileiras há muito tempo são um cenário frutífero para investigações de gênero justamente por serem capazes de subverter compreensões de gênero arraigadas socialmente” (p. 140).

Torna-se importante evidenciar que um dos autores desta pesquisa é membro de uma religião de matriz africana. Tal fato não inviabiliza a pesquisa, uma vez que o campo da demanda social permite que pesquisadores pertencentes a grupos específicos tenham suas atividades legitimadas e permitidas do ponto de vista sociocultural dos grupos ao qual são membros ( Bruyne, Herman, & Schoutheete, 1977Bruyne, P., Herman, J., Schoutheete, M. (1977). Dynamics of research in social sciences: the poles of methodological practice. Rio de Janeiro, RJ: Francisco Alves. ). O corpo do pesquisador deve ser compreendido, também, como um território político que busca estudar alguns fenômenos “marginalizados” não como o “Outro”, mas como uma forma de produzir conhecimentos e, ao mesmo tempo, romper com os pensamentos de intelectuais acadêmicos brancos que enxergam o mundo por uma perspectiva eurocêntrica ( Grosfoguel, 2006)Grosfoguel, R. (2006). La descolonización de la economía-política y los estudios postcoloniales: transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. Tabull Rasa, 4(1), 17-48. doi:10.25058/20112742.245
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. Desse modo, o essencial “é o locus da enunciação, ou seja, o lugar geopolítico e corpo-político do sujeito que fala” ( Grosfoguel, 2008, pGrosfoguel, R. (2008). To decolonize the studies of political economy and postcolonial studies: Transmodernity, frontier thinking and global coloniality. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80(1), 115-147. doi:10.4000/rccs.697
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, p. 119). Assim como os pesquisadores aderem a diferentes visões de mundo, eles geram uma variedade de perspectivas alternativas à medida que impõem diferentes significados e interpretações aos dados ( Astley, 1985)Astley, W.G. (1985). Administrative science as socially constructed truth. Administrative Science Quarterly, 30(4), 497-513. doi:10.2307/2392694 . Este artigo propõe, por meio do saber ancestral, expor uma nova abordagem teórica e analítica sobre gênero dentro dos estudos organizacionais, tomando como foco de análise a entidade denominada Pomba-Gira.

Ressaltamos aqui a necessidade de abordar fenômenos a partir de outras perspectivas epistemológicas e ontológicas em estudos organizacionais que não sejam hegemônicas, pois, segundo Teixeira, Oliveira e Mesquita (2019)Teixeira, J.C., Oliveira, J. S., & Mesquita, J. S. (2019, May). Can intersectionality be Afro-centered in the field of administration? A theoretical essay on the contributions of intersectional theory to the area of administration. Article presented at the National Meeting of Organizational Studies - EnEO, Fortaleza, CE. , no campo da administração, há necessidade de ampliar as tentativas, ainda incipientes, de aproximação com a teoria interseccional. Para isso, é necessário que essas tentativas partam de um pensamento afrocentrado, no sentido menos limitado desse conceito, e considerem também questões ligadas à ancestralidade e ao pertencimento cultural.

Nesse contexto, este artigo “desnorteia” o conhecimento produzido em administração, uma vez que se desvincula do norte como seu principal ponto de referência ( Lauredo & Oliveira, 2022Lauredo, F., Oliveira, T. (2022). Bewildered administration? a systematic review of the decolonial perspective and studies in organizations. Research, Society and Development, 11 (2), 1-15. doi:10.33448/rsd-v11i2.25378 ). A teoria da afrocentricidade é uma escolha epistemológica viável para criar esses “desnortes”, uma vez que, segundo Asante (2009)Asante, M. K. (2009). Afrocentricity: notes on a disciplinary position. In E. L. Nascimento, Afrocentricity: an innovative epistemological approach (pp. 93-110). São Paulo, SP: Black Seal. , ela situa tanto a cultura como o povo africano no centro das produções simbólicas e materiais em detrimento do eurocentrismo. Vale considerar que, historicamente, o eurocentrismo vem mobilizando esforços para subalternizar e apagar produções culturais africanas, tais como suas crenças, saberes, e valores ancestrais ( Asante, 2009)Asante, M. K. (2009). Afrocentricity: notes on a disciplinary position. In E. L. Nascimento, Afrocentricity: an innovative epistemological approach (pp. 93-110). São Paulo, SP: Black Seal. e que as questões raciais e étnicas são frequentemente silenciadas no campo dos estudos organizacionais ( Teixeira, Oliveira, & Carrieri, 2020Teixeira, J.C., Oliveira, J. S., & Carrieri, A. P. (2020). Why talk about race in Organizational Studies in Brazil? From biological discussion to the political dimension. Revista Perspectivas Contemporâneas, 15(1), p. 46-70. Recovered from https://bit.ly/3wj8GrD
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).

Ressalta-se que a construção deste artigo é pautada na forma como uma gira acontece (com abertura e encerramento). A gira é o momento pelo qual os devotos cantam em louvor às divindades e formam um círculo para dançar, indo sempre para a direita; esse giro é uma manifestação ordenadora da religiosidade dos seres ( Saraceni, 2014Saraceni, R. (2014). Doctrine and theology of a sacred band: the religion of mysteries a hymn of love for life. Sao Paulo, SP: Madras. ). Os médiuns devem se vestir com suas roupas ritualísticas e suas guias (colares religiosos) e, em seguida, se dirigirem para o gongá (congá), onde procuram afastar suas mentes dos pensamentos tidos como profanos. Buscam, também, pedir às entidades e aos orixás auxílio para realizarem suas funções mediúnicas ( Trindade, 2017Trindade, D. F. (2017). Umbanda manual for beginners. São Paulo, SP: SATTVA Publishing House. ). Na gira, há uma separação entre o espaço sagrado, onde ficam os médiuns, e os espaços públicos, onde ficam os consulentes ( Trindade, 2017Trindade, D. F. (2017). Umbanda manual for beginners. São Paulo, SP: SATTVA Publishing House. ). Trindade observa ainda que “durante a gira de um terreiro, são praticados vários trabalhos de caridade, envolvendo as tradicionais consultas com as entidades incorporadas, os passes, os descarregos, as curas etc.” (p. 142).

Começando uma gira epistemológica sobre gênero

♪Suprema é uma mulher de negro

Alegria do terreiro

Seu feitiço tem axé♪

Não se pode afirmar que gênero é uma categoria isolada e pertencente a uma única esfera da vida em sociedade. As questões de gênero podem ser compreendidas por uma perspectiva econômica, cultural, social e até mesmo religiosa.

