Acessibilidade / Reportar erro

ENTRE REGIMES DE INFORMAÇÃO E DESINFORMAÇÃO: MODOS DE PRODUÇÃO INFORMACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

BETWEEN REGIMES OF INFORMATION AND DISINFORMATION: MODES OF INFORMATIONAL PRODUCTION IN CONTEMPORARY TIMES

RESUMO

Permeados por uma conjuntura que contempla relações humanas, sistemas de inteligência artificial e plataformas sociodigitais, os diversos modos de produção, compartilhamento e acesso às informações na contemporaneidade são marcados por uma ambiência de poder e política que, enquanto recurso estratégico, sustenta contextos socioculturais e modos de governança mediados pela desinformação. Diante disso, foi concebida essa pesquisa teórica e descritiva, com o objetivo de apresentar os principais elementos que, a partir da interface teórica que conecta conceitos de desinformação e regime de informação, compõem o que seria um regime de desinformação. Do ponto de vista epistemológico esse estudo oferece um novo olhar para este conceito apresentado com evidência, sobretudo, na Ciência da Informação: o regime de informação, na tentativa de adequá-lo a um ambiente social no qual a desinformação opera na transformação de estruturas e de noções estabelecidas ao longo do tempo.

Palavras-chave:
Regime de Informação; Desinformação; Regime de desinformação

ABSTRACT

Permeated by a conjuncture that includes human relations, artificial intelligence systems and socio-digital platforms, the various ways of producing, sharing and accessing information in contemporary times are marked by an ambience of power and politics which, as a strategic resource, sustains socio-cultural contexts and modes of governance mediated by disinformation. In view of this, this theoretical and descriptive study was designed with the aim of presenting the main elements that, based on the theoretical interface that connects the concepts of disinformation and the information regime, make up what would be a disinformation regime. From an epistemological point of view, this study offers a new look at this concept that has been presented with evidence, especially in Information Science: the information regime, in an attempt to adapt it to a social environment in which disinformation operates in the transformation of structures and notions established over time.

Keywords:
Regime of information; Disinformation; Regime of disinformation

1 INTRODUÇÃO

Associada aos elementos tecnológicos, a informação desenvolveu-se no cenário contemporâneo como parte de um sistema capitalista que fez emergir um desdobramento histórico inerente a esse modelo socioinformacional operado pelo sistema neoliberal: a desinformação, que tem sido utilizada para contrapor, desviar o foco, ou criar realidades paralelas algumas vezes, inclusive, como parte de uma estratégia política.

Embora compreenda-se que o cenário tecnológico apresenta um potencial transformador de vidas, que viabiliza novas descobertas e promove formas originais de interação e recursos inovadores, sobretudo do ponto de vista informacional, esse panorama também descortina uma realidade de desinformação que pode contribuir com o aumento na concentração de poder, desigualdades sociais e prejuízo à democracia, à cidadania, dentre outras áreas da sociedade.

Ao analisar essa conjuntura a partir do conceito de regime de informação, é possível delinear diversos modos de produção, compartilhamento e acesso às informações na medida em que os dispositivos, atores e artefatos que compõem este cenário são conectados pelo viés da desinformação.

Como produto dessa interface teórica que conecta conceitos de desinformação e regime de informação, pode-se conceber um regime de desinformação que articula o poder e a política, enquanto recurso estratégico preponderante para o estabelecimento de dinâmicas estabelecidas entre governos, instituições formais, atores estatais e a sociedade, sustentados a partir de contextos socioculturais e modos de governança que são influenciados pela desinformação.

Neste sentido, nota-se, por exemplo, que está presente um modo de produção dominante, que é a desinformação; são constituídas novas autoridades informacionais em substituição às tradicionais (ciência, imprensa, governo); há um ambiente social característico, que são as plataformas sociodigitais e os diversos canais de comunicação utilizados pelas autoridades políticas brasileiras como campo para propagação de categorias de desinformação que se constituem enquanto parte das estruturas organizacionais e, assim sendo, favorecem a reconfiguração dos arranjos organizacionais para contemplar essa nuance estratégica da desinformação.

Os desdobramentos desse prisma, tais como: as fake news, fake science, deep fakes, testemunhais falsos, teorias da conspiração, dentre outros, integrariam novos regimes de informação que se consolidam a partir de uma economia política da desinformação.

Diante disso, foi concebida essa pesquisa teórica, descritiva e documental que conta com o capítulo: “Regimes de Informação e desinformação: conceitos e implicações sociopolíticas”, e reúne as seções “Os elementos do regime de desinformação” e “Da intolerância à instabilidade de autoridades epistêmicas: as características do regime de desinformação”.

2 REGIMES DE INFORMAÇÃO E DESINFORMAÇÃO: CONCEITOS E IMPLICAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS

Considerada um dos elementos centrais na sociedade contemporânea, a informação é objeto de estudo das Ciências Sociais que buscam desvelar as relações que se estabelecem entre os fenômenos sociais e o panorama tecnológico de cada época. Sobretudo no âmbito da Ciência da Informação, as relações políticas e o poder passaram a ser estudados como elementos importantes nas e através das relações sociais mediadas pela informação.

Diante disso, desenvolveu-se o conceito de regime de informação como “recurso interpretativo para contemplar as relações entre política, informação e poder”, (González de Gomez, 2012GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Regime de informação: construção de um conceito. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 22, n. 3, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 50). De acordo com Braman (2004BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004.), a teoria do regime chama a atenção para o papel da criação, processamento, fluxo e uso da informação como ferramentas de poder nas relações internacionais e globais.

A abordagem do regime para a política de informação global tem utilidade porque oferece uma heurística que ajuda a identificar tendências comuns em fenômenos e processos espalhados por arenas políticas historicamente tratadas como analiticamente distintas. Fornece uma base para a análise construtiva de novas instituições, ferramentas políticas, comportamentos e relações em oposição, vendo as transformações e deterioração de sistemas (Braman, 2004BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004., p.13, tradução nossa).

Portanto, o conceito de regime de informação prevê a análise dos aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais que influenciam e determinam as condições de produção, acesso, recuperação, uso e compartilhamento informacional a partir das relações de poder que se desenvolvem num determinado campo e que não podem ser desconsideradas. Tal concepção evidencia que nenhuma política informacional se desenvolve como aspecto isolado do tecido social em que se insere.

[…] um regime de informação seria o modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância (González de Gomez, 2012GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Regime de informação: construção de um conceito. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 22, n. 3, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 43).

A partir das acepções formuladas por Frohmann (1995FROHMANN, Bernd. Talking information policy beyond information science: applying the actor network theory. In: OLSON, H. A.; WARD, D. B. (ed.). Annual Conference of the Canadian Association for Information Science, 23., 1995, Edmonton, Alberta. Anais […]. Edmonton, Alberta: University of Western Ontario, 1995. Disponível em: https://www.academia.edu/14044809/Taking_information_policy_beyond_information_science_applying_the_actor_network_theory. Acesso em: 02 mai. 2022.
https://www.academia.edu/14044809/Taking...
), Braman (2004BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004.), González de Gomez (2002GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da Informação, Brasília (DF), v. 31, n. 1, p. 27-40, 2002. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975. Acesso em: 15 nov. 2020.
http://revista.ibict.br/ciinf/article/vi...
; 2012), o conceito de regime de informação pôde amadurecer passando a delinear os campos de poder e demonstrar os mecanismos e estruturas que compõem as políticas de informação nas organizações da sociedade contemporânea. Nesse sentido, são desvelados os dispositivos tecnológicos, os aspectos socioculturais, os atores que integram esse cenário, a infraestrutura, as regras, dentre outros, e a forma como estes se relacionam.

