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Trajetórias de Formação de Psicólogos dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família

Training Paths of Psychologists from the Expanded Family Healthcare Centers

Trayectorias de Formación de Psicólogos en los Núcleos de Apoyo a la Salud de la Familia

Resumo

Este artigo discute a trajetória de formação dos psicólogos que atuam nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) em um município de Santa Catarina. O estudo é exploratório, de abordagem qualitativa e adota o método da história oral temática. Foram realizadas entrevistas em profundidade com cinco psicólogos, que resultaram na produção de cinco narrativas, tratadas por análise de conteúdo temática. Da análise, emergiram as seguintes categorias: reconhecendo o caminho; da escolha pela Psicologia: os primeiros passos; a formação universitária: que caminhos levaram ao NASF?; a chegada ao NASF: e agora? Observou-se que os psicólogos têm uma compreensão ampla sobre a trajetória de formação, pois tomam como pressuposto que esse processo não tem uma finitude na medida em que constitui uma contínua aprendizagem. Também foi problematizada a formação oferecida pelos cursos de graduação em Psicologia, que ainda são centrados no modelo da clínica tradicional e não oferecem ferramentas teóricas e técnicas adequadas para o trabalho na Saúde Pública. Aponta-se a necessidade de aprimorar os currículos dos cursos de Psicologia, para qualificar a formação desses profissionais para a atuação na Saúde Pública e favorecer que se reconheçam como profissionais da área da saúde.

Palavras-chave:
Trajetória; Formação; Psicologia; Saúde Pública

Abstract

This article discusses the formation trajectory of psychologists working at the Extended Family Healthcare Centers (NASF, in Portuguese) in a municipality of Santa Catarina. This is an exploratory qualitative study based on the method of thematic oral history. In-depth interviews were conducted with five psychologists, resulting in five narratives treated by thematic content analysis. From the analysis, the following categories emerged: recognizing the way; on choosing Psychology - the first steps; university education - what paths led to the NASF?; and arriving at NASF - now what? The results indicate that psychologists have a broad understanding of the training path, assuming that this learning process is endless, continuous. They also problematized the training offered by undergraduate courses in Psychology, still centered on the traditional clinical model and thus failing in offering adequate theoretical and technical tools for working in the Public Health field. Considering that, the curricula of Psychology courses must be improved to qualify the formation of these professionals for acting in Public Health, fostering their self-recognition as health professionals.

Keywords:
Trajectory; Formation; Psychology; Public Health

Resumen

Este artículo discute la trayectoria de formación de los psicólogos que trabajan en los Núcleos de Apoyo a la Salud de la Familia (NASF) en un municipio de Santa Catarina (Brasil). Se trata de un estudio exploratorio, con un enfoque cualitativo, teniendo como método la historia oral temática. Se llevaron a cabo entrevistas en profundidad con cinco psicólogos, lo que ocasionó cinco narrativas, tratadas por el análisis de contenido temático. Del análisis surgieron las siguientes categorías: reconocer el camino; sobre la elección por psicología: los primeros pasos; la formación universitaria: ¿qué caminos condujeron al NASF?; la llegada al NASF: ¿y ahora qué? Se observó que los psicólogos tienen una amplia comprensión de la formación en el área y suponen que ese proceso no tiene fin, pues es un aprendizaje continuo. También se problematizó la formación educativa de los cursos de grado en Psicología, aún centrados en el modelo clínico tradicional y que no ofrecen herramientas teóricas y técnicas adecuadas para el trabajo en el campo de la Salud Pública. Es necesario mejorar los planes de estudio de los cursos de Psicología para ofrecer una formación calificada a estos profesionales en cuanto a la actuación en Salud Pública y para favorecer su reconocimiento como profesionales de la salud.

Palabras clave:
Trayectoria; Formación; Psicología; Salud Pública

Introdução

A trajetória de formação é um percurso que permeia toda a carreira do profissional psicólogo e este texto tece, como pano de fundo, os temas da formação e da atuação dos psicólogos que trabalham nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF)1 1 A sigla NASF, conforme definição apresentada na Portaria n. 154, do Ministério da Saúde, de 24 de janeiro de 2008 (Portaria n. 154, 2008), corresponde ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família. A Portaria n. 2.436, do Ministério da Saúde, de 21 de setembro de 2017 (Portaria n. 2.436, 2017), que atualizou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), revisou a sigla e sua denominação, alterando-a para Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). Neste texto, será adotada, a sigla NASF em referência aos Núcleos Ampliados de Saúde da Família. . A trajetória de formação é compreendida aqui de maneira ampla, na medida em que inclui a inter-relação das dimensões pessoal e profissional dos sujeitos, abrange as diferentes etapas da vida, desde a infância até a atuação profissional, e desenvolve-se a partir da compreensão do espaço-tempo em que, continuamente, cada um produz sua maneira de ser psicólogo enquanto exerce sua profissão (Morosini et al., 2006Morosini, M. C., Fernandes, C. M. B., Enricone, D., Leite, D. B. C., Franco, M. E. D. P., Cunha, M. I., Grillo, M. C., Rossato, R., & Isaia, S. M. de A. (2006). Enciclopédia de Pedagogia Universitária: Glossário (Vol. 2). INEP; RIES. https://bit.ly/3tx5Fkr
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). Dessa maneira, a subjetividade do “ser psicólogo” é condicionada pela formação em Psicologia e é a partir dessa perspectiva que o profissional atua. Abordar a trajetória de formação a partir da ótica dos psicólogos dos NASF remete diretamente à atuação desses profissionais na Saúde Pública. Para compreender esse objeto, é importante conhecer como esse profissional tem se configurado conforme as nuanças do mercado de trabalho e, ainda, como tem aprimorado seu olhar sobre o sujeito e ampliado as abordagens teóricas aplicadas em sua atuação, na direção de superar o atendimento individualizado a fim de evitar que se replique o modelo clínico tradicional de consultório (Mourão, Travassos, Abbad, & Carvalho, 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
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; Vasconcelos & Aléssio, 2019Vasconcelos, F. G., & Aléssio, R. L. S. (2019). Construções identitárias de psicólogos em NASF: Reflexões para a prática profissional. Psicologia: Ciência e Profissão , 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003174637
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). Nesse contexto, é relevante levar em consideração as características da formação em Psicologia no Brasil, assim como o processo de implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) (Parecer n. 1.314/2001, 2001Parecer n. 1.314/2001. (2001). Diretrizes curriculares para o curso de graduação em psicologia. Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atos-normativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12991
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) e o reconhecimento da Psicologia na área da saúde, que almeja formar profissionais de perfil generalista. Nesse viés, reconhece-se que a formação de psicólogos deva ter natureza generalista e ser permeada por maior abrangência de conteúdos para além daqueles temas estritos da área da Psicologia.

A partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a formação profissional nas diferentes áreas que se inserem nesse contexto foi desafiada a reformular seus currículos para dar conta de um perfil e de uma atuação coerente com as diretrizes e princípios do sistema. Nesse movimento, em que o SUS passou a se constituir como cenário complexo e a requerer uma atuação profissional diferenciada, capaz de superar o modelo tradicional de assistência, emergiu a necessidade de ampliar os horizontes da formação no campo da Psicologia (Melo & Galindo, 2018Melo, M. I. S., & Galindo, W. C. M. (2018). O trabalho como residente de psicologia em equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Pesquisas e Práticas Psicossociais, 13(4). http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp/article/view/3147
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; Mourão et al., 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
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).

Cabe destacar que o SUS implantou um modelo de assistência fundado na Atenção Básica (AB), que é a porta de entrada do usuário no sistema de saúde e reforça o princípio da universalidade, assumindo a Estratégia Saúde da Família (ESF) como ordenadora da atenção. A AB é, fundamentalmente, um complexo conjunto de conhecimentos e ações, que demanda uma intervenção ampla e articulada aos demais níveis do sistema, priorizando a integralidade da atenção (Ministério da Saúde [MS], 2009Ministério da Saúde. (2009). Cadernos de atenção básica: Diretrizes do NASF. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_diretrizes_nasf.pdf
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). A AB deve ter o maior grau de capilaridade possível - ou seja, deve estar o mais próximo dos locais em que as pessoas vivem e produzem suas condições de saúde - e suas ações, de nível individual e coletivo, envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvidas por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada. A AB é realizada por equipes multiprofissionais e dirigida à população em territórios definidos, sobre os quais as equipes assumem responsabilidade sanitária (Portaria n. 2.436, 2017Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. (2017). Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União de 22 de setembro de 2017, Seção I, p. 68. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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).

Nesse contexto, o NASF foi instituído pelo Ministério da Saúde como estratégia complementar à AB, com a perspectiva de contribuir para aumentar sua resolutividade por meio de suporte clínico-assistencial e técnico-pedagógico disponibilizado por equipes multiprofissionais (Portaria n. 154, 2008Portaria n. 154, de 24 de janeiro de 2008. (2008). Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União de 4 de março de 2008, Seção I, p. 38-42. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html
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; Portaria n. 2.436, 2017Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. (2017). Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União de 22 de setembro de 2017, Seção I, p. 68. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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; Belotti, Iglesias, & Avellar, 2019Belotti, M., Iglesias, A., & Avellar, L. Z. (2019). Análise documental sobre as normativas do trabalho no Núcleo Ampliado de Saúde da Família. Psicologia: Ciência e Profissão , 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003185025
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).