Apesar de Butler ter se tornado uma grande teórica sobre gênero e estudos queer, ela não deixa de observar esses fenômenos a partir das lentes conceituais e teóricas do norte. Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. observa que devemos considerar que o conceito de gênero não é atemporal e, tampouco, universal, como pressupõem alguns estudiosos e teóricos da área, que não reconhecem ou consideram outras organizações sociais, uma vez que não empreendem olhares para as dinâmicas de comunidades africanas sem as lentes ocidentais. Ou seja, há outros olhares possíveis a partir de outros povos que estejam, de certo modo, vinculados inclusive a povos africanos. Nesse contexto, o debate a respeito da universalidade dos conceitos de gênero/sexo se apresenta como uma possibilidade de empreender diversas análises sobre os corpos dentro de organizações religiosas, como os terreiros, principalmente quando se leva em consideração o transe ancestral e a matripotência ( Bernardo, 2005Bernardo, T. (2005). Candomblé and female power. Revista Estudos da Religião, 2(1),1-21. Recovered from https://bit.ly/3NqoJd7
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). Para Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. , as incursões coloniais acarretaram uma concepção delimitada dos corpos: a noção de um corpo masculino (macho) e um corpo feminino (fêmea) passaram a ser compreendidos enquanto um processo inexorável.

Olajubu (2003)Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. e Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. observam que na sociedade Oyó Yorùbá a concepção de corpo e gênero não existia como fator estruturante antes da colonização, pois ela se estruturava por meio da senioridade dos membros dentro das famílias e das sociedades. Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. evidencia que é a senioridade dentro dessa sociedade que “classifica” as pessoas com base em suas idades cronológicas. Sendo assim, dentro do contexto yorubá, é a idade cronológica a responsável pela distribuição dos lugares de prestígio da sociedade e não o tipo sexuado de um corpo ( Oyěwùmí, 2017Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. ). Por isso, as palavras ẹ̀gbọ́n , referente à/ao irmã/o de mais idade, e àbúrò para a/o irmã/o de menos idade de quem fala, independentemente do gênero. “. . . o princípio da senioridade é dinâmico e fluido” ( Oyěwùmí, 2004Oyěwùmí, O. (2004). Conceptualizing gender: the Eurocentric foundations of feminist concepts and the challenge of African epistemologies. CODESRIA Gender Series, 1, 1-8. Recovered from https://bit.ly/3MrA8cl
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, p. 5). Dialogando com o posicionamento anterior, Olajubu (2003)Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. salienta que o gênero é uma construção dentro da experiência de vida de um povo e que está embutida na base de sua filosofia, manifestando-se nos níveis teóricos e pragmáticos de sua política, uma vez que o gênero não é independente de outros sistemas sociais. Assim, seria errôneo considerá-lo como um construto fixo e imutável; ao contrário, ele é um processo. Nessa mesma linha de pensamento, Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. rompe com a ideia de binarismo de gênero, evidencia que essa categoria é uma criação do ocidente e traz o conceito de bio-lógica.

A ideia de que a biologia é destino – ou melhor, o destino é a biologia – tem sido um marco no pensamento ocidental durante séculos. Seja na questão de quem é quem na pólis de Aristóteles ou quem é pobre nos Estados Unidos do final do século XX, a noção de que diferença e hierarquia na sociedade são biologicamente determinadas continua a gozar de credibilidade, mesmo entre os cientistas sociais que pretendem explicar a sociedade humana em outros termos que não os genéticos. No Ocidente, as explicações biológicas parecem ser especialmente privilegiadas em relação a outras formas de explicar diferenças de gênero, raça ou classe. ( Oyěwùmí, 2017Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. , p. 27)

A existência da construção de gênero entre os yorùbás não se traduz em noções de opressão e dominação das mulheres pelos homens, uma vez que ela é mediada pela filosofia das relações complementares de gênero, que está enraizada na experiência cósmica do povo. Uma relação de gênero complementar está enraizada em todos os níveis da consciência sociorreligiosa yorùbá, pois os princípios masculino e feminino são cruciais para a experiência de uma vida social tranquila ( Olajubu, 2003Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. ). Dentro do estado de Oyó, por exemplo, não se encontravam as categorias “mulher” e “homem”, mas obìnrin e okùnrin , que não são categorias de gênero, mas uma distinção anatômica que define corpos masculinos (macho) e femininos (fêmea).

Oyěwùmí (2011)Oyěwùmí, O. (2011). Decolonizing the Intellectual and the Quotidian: Yorùbá Scholars(hip) and Male Dominance. In o. Oyěwùmí (Org.) , Gender and epistemologies in Africa: gendering traditions, spaces, social institutions, and identities (pp. 9-33). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230116276_2
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chama atenção ainda para a concepção errônea de que a dominação masculina é algo atemporal nas sociedades yorubás e aceitar sua atemporalidade é ser generista, ou seja, um caso de imposição de gênero em tempos e lugares em que não havia distinções de gênero socialmente construídas. As experiências socioculturais dos yorùbás revelam, por exemplo, que as mulheres desempenham papéis importantes em todas as esferas da vida, havendo evidências desse fato nas tradições orais e nos mitos dos yorùbás ( Olajubu, 2003Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. ). Assim, as concepções filosóficas e religiosas influenciam o cotidiano da sociedade e para ambas há a necessidade de equilíbrio entre os princípios feminino e masculino, uma noção informada pela suposição de que os sexos são interdependentes. Logo, não coadunam com a ideia de dominação masculina. Olajubu ressalta que dentro da Yorùbálândia algumas mulheres desempenharam papéis esperados dos homens e vice-versa.

A construção imagética de diversas divindades pertencentes às religiões de matriz africana no Brasil “perpassa, ainda hoje, uma hegemonia do sistema sexo/gênero onde os mitos, de alguma maneira, também sofreram com os apagamentos perpetrados pela colonização” (Passos, 2021, p. 24). Posto isso, a Pomba-Gira emerge como uma figura (divindade) transgressora e que habita o imaginário da sociedade brasileira, como uma mulher vestida de vermelho e que exala perigo ( Barros & Bairrão, 2015Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 ). Ao olharmos as Pomba-Gira , divindades pertencentes ao panteão brasileiro afrorreligioso, como entidades que têm uma performance de gênero, permitimos o rompimento com diversas categorias, como as de “corpo”, “sexualidade” e “sexo”, ocasionando assim a ressignificação do gênero, por meio de uma figura que rompe com estruturas preestabelecidas ( Souza, 2019)Souza, C. (2019). Let the Dove-Gira work! : at the crossroads, paths and gender mispaths. Florianópolis, SC: Fire: Tribe of the Island. .

Cruz (2007)Cruz, A. M. L. L. (2007). From queen of the yard to the back of evil: a study on gender and ritual. (Doctoral thesis). Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. observa que a Pomba-Gira reflete a transgressão às imagens do que é feminino, uma vez que é vista como uma divindade eloquente, compreendida por diversas vezes como uma entidade possuidora de dois gêneros. Uma questão importante a ser observada é que as Pomba-Giras incorporam tanto em mulheres quanto em homens, rompendo a dualidade de sexo-gênero. Simas (2019)Simas, L.A. (2019). The enchanted body of the streets. Rio de Janeiro, RJ: Brazilian Civilization. evidencia que a energia pulsante da Pomba-Gira apresenta caráter libertador, porém nunca descontrolado, pois é sempre controlado pela potência do poder feminino ao qual se manifesta como uma característica marcante da entidade: a Pomba-Gira é a dona dos próprios desejos e expõe isso por meio da sedução, em uma corporeidade gingada capaz de desafiar qualquer padrão normativo. Sendo assim, a próxima seção busca trazer elucidações a respeito dessa divindade.