O conceito de regime de informação atua no sentido de apresentar alternativas epistemológicas que possam romper com a linearidade proposta por alguns modelos até então apresentados, uma vez que a conjuntura social contemporânea é cada vez mais fragmentada e os papéis dos sujeitos que estão inseridos nesse contexto são instáveis.

Assim, o local ocupado pelo ator do regime de informação pode ser apresentado, não como um simples produtor/emissor ou receptor passivo da informação, mas, enquanto sujeito que pode atuar em papéis diversos para a consolidação de uma política informacional. Por ser uma temática que possui forte vínculo com a realidade social mutável, o regime de informação possui elementos que se atualizam a cada novo arranjo social que se apresenta. E além da representação física de cada regime, estes também se desenvolvem no campo a partir de ações.

De acordo com González de Gómez (2003GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 5, n. 1, p. 31-43, jan./abr. 2003. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/6385. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.puc-campinas.edu.br/t...
, p. 36) há três modalidades de manifestação de uma ação de informação, conforme o contexto de sua constituição em um dado regime de informação:

a) ação de informação de mediação (quando a ação de informação fica atrelada aos fins e orientação de uma outra ação); b) ação de informação formativa (aquela que é orientada à informação não como meio mas como sua finalização); c) ação de informação relacional (quando uma ação de informação tem como finalidade intervir numa outra ação de informação, de modo que - ainda quando de autonomia relativa - dela obtém a direção e fins).

Neste sentido, González de Gomez (2012GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Regime de informação: construção de um conceito. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 22, n. 3, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
) evidencia que o regime de informação daria visibilidade à questão dos critérios de valor associados à informação e, de modo geral, à dimensão simbólica da cultura. Diante desses elementos, o regime de informação emerge como uma perspectiva que pode servir para a análise de diversos contextos infocomunicacionais contemporâneos que podem ser identificados conforme as categorias que compõem este conceito.

É possível compreender, inclusive, os regimes nos quais a informação surge como elemento deliberadamente produzido para interferir em interesses públicos, políticos e econômicos que, associados a outros elementos, como a desinformação. No âmbito desses regimes, a informação enquanto recurso estratégico de gestão política e governamental tornar-se-ia moeda de valor para alienar e/ou dominar os agentes, o que, no contexto contemporâneo, com o desenvolvimento das redes tecnológicas, que conectam pessoas e propagam conteúdos numa velocidade cada vez maior, é potencializado. Conforme evidenciam Bastos, Figueiredo e Schneider (2022BASTOS, Manoel Dourado; FIGUEIREDO, Carlos; SCHNEIDER, Marco. Comunicação, desinformação e crise do capitalismo. In: PRATA, Nair; JACONI, Sônia; GABRIOTI, Rodrigo; NASCIMENTO, Genio; ANDRÉ, Hendryo; MATOS, Sílvio Simão de (org.). Comunicação e ciência: reflexões sobre a desinformação. São Paulo: INTERCOM, 2022.) a informação se mostra no como um insumo econômico, se torna objeto de um setor próprio, com as consequências específicas do desenvolvimento de aspectos técnicos para seu controle.

Desta forma, quando se desenvolve à luz de um regime de informação no qual, segundo Braman (2004BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004., p. 14), “tanto a agência quanto a estrutura são ambíguas e preenchidas com possibilidades constituindo-se também como locais de conflito e respondendo ao exercício de múltiplas formas de poder”, a desinformação pode integrar um modo de produção informacional dominante que se configuraria como um regime de desinformação.

No âmbito do regime de desinformação, o poder - não apenas como elemento reificado, capaz de ser possuído, mas, enquanto relação constituída - favorece o desenvolvimento da manipulação e dominação para converter os agentes a favor de posicionamentos que estejam de acordo com o quadro regulatório delineado.

Assim, as bases que constituem um regime de desinformação seriam utilizadas para retroalimentar esse modo de produção informacional dominante em algumas formações sociais da contemporaneidade, a partir da influência deste regime no comportamento, nas opiniões e nas atitudes dos sujeitos associados às instituições, regras, recursos, padrões e arranjos informacionais.

2.1 Os elementos do regime de desinformação

Numa realidade em que a “perfeição”, os altos índices de produtividade e os padrões comportamentais tidos como bem-aceitos são expostos nas vitrines das plataformas sociodigitais, a informação torna-se vetor de relações cada vez mais doentias entre os agentes no campo social mediatizado. Tal conjuntura, permeia as esferas da sociedade e exige dos sujeitos uma postura cada vez mais producente e de retorno imediato das demandas, com o viver e o fazer ditados por preceitos de uma lógica capitalista, hiperconectada, individualista e acelerada.

Essa perspectiva, associada às condições de subserviência aos modelos de produção capitalista e a fatores determinantes para o posicionamento dos sujeitos em campo, tais como o capital cultural, questões de raça e gênero, e aos elementos que integram a conjuntura do que se convencionou denominar de pós-verdade, marcada pela perda de credibilidade de autoridades epistêmicas e proliferação de falácias lógicas, constituem uma sociedade na qual a desinformação é o método aplicado às ambiências em que o interesse público subjaz a interesses particulares de agentes que, algumas vezes, inclusive, foram escolhidos democraticamente para representar a população pelas vias políticas.

Tal panorama é uma realidade presente no Brasil, mas, que reproduz uma conjuntura global, o que alguns autores associam à pós-verdade. Historicamente, alguns fenômenos, constituídos em concomitância com esse cenário possibilitaram a ascensão da desinformação como recurso estratégico. Um deles é a democratização do acesso às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) e a exploração das potencialidades plataformas sociodigitais. Associam-se a isso, os desdobramentos da crise econômica global de 2008, o declínio econômico do sistema capitalista neoliberal, com reflexos no Brasil, elementos analisados por alguns pesquisadores brasileiros - Lupatini (2012LUPATINI, Márcio. Crise do capital e dívida pública. In: SALVADOR, Evilásio; BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete; GRANEMANN, Sara (org.). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012.), Gerbaudo (2017GERBAUDO, Paolo. The mask and the flag: populism, citizenism and global protest. Oxford: Oxford University Press, 2017.), Carcanholo (2018CARCANHOLO, Marcelo Dias. A crise do capitalismo dependente brasileiro. In: MACÁRIO, Epitácio; DIAS, Edilyanne; MEDEIROS, Richelly Barbosa de; ALEXANDRE, Tainara (org.). Dimensões da crise brasileira: dependência, trabalho e fundo público. Fortaleza: EdUECE; Bauru: Canal 6, 2018.) - além de escândalos de corrupção e um golpe de Estado que retirou do poder a então presidenta Dilma Rousseff, em 2016.

Considerando que “o uso de determinados meios para a formação das decisões políticas condiciona os fins possivelmente buscados: a escolha de um regime implica, em termos gerais, a escolha de determinados valores” (Bobbio, 2010BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2010., p. 1081), o regime de desinformação constitui-se com ética e moral desconsiderados ou atribuídos a segundo plano. De acordo com Carvalho, Castro e Schneider (2021CASTRO, Júlio César Lemes de. Plataformas algorítmicas e economia da desinformação. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópólis, v. 18, n. 2, p. 91-103, jul./dez. 2021. DOI https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e...
, p. 22):

[…] a sociedade atual é permeada de um regime de desinformação, envolvendo uma gama diversa de atores, sujeitos, infraestrutura, tecnologia, política, cultura e poder, que usa táticas complexas de linguagem e comunicação na disseminação de notícias falsas através de canais de informação e redes sociotécnicas visando à construção de um ambiente de desordem informacional em prol de certos interesses. Nesse sentido, geram um regime de incerteza suportado por uma corrente encadeada de informações falsas inerentes que reforçam crenças, estimulam comportamentos, moldam discursos e produzem (des)autoridade.