Por sua essência integrada e coletiva, o modelo de trabalho do NASF apresenta-se como um desafio ao propor uma ruptura com o modelo clínico tradicional ainda dominante no campo da atenção à saúde e nos processos de formação profissional (Perrella, 2015Perrella, A. C. (2015). A experiência da psicologia no NASF: capturas, embates e invenções. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 8(2), 443-452. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8n2/v8n2a12.pdf
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; Kepler & Yamamoto, 2020Kepler, I. L. S., & Yamamoto, O. H. (2020). Perfil e atuação de psicólogos nos centros de referência em saúde do trabalhador. Psicologia & Sociedade, 32. http://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32185774
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).

Quanto à inserção da Psicologia no campo da Saúde Pública, cabe registrar a importante contribuição dada pela implantação das DCN como política educacional indutora de mudanças nos processos de formação profissional (Mourão et al., 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
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). Assim, reconhecida a urgência de ampliação dos horizontes da formação em Psicologia, a minuta das novas DCN (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2018Conselho Federal de Psicologia. (2018). Minuta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos em Psicologia. http://www2.cfp.org.br/consultapublica/2018/dcn/docs/minuta.pdf
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) explicita a intencionalidade de reconhecer a pluralidade da Psicologia, de modo que os currículos dos cursos de graduação contemplem conteúdos referentes aos fundamentos, gestão e prática nas áreas das diversas políticas públicas - como Assistência Social, Educação, Saúde, Trabalho, Segurança Pública, Proteção e Defesa Civil. Esses saberes são, assim, assumidos como dispositivos para uma formação interdisciplinar, promotora de um novo modelo de atuação do psicólogo (CFP, 2018Conselho Federal de Psicologia. (2018). Minuta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos em Psicologia. http://www2.cfp.org.br/consultapublica/2018/dcn/docs/minuta.pdf
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; MS, 2009Ministério da Saúde. (2009). Cadernos de atenção básica: Diretrizes do NASF. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_diretrizes_nasf.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
; Mourão et al., 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
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; Perrella, 2015Perrella, A. C. (2015). A experiência da psicologia no NASF: capturas, embates e invenções. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 8(2), 443-452. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8n2/v8n2a12.pdf
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). Contudo, no tensionamento das questões relativas à formação dos psicólogos para a atuação no SUS, a inclusão de algumas disciplinas e estratégias de ensino orientadas para esse fim, a partir das DCN vigentes, ainda não foi suficiente para que a Psicologia supere o questionamento de suas práticas profissionais, predominantemente dissonantes das diretrizes e dos modos de trabalho preconizados na Saúde Pública (Manoel, Combinato, Gomes, & Silva, 2014Manoel, R. A., Combinato, D. S., Gomes, F. M. A., & Silva, K. F. (2014). O papel do trabalho e da formação acadêmica no projeto profissional do trabalhador da saúde. Trabalho, Educação, Saúde, 12(3), 595-614. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00008
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; Rodrigues & Zaniani, 2017Rodrigues, D., & Zaniani, E. J. M. (2017). A formação acadêmica do psicólogo e a construção do modo de Atenção Psicossocial. Pesquisas e Práticas Psicossociais , 12(1), 224-239. http://seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp/article/view/1916
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). Vale lembrar que a atuação dos psicólogos nesse campo é relativamente recente, principalmente no NASF, que foi constituído em 2008 (Portaria n. 154, 2008Portaria n. 154, de 24 de janeiro de 2008. (2008). Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF. Diário Oficial da União de 4 de março de 2008, Seção I, p. 38-42. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html
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) e, desde então, tem se apresentado para a Psicologia como um novo espaço de saber e fazer na saúde (Oliveira et al., 2017Oliveira, I. F. O., Amorim, K. M. O., Paiva, R. A., Oliveira, K. S. A., Nascimento, M. N. C., & Araújo, R. L. (2017). A atuação do psicólogo nos NASF: Desafios e perspectivas na Atenção Básica. Temas em Psicologia, 25(1), 291-304. https://doi.org/10.9788/TP2017.1-17Pt
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). Ainda considerando a inserção do psicólogo no campo da Saúde Pública, pondera-se que o SUS se destaca entre os maiores empregadores de psicólogos no país (Batalha, 2017Batalha, E. (2017, 1º de maio). Escuta Qualificada. Psicólogos são essenciais na gestão do sistema e no acolhimento da subjetividade dos usuários. RADIS, 176. https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/escuta-qualificada
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). Evidencia-se, assim, uma importante conquista de espaço dos psicólogos na área da Saúde Pública, o que reforça a proposição de que tanto a formação quanto a atuação de psicólogos nesse contexto são campos profícuos para pesquisas e diálogos entre universidades e serviços de saúde.

Frente a esses elementos colocados em pauta, este estudo teve o objetivo de compreender a trajetória de formação de psicólogos que atuam nos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) em um município do estado de Santa Catarina, assumindo o construto “trajetória” como um elo importante entre as dimensões da formação e da atuação profissional.

Método

Foi realizado um estudo exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvido segundo o método da história oral temática. A escolha metodológica pela história oral fundamentou-se na intencionalidade de privilegiar e recuperar o vivido conforme concebido por quem o viveu. A história oral é um método adequado quando se quer compreender dimensões e fenômenos relacionados às experiências de vida do ser humano dentro de um contexto cultural e histórico (Thompson, 1998Thompson, P. (1998). A voz do passado: História oral (2a ed.). Paz e Terra.). O método é consoante à proposta de um debruçar-se sobre trajetórias de formação, visto que favorece a aproximação com o objeto de estudo em uma dimensão temporal, na perspectiva do curso da vida, por incluir a (trans)formação das representações, valores sociais, tradições, desenvolvimento de atitudes, desde a infância até a fase adulta, expressada pelos sujeitos a partir do presente e com um foco central a presidir a abordagem dos temas de interesse da pesquisa (Minayo, 2014Minayo, M. C. S. (2014). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde (14a ed.). Hucitec.; Meihy & Holanda, 2015Meihy, J. C. S. B., & Holanda, F. (2015). História Oral: como fazer, como pensar. Contexto.; Thompson, 1998Thompson, P. (1998). A voz do passado: História oral (2a ed.). Paz e Terra.).

O contexto de estudo foi o conjunto dos NASF implantados em um município do estado de Santa Catarina, e os sujeitos, os psicólogos que lá atuavam. No município pesquisado, à época de realização do estudo, cada equipe multidisciplinar dos NASF tinha, em sua composição, um psicólogo, totalizando seis profissionais, dos quais cinco aceitaram participar da pesquisa (Quadro 1).

Quadro 1
Caracterização dos sujeitos da pesquisa: os psicólogos dos NASF, SC, em 2018.

Para a coleta de dados utilizou-se a técnica de entrevista em profundidade, de modo que foram realizados 12 encontros individuais com os participantes, nos quais se adotou o critério de saturação de conteúdo. No decorrer do processo, as entrevistas foram tratadas pelas pesquisadoras conforme as etapas específicas do método da história oral, que incluem a transcrição, seguida pela textualização e, por fim, a transcriação (Meihy & Holanda, 2015Meihy, J. C. S. B., & Holanda, F. (2015). História Oral: como fazer, como pensar. Contexto.). De acordo com esses procedimentos, foram construídas com os participantes - e validadas por eles - cinco narrativas que sintetizam suas trajetórias de formação e contemplam a temporalidade e os significados atribuídos às situações vivenciadas por esses profissionais. As narrativas produzidas foram tratadas por análise de conteúdo temática em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados (Minayo, 2014Minayo, M. C. S. (2014). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde (14a ed.). Hucitec.). Para garantir que todos os aspectos éticos fossem atendidos, o projeto que deu origem ao estudo foi apreciado e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (parecer nº 2.195.586). Com o intuito de assegurar o resguardo da identidade dos sujeitos, na apresentação dos resultados foram utilizados pseudônimos (Clarice Lispector, Frida Kahlo, Judith Beck, Sigmund Freud e Simone de Beauvoir) escolhidos pelos participantes para o apontamento de suas falas.

Resultados e discussão

Da análise de conteúdo temática das cinco narrativas que materializaram as trajetórias de formação dos participantes do estudo (Quadro 1), emergiram categorias e subcategorias (Quadro 2), segundo as quais estão organizadas, nesta seção, a apresentação e a discussão dos resultados.

Quadro 2
Categorização temática das narrativas sobre trajetórias de formação dos psicólogos dos NASF, SC, em 2018.

Reconhecendo o caminho

A partir de uma compreensão ampliada do construto que é objeto deste estudo, assume-se a trajetória de formação como um processo contínuo, que abrange desde a fase de escolha da profissão, passa pela formação inicial da graduação e estende-se até os espaços e tempos de vivências da profissão, no cotidiano da atuação, em que cada um segue produzindo sua maneira de ser profissional (Morosini et al., 2006Morosini, M. C., Fernandes, C. M. B., Enricone, D., Leite, D. B. C., Franco, M. E. D. P., Cunha, M. I., Grillo, M. C., Rossato, R., & Isaia, S. M. de A. (2006). Enciclopédia de Pedagogia Universitária: Glossário (Vol. 2). INEP; RIES. https://bit.ly/3tx5Fkr
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). Foi nessa perspectiva que os participantes evidenciaram perceber as próprias trajetórias de formação, conforme ilustra o excerto apresentado:

Entendo que é assim que se dá a trajetória de formação, desde a escolha, lá no início, quando nos identificamos com uma profissão, o porquê procuramos essa formação, as especializações… E as experiências de trabalho. O que se aplica do que aprendemos, que seja na prática baseada em evidências e não no “achismo” (Frida Kahlo).