É hora de louvar o “povo de rua”

♪Rosa Caveira estou cantando em seu louvor,

Na barra da sua saia corre água e nasce flor♪

As Pomba-Giras são exemplos de como as religiões afro-brasileiras do segmento da umbanda e algumas tradições do candomblé são capazes de incluir em suas divindades características humanas por uma ótica sagrada. As Pomba-Giras são entidades consideradas femininas e transgressoras, conhecidas também como Exu feminino, sendo complexas, contraditórias e ambivalentes, assim como seu par masculino (Exu) ( Barros & Bairrão, 2015Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 ). Meyer (1993)Meyer, M. (1993). Maria Padilha and her entire gang: a lover of a king of castela: the Dove-Gira of umbanda. São Paulo, SP: Two Cities. e Reis (2020) apontam algumas características das Pomba-Giras: eróticas, feiticeiras, sedutoras e sábias. Essas características abarcam ascendências variadas que culminam em múltiplas imagens de um feminino subversivo ( Meyer, 1993)Meyer, M. (1993). Maria Padilha and her entire gang: a lover of a king of castela: the Dove-Gira of umbanda. São Paulo, SP: Two Cities. . Souza acrescenta ainda:

As Pomba-Giras são ligadas, seja no discurso afro-religioso, ou narrativas empíricas, à função de suprir demandas de consulentes e médiuns no âmbito sexual. Dessa forma, elas rompem com a organização fálica acerca da sexualidade. Por mais que a sexualidade feminina se articule num discurso da biologia puramente de forma estratégica. ( Souza, 2019Souza, C. (2019). Let the Dove-Gira work! : at the crossroads, paths and gender mispaths. Florianópolis, SC: Fire: Tribe of the Island. , p. 94)

A própria gira de Pomba-Gira (parte do culto público destinada a louvar essas entidades) é permeada pelo som de tambores, das gargalhadas estridentes, da fumaça de cigarros ou charutos, das taças cheias de bebidas alcoólicas e dos vestidos exuberantes. Desse modo, tentar compreender as Pomba-Giras pelas lentes do gênero requer indagar a categorização dessas divindades, que parecem transcendentes às divisões de “sexo” e ao binarismo de gênero impostos e construídos socialmente ( Souza, 2019Souza, C. (2019). Let the Dove-Gira work! : at the crossroads, paths and gender mispaths. Florianópolis, SC: Fire: Tribe of the Island. ). Vale lembrar que a entidade Pomba-Gira pode se manifestar em corpos biológicos femininos e masculinos, trazendo nessa manifestação outra ruptura com o binarismo sexo-gênero. Nesse contexto, a Pomba-Gira é a representação da subversão, do rompimento, da liberdade e da ordem sexual que impulsiona as mulheres a quebrarem as regras preestabelecidas pela sociedade, mostrando que é possível realizar algo à margem dos conceitos e das normas que foram introjetadas no decorrer do tempo. Ou seja, rompem com a continuidade histórica da submissão e da posse que são oriundas dos tempos imemoriais ( Costa, 2015Costa, O. S. (2015). The Dove-Gira: mythical resignification of the goddess Lilith (Doctoral thesis). Pontifical Catholic University of Goiás, Goiânia, GO. ). Logo, “a Pomba-Gira suscita nas mulheres tudo aquilo que está soterrado pelo domínio masculino com o aval da sociedade e da religião cristã que se pauta nos preceitos bíblicos” ( Costa, 2015Costa, O. S. (2015). The Dove-Gira: mythical resignification of the goddess Lilith (Doctoral thesis). Pontifical Catholic University of Goiás, Goiânia, GO. , p. 111). Outra imagem importante passada pela figura da Pomba-Gira é a da mulher forte e capaz de se rebelar contra a opressão e a dominação masculina e patriarcal (Mesquita & Oliveira, 2021).

Por essa ótica, a Pomba-Gira é autônoma, independente, sábia, acolhedora, ousada, subversiva, corajosa, erótica, livre e capaz de conquistar o que quer, sendo uma potência de elaboração de um feminino que diverge daquele visto como tradicional e que questiona a desigualdade de gênero ( Birman, 2005Birman, P. (2005). Sex and trances: sex and gender in Afro-Brazilian cults, a flyover. Feminist Studies, 13(2), 403-414. Doi:10.1590/S0104-026X2005000200014 ; Capone, 2004Capone, S. (2004). Africa's search for candomblé: tradition and power in Brazil. Rio de Janeiro, RJ: Pallas. ; Mesquita & Oliveira, 2021). Barros e Bairrão (2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 afirmam que é “notável que a prostituição se atinha às imagens e ‘histórias de vida’ de Pomba-Giras muito mais pelo caráter subversivo e concernente à sexualidade que comporta a prostituta do que à ideia da ‘profissional do sexo” (p. 133).

Essas entidades se mostram extremamente polissêmicas e dinâmicas e não passíveis de esgotamento descritivo (Mesquita & Oliveira, 2021). Ao reduzi-las a uma única imagem de prostitutas, comete-se uma prostituificação do feminino enraizada em uma visão misógina e machista ( Barros & Bairrão, 2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 .

No organizar cotidiano dos sujeitos femininos, a Pomba-Gira se torna o cerne de uma reorganização das relações de poder existentes na esfera afetiva e social dos membros e adeptos dessa organização religiosa (Mesquita & Oliveira, 2021), pois se apresenta como uma protetora daqueles considerados femininos, permitindo-lhes fazer face à violência e à traição advinda dos homens ( Birman, 2005)Birman, P. (2005). Sex and trances: sex and gender in Afro-Brazilian cults, a flyover. Feminist Studies, 13(2), 403-414. Doi:10.1590/S0104-026X2005000200014 . Barros e Bairrão (2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 afirmam ainda, por meio da relação com a Pomba-Gira , que as mulheres se veem como “agentes de seus corpos, as mulheres passam a reinventar a maneira como experienciam a sexualidade, a própria feminilidade e o que entendem por ‘ser mulher’, de modo que o sagrado também atualize femininos mais originais e menos caricatos” (p. 141). Situar a Pomba-Gira em um contexto histórico requer compreender que o que as Pombajiras são hoje é também o que permaneceu, porque foi preenchido de sentido.