Tomando por base os elementos apontados por González de Gómez (2002GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da Informação, Brasília (DF), v. 31, n. 1, p. 27-40, 2002. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975. Acesso em: 15 nov. 2020.
http://revista.ibict.br/ciinf/article/vi...
, 2003) como integrantes do regime de informação, estabelecemos uma analogia que permite compreender um regime de desinformação como aquele que se desenvolve no ambiente social da pós-verdade, ou seja, é um modo de produção informacional específico da contemporaneidade.

Nessa direção, diante dos aspectos apresentados por González de Gomez (2003GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 5, n. 1, p. 31-43, jan./abr. 2003. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/6385. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.puc-campinas.edu.br/t...
), compõem o regime de desinformação, conforme ilustrado na Figura 1, as ações informacionais que são balizadas pela desinformação, e suas vertentes, e constituem-se enquanto ações: de mediação, que são atreladas aos fins, ou seja, que buscam modificar o mundo social estabelecendo uma nova conjuntura informacional que apoia um regime de desinformação; relacionais, com a finalidade de intervir em outras ações de informação, que buscam transformar em desinformação as informações que orientam o agir coletivo; e as ações formativas, que buscam transformar o conhecimento para transformar o mundo o que, na conjuntura de um regime de desinformação, é evidenciado na atividade de pseudoautoridades epistêmicas que se dedicam a escrever artigos, manuais, livros, publicar vídeos e podcasts para propagar desinformação na busca por consolidar falácias lógicas.

Também são elementos do regime de desinformação os atores sociais, que podem ser agentes públicos, parlamentares, ministros, a população em geral, representantes estatais, como o presidente da república, governadores, prefeitos. Todos os sujeitos que integrarem a engrenagem que permite que o regime de desinformação se desenvolva são considerados como atores que têm papel relevante para a consolidação deste tipo de regime.

Figura 1
Elementos de um regime de desinformação

Os artefatos de informação, conforme definição de González de Gómez (2002GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da Informação, Brasília (DF), v. 31, n. 1, p. 27-40, 2002. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975. Acesso em: 15 nov. 2020.
http://revista.ibict.br/ciinf/article/vi...
, 2003), também são elementos importantes no regime de informação, e num regime de desinformação operam identificados como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e TDIC, uma vez que a desinformação é articulada às tecnologias da informação e comunicação (televisão, rádio) e, sobretudo, propaga-se por meio das diversas TDIC (televisão com conexão com a Internet, computadores, tablets, smartphones); das plataformas sociodigitais; das páginas na Web (inclusive as que se encontram na dark web1 1 É definida por Vignoli e Monteiro (2020) como uma rede paralela que só pode ser acessada por intermédio de softwares que camuflam o Internet Protocol (IP) de máquinas diversas e que, consequentemente, permitem adentrar ao ambiente de forma anônima sendo utilizada para a circulação de conteúdo criminoso e agente facilitador para pessoas que desejam cometer crimes. ); dos softwares utilizados para criação de fake news, deep fake, fake science, entre outros.

As práticas desinformacionais2 2 Conceito que é baseado no que Savolainen (1995) define como práticas informacionais. , aqui entendidas como práticas constituídas por sujeitos no contexto da pós-verdade, presididas por elementos objetivos e subjetivos, por construções sociais de desinformação e recursos estratégicos, que transcendem a perspectiva espontânea característica das práticas informacionais e que, geralmente, são marcadas por um viés autoritário e obscurantista, também podem se configurar enquanto artefatos na medida em que são os veículos utilizados para a propagação das mensagens que sustentam esse regime.

Mas, para além de um canal que é estabelecido conforme as diretrizes deste modo de produção informacional, as práticas também se constituem como ações de informação desenvolvidas no âmbito deste regime e arregimentam as políticas que são estabelecidas.

E os dispositivos que direcionam o regime de desinformação, ou seja, as regras de formação e transformação do regime (González de Gómez, 2003GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 5, n. 1, p. 31-43, jan./abr. 2003. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/6385. Acesso em: 1 dez. 2022.
https://periodicos.puc-campinas.edu.br/t...
), podem ser: as normas regulatórias das plataformas sociodigitais, o código penal, as diretrizes impostas pela Constituição Federal. Todos estes elementos servem para estabelecer os limites legais do regime de desinformação ou atuam na definição das trajetórias a serem delineadas para que a desinformação seja o elemento operante deste modo de produção informacional.

2.2 Da intolerância à instabilidade de autoridades epistêmicas: as características do regime de desinformação

Desenvolvido a partir de uma relação de retroalimentação estabelecida com as práticas desinformacionais, que integram uma estratégia e são determinadas pelo ambiente social, atores, regras e dispositivos, o regime de desinformação possui algumas características evidenciadas na Figura 2.

Figura 2
Características do regime de desinformação

A perspectiva estratégica, articulada a demandas do capital, evidencia um modo de ser do regime de desinformação a partir de elementos como:

A) A inteligência artificial, por meio de subcategorias como os bots e algoritmos, que são vinculados à lógica de comunicação para bolhas, são narrativas de um regime de desinformação. Segundo Pariser (2011PARISER, Eli. The Filter Bubble: how the new personalized web in changing what we read and how we think. London: The Penguin Press, 2011.) a comunicação para bolhas refere-se ao conteúdo apresentado pelos algoritmos que oferecem informações de acordo com o interesse e o perfil de cada sujeito social. Definidos, em linhas gerais, por Prado (2022PRADO, Magaly. Fake news e inteligência artificial: o poder dos algoritmos na guerra de desinformação. São Paulo: edições 70, 2022.) como uma sequência lógica de instruções que devem ser seguidas para resolver um problema ou executar uma tarefa, no contexto do regime de desinformação os algoritmos assumem papel dominante na mediação do poder. No âmbito das plataformas sociodigitais as tecnologias dos algoritmos de inteligência artificial são a base do modelo de negócio.

Assim, no regime de desinformação, os algoritmos compõem um cenário no qual a política da desinformação opera, de acordo com Castro (2021CASTRO, Júlio César Lemes de. Plataformas algorítmicas e economia da desinformação. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópólis, v. 18, n. 2, p. 91-103, jul./dez. 2021. DOI https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e...
), uma verdadeira “guerra híbrida” com o aparato das milícias digitais.

As plataformas algorítmicas são dispositivos talhados para a operação das máquinas de guerra híbrida, que aliam as vantagens da horizontalidade das redes com as de uma coordenação central. Elas forjam autênticas milícias digitais, concatenando a ação de voluntários, movidos por afinidade ideológica, com a de serviços contratados (Castro, 2021CASTRO, Júlio César Lemes de. Plataformas algorítmicas e economia da desinformação. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópólis, v. 18, n. 2, p. 91-103, jul./dez. 2021. DOI https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e...
, p. 99).

Um motivo de preocupação relacionada aos algoritmos - conforme evidenciam Gillespie (2018GILLESPIE, Tarleton. A relevância dos algoritmos. Parágrafo, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 95-121, 2018. Disponível em: https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/722. Acesso em: 06 jul. 2024.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
), Castro (2019CASTRO, Júlio César Lemes de. Da lógica editorial à lógica algorítmica da notícia. Conexão: Comunicação e Cultura, [s.l.], v. 18, n. 36, p. 36-56, jul./dez. 2019.) e Prado (2022PRADO, Magaly. Fake news e inteligência artificial: o poder dos algoritmos na guerra de desinformação. São Paulo: edições 70, 2022.) - é sobre a curadoria destes. Ao decidir o conteúdo que ficará disponível ao usuário, os algoritmos ditam as regras sociais que serão arregimentadas num determinado regime, dessa forma, a ética, a cidadania, a responsabilidade e a transparência são valores que podem estar em segundo plano, já que a lógica dos algoritmos é o mercado, o retorno comercial e financeiro.