Observa-se, aí, uma percepção da Trajetória de formação como fenômeno ampliado, longitudinal, que se inicia ainda na infância, perpassa a formação acadêmica e abrange o campo e o tempo de atuação profissional (Tolfo, 2002Tolfo, S. da R. (2002). A carreira profissional e seus movimentos: revendo conceitos e formas de gestão em tempos de mudanças. Psicologia: Organizações e Trabalho, 2(2), 39-63. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-66572002000200003
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). Além disso, aponta-se que os participantes também expressaram percepções da Trajetória de formação como articulação das dimensões pessoal e profissional da vida, ao destacarem, em seus discursos, a importância da psicoterapia nesse contexto. A fala apresentada a seguir ilustra esse achado:

Posso considerar que a minha formação me constituiu enquanto pessoa. Era muito duro passar pelo processo de formação em Psicologia, porque a gente se destrói inteira e tem fases atordoantes, em que a cabeça está um turbilhão. O que tem como certo, concreto na vida, de repente se destrói, e constrói outra concepção. Assim foi o processo de graduação, acompanhamento dos professores e priorizando a importância de fazer psicoterapia. A formação ajudou a me construir enquanto psicóloga, e eu me permiti entender o que eu queria ser enquanto profissional (Judith Beck).

Destaca-se que, conforme Morosini et al. (2006Morosini, M. C., Fernandes, C. M. B., Enricone, D., Leite, D. B. C., Franco, M. E. D. P., Cunha, M. I., Grillo, M. C., Rossato, R., & Isaia, S. M. de A. (2006). Enciclopédia de Pedagogia Universitária: Glossário (Vol. 2). INEP; RIES. https://bit.ly/3tx5Fkr
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), a trajetória de formação é construída na inter-relação pessoal e profissional, percurso ao longo do qual o psicólogo se reconhece na interação com pessoas e grupos que lhe são significativos. O profissional psicólogo é resultante de um confronto entre o aprendizado teórico, a prática e a psicoterapia, que é complementar à formação e contribui para o estabelecimento de vínculos interpessoais importantes para a atuação no campo da Psicologia (Kichler & Serralta, 2014Kichler, G. F., & Serralta, F. B. (2014). As implicações da psicoterapia pessoal na formação em psicologia. Psico, 45(1), 55-64. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2014.1.12531
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). Outros elementos, como as relações com a família e a escolha da universidade, foram também apontados pelos participantes como importantes na construção de suas trajetórias de formação, indicando que reconhecem o papel da dimensão pessoal da vida no âmbito desse fenômeno:

Um marco importante na minha trajetória é a ligação com a relação familiar, pois optei em ficar próximo da família e fazer a graduação aqui na cidade e isso, com certeza, influenciou na escolha da universidade e determinou o percurso de toda a minha formação, tanto na parte pessoal quanto profissional (Judith Beck).

Essas decisões, segundo Schoier, Quadros, Godoy e Pacheco (2015Schoier, B. J., Quadros, B., Godoy, P. L., & Pacheco, S. P. (2015). Influência familiar na escolha do curso de graduação. Psicologia Escolar e Educacional, 14(1), 15-22.), ao mesmo tempo que são perpassadas por questões individuais e sociais, ligadas aos contextos familiar, social, econômico e cultural, também incidem sobre a futura atuação profissional dos sujeitos.

Corroborando essa perspectiva, os participantes sinalizam, conforme ilustrado pela fala apresentada, que a escolha da universidade e, consequentemente, do local para fazer o curso superior, é considerada determinante na definição dos modelos profissionais que serão seguidos na atuação profissional. Essas ponderações são condizentes, ainda, com a de Cintra e Bernardo (2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia Social. Psicologia: Ciência e Profissão , 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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), na direção de que a formação universitária do psicólogo se destaca como um marco para a construção do profissional, pois as instituições de ensino superior têm reproduzido um modelo básico de atuação ainda distanciado da Saúde Pública - quando poderiam adotar abordagens críticas, que favorecessem a reflexão e a atuação contextualizada no âmbito das políticas públicas.

Nesse sentido, pesquisas têm evidenciado que há certo descompasso entre a formação e a posterior atuação do psicólogo brasileiro na área da Saúde Pública (Amendola, 2014Amendola, M. F. (2014). Formação em psicologia, demandas sociais contemporâneas e ética: uma perspectiva. Psicologia: Ciência e Profissão , 34(4), 971-983. https://doi.org/10.1590/1982-370001762013
https://doi.org/10.1590/1982-37000176201...
; Souto, Batista, & Batista, 2014Souto, T. da S., Batista, S. H., & Batista, N. (2014). A educação interprofissional na formação em Psicologia: Olhares de estudantes. Psicologia: Ciência e Profissão , 34(1), 32-45. https://doi.org/10.1590/S1414-98932014000100004
https://doi.org/10.1590/S1414-9893201400...
). Estudo realizado com egressos de nove universidades brasileiras, públicas e privadas, dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, São Paulo e do Distrito Federal, constatou que a competência clínica foi referida como uma das mais desenvolvidas na graduação em Psicologia, o que reforça o estereótipo tradicional de atuação profissional e confirma uma formação ainda predominantemente dirigida para os processos psicológicos individuais (Mourão et al., 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v2...
). Já Guareschi, Machry, Reis, Dhein e Bennemann (2012Guareschi, N. M. de F., Machry, F. C., Reis, C., Dhein, G., & Bennemann, T. (2012). Implicações das áreas biomédicas da formação do psicólogo no SUS. Psicologia Argumento , 30(70), 503-513. https://doi.org/10.7213/psicol.argum.6137
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.613...
), a partir de pesquisa realizada em seis cursos de Psicologia do estado do Rio Grande do Sul, observaram que, por um lado, os cursos propõem uma formação mais voltada para o SUS e, por outro, apresentam um número expressivo de conteúdos e disciplinas direcionados para o enfoque da patologização do sujeito.

Da análise das narrativas dos participantes desta pesquisa, emergiu, ainda, a Trajetória de formação como processo de aprendizagem contínua, como exemplificado por uma das participantes: “Eu acredito que trajetória de formação é algo constante e para sempre, pois estou sempre aprendendo e crescendo” (Simone de Beauvoir). Ademais, vale registrar que quatro dos cinco participantes desta pesquisa referiram ter realizado algum curso de pós-graduação lato e/ou stricto sensu, embora nem todos na área da Saúde Pública. Nessa perspectiva, além do compromisso com a própria educação, os participantes revelaram perceber a trajetória de formação como fenômeno que se constitui progressivamente, desde a formação acadêmica até a experiência profissional, e continua como um aprendizado constante que contribui para seu crescimento pessoal e profissional. Essa abordagem condiz com a de Torres e Ecker (2016Torres, S., & Ecker, D. I. (2016). Relato de experiência da aproximação do CREPOP-RS ao meio acadêmico: formação em psicologia e políticas públicas. Revista Subjetividades, 16(3), 121-132. http://doi.org/10.5020/23590777.16.3.121-132
http://doi.org/10.5020/23590777.16.3.121...
), na medida em que, para os autores, a formação, em sua continuidade, é entendida não só como qualificação profissional, mas como um fenômeno produtor de subjetividades.

Em síntese, os achados apresentados nesta categoria evidenciam que os participantes do estudo percebem o construto trajetória de formação como fenômeno ampliado, que extrapola a formação acadêmica e assume natureza longitudinal, pois estende-se ao longo da vida e articula fatores pessoais e profissionais, constituindo-se a partir do desenvolvimento de seu autoconhecimento e da formação universitária, incorporando as vivências do contexto de atuação profissional, em um processo de aprendizagem contínua. Pondera-se que esses achados informam sobre uma condição de abertura para a educação permanente e para a ampliação dos horizontes da atuação profissional, elemento favorecedor, a nosso juízo, da atualização e qualificação da prática psicológica na direção dos princípios e diretrizes do SUS.