A cada dia, a cada incorporação, surgem ou se “reatualizam” figuras femininas capazes de oferecer continuamente as mais plurais possibilidades de vivências do feminino (Barros, 2013). Simas (2019)Simas, L.A. (2019). The enchanted body of the streets. Rio de Janeiro, RJ: Brazilian Civilization. salienta que as Pomba-Giras são divindades que resultam do encontro existente entre o poder vital das encruzilhadas e a trajetória performática de encantadas, ou mulheres que viveram na/da rua e que tiveram muitos amores, além de expressarem sua energia vital, por meio da sensualidade de seus corpos, exposta de forma livre e aflorada, em que a ideia de corpo pecador não faz nenhum sentido. Nos terreiros, os termos “Pomba-Gira” e “mulher” emergem como correspondentes, propondo, assim, um convite para criar uma profunda reflexão sobre como essas divindades femininas promovem sentidos de mulher por meio de suas performances nos rituais (Barros, 2013).

A gira é discursiva: discurso, interdiscurso, memória discursiva e efeitos de sentido

♪Diabo velho eu vou cortar seu chifre

Vou cortar seu rabo e

Dá pra Exu comer Da tua língua eu vou fazer um chicote

Pra bater nas costas de quem fala mal de mim♪

Neste artigo, para analisar o corpus , optou-se pelo aporte teórico metodológico da análise do discurso (AD) de linha francesa, oriunda do pensamento de Pêcheux. Embora o pensamento norteador seja o de Pêcheux, é importante evidenciar que ele não é alheio ao pensamento de Foucault, pelo contrário, há algumas aproximações entres esses pensadores (Magalhães & Kogawa, 2019). Ambos os pensadores deixam em evidência “a importância que atribuíam aos aspectos de exterioridade do discurso, às condições contextuais de sua emergência, à descrição de sua materialidade, à busca pelas regularidades discursivas e aos fatores que as possibilitavam” ( Azeredo & Bartho, 2020, pAzeredo, L., Bartho, V. D. (2020). Analysis of the French discourse: Pêcheux and Foucault, two "micheis" in their (dis)meetings. Paths in Applied Linguistics, 23(2), 36-56. Recovered from https://bit.ly/3lkdlmX
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, pp. 54-55).

Para compreender o que é o discurso, é fundamental compreender o que ele não é: o discurso não é uma produção individual do falante; não está sob controle do indivíduo que enuncia; não é atemporal nem planejado ( Pêcheux, 2015Pêcheux, M. (2015). Language, languages, speech. In E.P. Orlandi, Discourse analysis: Michel Pêcheux (pp. 283-294). Campinas, SP: Editors Bridges. ). Segundo Pêcheux (2014)Pêcheux, M. (2014). Automatic speech analysis (AAD-69). In F. Gadet, T. Hak (Orgs.) , By an automatic discourse analysis: an introduction to the work of Michel Pêcheux (pp. 74-94). Campinas, SP: Unicamp. , para um discurso ser pronunciado requer condições de produção dadas. Em outras palavras, o discurso é uma produção de enunciados feitos por meio de uma formação discursiva que atravessa o sujeito enunciador e, consequentemente, está sempre em dependência da posição que esse sujeito ocupa. Assim, o conceito de discurso aqui mobilizado é aquele que o compreende como efeitos de sentidos existentes entre locutores ( Pêcheux, 1969Pêcheux, M. (1969). Analyse automatique du discours. Paris: Dunod. ), e como a prática da linguagem, a palavra em movimento, conforme Orlandi (2012)Orlandi, E. P. (2012). Discourse analysis: principles and procedures. Campinas, SP: Bridges. . Nesse contexto, Pêcheux sustenta:

. . . uma palavra, uma expressão ou uma proposição não tem um sentido que lhe seria “próprio”, vinculado à sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões e proposições da mesma formação discursiva. ( Pêcheux, 1988Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. , p. 160)

O que diz, o que anuncia, promete ou denuncia, não tem o mesmo estatuto, conforme o lugar que ele ocupa; a mesma declaração pode ser uma arma temível ou uma comédia ridícula, segundo a posição do orador e do que ele representa em relação à sua fala. Um discurso pode ser um ato político direto ou um gesto vazio, para ‘dar o troco’, o que é uma outra forma de ação política ( Pêcheux, 2014Pêcheux, M. (2014). Automatic speech analysis (AAD-69). In F. Gadet, T. Hak (Orgs.) , By an automatic discourse analysis: an introduction to the work of Michel Pêcheux (pp. 74-94). Campinas, SP: Unicamp. ).

As condições de produção do discurso estão imbricadas em um jogo de imagens no qual o sujeito não está à margem, mas sim inserido ao centro, o que leva em conta o entendimento das formações a respeito de sua posição e da posição do outro, em um contexto concreto e historicamente determinado, formando assim uma tríade: sujeito, discurso e história (Magalhães & Kogawa, 2019). O conceito de discurso é dependente do conceito de formação discursiva (FD), que está atrelado ao conceito de formação ideológica. A formação ideológica deve ser compreendida como um conjunto complexo de representações e atitudes que não são universais e, tampouco, individuais, porém se relacionam diretamente com as posições de classe que estão em conflito umas com as outras ( Haroche, Pêcheux, & Henry, 2007Haroche, C., Pêcheux, M., Henry, P. (2007). The semantics and the Saussurian cut: language, language, speech. In R.L. Barons (Org.), Analysis of the course: notes to a history of the concept of discursive formation (pp. 13-31). São Carlos, SP: Pedro & João Editores. ).

Essas formações ideológicas são compostas por uma ou várias FD que se interligam, segundo as quais a posição do sujeito é o que dá margem para que algo possa ser dito, isso porque as posições dentro de uma formação discursiva são inter-relacionadas ( Haroche, Pêcheux, & Henry, 2007Haroche, C., Pêcheux, M., Henry, P. (2007). The semantics and the Saussurian cut: language, language, speech. In R.L. Barons (Org.), Analysis of the course: notes to a history of the concept of discursive formation (pp. 13-31). São Carlos, SP: Pedro & João Editores. ) e “. . . as palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva à outra” ( Haroche, Pêcheux, & Henry, 2007Haroche, C., Pêcheux, M., Henry, P. (2007). The semantics and the Saussurian cut: language, language, speech. In R.L. Barons (Org.), Analysis of the course: notes to a history of the concept of discursive formation (pp. 13-31). São Carlos, SP: Pedro & João Editores. , p. 56). Pêcheux (1988)Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. defende que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência de sentido que nela se constitui, sua dependência com relação ao ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas” (p. 162), estando sempre vinculadas a um interdiscurso.

O “interdiscurso se constitui de um conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos” ( Orlandi, 2012Orlandi, E. P. (2012). Discourse analysis: principles and procedures. Campinas, SP: Bridges. , p. 33). Para que o que dizemos faça algum sentido, é necessário que já tenha feito sentido antes. Ou seja, o interdiscurso pode ser compreendido como todo o complexo dominante das FD, sendo chamado de memória discursiva. Essa memória discursiva opera como um suporte semântico do discurso, em que seu funcionamento se dá por meio da repetição dos enunciados, formando uma regularidade discursiva que parte de um “já dito” ( Pêcheux, 1988Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. ). Por fim, “na repetição histórica, há deslocamento, deriva, transferência, efeito metafórico. E o efeito metafórico é retomada e esquecimento, deslize para outro lugar de sentido, novo gesto de interpretação” ( Orlandi, 2016Orlandi, E. P. (2016). Discourse under analysis: subject , sense, ideology. Campinas, SP: Bridges. , p. 173).