Os sistemas inteligentes das plataformas não visam, preferencialmente, oferecer o conteúdo de melhor qualidade aos seus usuários, mas maximizar seu tempo de permanência na plataforma, promovendo e ampliando ao máximo as interações por meio de curtidas, compartilhamentos e comentários. Quanto maior o tempo e a intensidade da interação, mais dados são gerados, favorecendo os modelos de negócios baseados em dados (Kaufman, 2019KAUFMAN, Dora. A inteligência artificial mediando a comunicação: impactos da automação. In: BARBOSA, Mariana. Pós-verdade e fake news: reflexões sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 55).

Nesta perspectiva, Castro (2019CASTRO, Júlio César Lemes de. Da lógica editorial à lógica algorítmica da notícia. Conexão: Comunicação e Cultura, [s.l.], v. 18, n. 36, p. 36-56, jul./dez. 2019.) lembra que, nas redações dos veículos de comunicação há uma curadoria editorial, com regras claras, mas, nas plataformas sociodigitais, essa curadoria fica sob a responsabilidade dos algoritmos que decidem o que e em qual ordem será mostrado para cada sujeito social. O que é privilegiado não é o valor-notícia e sim o valor-algoritmo.

O crivo editorial é sensível, obviamente, a juízos de índole comercial, mas a preocupação com a credibilidade compele os veículos jornalísticos e seus profissionais a sopesar fatores como precisão e qualidade da notícia. Quanto às plataformas, à parte aquilo que não é vetado por contrariar os termos de serviço, o critério de avaliação aplicado aos conteúdos é de ordem pecuniária, valorizando-se o que pode trazer maior retorno financeiro (Castro, 2021CASTRO, Júlio César Lemes de. Plataformas algorítmicas e economia da desinformação. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópólis, v. 18, n. 2, p. 91-103, jul./dez. 2021. DOI https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485.
https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e...
, p. 92).

A essa inquietação, acrescenta-se o fato de que a curadoria de lógicas algorítmicas pode contribuir com a supressão da ética e a reprodução de preconceitos de raça e gênero identificados nos mecanismos de busca. Esses elementos da cultura dos algoritmos preocupam na medida em que a sociedade está recorrendo a algoritmos para identificar o que é preciso saber de uma forma “tão marcante quanto temos recorrido aos especialistas credenciados, ao método científico, ao senso comum ou à palavra de Deus” (Gillespie, 2018GILLESPIE, Tarleton. A relevância dos algoritmos. Parágrafo, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 95-121, 2018. Disponível em: https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/722. Acesso em: 06 jul. 2024.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
, p. 97).

[…] devemos ver os algoritmos não apenas como códigos com consequências, mas sim como o mais recente mecanismo construído socialmente e institucionalmente gerenciado para convencer o julgamento público: uma nova lógica de conhecimento. […] A lógica editorial depende das escolhas subjetivas de especialistas, que são eles próprios feitos e autorizados como tal através de processos institucionais de treinamento e certificação, ou validados pelo público através dos mecanismos do mercado (Gillespie, 2018GILLESPIE, Tarleton. A relevância dos algoritmos. Parágrafo, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 95-121, 2018. Disponível em: https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/722. Acesso em: 06 jul. 2024.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
, p. 117).

Outro elemento que integra essa conjuntura desinformacional operacionalizada pela inteligência artificial são os social bots que, enquanto “agentes de semiotização”, se inserem nas estratégias de propaganda computacional e combinam algoritmos, automação e curadoria humana para disseminar desinformação e influenciar a opinião dos usuários online (Woolley; Howard, 2016WOOLLEY, Samuel C.; HOWARD, Philip N. Automation, algorithms, and politics| political communication, computational propaganda, and autonomous agents-Introduction. International Journal of Communication, [s.l.], v. 10, [s.n.], 2016.). Embora ambos atuem no sentido de reforçar convicções e crenças a partir da estratégia que integra um determinado regime de desinformação, social bots e contas falsas são elementos diferentes.

É importante destacar que social bots e contas falsas não significam a mesma coisa, apesar de muitas vezes estarem atrelados. É comum que a palavra “bot” seja utilizada para se referir a perfis que utilizam algum grau de automação. Entretanto, bots não são perfis falsos ou um determinado tipo de mensagem automática, mas são softwares (programas) - ou seja, são algoritmos (Santini, 2022SANTINI, Rose Marie. Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais. In: SALDANHA, Gustavo Silva; CASTRO, Paulo Cesar; PIMENTA, Ricardo Medeiros (org). Ciência da informação: sociedade, crítica e inovação. Rio de Janeiro: IBICT, 2022., p. 351).

Como atributos de um regime de desinformação, as ferramentas de inteligência artificial reúnem aspectos socioculturais e políticos que são operacionalizados não apenas por máquinas, mas, envolvem atores humanos, tanto nas escolhas que validam esses instrumentos quanto na instrumentalização das estratégias utilizadas.

B) Outro elemento preponderante no regime de desinformação, conforme lembram Bezerra e Borges (2021BEZERRA, Arthur Coelho; BORGES, Juliano. Sleeping Giants: a ofensiva moral dos gigantes adormecidos contra o novo regime de desinformação. Eptic, Sergipe, v. 23, n. 1, p. 178-195, 2021. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/15348. Acesso em: 12 jul. 2021.
https://seer.ufs.br/index.php/eptic/arti...
), é a vigilância dos dados que utiliza dados pessoais para integrarem um modelo de negócios a partir de “técnicas neuronais para magnetizar os sentidos dos ditos usuários. O negócio deles é o extrativismo do olhar e dos dados pessoais” (Bucci, 2021BUCCI, Eugênio. A superindústria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Belo Horizonte: Autêntica, 2021., p. 18).

Conforme analisa Zuboff (2021ZUBOFF, Shoshana. A era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humanona nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021., p. 26):

[…] o capitalismo de vigilância não é tecnologia; é uma lógica que permeia a tecnologia e a direciona numa ação. O capitalismo de vigilância é uma forma de mercado que é inimaginável fora do meio digital.

No regime de desinformação, a lógica de vigilância se estabelece para que se sejam concebidas as melhores práticas desinformacionais a serem adotadas de acordo com o perfil de cada ator que está inserido nessa conjuntura. Assim é possível prever quais sujeitos possuem maior probabilidade de clicar, reagir ou ser influenciados pelo conteúdo enganoso e quais colaborarão com a propagação em rede, massificada e instantânea, de conteúdo desinformativo.

C) A intolerância, que é intimamente ligada à perspectiva das bolhas sociais, é uma das características do regime de informação que está relacionada à falta de vontade, ou competência, para lidar com as diferenças, a movimentos como o racismo, sexismo, fobia contra pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBTfobia), discriminação religiosa e política.

Esse atributo permite a compreensão de que o regime de desinformação é desprovido de valores como empatia, respeito, solidariedade, coletividade, justiça e civilidade, e as práticas desinformacionais que se desenvolvem nesta ambiência configuram-se como uma ameaça à democracia, pois a base do discurso mediado por elas é o rompimento do respeito moral.