Da escolha pela Psicologia: os primeiros passos

A partir das narrativas dos participantes, evidenciou-se que, desde muito cedo, ainda na infância e adolescência, foram vivenciadas situações que fizeram emergir Dilemas pessoais e a vontade de entender e se entender como ser humano, o que mobilizou e despertou fatores intrínsecos, sob a forma de motivação e curiosidade, que foram determinantes para a escolha de uma formação acadêmica que contribuísse para responder a esses questionamentos. Nesse contexto, os participantes revelaram um certo encantamento com a Psicologia e seu objeto de estudo. Essa observação foi apontada, anteriormente, em estudo de Ziliotto, Benvenutti, Matiello e Peil (2014Ziliotto, D. M., Benvenutti, J., Matiello, M., & Peil, S. (2014). Concepções e expectativas de estudantes de psicologia sobre sua futura profissão. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia , 7(1), 82-92. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v7n1/v7n1a08.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v7n...
) com estudantes de Psicologia, cujos autores concluíram que a escolha pelo curso engloba o interesse em melhor compreensão e desvelamento do ser humano e as possibilidades de aprender e de ajudar as pessoas. O recorte apresentado a seguir ilustra essas ponderações:

Desde a minha infância e pré-adolescência, comecei a questionar o que estava posto e o porquê as coisas funcionam de tal forma. Sempre me intrigou não a parte biológica e a complexidade biofisiológica, mas a parte psíquica do ser humano. Somente na adolescência fui saber que era o psiquismo, a psiquê que me interessava. Outro fator importante foi quando eu era criança, os meus pais se separaram e a minha mãe me levou à psicóloga, pela qual tenho muito carinho, pois me ajudou e contribuiu muito na minha vida. Teve momentos da terapia em que eu entrava mal, por causa da separação e até alienação parental que possa ter ocorrido, e saía melhor… Eu dizia “Isso é fantástico!”. Percebi, no psicólogo, uma escuta que eu não tinha de ninguém… E, a partir daí, veio a escolha do curso (Sigmund Freud).

Os psicólogos, neste estudo, demonstraram envolvimento com as possibilidades de atuação da profissão e com essa compreensão da complexidade humana, das razões e do que se passa na psiquê de cada um, por meio do conhecimento psicológico. Também apresentaram fascínio pela profissão e admiração pelos profissionais que trabalham para ajudar a minimizar o sofrimento das pessoas. Nessa direção, Ziliotto et al. (2014Ziliotto, D. M., Benvenutti, J., Matiello, M., & Peil, S. (2014). Concepções e expectativas de estudantes de psicologia sobre sua futura profissão. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia , 7(1), 82-92. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v7n1/v7n1a08.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v7n...
) afirmam que a escolha pela Psicologia também se delineia a partir de vivências pessoais e da experiência psicoterápica.

A escolha pelo curso e, em consequência, pela profissão - aqui, pela Psicologia -, também é permeada pelas vivências com pessoas ou grupos que representaram Presenças inspiradoras na vida desses profissionais e tornaram-se, assim, referências a serem admiradas, nas dimensões pessoal e profissional:

A escolha pela Psicologia foi bem engraçada. Eu tinha uma amiga que cursava Psicologia e me convidou para participar de um congresso da SBRASH [Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana]. A partir dali me apaixonei pela Psicologia. Sempre gostei deste assunto da sexualidade humana e a questão de gênero, aí comecei a pensar: “Vou fazer Psicologia” (Simone de Beauvoir).

No âmbito dos fatores que incidem sobre a escolha da profissão, Oliveira, Baduy e Melchior (2019Oliveira, K. S., Baduy, R. S., & Melchior, S. (2019). O encontro entre o Núcleo de Apoio à Saúde da Família e as equipes de Saúde da Família: A produção de um coletivo cuidador. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 29(4). https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290403
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) destacam, ainda, certo poder e status a serem proporcionados pela profissão, em especial quando da atuação na área clínica. Constituindo aspectos mais abrangentes, o contexto e o ambiente em que as pessoas vivem e as situações e pessoas que lhe foram significativas interferem também na escolha profissional. Há que pontuar, ainda, o sentido de Acompanhamento vocacional como disparador e reforçador da escolha da Psicologia como profissão, que emergiu da análise da narrativa da participante Clarice Lispector, quando referiu que “então, fiz acompanhamento vocacional para ter clareza da escolha e percebi que tinha afinidade pela área de humanas. Mas entrei no curso de Psicologia sem ter muita clareza do papel profissional e de todos os eixos da formação” (Clarice Lispector).

Para Bock, Furtado e Teixeira (2008Bock, A. M. B., Furtado, O., & Teixeira, M. L. T. (2008). Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia (14. ed.). Saraiva.), a escolha, que envolve aspectos complexos, ultrapassa o vocacional e é influenciada por outras condições, como remuneração, status, tipo e ambiente de trabalho e projeção do futuro profissional. Na mesma direção, Nepomuceno e Witter (2010Nepomuceno, R. F., & Witter, G. P. (2010). Influência da família na decisão profissional: Opinião de adolescentes. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional , 14(1), 15-22. https://doi.org/10.1590/S1413-85572010000100002
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) reforçam que a escolha profissional é uma questão complexa da qual emerge a necessidade de as pessoas passarem por uma orientação profissional que lhes possibilite uma tomada de decisão mais assertiva. Percebe-se, portanto, conformidade entre o discurso dos participantes e os autores que se debruçam sobre a temática da escolha profissional.

Em suma, os achados desta categoria evidenciam que, para os participantes, dilemas pessoais e o interesse em compreender o ser humano em sua complexidade - e, por conseguinte, a si mesmo -, com o intuito de ajudá-lo, foram determinantes no processo de definição profissional. Ainda foram referidas influências relevantes de pessoas inspiradoras, que se tornaram figuras de referência na escolha profissional. Finalmente, surgiu o acompanhamento vocacional como disparador e reforçador de um desejo de seguir a Psicologia como profissão.

A formação universitária: que caminhos levaram ao NASF?

Nesta categoria temática, introduz-se a discussão dos achados pela contextualização da Inserção na formação universitária, elucidada por meio do discurso de Frida Kahlo, que reflete sobre essa inserção como um momento de desorganização e desconstrução de conceitos e concepções, que são reconstruídos no decorrer do percurso. Dito de outra forma, a participante evidencia, em seu discurso, o reconhecimento de um processo de construção de sua subjetividade enquanto sujeito e profissional:

Querendo ou não, quando chega a certo ponto da formação, você entende o que é a Psicologia e, nesse momento, você sai ou segue, porque vai mexendo nas feridas. Assim, estudar, seja Psicanálise ou Cognitivo-Comportamental, qualquer abordagem faz pensar sobre si mesmo, sobre a pessoa, a história dela, sobre sofrimento e tudo isso nos molda. Eu achava o máximo, encantador, na minha memória eram as pecinhas do quebra-cabeça que se encaixavam. Eu comecei a entender o porquê do funcionamento de algumas pessoas, mas a graduação mais te bagunça do que te ajeita (Frida Kahlo).

Nesse sentido, afirma-se que a Psicologia pode lançar luz sobre a inter-relação entre a constituição da subjetividade e o contexto em que vivem os sujeitos, por meio de suas vivências (Torres & Ecker, 2016Torres, S., & Ecker, D. I. (2016). Relato de experiência da aproximação do CREPOP-RS ao meio acadêmico: formação em psicologia e políticas públicas. Revista Subjetividades, 16(3), 121-132. http://doi.org/10.5020/23590777.16.3.121-132
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). Dessa maneira, a Psicologia possibilita que os sujeitos se aproximem e compreendam questões concretas que os constituem. Nesse processo de inserção - e de imersão - na formação universitária em Psicologia, surge uma referência à relação entre as Ênfases adotadas e a construção da visão sobre o ser humano e a sociedade, em função das abordagens assumidas pelas instituições formadoras:

O que aprendemos primeiro foi análise de comportamento, e eu realizava recrutamento, esquema, grupo, mas quando conheci a psicanálise me apaixonei… Sempre trabalhei com a psicanálise, desde os meus estágios de clínica no 5º período, no conselho tutelar e no projeto de atendimento dos alunos. Os atendimentos eram individuais e em grupos, no estágio do Centro Mineiro de Toxicomania. Os meus supervisores eram da linha da psicanálise, freudiana e lacaniana, e tive a oportunidade de frequentar, em paralelo, escolas de formação da psicanálise lacaniana, IPA [International Psychoanalytical Association] e a Escola Brasileira de Psicanálise (Sigmund Freud).

A esse propósito, a formação tem alguns pontos importantes de tensão: a exigência de que o estudante escolha uma ênfase e linha teórica dentre várias da Psicologia, o que, de certa forma, induz ao especialismo em detrimento de favorecer uma formação generalista (R. B. Alves, Bruning, & Kohler, 2019Alves, R. B., Bruning, N. O., & Kohler, K. C. (2019). “O Equilibrista”: Atuação do Psicólogo no NASF no Vale do Itajaí. Psicologia: Ciência e Profissão, 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003186600
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; Archanjo & Schraiber, 2012Archanjo, A. M., & Schraiber, L. B. (2012). A atuação dos psicólogos em unidades básicas de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, 21(2), 351-363. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000200009
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; Mourão et al., 2019Mourão, L., Travassos, R., Abbad, G. S., & Carvalho, L. (2019). Avaliação dos cursos de graduação em Psicologia na percepção de egressos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 20(2), 45-55. http://doi.org/10.26707/1984-7270/2019v20n2p43
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). No decorrer da graduação, mesmo que haja identificação com diferentes disciplinas, os estudantes precisam escolher uma ênfase e abordagem teórica para a realização dos estágios e buscar estabelecer relações entre essa teoria e a prática:

Acho que atuar na Saúde Pública tem a ver com a minha trajetória de formação, que foi extremamente voltada para políticas sociais, promoção da saúde, e não para a área de clínica. Então, estar nessa Saúde Pública diz muito do que a gente tem a ver com a formação. Não fomos estimulados, durante a graduação, a ser psicólogo de consultório (Judith Beck).