Pêcheux relata que o discurso está longe de se configurar como lugar da liberdade humana, uma vez que “é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas” (Pêcheux, 2014, p. 77), estando sempre sobre a égide das relações de forças existentes entre um campo político dado e os elementos antagonistas. O discurso deve ser visto como inerente à ideologia e, como diz Pêcheux (1988)Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. , “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (p. 64). Sendo o discurso formado por enunciados, é importante expor que todo enunciado é linguisticamente descritível e visto como um conjunto de pontos possíveis à deriva, oferecendo lugar às interpretações ( Pêcheux, 1988Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. ). Como questiona Pêcheux (2014)Pêcheux, M. (2014). Automatic speech analysis (AAD-69). In F. Gadet, T. Hak (Orgs.) , By an automatic discourse analysis: an introduction to the work of Michel Pêcheux (pp. 74-94). Campinas, SP: Unicamp.: “Que significação contém este texto?” (p. 63). Ao buscar a significação de um texto, é preciso recorrer ao ato de interpretar. Esse gesto produzido pelo analista deixa evidente a relação existente entre história, língua e o funcionamento da ideologia ( Orlandi, 2004Orlandi, E. P. (2004). Interpretation: authorship , reading and deeds of symbolic work. Rio de Janeiro, RJ: Voices. ). Assim, a AD está preocupada em compreender como um objeto simbólico produz sentidos e como ele está imbricado de significância por e para os sujeitos (Magalhães & Kogawa, 2019).

É hora de ‘consultar’ com as Pomba-Giras: analisando o corpus da pesquisa

As cantigas (ou pontos) usados nos rituais afro-brasileiros remetem às características das entidades cuja finalidade é homenagear as divindades, preparar e manter a “gira” (como é chamado o ritual em que as divindades se manifestam). Essas cantigas são passadas entre gerações por meio da tradição oral e seus autores originais são, em geral, desconhecidos, sendo em sua maioria de domínio popular. Algumas foram gravadas por intérpretes da música popular, eventualmente fazendo muito sucesso. As cantigas (pontos) de entoadas para as divindades da umbanda são instrumentos que atualizam a identidade das entidades por meio de personagens e componentes do cotidiano e que se articulam com diversos elementos do imaginário social brasileiro ( Nascimento, Souza, & Trindade, 2001Nascimento, A. R. A., Souza, L., Trindade, Z. A. (2001). Exus and Doves-Giras: the masculine and the feminine in the sung points of the umbanda. Psychology in Study, 6(2), 107-113. doi:10.1590/S1413-73722001000200015 ).

As materialidades escolhidas para compor o corpus de análise foram retiradas de livros que têm como conteúdo a divulgação de pontos (cântico) de entidades da umbanda. Foram selecionadas quatro materialidades, a partir de fragmentos de cantigas entoadas para as Pomba-Giras. Essas materialidades foram retiradas do livro “Pontos cantados de umbanda”, de autoria de Marcos Scliar. Ressalta-se que a AD é operacionalizada à medida que se foi analisando o corpus da pesquisa, buscando suas interdiscursividades (quando um discurso é atravessado por outro), bem como os possíveis efeitos de sentido que as palavras proporcionavam ao olhar seu contexto de produção. Mobilizou-se, também, o conceito de memória discursiva ao observar que alguns elementos presentes nos cânticos já remetiam a um já dito. A escolha desses cânticos está ancorada no fato de serem os mais entoados e comuns em diversos terreiros. O primeiro cântico a ser analisado diz respeito à chegada das Pomba-Giras na gira, como pode ser visto:

Arreda, homem, que aí vem mulher!

Arreda, homem, que aí vem mulher!

Ela é a Pomba-Gira, rainha do cabaré

Sete homens vêm na frente pra dizer quem ela é

Ela é a Pomba-Gira, rainha do cabaré

Esse cântico foi gravado recentemente por Mariene de Castro ( Farias, 2020Farias, D. (2020). Exu and Pombagira Points – Mariene de Castro [Video]. Recovered from https://bit.ly/38H1tZx
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). O enunciado nesse fragmento assume caráter imperativo e de ordenamento da saída dos homens, como pode ser visto na palavra “arreda”. Esse enunciado emana diversos sentidos e interpretações, sendo algumas: (a) o cântico tem como objetivo avisar que a Pomba-Gira, uma entidade feminina, vai chegar; os homens devem ter medo, pois um ser feminino irá tomar conta do espaço, seja ele geográfico ou espiritual; (b) há uma rivalidade entre homens e mulheres, e ambos não podem ocupar o mesmo espaço; contudo, a mulher detém mais poder, uma vez que é ela quem domina (é a “rainha do cabaré”); (c) feminino e masculino podem habitar o mesmo espaço, porém com um certo distanciamento; (d) o enunciado “arreda homem” possibilita compreender que as mulheres vão ocupar um lugar que antes era ocupado por homem; as mulheres passam a se inserir em espaços masculinos, não de forma pacífica, mas por imposição, evidenciando assim o poder das mulheres; (e) o caráter autoritário, de ordenamento, mostra que mulheres podem ter características masculinas, como a agressividade, para que conquistem espacialidades, ou seja, um “corpo” feminino também é fonte de (re)produção de masculinidades. No enunciado “sete homens vêm na frente pra dizer quem ela é”, “vêm na frente” emerge para afirmar que a Pomba-Gira suscita, também, uma ideia de submissão desses homens a sua grandeza.

Outra interpretação possível está ancorada na ideia de que o ser feminino assume uma imagem distinta daquela propalada pela sociedade patriarcal: a mulher submissa aos homens dá lugar àquela que os ordena para que abram caminho, pois ela irá passar, enquanto eles só entram nesse espaço para referenciá-la (dizer quem ela é). Mediante essas análises, é possível verificar que o gênero ocasiona nesse “corpo” uma descontinuidade, rompendo assim com a bio-lógica e com o binarismo exposto por Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. . Ao dizer que “sete homens vêm na frente pra dizer quem ela é”, o enunciado permite compreender que os homens não estão no comando, uma vez que eles ocupam o papel de enunciadores, mostrando uma potência do feminino. Outra leitura possível, e que ainda inferioriza as mulheres, consiste no fato de os homens ainda serem sempre os primeiros, colocando o feminino em segundo plano. No entanto, o fato de existirem sete homens que anunciam sua chegada evidencia um caráter transgressor, considerando que eles podem aparecer como uma posse ou, até mesmo, como companheiros amorosos. Outro efeito de sentido permite compreender que os homens têm um papel de arautos: a posição da Pomba-Gira a impede de falar com qualquer um, ela só fala por meio dos arautos ou emissários; os homens passam a ser entendidos como mortais, enquanto o feminino continua divinizado. Logo, tal enunciado dialoga com o pensamento de Cruz (2007)Cruz, A. M. L. L. (2007). From queen of the yard to the back of evil: a study on gender and ritual. (Doctoral thesis). Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. , segundo o qual a Pomba-Gira se manifesta como uma transgressão às imagens do que é tido socialmente como feminino, uma vez que ela é uma divindade eloquente e, muitas vezes, apresenta características tanto masculinas quanto femininas.