Neste caso, não se trataria de incivilidade, mas, de intolerância pois, embora esses termos sejam tratados vulgarmente como semelhantes, possuem características distintas. De acordo com Rossini (2019ROSSINI, Patrícia. Disentangling uncivil and intolerant discourse. In: BOATRIGHT, Robert G.; SHAFFER, Timothy J.; SOBIERAJ, Sarah; YOUNG, Dannagal Goldthwaite. A crisis of civility? Contemporary research on civility, incivility, and political discourse. New York: Routlegde, 2019.) enquanto a incivilidade está relacionada ao uso da ferramenta retórica (comentários rudes, por exemplo) para expressar posições políticas, chamar a atenção e contrapor argumentos, a intolerância é contrária ao pluralismo democrático, liberdade de expressão e igualdade. Para Barros (2015BARROS, Diana Luz Pessoa de. Intolerância, preconceito e exclusão. In: LARA, Glaucia Proença; LIMBERTI, Rita Pacheco (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015.) esse tipo de elemento pode ser provocado a partir de conflitos estabelecidos diante da falta de conformidade entre os discursos.

As relações com o outro geram, muitas vezes, conflitos, pois o outro, cujas “diferenças” se quer excluir, assimilar, agregar [admitir] ou segregar, pode não querer que isso aconteça. Quando não há conformidade entre os discursos, os conflitos se manifestam de diferentes formas: preconceito, intolerância, de um lado; formas de resistência, de outro (Barros, 2015BARROS, Diana Luz Pessoa de. Intolerância, preconceito e exclusão. In: LARA, Glaucia Proença; LIMBERTI, Rita Pacheco (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015., p. 63).

Numa conjuntura desinformacional que pressupõe a adequação dos atores a um regime pré-determinado no qual as regras do capital, as estratégias políticas e os interesses particulares subjazem o diálogo e o pensamento crítico sobre os fatos, a intolerância cumpre um papel elementar de permitir a propagação de práticas desinformacionais sustentadas por visões pré-concebidas de mundo e crenças que podem se tornar vetores de ódio e violência.

D) Os discursos de ódio possuem uma ligação parental com a intolerância, pois, conforme definição de Waldron (2010WALDRON, Jeremy. Dignity and defamation: the visibility of hate. Harvard Law Review, [s.l.], v. 123, n. 7, p. 1.596-1.657, 2010.), tratam-se de expressões que carregam desrespeito, ódio e difamação contra populações vulneráveis. O ódio, nesse caso, seria uma emoção de desprezo, uma capacidade para infringir a dignidade humana.

Para Sponholz (2020SPONHOLZ, Liriam. O papel dos discursos de ódio (online) na ascensão da extrema-direita: um aporte teórico. Confluências, Niterói, v. 22, n. 3, p. 220-243, 2020.) os discursos de ódio não atingem qualquer grupo, buscam degradar, publicamente, grupos historicamente oprimidos ou sistematicamente discriminados.

Este, configura uma forma específica de discriminação simbólica, que não só representa grupos de forma estereotipada, mas também humilha, incita, ameaça. Não é apenas uma questão de lógica midiática, mas sim de como esta lógica midiática é consciente e intencionalmente instrumentalizada (Sponholz, 2020SPONHOLZ, Liriam. O papel dos discursos de ódio (online) na ascensão da extrema-direita: um aporte teórico. Confluências, Niterói, v. 22, n. 3, p. 220-243, 2020., p. 234).

Ao estabelecer uma relação com o conceito de regime de informação que, segundo Braman (2004BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004.), confere particular importância aos elementos discursivos, normativos e culturais, no contexto de um regime de desinformação, os discursos de ódio são preponderantes na constituição das ações de informação.

Na busca de um conceito operacional para o discurso do ódio (hate speech), observa-se que tal discurso apresenta como elemento central a expressão do pensamento que desqualifica, humilha e inferioriza indivíduos e grupos sociais. Esse discurso tem por objetivo propagar a discriminação desrespeitosa para com todo aquele que possa ser considerado “diferente”, quer em razão de sua etnia, sua opção sexual, sua condição econômica ou seu gênero, para promover a sua exclusão social (Freitas; Castro, 2013FREITAS, Riva Sobrado; CASTRO, Matheus Felipe. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. Seqüência Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 34, n. 66, p. 327-355, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2013v34n66p327. Acesso em: 4 fev. 2023.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/seq...
, p. 344).

Para além da mera ofensa, o discurso de ódio é historicamente constituído e objetivamente estruturado por um sistema social que opera a partir de demandas econômicas e políticas, e é inserido no contexto de um regime de desinformação.

E) A instabilidade das autoridades epistêmicas é uma característica inerente ao ambiente social do regime de desinformação: a pós-verdade. O regime de desinformação reflete essa instabilidade característica desses tempos e, inseridas nesse contexto, as autoridades epistêmicas são constituídas para atender a uma estratégia concebida a partir da perspectiva do capital, podendo ser alteradas conforme se modificam os interesses dessa realidade sistêmica.

[…] o que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes do derretimento” da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscrevem o domínio das ações-escolha possíveis […] na verdade nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar (Bauman, 2001BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001., p. 13).

Contribui para essa conjuntura social o fato de que as autoridades epistêmicas, como cientistas, imprensa, universidades, especialistas e órgãos governamentais, foram associadas a narrativas de corrupção, falta de confiança e credibilidade. Assim, a depender dos interesses dos atores desse regime de desinformação, outros atores se estabelecem com entes dignos dessa disposição à crença.

Em outras palavras, no plano individual, as relações da sociedade com o conhecimento científico e as autoridades epistêmicas se dão da mesma maneira que as relações estabelecidas com os ensinamentos religiosos e dogmatismos de outra natureza: trata-se de uma relação fiduciária. Esse é o gênero próximo. A diferença específica se dá em outro plano, a saber, naquele que diz respeito às características que definem as comunidades em que decidimos depositar nossa confiança (Aggio, 2021AGGIO, Camilo. Teorias conspiratórias, verdade e democracia. In: ALZAMORA, Geane; MENDES, Conrado Moreira; RIBEIRO, Daniel Melo. Sociedade da desinformação e infodemia. Belo Horizonte: Fafich: Selo PPGCOM: UFMG, 2021., p. 75).

Diante da dúvida e, sustentados por crenças, os sujeitos acreditam naquilo que estão “inclinados a acreditar” (Peirce, 2008PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da ciência. Aparecida: Ideias & Letras, 2008.), mas que não necessariamente encontra correspondência com os fatos e argumentos. Dessa forma, um regime de desinformação apresenta esse elemento da crença como preponderante para a constante instabilidade de autoridades epistêmicas, articulada a uma estratégia pré-determinada.

Compõe esse cenário a perspectiva de poder que, segundo Capurro apudSchneider e Saldanha (2015SCHNEIDER, Marco; SALDANHA, Gustavo. Entrevista com Rafael Capurro (07-10-2015). Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 322-328, 2015. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3677/3118. Acesso em 20 jan. 2021.
https://revista.ibict.br/liinc/article/v...
) é inseparável à análise do domínio das autoridades epistêmicas. As formas de legitimação e os objetivos estão sujeitos a mudanças inerentes a cada época, tais como mudanças de paradigma, no caso da ciência, e revoluções pacíficas ou violentas, nos sistemas políticos.