Nos discursos dos participantes - como ilustrado pelo excerto da narrativa de Judith Beck - fica explícito que a universidade e o currículo têm influência na escolha do campo de atuação. De acordo com Tavares, Vendrúscolo, Kostulski e Gonçalves (2012Tavares, S. O., Vendrúscolo, C. T., Kostulsky, C. A., & Gonçalves, C. dos S. (2012, 8-11 de maio). Interdisciplinaridade, multidisciplinaridade ou transdisciplinaridade [Trabalho apresentado]. 5º Interfaces no Fazer Psicológico: Direitos Humanos, Diversidade e Diferença. https://docplayer.com.br/1454502-Interdisciplinaridade-multidisciplinaridade-ou-transdisciplinaridade-1.html
https://docplayer.com.br/1454502-Interdi...
), a concepção e o entendimento do ser humano modificaram a formação universitária ao longo do tempo, que foi se transformando e aperfeiçoando para suprir as necessidades e os intensos avanços nessas concepções, nas situações sociais, econômicas, políticas e nas práticas psicológicas que envolvem os campos de atuação. Nesse sentido, as falas apresentadas corroboram que a formação em Psicologia é complexa, dadas suas diversas áreas de atuação, assim como abordagens e concepções distintas, de modo que se centrar em algumas em detrimento de outras pode causar dispersão de saberes e levar a uma formação fragmentada (Kepler & Yamamoto, 2020Kepler, I. L. S., & Yamamoto, O. H. (2020). Perfil e atuação de psicólogos nos centros de referência em saúde do trabalhador. Psicologia & Sociedade, 32. http://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32185774
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; Oliveira et al., 2017Oliveira, I. F. O., Amorim, K. M. O., Paiva, R. A., Oliveira, K. S. A., Nascimento, M. N. C., & Araújo, R. L. (2017). A atuação do psicólogo nos NASF: Desafios e perspectivas na Atenção Básica. Temas em Psicologia, 25(1), 291-304. https://doi.org/10.9788/TP2017.1-17Pt
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). Por outro lado, cabe o contraponto de que essa formação pode oportunizar abordagens e intervenções práticas que instiguem os estudantes a desenvolverem uma postura questionadora, reflexiva e crítica, pautada em dimensões políticas, econômicas e sociais (Cintra & Bernardo, 2017Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do psicólogo na atenção básica do SUS e a Psicologia Social. Psicologia: Ciência e Profissão , 37(4), 883-896. https://doi.org/10.1590/1982-3703000832017
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).

Pondera-se, ainda, conforme as narrativas dos participantes evidenciam, que as universidades adotam ênfases que orientam os processos de formação de acordo os eixos assumidos na construção dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) e, também, em função das especialidades de seu corpo docente. Nessa perspectiva, Santeiro (2012Santeiro, T. V. (2012). Processos clínicos em Núcleos de Apoio à Saúde da Família/NASF: Estágio supervisionado. Psicologia: Ciência e Profissão , 32(4), 942-955. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000400013
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) afirma que as DCN dos cursos de graduação em Psicologia requerem um corpo docente preparado para a realização e supervisão dos estágios, pois eles são peças-chave no processo de formação do estudante e na busca por consolidar as experiências de aprendizagem no campo profissional. Contudo, as práticas de estágios contemplam questões que vão além daquelas de natureza técnica e teórica, podendo refletir no futuro desse profissional a depender da forma como essas experiências forem entendidas a partir da subjetividade do sujeito. Dessa forma, evidenciou-se, nas narrativas dos participantes, o percurso em que foram Descobrindo os cenários e vivências da profissão, em estreita relação com o desenvolvimento de sua visão de ser humano, de sociedade, da profissão, processo que decorre em sua maior ou menor aproximação com a atuação na Saúde Pública. O excerto apresentado a seguir exemplifica essas considerações:

A minha formação me ofereceu quatro estágios obrigatórios com boas experiências nas áreas de Clínica, Social, Organizacional e Educação - com esses dois últimos não simpatizei. O estágio de Clínica, da disciplina de Psicologia da Saúde, poderia atuar no posto de saúde ou na clínica-escola, e eu escolhi o posto de saúde, porque já tinha o interesse de atuar na Estratégia Saúde da Família. Eu adorava posto de saúde, amava aquela movimentação, aquela muvuca, toda aquela gente, tinha que procurar sala… Era esse estresse que gerava o sentimento de estar viva e de movimento! Parecia mais real do que no Serviço de Atendimento Psicológico, onde era tudo muito organizado, sempre tinha sala e o paciente estava sempre esperando (Frida Kahlo).

A respeito dos cenários e vivências da profissão, Batista, Carmona e Fonseca (2017Batista, C., Carmona, D., & Fonseca, S. (2017). Formação em saúde e os cenários de aprendizagem no curso de psicologia. Psicologia Argumento, 32(78), 17-25. https://doi.org.10.7213/psicol.argum.32.078.DS02
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) reforçam a necessidade de superar a formação pautada em uma ciência das doenças e da decorrente medicalização, com os saberes departamentalizados, indicando que, desde 2004, com a publicação das primeiras DCN para os cursos de Psicologia, recomenda-se fortemente a reorientação dos processos de formação para modificar os cursos superiores e o perfil do profissional de saúde. Sob esse ponto de vista, iniciou-se um movimento de buscar estratégias de ensino-aprendizagem que estimulassem o estudante a se constituir como responsável pelo seu processo de formação, desenvolvendo progressivamente sua capacidade crítica e analítica no percurso de se tornar profissional. Essa estratégia passou a se concretizar por meio da articulação ensino-serviço e da integração dos currículos, como formas de alcançar mudanças na formação e promover as potencialidades dos acadêmicos (Resolução n. 8, 2004Resolução n. 8, de 7 de maio de 2004. (2004). Institui as Diretrizes curriculares para os cursos de graduação em psicologia. Diário Oficial da União de 18 de maio de 2004, Seção 1, p. 16. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7690-rces004-08-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
; Batista et al., 2017Batista, C., Carmona, D., & Fonseca, S. (2017). Formação em saúde e os cenários de aprendizagem no curso de psicologia. Psicologia Argumento, 32(78), 17-25. https://doi.org.10.7213/psicol.argum.32.078.DS02
https://doi.org.10.7213/psicol.argum.32....
; Chazan, Fortes, Camargo Jr., & Freitas, 2019Chazan, L. F., Fortes, S., Camargo Jr., K. R., & Freitas, G. C. (2019). O apoio matricial na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro: Uma percepção dos matriciadores com foco na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(2). https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290212
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; Santana & Bernardes, 2019Santana, A. L., & Bernardes, J. S. (2019). As práticas e a formação profissional em psicologia pelo trabalho para a saúde: Uma revisão dialógica da literatura. Laplage em Revista, 5(1), 44-57. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201951537p.44-57
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).

Considerando a complexidade dos fenômenos psicológicos, as DCN do curso de Psicologia apontam para uma formação de caráter crítico, generalista e interdisciplinar. Nesse contexto, a formação requer uma abrangência na atenção à saúde psicológica e psicossocial, no âmbito coletivo e individual, em direção de superar a perspectiva clínica no campo da saúde mental e incorporar os níveis de prevenção, promoção e reabilitação como dimensões da intervenção do profissional psicólogo (Batista et al., 2017Batista, C., Carmona, D., & Fonseca, S. (2017). Formação em saúde e os cenários de aprendizagem no curso de psicologia. Psicologia Argumento, 32(78), 17-25. https://doi.org.10.7213/psicol.argum.32.078.DS02
https://doi.org.10.7213/psicol.argum.32....
). Nas DCN, os estágios, principalmente o curricular, são destacados por essa relação entre a teoria e a prática que insere o estudante no contexto de atuação profissional (Resolução n. 8, 2004Resolução n. 8, de 7 de maio de 2004. (2004). Institui as Diretrizes curriculares para os cursos de graduação em psicologia. Diário Oficial da União de 18 de maio de 2004, Seção 1, p. 16. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7690-rces004-08-pdf&category_slug=marco-2011-pdf&Itemid=30192
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). A respeito disso, Santana e Bernardes (2019Santana, A. L., & Bernardes, J. S. (2019). As práticas e a formação profissional em psicologia pelo trabalho para a saúde: Uma revisão dialógica da literatura. Laplage em Revista, 5(1), 44-57. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201951537p.44-57
https://doi.org/10.24115/S2446-622020195...
) apontam que o diálogo entre a Psicologia, a Saúde Pública e outras áreas (em uma dinâmica intersetorial) tem se estreitado, o que é evidenciado pela diversidade dos campos de estágio: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), NASF, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Essa aproximação objetiva consolidar a profissão nesses espaços e manter seu compromisso com a realidade, com a sociedade, com os modos de trabalho da Saúde Pública e, assim, ampliar a atuação dos psicólogos. Igualmente, como é previsto nas DCN, as atividades de estágio consolidam-se pela busca da aproximação entre a universidade e o trabalho da Psicologia na Saúde Pública (Parecer n. 1.314, 2001Parecer n. 1.314/2001. (2001). Diretrizes curriculares para o curso de graduação em psicologia. Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atos-normativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12991
http://portal.mec.gov.br/conselho-nacion...
).