Nesse sentido, o feminino, não a Pomba-Gira, se apresenta como uma transgressão, uma vez que confronta o pensamento cristão, assim como apontado por Barros e Bairrão (2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 . O efeito de sentido de ser chamada de rainha causa um esvaziamento do poder atribuído a ela, considerando que, para ser rainha, há um rei. Ao retomar a memória discursiva, a figura do rei é predominante à da rainha, retirando assim o protagonismo do feminino, o que colabora para a desigualdade de gênero, uma vez que há uma pseudodependência do ser feminino. Essas questões, em parte, dialogam com o pensamento de Barros e Bairrão (2015)Barros, M. L., & Bairrão, J. F.M. H. (2015). Gender performances in umbanda: Pomba-Gira as an Afro-Brazilian interpretation of "woman"? Journal of the Institute of Brazilian Studies, 62(1), 126–145. doi:10.11606 , de que a Pomba-Gira, muitas vezes, é representada como uma divindade autoritária, agressiva, conquistadora e ativa. Essas características, na sociedade brasileira, são exemplos de masculinidade; logo, pertencentes ao universo masculino. Tal fato exemplifica o pensamento de Olajubu (2003)Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. de que mulheres podem realizar tarefas destinadas aos homens e vice-versa, evidenciando também o pensamento de Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. . Para a autora, o corpo é só um marcador, mas não um definidor do gênero. Esse cântico possibilita também compreender o ser feminino não como uma unidade, mas como algo fragmentado, uma vez que não expressa uma identidade “pura” feminina. No próximo discurso, é possível verificar a repetição da necessidade de o feminino ocupar espaço, bem como o “corpo” apresentado como um local que manifesta tanto o masculino quanto o feminino.

Abre a roda

Abre a roda

Deixa a Pomba-Gira trabalhar

Ela tem peito de aço,

Ela tem peito de aço

E o coração de um sabiá

A cantiga anterior é conhecida como “A festa de Maria Padilha” ( Stonlogun Music Group, 2020Stonlogun Music Group. (2021). Festa De Maria Padilha - Doté Severino (Official Song Music) [Video]. Recovered from https://bit.ly/3MPfdjT
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). O enunciado “abre a roda” produz um efeito de sentido que remete à necessidade de o feminino ocupar espaço para que possa atuar, mesmo que seja em um espaço delimitado. Porém, esse espaço pode ser composto por sujeitos que performam diferentes gêneros, uma vez que a “roda” consiste em um conjunto de pessoas. Diferente do discurso anterior, não há um caráter de ordenamento e de esvaziamento do espaço (no caso dos homens), mas, sim, a necessidade de colocar o feminino no centro, ao abrir a roda para a Pomba-Gira trabalhar. Ao dizer ‘Ela tem peito de aço e coração de sabiá’, esse enunciado sugere um efeito de sentido metafórico, permitindo outras interpretações, como exposto por Orlandi (2016)Orlandi, E. P. (2016). Discourse under analysis: subject , sense, ideology. Campinas, SP: Bridges. . Logo, a figura da Pomba-Gira aparece como um sujeito resistente e com alta maleabilidade. O enunciado ganha esse sentido na medida em que poderia ter sido escolhida a palavra “ferro” em vez de “aço”, ou seja, a Pomba-Gira representa um feminino muito mais resistente e com maior poder de adaptação.

Esse feminino, expresso na figura da Pomba-Gira, inicialmente se apresenta como essencial à vida, frágil e livre, como se vê no enunciado “um coração de sabiá”. Outra interpretação possível é que o coração pode ser visto por sua condição metafórica como um signo vinculado ao amor, considerando que a palavra “coração” assume significados diferentes por conta do interdiscurso. O “coração” de sabiá pode remeter à forma de amor livre, sem dono, considerando que pássaros, no imaginário social, representam a liberdade ou, então, permitem compreender as formas livres para se amar uma mulher acolhedora. Além do exposto, o enunciado evidencia um ser feminino intenso e frágil, uma vez que o coração das aves são os mais acelerados e delicados. É importante observar que qualquer ave poderia ter sido escolhida, mas ao escolher o sabiá há uma questão ideológica, comum ao discurso, como já apontado por Pêcheux (1988)Pêcheux, M. (1988). Semantics and discourse: a critique of the statement of the obvious. Campinas, SP: Unicamp. .

A primeira questão está ancorada no fato de o sabiá ter sido consagrado a ave que representa o Brasil, logo, esse caráter da Pomba-Gira se manifesta como uma representação de muitas mulheres brasileiras. Outro efeito de sentido, que emerge por meio do interdiscurso, está no significado da palavra “sabiá” em tupi: “aquele que reza muito”, sendo uma alusão à capacidade da ave de aprender diversos sons, atribuindo, dessa forma, à Pomba-Gira um caráter de mulher sábia. Essas características dialogam com os pensamentos de Birman (2005)Birman, P. (2005). Sex and trances: sex and gender in Afro-Brazilian cults, a flyover. Feminist Studies, 13(2), 403-414. Doi:10.1590/S0104-026X2005000200014 , Capone (2004)Capone, S. (2004). Africa's search for candomblé: tradition and power in Brazil. Rio de Janeiro, RJ: Pallas. e Mesquita e Oliveira (2021), uma vez que esses autores afirmam que a Pomba-Gira rompe com as relações de poder presentes tanto na esfera afetiva quanto social dos praticantes de religiões afro-brasileiras, mais uma vez criando uma ruptura com a bio-lógica exposta por Oyěwùmí (2017)Oyěwùmí, O. (2017). La invención de las mujeres: una perspectiva africana sobre los discursos occidentales de género. Bogotá: Editorial en la Frontera. . Os efeitos de sentidos produzidos pelo enunciado analisado criam uma ruptura com o pensamento de Passos (2021), para o qual existe uma hegemonia do sistema sexo/gênero e que pode ser observada nos mitos das divindades, por exemplo.

Pomba-Gira é mulher de sete maridos!

Pomba-Gira é mulher de sete maridos,

Mas não mexa com ela!

Pomba-Gira é um perigo!

Ela é Pomba-Gira, a rainha da encruzilhada,

Que enfrenta seus inimigos

Com uma forte gargalhada.