Entendo "autoridade epistémica" para significar um domínio ou predominância de conhecimento que procura assegurar à sociedade e a si própria que a realidade deve ser concebida como aquilo que é, não como aquilo que parece ser, a partir de uma perspectiva hegemônica. Tal perspectiva pode ser legitimada por mero poder factual, como no caso das ditaduras, mas também por narrativas míticas ou por narrativas teológicas, filosóficas ou científicas, bem como por uma mistura de várias instâncias teóricas e práticas (Capurro apudSchneider; Saldanha, 2015SCHNEIDER, Marco; SALDANHA, Gustavo. Entrevista com Rafael Capurro (07-10-2015). Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 322-328, 2015. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3677/3118. Acesso em 20 jan. 2021.
https://revista.ibict.br/liinc/article/v...
, p. 325, tradução nossa).

Em tempos nos quais os centros de poder epistêmico, como a imprensa, a ciência e as instâncias jurídicas, passam a ser substituídos a partir de lutas que se estabelecem no âmbito de um regime de desinformação, os processos de produção, acesso, uso e compartilhamento da informação incorporam esse elemento que ressignifica valores, conceitos e condutas.

F) E o neofascimo é outro elemento preponderante num regime de desinformação. Embora nem todo espectro político neofascista incorpore um regime de desinformação, uma característica inerente a um regime de desinformação é o viés neofascista. Para além de uma visão simplista do termo, que algumas vezes é utilizado vulgarmente sem compromisso semântico, histórico ou social, alguns autores - Lowy (2019LOWY, Michael. Neofascismo: um fenômeno planetário - o caso Bolsonaro. In: A TERRA É REDONDA: EPPUR SI MUOVE… [s.l.], 2019. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2019/outubro/19.10-Neofascismo-e-Bolsonaro.pdf. Acesso em: 18 abr. 2022.
http://www.bresserpereira.org.br/terceir...
), Carnut (2020CARNUT, Leonardo. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, jan./jun. 2020. DOI http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020v41n1p81.
http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020...
), Boito Jr. (2021), Poggi (2015POGGI, Tatiana. Faces do extremo: uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América (1970-2010). Curitiba: Editora Prisma, 2015.) - dedicam-se a apresentar o conceito de neofascismo e as diferenciações deste com o fascismo clássico.

Conforme esclarece Boito Jr (2021), o fascismo original surgiu no século XX nos países centrais da Europa como um movimento reacionário formado predominantemente pelos pequenos proprietários, voltado contra o movimento operário socialista e comunista, que mobilizou uma crítica conservadora à economia capitalista e à política parlamentar. Alguns regimes fascistas, como a ditadura de Mussolini na Itália, possuíam características específicas. O fascismo italiano, por exemplo, foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir (Eco, 2019ECO, Umberto. O fascismo eterno. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2019., p. 29).

Embora identificado com diversas nuances do fascismo histórico o neofascismo possui peculiaridades específicas da contemporaneidade e do campo social em que se desenvolve, e o termo surge como uma alternativa para designar esse movimento. Segundo atesta Poggi (2015POGGI, Tatiana. Faces do extremo: uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América (1970-2010). Curitiba: Editora Prisma, 2015.), o fascismo é visto por diversos pesquisadores como um fenômeno social datado, um produto de uma crise vivenciada na sociedade europeia, restrito aos marcos temporais entre guerras e às particularidades nacionais que foram relevantes para a ideologia do movimento. Ou seja, o fascismo seria o resultado da exacerbação de todos esses particularismos,

[…] fruto de contextos regionais de tal forma dominados pelo atraso, desordem, corrupção, costume ao autoritarismo e fraca cultura de participação e organização política, que não haveria outra saída senão cair em um regime como o fascismo (Poggi, 2015POGGI, Tatiana. Faces do extremo: uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América (1970-2010). Curitiba: Editora Prisma, 2015., p.31).

Para Lazzarato (2019LAZZARATO, Maurizio. Fascismo ou revolução? O neoliberalismo em chave estratégica. São Paulo: N-1 Edições, 2019.) o fascismo contemporâneo é uma mutação do fascismo histórico, mas, que não precisa ser violento ou paramilitar para destruir as organizações operárias porque estas estão longe de ameaçar a existência do capital e de sua sociedade. Para denominar essa nova corrente, Eco (2019ECO, Umberto. O fascismo eterno. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2019.) utiliza o termo “fascismo eterno” que, segundo ele, possui algumas características como o culto à tradição; a recusa da modernidade; culto da ação sem reflexão; não aceitação de críticas; medo das diferenças e racismo; apelo às classes médias frustradas por alguma crise econômica ou política; obsessão à conspiração; fomento à cultura da guerra permanente, dentre outras.

Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se torne uma nebulosa fascista (Eco, 2019ECO, Umberto. O fascismo eterno. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2019., p.44).

O fascismo contemporâneo ou neofascismo será, portanto, trabalhado como uma construção em meio a todo o processo de luta de classes que perpassa o século XX. Com respeito a tais conflitos, atento especialmente para o uso das novas tecnologias e da mídia como campos de disputa, novos canais para a difusão de visões de mundo, mobilização de massa e organização de movimento, além de angariar fundos. Por conseguinte, o neofascismo aparece nos países centrais como um dos possíveis produtos da sociedade capitalista contemporânea; suas organizações se desenvolvem em Estados de conformação político-econômica neoliberal e se proliferam de modo espetacular, engrossando suas fileiras de adeptos com os desesperançosos setores subordinados em decorrência da crise do reformismo norte-americano a partir dos fins da década de 1970 (Poggi, 2015POGGI, Tatiana. Faces do extremo: uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América (1970-2010). Curitiba: Editora Prisma, 2015., p. 13).

O regime de desinformação pode se desenvolver diante de alguns elementos do neofascismo, como os que são apontados por Carnut (2020CARNUT, Leonardo. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, jan./jun. 2020. DOI http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020v41n1p81.
http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020...
): liberalismo econômico, discurso antidemocrático, emprego da violência (psicológica, física, simbólica), exploração de recursos humanos e naturais, emprego da opressão e do cerceamento de garantias sociais, acrescidos à identificação com ideais conservadores, uso de instrumentos de dominação, preconceitos contra negros, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais e outros mais (LGBTQIAP+) e machismo.

Para além destes elementos, na doutrina neofascista a organização das práticas desinformacionais ocorre, preponderantemente, por meio das plataformas sociodigitais, e a política de transparência, que é um princípio basilar numa democracia, dá lugar à cultura do sigilo. Esses dois atributos são importantes indicativos de um regime de desinformação.

Todos esses elementos sustentam uma engenharia cujo insumo principal são os interesses particulares de atores deste regime que buscam preservar o status, escamotear erros e/ou conquistar o apoio para a implementação de medidas. Toda essa estrutura é mobilizada a partir das práticas desinformacionais.

No campo político, o regime de desinformação pode ser considerado uma ameaça à democracia. A economia da desinformação, conforme destacam Brisola e Bezerra (2018BRISOLA, Anna Cristina; BEZERRA, Arthur. Desinformação e circulação de “fake news”: distinções, diagnóstico e reação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018. Londrina. Anais […]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2018. p. 3316-3330. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354655091_DESINFORMACAO_E_CIRCULACAO_DE_FAKE_NEWS_DISTINCOES_DIAGNOSTICO_E_REACAO. Acesso em: 18 abr. 2020.
https://www.researchgate.net/publication...
), consiste no uso de aplicações na Internet com o fim de propagar informações falsas ou manipuladas em prol de algum grupo político.

Contribui com esse cenário o fato de que a política é considerada como algo distante das vivências cotidianas dos sujeitos. Esse desinteresse sustenta a ascensão e permanência no poder de grupos que empreendem ações em benefício próprio e utilizam de artifícios como a desinformação para a gestão informacional.