Nesse ponto, registra-se o entrelaçamento entre os achados discutidos em uma das subcategorias apresentadas anteriormente - Ênfases adotadas e a construção da visão sobre o ser humano e a sociedade - e os apresentados nesta subcategoria - Descobrindo os cenários e vivências da profissão. Ao trabalhar a partir de algumas ênfases, a formação em Psicologia possibilita diversas teorias e espaços de estágios, incluindo as áreas de Clínica, Saúde Pública, Organizacional, entre outras. A depender da ênfase e da abordagem que o acadêmico escolhe para orientar a realização de suas vivências práticas, será desenvolvida uma visão mais fragmentada ou, ao contrário, mais ampliada sobre o ser humano e a sociedade. Os cenários de prática para atuação na Saúde Pública são diversos; na AB, destacam-se as ESF, os NASF, os CAPS, entre outras instituições, como escolas e centros comunitários (Rodrigues & Zaniani, 2017Rodrigues, D., & Zaniani, E. J. M. (2017). A formação acadêmica do psicólogo e a construção do modo de Atenção Psicossocial. Pesquisas e Práticas Psicossociais , 12(1), 224-239. http://seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp/article/view/1916
http://seer.ufsj.edu.br/index.php/revist...
; Santana & Bernardes, 2019Santana, A. L., & Bernardes, J. S. (2019). As práticas e a formação profissional em psicologia pelo trabalho para a saúde: Uma revisão dialógica da literatura. Laplage em Revista, 5(1), 44-57. https://doi.org/10.24115/S2446-6220201951537p.44-57
https://doi.org/10.24115/S2446-622020195...
). A diversificação das experiências durante o processo de formação profissional desenvolve diferentes competências e habilidades para o trabalho em saúde nos diversos níveis de atuação. Para Pitombeira, Xavier, Barroso e Oliveira (2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
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), as práticas em contextos reais representam espaços formativos fundamentais para o estudante compreender a dimensão do cuidado e do processo de trabalho em saúde, de modo que teorias e concepções vão se constituindo em uma perspectiva indissociável da realidade da prática. Nesse ponto, cumpre-nos reforçar que todos os participantes deste estudo informaram estágios curriculares e extracurriculares em cenários da Saúde Pública, o que parece corroborar as ponderações dos autores supracitados.

Prosseguindo, passa-se à abordagem das Lacunas da formação universitária, ou seja, as referências que emergiram das narrativas dos participantes sobre fragilidades em seu processo de formação acadêmica e que representaram limitações percebidas por eles ao se inserirem na atuação profissional, tanto no âmbito de conhecimentos teórico-conceituais como de vivências na área da Saúde Pública. Leite, Andrade e Bosi (2013Leite, D. C., Andrade, A. B., & Bosi, M. L. M. (2013). A inserção da psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Physis: Revista de Saúde Coletiva , 23(4), 1167-1187. https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000400008
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) consideram que a inserção da Psicologia na Saúde Pública necessitou de uma reconfiguração da atuação do profissional, bem como de seu modelo de formação e produção de conhecimentos. Tais mudanças aconteceram, principalmente, para possibilitar a interlocução com os saberes da Saúde Coletiva e porque o Conselho Federal de Psicologia reposicionou o lugar da Psicologia, deslocando-a da área das Ciências Humanas para a área das Ciências da Saúde, o que implicou reformulações acerca do saber-fazer psi. De qualquer forma, algumas instituições de ensino mantiveram, em sua estrutura organizacional, a Psicologia na área de Ciências Humanas. Todavia, Guareschi et al. (2012Guareschi, N. M. de F., Machry, F. C., Reis, C., Dhein, G., & Bennemann, T. (2012). Implicações das áreas biomédicas da formação do psicólogo no SUS. Psicologia Argumento , 30(70), 503-513. https://doi.org/10.7213/psicol.argum.6137
https://doi.org/10.7213/psicol.argum.613...
) ponderam que a Psicologia contém, em si, elementos de diversas áreas e, ainda, que implica um atuar em variadas frentes, representando um terceiro saber.

Nessa perspectiva, a formação em Psicologia precisa de maior articulação entre a teoria e a prática na área da saúde, para que assim contribua para a troca de saberes num trabalho multi e interdisciplinar (Daltro & Pondé, 2016Daltro, M. R., & Pondé, M. P. (2016). Psicologia como profissão de saúde: Relato de um processo de (re)formulação curricular. Psicologia da Educação, 42(1), 81-90. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/30579/21144
https://revistas.pucsp.br/index.php/psic...
; Pitombeira et al., 2016Pitombeira, D. F., Xavier, A. S., Barroso, R. E. C., & Oliveira, P. R. S. (2016). Psicologia e a formação para a saúde: Experiências formativas e transformações curriculares em debate. Psicologia: Ciência e Profissão , 36(2), 280-291. https://doi.org/10.1590/1982-3703001722014
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), conforme demanda o NASF, pois, para atuar na Saúde Pública, o psicólogo necessita desenvolver uma concepção de saúde integral, além de habilidades para trabalhar em equipes multiprofissionais. Outro fator relevante referido pelos participantes - como bem ilustra uma fala de Frida Kahlo apresentada a seguir - é a deficiência de conteúdos básicos sobre Saúde Pública em sua formação, sobretudo quanto às disposições da Constituição brasileira sobre o direito à saúde, às diretrizes e aos princípios do SUS e à criação e regulamentação dos NASF, o que corrobora apontamentos anteriores da literatura sobre o tema (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [CF], 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Diário Oficial da União de 5 de outubro de 1998, p. 1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
; Torres & Ecker, 2016Torres, S., & Ecker, D. I. (2016). Relato de experiência da aproximação do CREPOP-RS ao meio acadêmico: formação em psicologia e políticas públicas. Revista Subjetividades, 16(3), 121-132. http://doi.org/10.5020/23590777.16.3.121-132
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).

Nesse sentido, pode-se refletir sobre a importância de que as universidades mantenham seus currículos atualizados no que tange às políticas e aos programas da área da saúde que vão impactar nos potenciais campos de atuação do futuro profissional que está em formação, para que ele tenha um mínimo viável de preparo teórico-prático para atuar nesse contexto.

Durante a minha graduação, estudei pouco sobre Saúde Pública. Mesmo o NASF tendo surgido em 2008 e eu tendo me formado em 2011, não aprendi nada sobre isso. E na nossa região não existia NASF. Mas aprendi sobre CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], CREAS [Centro de Referência Especializado de Assistência Social] e saúde da família, que eu adorava! Eu não me identificava com o atendimento individual da psicologia clínica (Frida Kahlo).

É preciso seguir adiante, e o desafio já não está limitado a certos ajustes na formação - ampliando disciplinas e conteúdos relacionados ao SUS -, nem a instrumentalizar o profissional com tecnologias mais sofisticadas. A formação em Psicologia precisa aproximar-se de outros campos, constituindo, assim, uma possibilidade de fazer interdisciplinar, de modo que redimensione as possibilidades de atuação e de atendimento às políticas sociais e às práticas necessárias para a área da saúde (Daltro & Pondé, 2016Daltro, M. R., & Pondé, M. P. (2016). Psicologia como profissão de saúde: Relato de um processo de (re)formulação curricular. Psicologia da Educação, 42(1), 81-90. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/30579/21144
https://revistas.pucsp.br/index.php/psic...
; Perrella, 2017Perrella, A. C. (2017). O cotidiano do psicólogo em um núcleo de apoio à saúde da família: Relato de uma experiência. Pesquisas e Práticas Psicossociais , 12(1), 54-65. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-89082017000100005&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). A relação entre teoria e prática, assim como os conteúdos da área da saúde, são primordiais na aprendizagem desde o início da graduação para que os acadêmicos consigam perceber os atravessamentos que acontecem quando vivenciam a prática, conforme referido pela participante Simone de Beauvoir: “Durante a graduação, a única coisa que ficamos em déficit foi sobre a teoria da Saúde Pública, pois íamos muito para a prática, já que a minha graduação tinha o foco em Psicologia Social”. R. F. Alves, Gaião, Santos e Soares (2014Alves, R. F., Gaião, E. S., Santos, G. C., & Soares, L. M. R. (2014). Proposta de estágio supervisionado para atuação de psicólogos na saúde pública. Revista da Abordagem Gestáltica - Estudos Fenomenológicos, 20(1), 21-30. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672014000100004&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) corroboram essas considerações, quando afirmam que o conteúdo teórico, nas práticas de estágios, deve atender principalmente aos temas que deixaram de ser privilegiados sob a forma de teoria no processo de formação. Precisa-se centrar a atenção nos conteúdos da Psicologia da Saúde, da Saúde Pública. Porém, o que se percebe é que ainda existem lacunas em alguns PPC quanto aos aspectos teóricos relativos à área da saúde. Além das lacunas já mencionadas no âmbito do processo de formação em Psicologia, a participante Clarice Lispector ainda ressaltou que, a partir de suas experiências de formação acadêmica, outros conteúdo e vivência que o acadêmico de Psicologia precisa conhecer é o trabalho com grupos operativos, prática que é esperada e prevista na realidade da Saúde Pública.