Esse fragmento foi extraído do ponto conhecido como “Pomba Gira mulher de sete maridos” ( Oliveira, 2008Oliveira, P. (2008). Ponto - Pomba Gira - Wife of 7 husbands [Video]. Recovered from https://bit.ly/3G3gAIZ
https://bit.ly/3G3gAIZ...
). O discurso contido no fragmento possui um enunciado que apresenta a Pomba-Gira como uma entidade feminina contraventora, ao afirmar que “é mulher de sete maridos”, pois cria uma ruptura com o pensamento ocidental do casamento monogâmico. A contravenção aparece ainda no fato de que em diversos países é permitido somente aos homens se casarem com várias mulheres, sendo o contrário motivo de penalidades. Outra interpretação possível é que, ao possuir mais de um marido, a Pomba-Gira se mostra como uma fonte de luta contra a dominação masculina, considerando que ela não exerce o papel de esposa submissa, mas de mulher livre que pode escolher vários parceiros. Por meio desse enunciado, percebe-se que não existe uma relação de opressão das mulheres por parte dos homens, a Pomba-Gira se manifesta como uma divindade que estabelece o equilíbrio entre homens e mulheres. Logo, esse enunciado dialoga com o pensamento de Olajubu (2003)Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. e Oyěwùmí (2011)Oyěwùmí, O. (2011). Decolonizing the Intellectual and the Quotidian: Yorùbá Scholars(hip) and Male Dominance. In o. Oyěwùmí (Org.) , Gender and epistemologies in Africa: gendering traditions, spaces, social institutions, and identities (pp. 9-33). New York: Palgrave Macmillan. doi:10.1057/9780230116276_2
https://doi.org/10.1057/9780230116276_2...
, para as quais a ideia de dominação masculina não se faz presente em algumas sociedades yorùbás.

O enunciado gera também outro efeito de sentido que não é a passividade. Por apresentar a poligamia feminina como uma transgressão, essa figura que representa o feminino como um sujeito perigoso é capaz de possuir diversas atitudes tidas como transgressoras. Já o enunciado “Que enfrenta seus inimigos com uma forte gargalhada” permite compreender que essa entidade também tem caráter combativo e que não deixa seus inimigos (figuras masculinas) fazerem o que desejam. É importante que a Pomba-Gira, no enunciado escolhido, não tenha inimigas, o que possibilita um sentido que remete a uma união entre sujeitos femininos. O discurso apresentado evidencia a Pomba-Gira enquanto uma representação do feminino, como o centro da reorganização das relações de poder que permeiam as esferas sociais e afetivas. Mesquita e Oliveira (2021) afirmam que essas divindades são importantes para se pensar a reorganização das relações de poder, principalmente como elas afetam a vida social de adeptos e membros de organizações religiosas de matriz africana, assim como a necessidade de se enfrentar a dominação masculina. Os discursos analisados neste artigo evidenciam a Pomba-Gira como uma representação do feminino que é autônomo, sábio, independente, ousado, subversivo, corajoso, livre e capaz de conquistar o que quer, sendo uma potência de elaboração de um feminino que diverge daquele visto como tradicional e que questiona a desigualdade de gênero.

De vermelho e negro

Vestindo a noite, o mistério traz

De colar de ouro, brinco dourado

A promessa faz

Se é preciso ir, você pode ir Peça o que quiser

Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher

E no canto da rua girando, girando, girando está

Ela é moça bonita, Girando, oi girando, oi girando lá

Oi girando está, laroiê oi girando lá

Esse enunciado é parte de uma cantiga conhecida popularmente como “Moça bonita”, gravada por cantoras da música popular brasileira como Ângela Maria e Rita Ribeiro ( Benneditto, 2019Benneditto, R. (2019). Rita Benneditto - Pretty Girl (Exu Points) [Video]. Recovered from https://bit.ly/3MC6y3X
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). O fragmento apresenta várias sequências de enunciados. No primeiro, a Pomba-Gira é descrita como uma mulher misteriosa e sedutora, pois, na memória discursiva, o vermelho é considerado a cor da sensualidade e o negro, o mistério. O enunciado “vestindo a noite, o mistério traz” possibilita compreender a Pomba-Gira como uma representação do feminino que é livre para andar nas ruas a qualquer hora do dia, porém é a noite que o mistério habita. Ao expor que ela usa colar de ouro e brincos dourados, evidencia-se essa divindade como detentora de riquezas, capaz de fazer promessas, ou seja, como uma mulher capaz de cumprir compromissos. Assim, o feminino é manifestado como uma característica libertadora. Outro enunciado avisa ao enunciatário que ele é livre para pedir qualquer coisa, porém um alerta é dado e mostra que não é possível enganar as mulheres. Causa-se um efeito de sentido que remete à potência do poder feminino, segundo o qual a Pomba-Gira traz a identidade da mulher que é dona dos próprios desejos e vontades. As análises oriundas do enunciado anterior dialogam tanto com o pensamento de Meyer (1993)Meyer, M. (1993). Maria Padilha and her entire gang: a lover of a king of castela: the Dove-Gira of umbanda. São Paulo, SP: Two Cities. quanto de Reis (2020), pois para os autores as Pomba-Gira são uma figura de subversão do que se compreende socialmente como feminino, uma vez que elas são sábias, sedutoras, eróticas e até mesmo feiticeiras. Ademais, a Pomba-Gira representa, por meio da análise do cântico anterior, um rompimento da submissão feminina, pois ela traz a liberdade da sexualidade e quebra as regras preestabelecidas pela sociedade. Nesse contexto, segundo Costa (2015)Costa, O. S. (2015). The Dove-Gira: mythical resignification of the goddess Lilith (Doctoral thesis). Pontifical Catholic University of Goiás, Goiânia, GO. , ela rompe com a continuidade histórica da submissão feminina e da ideia de mulher como posse do homem.

A noção de liberdade também está presente no fragmento – “E no canto da rua girando, girando, girando está” –, pois remete à noção de liberdade da mulher: ela pode girar pela rua sem se importar com os olhares alheios, pois sabe se defender de quem mexe com ela. Essas questões ilustram o pensamento de Simas (2019)Simas, L.A. (2019). The enchanted body of the streets. Rio de Janeiro, RJ: Brazilian Civilization. ao evidenciar a Pomba-Gira como uma representação em potencial do poder feminino e das mulheres independentes. Nessa sequência discursiva, um enunciado possibilita um efeito de sentido que pressupõe que toda mulher bonita é inocente e incapaz de possuir atitudes que a permitam se defender contra os homens, uma vez que o alerta é dado aos homens (“mas cuidado, amigo”). Essa SD exemplifica o pensamento de Barros (2013) de que as Pomba-Giras e suas incorporações possibilitam uma “reatualização” do que se entende como uma figura feminina, oferecendo de forma contínua uma pluralidade de possibilidades para se compreender as vivências femininas.