[…] primeiramente, a falta de interesse na política, ou seja, algo como a opinião de que a política não é problema do cidadão, porque ela não é nada mais do que uma batalha entre pequenos grupos privilegiados e que, portanto, fundamentalmente nunca muda nada; […] de modo que as formas de governo e de Estado apareçam como assuntos secundários; e finalmente, como terceira reação, a rejeição consciente de todo o sistema político que se expressa como apatia, porque o indivíduo não vê possibilidade de mudança no sistema através de seus esforços (Neumann, 2017NEUMANN, Franz. Angústia e Política. Dissonância: teoria crítica e psicanálise, Campinas, v. 1, n. 1, p. 104-154, jan./jun. 2017. Disponível em: https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/teoriacritica/issue/view/167/24. Acesso em 9 mai 2022.
https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/te...
, p. 143).

Dessa forma, um regime de desinformação no âmbito político é caracterizado como o modo de produção informacional no qual os atores em posição de poder se aproveitam da perda de credibilidade de autoridades epistêmicas e empreendem, principalmente por meio de artefatos como as plataformas sociodigitais com apoio da inteligência artificial e da lógica de vigilância de dados, ações de informação que estabelecem uma nova relação de confiança e credibilidade, que está situada num contexto de neofascismo e propagação de discursos de ódio e reforça a condição de dominação e manipulação por meio da desinformação.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista epistemológico esse estudo buscou apresentar uma nova perspectiva do conceito de regime de informação na tentativa de adequá-lo a um ambiente social no qual a desinformação opera na transformação de estruturas e de noções que se estabelecem com o passar do tempo.

Para além desse compromisso científico que oferece novos aportes sobretudo à Ciência da Informação, esse estudo evidencia os elementos que possibilitam a consolidação de regimes de desinformação para que a sociedade possa buscar alternativas que possibilitem a emergência de regimes informacionais nos quais a ética, a cidadania e a democracia sejam imperativos.

Do ponto de vista do estabelecimento de novas relações de confiança diante da perda de credibilidade de autoridades epistêmicas, que é uma das características do regime de desinformação, é importante destacar que, assim como a imprensa e órgãos que resguardam o sistema legal brasileiro, entidades vinculadas ao conhecimento científico, que permaneceram durante um longo tempo com uma retórica pouco popular e inacessível para grande parte da população, precisam unir esforços para superar essa crise informacional.

Também convém destacar que, diante da lógica de vigilância de dados e mediação da inteligência artificial, uma regulamentação do conteúdo disponibilizado pelas plataformas é imprescindível. No Brasil a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020) (Brasil, 2020), se faz preponderante nessa direção. Além desta legislação, é importante destacar a necessidade de regulamentação quanto à exigência do diploma de jornalista para a atuação jornalística considerando que, para além das habilidades técnicas, a atuação destes profissionais requer uma formação ética e cidadã que deverá ser conduzida no âmbito acadêmico para que estes possam ser agentes de enfrentamento à desinformação.

Por fim, a intolerância, o neofascismo e os discursos de ódio, presentes nos regimes de desinformação, assim como elementos como a misoginia, o racismo, a LGBTfobia, dentre outras formas de violência, precisam ser combatidos para que seja consolidado um modelo de sociedade democrática e inclusiva. O enfrentamento à desinformação, e aos regimes que se constituem amparados por essa lógica deve reunir sujeitos informacionais e autoridades epistêmicas com coragem para ocupar o cenário informacional e enfrentar essa conjuntura amparados por duas forças motrizes: a legislação, por meio da criação leis que possam regulamentar a propagação da informação e punir pela disseminação de desinformação; e a educação, que deve oferecer à população uma formação crítica para analisar as informações e desmistificar falácias lógicas.