Acho que a formação em Psicologia e a área de saúde deveriam focar mais em trabalho com grupos, pois a Psicologia está aquém dessa demanda. Os profissionais que entram vão se deparar com uma demanda grande de grupos. Não mais o modelo tradicional de grupo informativo, mas se depara com um grupo diferente, no modelo de grupo operativo, em que o usuário tem “vez e voz”. A formação que tivemos foi voltada para o individual e para o particular, a gente tem dificuldade de fazer esse outro trabalho, pois tem a tendência de ficar na nossa salinha, esperando o paciente chegar e as coisas acontecerem (Clarice Lispector).

Segundo a participante, a formação em Psicologia deve expandir suas abordagens para o trabalho coletivo e com grupos, que ultrapassam o atendimento individual. Nessa direção, R. B. Alves et al. (2019Alves, R. B., Bruning, N. O., & Kohler, K. C. (2019). “O Equilibrista”: Atuação do Psicólogo no NASF no Vale do Itajaí. Psicologia: Ciência e Profissão, 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003186600
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) enfatizam que os trabalhos com grupos estão sendo utilizados cada vez mais pela Estratégia Saúde da Família como dispositivos para trabalhar promoção em saúde, a fim de dar voz e vez aos usuários para serem protagonistas na construção de sua saúde, superando o modelo de grupo informativo, que não mobiliza para a mudança de comportamentos e para a autonomia. No processo de formação universitária, as instituições de ensino estruturam o PPC em uma perspectiva de alinhamento às DCN e às especificidades da própria instituição, em termos de sua história, princípios, dependência administrativa, especialidades do corpo docente, entre outros aspectos. Ainda conforme previsto nas DCN, na construção do PPC, as instituições assumem algumas ênfases e eixos que direcionam e determinam a visão sobre o ser humano e a sociedade, seja sob um ponto de vista mais ampliado, reflexivo e crítico ou, ao contrário, sob um viés mais determinista e reducionista. De acordo com Archanjo e Schraiber (2012Archanjo, A. M., & Schraiber, L. B. (2012). A atuação dos psicólogos em unidades básicas de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, 21(2), 351-363. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000200009
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), existem diversos questionamentos, no âmbito da Psicologia, sobre a formação predominantemente teórica e voltada à clínica tradicional, que prepara para o atendimento em consultório privado, na condição de profissional autônomo. No contexto atual, a formação passou a ser pensada para acompanhar as mudanças socioculturais e se adaptar aos avanços científicos, políticos e sociais. Dessas mudanças no processo de formação, merecem destaque a aproximação entre teoria e prática ao se pensar em uma formação generalista, que integra as várias abordagens psicológicas a outras áreas do conhecimento, e a aprendizagem em contextos diversificados, que contribui para o desenvolvimento de uma postura crítica dos estudantes como parâmetro de uma política de formação orientada pelo SUS (Daltro & Pondé, 2016Daltro, M. R., & Pondé, M. P. (2016). Psicologia como profissão de saúde: Relato de um processo de (re)formulação curricular. Psicologia da Educação, 42(1), 81-90. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/30579/21144
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).

Nesse sentido, os participantes deste estudo fazem um paralelo entre sua formação e aquilo que observam, hoje, nos acadêmicos que acompanham em seus espaços de trabalho, referindo-se a Transformações da formação universitária. Uma das entrevistadas, assim, afirma que houve um enriquecimento na estrutura conceitual dos acadêmicos e que o compartilhamento de experiências com eles contribui para a formação dos psicólogos e para a aproximação ensino-serviço, que destaca como relevante:

Atualmente, percebo que os acadêmicos que vêm fazer estágio, da Nutrição, Educação Física, Psicologia, estão mais instrumentalizados. Vejo que as universidades estão abordando políticas sociais e trabalho multiprofissional e interdisciplinar. Estão com alguns projetos de vivências multiprofissionais. Justamente, trabalhar dessa forma interdisciplinar é a realidade do setor público e também deveria ser no privado. E nós, do NASF, somos mais uma equipe multiprofissional do que interdisciplinar (Frida Kahlo).

Conforme apresentam Torres e Ecker (2016Torres, S., & Ecker, D. I. (2016). Relato de experiência da aproximação do CREPOP-RS ao meio acadêmico: formação em psicologia e políticas públicas. Revista Subjetividades, 16(3), 121-132. http://doi.org/10.5020/23590777.16.3.121-132
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), é importante entender as práticas psicológicas na saúde como dispositivo para a produção de modos de subjetivação a partir do conceito de saúde proposto pelo SUS. Ainda, observa-se um movimento no sentido de reorientar a formação e o trabalho dos profissionais de saúde brasileiros - entre eles, os psicólogos -, a fim de cumprir a determinação de que a competência para ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde é do SUS (CF, 1988Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988, 5 de outubro). Diário Oficial da União de 5 de outubro de 1998, p. 1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
; Daltro & Pondé, 2016Daltro, M. R., & Pondé, M. P. (2016). Psicologia como profissão de saúde: Relato de um processo de (re)formulação curricular. Psicologia da Educação, 42(1), 81-90. https://revistas.pucsp.br/index.php/psicoeduca/article/view/30579/21144
https://revistas.pucsp.br/index.php/psic...
). Contudo, a Psicologia não pode se afastar de seu papel de terceiro saber, problematizador de sua contribuição para o campo da saúde. Nesse contexto, e a partir dos rearranjos nas DCN e nos cursos da área da saúde, com a definição de habilidades e competências a serem desenvolvidas pelos estudantes, a Relação entre teoria e prática é reconhecida como primordial no processo de ensino e aprendizagem na formação universitária. As ponderações apresentadas a seguir ilustram a importância atribuída a essa relação, evidenciada pela referência à aproximação com a realidade do trabalho:

A universidade em que comecei o curso era diferenciada, no sentido de a maioria dos professores atuarem na clínica. Achava a formação muito boa, porque permeava por questões filosóficas, era mais aberta a questionamentos em relação às correntes teóricas e práticas clínicas. A universidade em que dei continuidade ao curso tinha um currículo mais antigo e engessado, pois nós cursávamos todas as disciplinas teóricas e só no final do curso íamos para a prática. Mas no currículo novo os alunos já estavam desde o início em ambientes de prática profissional, fazendo observação (Clarice Lispector).

Archanjo e Schraiber (2012Archanjo, A. M., & Schraiber, L. B. (2012). A atuação dos psicólogos em unidades básicas de saúde na cidade de São Paulo. Saúde e Sociedade, 21(2), 351-363. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000200009
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) expressam que a realidade e a diversidade de profissões da saúde trouxeram a possibilidade de diálogo entre as abordagens teóricas e salientaram a percepção da dicotomia entre teoria e prática, o que abriu portas e intensificou o olhar e o interesse na formação complementar, fomentando parecerias entre ensino e serviço como possibilidade de inserção em outros campos teórico-práticos. Na mesma direção, Santeiro (2012Santeiro, T. V. (2012). Processos clínicos em Núcleos de Apoio à Saúde da Família/NASF: Estágio supervisionado. Psicologia: Ciência e Profissão , 32(4), 942-955. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000400013
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) afirma que a universidade e a Saúde Pública precisam desenvolver coerência quanto aos modos de olhar os fenômenos humanos e os processos de saúde/doença, para que dialoguem. Mesmo no contexto dos programas que visam a promover essa aproximação (Pró-Saude, Ver-SUS etc.)2 2 Pró-Saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde; VER-SUS: Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde. , ela ainda é incipiente e revela divergências entre as práticas e os discursos de profissionais e acadêmicos. Outro aspecto considerado relevante nesta pesquisa - como ilustra a fala de Judith Beck, a seguir - é a experiência dos docentes, que, para ultrapassarem o nível da teoria, lançam mão de relatos de vivências de articulação entre a teoria e a prática advindos de sua bagagem pessoal e profissional, o que na concepção dos psicólogos torna o ensino-aprendizagem mais rico:

No último ano da faculdade, nos estágios práticos, decidi que queria professores orientadores que atuavam como psicólogos, que faziam a diferença na vida das pessoas e que não ficavam só discutindo. Então, para o meu estágio de Clínica, da área de Organizacional também foi porque ela tinha 25 anos de experiência como psicóloga organizacional em empresas. Ela trazia a relação entre teoria e prática. Nesse contexto, eu queria que eles me ensinassem a ser profissional, não mais só discutir a prática profissional. O que a Psicologia pode mudar no mundo? Muito bom, mas o que a gente vai fazer? Sempre busquei essa perspectiva de tentar atuar como profissional. Sair um pouco da discussão - eu acho que me constitui assim, dentro da formação. Muitos professores têm mestrado, doutorado, mas nunca exerceram a prática de psicólogos (Judith Beck).