Por meio desse enunciado, percebe-se ainda que a Pomba-Gira possibilita compreender o gênero a partir das experiências de um povo, ou até mesmo da própria divindade. De modo geral, percebe-se que os cânticos entoados para as Pomba-Giras falam de suas experiências que refletem também a vida dos adeptos de religiões afro-brasileiras. Como já apontado por Olajubu (2003)Olajubu, O. (2003). Women in the Yoruba religious sphere. Albany: State University of New York Press. , o gênero é constituído por meio das experiências de vida de um povo. Essas experiências estão incutidas em uma base filosófica e se manifestam em diferentes níveis, tais como pragmáticos, teóricos e políticos. Assim, o gênero não é uma construção independente dos sistemas sociais e não pode ser visto como um construto imutável e fixo, mas sim como um processo.

Fechando a gira

♪A despedida de uma Rosa

Faz chorar faz chorar, faz soluçar♪

Retoma-se, nesta seção, a pergunta de pesquisa norteadora deste artigo: como organizações religiosas de matriz africana, por meio de discursos expressos em cânticos destinados às Pomba-Giras, contestam os estereótipos de gênero e como esses cânticos possibilitam a compreensão de múltiplas feminilidades e masculinidades?

Considera-se que a Pomba-Gira, enquanto uma representação do feminino, está inserida em uma situação ambígua nas classificações de ser homem e ser mulher. Ela apresenta características socialmente construídas como pertencentes ao universo masculino, contrastando com a cisheteronormatividade de fora das organizações religiosas de matriz africana. Considerando que a Pomba-Gira é dotada de poder, essa figura feminina vai em direção oposta à redutora inteligibilidade normativa que afirma que o único modo de os sujeitos femininos serem poderosos e independentes é se estiverem vinculados ou dependentes dos homens. Dessa forma, o que atribuiria poder à Pomba-Gira estaria na performatividade de gênero, apesar de ser um ser feminino e, simultaneamente, apresentar características atribuídas aos homens. Pode-se observar que em uma das temáticas recorrentes nos pontos cantados – os diferentes papéis que o feminino pode exercer na sociedade –, o que se sabe e o que se diz sobre as mulheres nessa atmosfera afrorreligiosa é, não raro, um misto de resistência e de reprodução ora da mulher como uma figura passiva, ora como uma figura subversiva e transgressora.

Consideramos que os discursos não podem ser desvinculados das condições sócio-históricas de sua produção. Logo, os discursos que emergem nas organizações religiosas (terreiros), por meio dos pontos cantados de umbanda, são sequências de enunciados que se elevam durante um ritual religioso e buscam reverenciar as divindades, no caso as Pomba-Giras, criando assim um status que as coloca em uma posição de adoração. Assim, as FD dos pontos de umbanda estão em um embate extremamente claro com o significado que as palavras assumem no conhecimento popular sobre gênero, mulheres e relações amorosas.

Os discursos dos terreiros expressos pelos pontos cantados às Pomba-Giras se posicionam em valorização da liberdade da mulher, sendo essa um tipo de liberdade que se manifesta como oposição à moralização cristã. Os enunciados evidenciam a figura da mulher que gargalha ao mesmo tempo que enfrenta os inimigos, que tem sete maridos e que conquista espaços masculinos. Colocam-se, desse modo, em favor da igualdade de gênero, da liberdade de expressão e até mesmo da resistência a uma moral que é paralisante.

Por fim, observamos que ao estudar o gênero em organizações religiosas, por meio da figura da Pomba-Gira, abrem-se espaços para novos diálogos dentro do campo dos estudos organizacionais, além de compreender como algumas palavras usadas no cotidiano, como forma de menosprezar e desvalorizar a mulher, podem assumir outros significados, contribuindo para o entendimento do ‘fazer feminino’ de um modo não puritano. Ousamos dizer que a Pomba-Gira não é apenas uma divindade, mas também uma das inúmeras formas de performance de gênero, servindo de lente para compreender outras formas de resistência e existência de múltiplas feminilidades em diversos tipos de organizações e práticas organizativas. Nesse sentido, seguindo o pensamento de Oyěwùmí (2016)Oyěwùmí, O. (2016). What gender is motherhood? changing Yorùbá ideals of power, procreation, and identity in the age of modernity. New York: Palgrave. ao propor uma analítica oxunista sobre gênero, embasando-se nas características da divindade Ọ̀ṣun (Oxum), sugerimos aqui o pombajirismo como uma orientação analítica para os estudos de gênero.

Não obstante, salientamos que, nas organizações religiosas de matriz africana, embora estejam inseridas em um contexto ocidental marcado pela cultura patriarcal, é possível identificar uma predominância do papel feminino enquanto liderança, seja no campo religioso, seja na própria estrutura organizativa dos terreiros ou casas de Candomblé. Essa liderança é caracterizada pela presença feminina e pode ser amplamente verificada em diversos trabalhos ( Menezes, 2005Menezes, L. (2005). The Yalorixás of Recife. Recife, PE: Funcultura. ; Moura & Silva, 2020Moura, R. G., & Silva, E.B. (2020, November). Iyámi Agba Wa O: the cult of female deities in religious organizations of African origin and the appreciation of women. Article presented at the XXIII Semead Administration Seminar, the n-line. Recovered from https://bit.ly/3yJllWG
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; Santos, 2008Santos, I.M.F. (2008). Iá Mi Oxorongá: ancestral mothers and female power in the African religion. Sankofa, 1(2), 59-81. doi:10.11606/issn.1983-6023.sank.2008.88730 ), que tratam da importância das personagens femininas para a consolidação e tradição dos terreiros de religiões africanas no Brasil. Tal fato pode refletir a visão que se tem sobre o gênero feminino, como sinônimo de força, coragem, resistência, autonomia, liberdade e liderança, identificada nas cantigas analisadas, que se contrapõe à visão do gênero feminino presente na sociedade ocidental sob a égide do cristianismo. Nesse sentido, sugere-se, como pauta para estudos futuros, uma análise das organizações religiosas a partir da perspectiva da liderança, considerando as questões de gênero e a valorização do feminino em instituições inseridas em uma cultura patriarcal.

É importante salientar que mesmo em trabalhos descoloniais ou pós-coloniais, é difícil não recorrer aos autores do norte epistêmico para compor e estruturar tanto o referencial teórico quanto o percurso metodológico. Portanto, deixamos como sugestão para trabalhos futuros, artigos ou ensaios, que desenhem um método de pesquisa embasado na afrocentralidade, tomando os saberes ancestrais como ponto de partida.

Agradecimentos

Agradecemos a todo povo de rua por permitir que tal pesquisa acontecesse. Agradecemos às(aos) pareceristas pelas ricas contribuições, possibilitando o aprimoramento da pesquisa realizada.

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Nota

  • 1
    . Optamos pela grafia “Pomba-Gira”, com hífen, pois essa é a grafia recorrente nos textos sobre a temática, sendo, inclusive, a forma utilizada entre os praticantes de religiões de matrizes africanas.
  • Verificação de plágio
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  • Disponibilidade de dados
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Editora Associada: Josiane Silva Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2021
  • Aceito
    27 Abr 2022
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