REFERÊNCIAS

  • AGGIO, Camilo. Teorias conspiratórias, verdade e democracia. In: ALZAMORA, Geane; MENDES, Conrado Moreira; RIBEIRO, Daniel Melo. Sociedade da desinformação e infodemia. Belo Horizonte: Fafich: Selo PPGCOM: UFMG, 2021.
  • BARROS, Diana Luz Pessoa de. Intolerância, preconceito e exclusão. In: LARA, Glaucia Proença; LIMBERTI, Rita Pacheco (org.). Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015.
  • BASTOS, Manoel Dourado; FIGUEIREDO, Carlos; SCHNEIDER, Marco. Comunicação, desinformação e crise do capitalismo. In: PRATA, Nair; JACONI, Sônia; GABRIOTI, Rodrigo; NASCIMENTO, Genio; ANDRÉ, Hendryo; MATOS, Sílvio Simão de (org.). Comunicação e ciência: reflexões sobre a desinformação. São Paulo: INTERCOM, 2022.
  • BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
  • BEZERRA, Arthur Coelho; BORGES, Juliano. Sleeping Giants: a ofensiva moral dos gigantes adormecidos contra o novo regime de desinformação. Eptic, Sergipe, v. 23, n. 1, p. 178-195, 2021. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/15348 Acesso em: 12 jul. 2021.
    » https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/15348
  • BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2010.
  • BOITO JÚNIOR, Armando. O caminho brasileiro para o fascismo. Caderno CRH, Salvador, v. 34, [s.n.], p. 1-23, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/CSKYLS49WkF4Zr7fnFJTMmm/. Acesso em: 23 jul 2022.
    » https://www.scielo.br/j/ccrh/a/CSKYLS49WkF4Zr7fnFJTMmm
  • BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. In: BRAMAN, Sandra. The emergent global Information Policy Regime. New York: Palgrave Macmillan, 2004.
  • BRASIL. Projeto de Lei 2630/2020. Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Brasília, DF: Senado Federal, [2020]. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110634&ts=1648639813988&disposition=inline Acesso em: 07 ago. 2024.
    » https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110634&ts=1648639813988&disposition=inline
  • BRISOLA, Anna Cristina; BEZERRA, Arthur. Desinformação e circulação de “fake news”: distinções, diagnóstico e reação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018. Londrina. Anais […]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2018. p. 3316-3330. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354655091_DESINFORMACAO_E_CIRCULACAO_DE_FAKE_NEWS_DISTINCOES_DIAGNOSTICO_E_REACAO Acesso em: 18 abr. 2020.
    » https://www.researchgate.net/publication/354655091_DESINFORMACAO_E_CIRCULACAO_DE_FAKE_NEWS_DISTINCOES_DIAGNOSTICO_E_REACAO
  • BUCCI, Eugênio. A superindústria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.
  • CARCANHOLO, Marcelo Dias. A crise do capitalismo dependente brasileiro. In: MACÁRIO, Epitácio; DIAS, Edilyanne; MEDEIROS, Richelly Barbosa de; ALEXANDRE, Tainara (org.). Dimensões da crise brasileira: dependência, trabalho e fundo público. Fortaleza: EdUECE; Bauru: Canal 6, 2018.
  • CARNUT, Leonardo. Neofascismo como objeto de estudo: contribuições e caminhos para elucidar este fenômeno. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 41, n. 1, p. 81-108, jan./jun. 2020. DOI http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
    » http://dx.doi.org/10.5433/1679-0383.2020v41n1p81
  • CARVALHO, Priscila Ramos; CASTRO, Paulo César; SCHNEIDER, Marco André Feldman. Desinformação na pandemia de COVID-19: similitudes informacionais entre Trump e Bolsonaro. Em Questão, Porto Alegre, v. 27, n. 3, p. 15-41, jul./set, 2021. DOI https://doi.org/10.19132/1808-5245273.15-41
    » https://doi.org/10.19132/1808-5245273.15-41
  • CASTRO, Júlio César Lemes de. Da lógica editorial à lógica algorítmica da notícia. Conexão: Comunicação e Cultura, [s.l.], v. 18, n. 36, p. 36-56, jul./dez. 2019.
  • CASTRO, Júlio César Lemes de. Plataformas algorítmicas e economia da desinformação. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópólis, v. 18, n. 2, p. 91-103, jul./dez. 2021. DOI https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485
    » https://doi.org/10.5007/1984-6924.2021.e77485
  • ECO, Umberto. O fascismo eterno. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2019.
  • FREITAS, Riva Sobrado; CASTRO, Matheus Felipe. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio: um exame sobre as possíveis limitações à liberdade de expressão. Seqüência Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 34, n. 66, p. 327-355, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2013v34n66p327 Acesso em: 4 fev. 2023.
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2013v34n66p327
  • FROHMANN, Bernd. Talking information policy beyond information science: applying the actor network theory. In: OLSON, H. A.; WARD, D. B. (ed.). Annual Conference of the Canadian Association for Information Science, 23., 1995, Edmonton, Alberta. Anais […]. Edmonton, Alberta: University of Western Ontario, 1995. Disponível em: https://www.academia.edu/14044809/Taking_information_policy_beyond_information_science_applying_the_actor_network_theory Acesso em: 02 mai. 2022.
    » https://www.academia.edu/14044809/Taking_information_policy_beyond_information_science_applying_the_actor_network_theory
  • GERBAUDO, Paolo. The mask and the flag: populism, citizenism and global protest. Oxford: Oxford University Press, 2017.
  • GILLESPIE, Tarleton. A relevância dos algoritmos. Parágrafo, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 95-121, 2018. Disponível em: https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/722 Acesso em: 06 jul. 2024.
    » https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/722
  • GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a informação. Ciência da Informação, Brasília (DF), v. 31, n. 1, p. 27-40, 2002. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975 Acesso em: 15 nov. 2020.
    » http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/975
  • GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Escopo e abrangência da Ciência da Informação e a Pós-Graduação na área: anotações para uma reflexão. Transinformação, Campinas, v. 5, n. 1, p. 31-43, jan./abr. 2003. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/6385 Acesso em: 1 dez. 2022.
    » https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/6385
  • GONZÁLEZ DE GOMEZ, Maria Nélida. Regime de informação: construção de um conceito. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 22, n. 3, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/14376 Acesso em: 1 dez. 2022.
    » https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/14376
  • KAUFMAN, Dora. A inteligência artificial mediando a comunicação: impactos da automação. In: BARBOSA, Mariana. Pós-verdade e fake news: reflexões sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  • LAZZARATO, Maurizio. Fascismo ou revolução? O neoliberalismo em chave estratégica. São Paulo: N-1 Edições, 2019.
  • LOWY, Michael. Neofascismo: um fenômeno planetário - o caso Bolsonaro. In: A TERRA É REDONDA: EPPUR SI MUOVE… [s.l.], 2019. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2019/outubro/19.10-Neofascismo-e-Bolsonaro.pdf Acesso em: 18 abr. 2022.
    » http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2019/outubro/19.10-Neofascismo-e-Bolsonaro.pdf
  • LUPATINI, Márcio. Crise do capital e dívida pública. In: SALVADOR, Evilásio; BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete; GRANEMANN, Sara (org.). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012.
  • MARQUES, Juliana Ferreira. Das práticas desinformacionais ao regime de desinformação: as narrativas do Governo Bolsonaro na pandemia de COVID-19. 2023. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, João Pessoa, 2023.
  • NEUMANN, Franz. Angústia e Política. Dissonância: teoria crítica e psicanálise, Campinas, v. 1, n. 1, p. 104-154, jan./jun. 2017. Disponível em: https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/teoriacritica/issue/view/167/24 Acesso em 9 mai 2022.
    » https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/teoriacritica/issue/view/167/24
  • PARISER, Eli. The Filter Bubble: how the new personalized web in changing what we read and how we think. London: The Penguin Press, 2011.
  • PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da ciência. Aparecida: Ideias & Letras, 2008.
  • POGGI, Tatiana. Faces do extremo: uma análise do neofascismo nos Estados Unidos da América (1970-2010). Curitiba: Editora Prisma, 2015.
  • PRADO, Magaly. Fake news e inteligência artificial: o poder dos algoritmos na guerra de desinformação. São Paulo: edições 70, 2022.
  • ROSSINI, Patrícia. Disentangling uncivil and intolerant discourse. In: BOATRIGHT, Robert G.; SHAFFER, Timothy J.; SOBIERAJ, Sarah; YOUNG, Dannagal Goldthwaite. A crisis of civility? Contemporary research on civility, incivility, and political discourse. New York: Routlegde, 2019.
  • SANTINI, Rose Marie. Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais. In: SALDANHA, Gustavo Silva; CASTRO, Paulo Cesar; PIMENTA, Ricardo Medeiros (org). Ciência da informação: sociedade, crítica e inovação. Rio de Janeiro: IBICT, 2022.
  • SAVOLAINEN, Reijo. Everyday life information seeking: approaching information seeing in the context of way of life. Library and Information Science Research, [s.l.], [s.n], n. 17, p. 259-294, 1995.
  • SCHNEIDER, Marco; SALDANHA, Gustavo. Entrevista com Rafael Capurro (07-10-2015). Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 322-328, 2015. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3677/3118 Acesso em 20 jan. 2021.
    » https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3677/3118
  • SPONHOLZ, Liriam. O papel dos discursos de ódio (online) na ascensão da extrema-direita: um aporte teórico. Confluências, Niterói, v. 22, n. 3, p. 220-243, 2020.
  • VIGNOLI, Richele Grenge; MONTEIRO, Silvana Drumond. Deep web e dark web: similaridades e dissiparidades no contexto da ciência da informação. Transinformação, Campinas, v. 32, [s.n.], 2020. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/5878 Acesso em: 11 maio 2022.
    » https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/5878
  • WALDRON, Jeremy. Dignity and defamation: the visibility of hate. Harvard Law Review, [s.l.], v. 123, n. 7, p. 1.596-1.657, 2010.
  • WOOLLEY, Samuel C.; HOWARD, Philip N. Automation, algorithms, and politics| political communication, computational propaganda, and autonomous agents-Introduction. International Journal of Communication, [s.l.], v. 10, [s.n.], 2016.
  • ZUBOFF, Shoshana. A era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humanona nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
  • 1
    É definida por Vignoli e Monteiro (2020VIGNOLI, Richele Grenge; MONTEIRO, Silvana Drumond. Deep web e dark web: similaridades e dissiparidades no contexto da ciência da informação. Transinformação, Campinas, v. 32, [s.n.], 2020. Disponível em: https://periodicos.puc-campinas.edu.br/transinfo/article/view/5878. Acesso em: 11 maio 2022.
    https://periodicos.puc-campinas.edu.br/t...
    ) como uma rede paralela que só pode ser acessada por intermédio de softwares que camuflam o Internet Protocol (IP) de máquinas diversas e que, consequentemente, permitem adentrar ao ambiente de forma anônima sendo utilizada para a circulação de conteúdo criminoso e agente facilitador para pessoas que desejam cometer crimes.
  • 2
    Conceito que é baseado no que Savolainen (1995SAVOLAINEN, Reijo. Everyday life information seeking: approaching information seeing in the context of way of life. Library and Information Science Research, [s.l.], [s.n], n. 17, p. 259-294, 1995.) define como práticas informacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2024
  • Aceito
    12 Jul 2024
Escola de Ciência da Informação da UFMG Antonio Carlos, 6627 - Pampulha, 31270- 901 - Belo Horizonte -MG, Brasil, Tel: 031) 3499-5227 , Fax: (031) 3499-5200 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: pci@eci.ufmg.br