Segundo Gonze e Silva (2011Gonze, G. G., & Silva, G. A. (2011). A integralidade na formação dos profissionais de saúde: Tecendo valores. Physis Revista de Saúde Coletiva, 21 (1), 129-146. https://doi.org/10.1590/S0103-73312011000100008
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), as instituições de ensino estão se modificando com o intuito de relacionar a realidade do campo de trabalho com a abordagem teórica e, assim, desenvolver a capacidade reflexiva e participativa dos acadêmicos. Essa orientação de articulação entre teoria e prática tem sido apresentada de forma mais explícita desde 2001, com a instituição das primeiras DCN para os cursos de graduação (Parecer n. 1.314, 2001Parecer n. 1.314/2001. (2001). Diretrizes curriculares para o curso de graduação em psicologia. Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/atos-normativos--sumulas-pareceres-e-resolucoes?id=12991
http://portal.mec.gov.br/conselho-nacion...
). A partir delas, tem-se a descrição do perfil desejado para os profissionais, bem como de suas competências e habilidades para uma atuação pautada pelos princípios e diretrizes do SUS. Em síntese, esta categoria temática ilustra que a formação universitária em Psicologia teve evoluções e transformações, a partir da implantação das DCN, e que tem um importante potencial para contribuir com a constituição da subjetivação do futuro profissional da Psicologia e suas concepções de sujeito e de mundo, assim como com as escolhas teóricas para inserção no campo de atuação profissional. Contudo, apesar das mudanças já produzidas, sugere-se que os cursos de Psicologia ainda precisam ampliar a abordagem de conteúdos da área da Saúde Pública, conferindo-lhe valoração equivalente à das abordagens teóricas específicas da Psicologia, pois foi evidenciado pelos participantes desta pesquisa que os estágios nessa área representam situações relevantes de ensino-aprendizagem, mas ainda são incipientes em sua articulação teoria-prática, frente a sua potencialidade. Além disso, a universidade deveria assumir o papel de uma formação efetivamente generalista, para preparar o estudante independentemente do contexto em que for atuar.

A chegada ao NASF: e agora?

A trajetória de formação dos psicólogos é construída em várias fases e influenciada por diversos fatores. Nesse percurso, uma questão relevante é a chegada ao NASF e o deparar-se com a realidade peculiar que os psicólogos vivenciam na atuação profissional, considerando que a formação continua a se constituir nessa nova fase. Destarte, nesta categoria, busca-se elucidar os Aspectos que motivaram a inserção no NASF, os Sentimentos e sensações no início da atuação no NASF e, por fim, A construção e o aprendizado de ser psicólogo.

A Psicologia, no decorrer de sua história, tem marcos importantes, como as Reformas Sanitária e Psiquiátrica, e tem se transformado e modificado sua forma de perceber o sujeito e de realizar assistência à saúde e à saúde mental. No âmbito do SUS, os CAPS são reconhecidos e consolidados como unidades de atenção à saúde mental, mas os psicólogos têm adentrado e conquistado outros espaços de atuação na Saúde Pública, na AB (MS, 2006Ministério da Saúde. (2006). Política nacional de atenção básica. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_atencao_basica_2006.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
; Portaria n. 2.436, 2017Portaria n. 2.436, de 21 de setembro de 2017. (2017). Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União de 22 de setembro de 2017, Seção I, p. 68. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). A respeito disso, cabe salientar a atuação do psicólogo na ESF, que pressupõe a criação de vínculos com os usuários e o cuidado longitudinal, além de configurar o elo de mediação com os profissionais do NASF. Já estes núcleos representam um cenário de atuação relativamente recente, que ainda está se consolidando para a Psicologia, cujos profissionais têm participado do processo de construção. Neste ponto, passa-se a discutir os Aspectos que motivaram a inserção no NASF, segundo os psicólogos que participaram deste estudo.

As narrativas construídas expressam a inserção no NASF como resultado da busca por colocação profissional que oferecesse estabilidade e segurança financeira, além do manifesto interesse de atuar na área da saúde. Esse interesse foi justificado pelos participantes como uma forma de se distanciarem da atuação na área da assistência, em espaços como os CRAS, considerados de maior complexidade. O excerto apresentado a seguir ilustra essas considerações:

Quando me formei, comecei a trabalhar. O modelo de trabalho em consultório estava saturado. Então, comecei a pensar em fazer concurso e morar em uma cidade com qualidade de vida. Aí, fiz a prova, aqui. Quando abriram as inscrições, tinha vaga no NASF e no CRAS, mas eu já tinha trabalhado na assistência social e pensei “vou para uma cidade que não conheço e vou pegar a pedreira da assistência social? Não! Vou para o NASF, que já conheço o trabalho” (Sigmund Freud).

Esse achado confirma as ponderações de Manoel et al. (2014Manoel, R. A., Combinato, D. S., Gomes, F. M. A., & Silva, K. F. (2014). O papel do trabalho e da formação acadêmica no projeto profissional do trabalhador da saúde. Trabalho, Educação, Saúde, 12(3), 595-614. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00008
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) e de Oliveira et al. (2017Oliveira, I. F. O., Amorim, K. M. O., Paiva, R. A., Oliveira, K. S. A., Nascimento, M. N. C., & Araújo, R. L. (2017). A atuação do psicólogo nos NASF: Desafios e perspectivas na Atenção Básica. Temas em Psicologia, 25(1), 291-304. https://doi.org/10.9788/TP2017.1-17Pt
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), que apontam para a expansão significativa das áreas de atuação, incluindo diferentes serviços de saúde. Salienta-se que a escolha da área de atuação é uma construção sócio-histórica e sofre influência de vários fatores - políticos, econômicos, sociais, educacionais, familiares e psicológicos -, uma vez que o trabalho dos psicólogos interfere e transforma de algum modo a si mesmo e a sociedade (Manoel et al., 2014Manoel, R. A., Combinato, D. S., Gomes, F. M. A., & Silva, K. F. (2014). O papel do trabalho e da formação acadêmica no projeto profissional do trabalhador da saúde. Trabalho, Educação, Saúde, 12(3), 595-614. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00008
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). Consoante a isso, sublinha-se que os discursos dos participantes evidenciam, inequivocamente, influências, quanto à área de atuação profissional, de aspectos econômicos, sociais e políticos que permeiam a vida na sociedade contemporânea e o próprio contexto do trabalho.

Prosseguindo na análise, aborda-se, neste ponto, os achados que compõem a subcategoria Sentimentos e sensações no início da atuação no NASF dos psicólogos que participaram desta pesquisa. Os entrevistados referiram sentir-se atrapalhados, perdidos e inseguros ao se depararem com a realidade do SUS, em função da própria complexidade do trabalho e, sobretudo, devido à carência de conhecimento teórico e prático para atuar nesse espaço. Neste sentido, Furtado e Carvalho (2015Furtado, M. E. M. F., & Carvalho, L. B. (2015). O psicólogo no NASF: potencialidades e desafios de um profissional de referência. Revista Psicologia e Saúde, 7(1), 9-17. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S2177-093X2015000100003&script=sci_abstract
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) afirmam que a atuação do psicólogo na área da Saúde Pública envolve aspectos da organização do sistema de saúde, questões político-ideológicas vigentes e a deficitária formação acadêmica para atuação com as políticas públicas de saúde. Frente à ampliação da inserção nesse campo, sugere-se que o profissional psicólogo tenha conhecimento, capacidade técnica e principalmente anseio de agir com o intuito de provocar transformações sociais. A defasagem na formação acadêmica sobre princípios da Saúde Pública e da organização do SUS, foi evidenciada no relato apresentado a seguir, de Frida Kahlo:

Na atuação profissional, cheguei muito atrapalhada, perdida, porque durante a graduação foi pouco o embasamento em Saúde Pública e em vivências multiprofissionais. Então, no início, não sabia o que fazer com os colegas. Quando podia tirar uma dúvida? Quando podia convidá-los para fazer algum atendimento junto? Quando deveria ser feita consulta, visita e sentar para discutir os casos? Então, os profissionais ficavam perdidos e pediam se nós, da Psicologia, íamos dar aula para os profissionais da ESF. Demorou para entendermos, pois, aqui, ninguém sabia o que era o NASF e o que tinha que fazer. Estava todo mundo muito perdido (Frida Kahlo).

Além de as instituições de ensino e os cursos de Psicologia não priorizarem o conhecimento teórico na área da Saúde Pública, os próprios espaços de serviço público apresentam fragilidades na forma de inserir os profissionais nos locais de trabalho, pois carecem de uma orientação sistematizada que os prepare para atuar no serviço. Então, segundo as narrativas construídas, esses profissionais foram aprendendo de forma empírica. Há que se considerar que a inserção dos psicólogos nesses espaços é relativamente recente e, por isso, a preparação nos cursos de Psicologia para a atuação na AB, inclusive no NASF, ainda é incipiente para atender à demanda e proporcionar a compreensão sobre seu papel no serviço público de saúde (Mello & Teo, 2019Mello, R. A., & Teo, C. R. P. A. (2019). Psicologia: Entre a atuação e a formação para o Sistema Único de Saúde. Psicologia: Ciência e Profissão , 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003186511
https://doi.org/10.1590/1982-37030031865...
).

Além das questões já discutidas, também emergiram, das narrativas dos participantes, evidências de que eles compreendem suas trajetórias de formação como um processo em que A construção e o aprendizado de ser psicólogo continuam em movimento no NASF, caracterizado como um espaço de aprendizagem que contribui na constituição do profissional: “Foi aqui que me constitui psicóloga, foi aqui que tudo começou, foi minha primeira experiência de trabalho, foi marcante!!” (Frida Kahlo).

Conforme Dimenstein (2000Dimenstein, M. A. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia, 5(1), 95-121. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2000000100006
https://doi.org/10.1590/S1413-294X200000...
) enfatiza, a singularidade e a identidade de cada psicólogo se constroem no percurso trilhado e na experiência individual vivida no cotidiano da prática profissional, em que o sujeito, a um só tempo, forja-se e transforma sua realidade e a si mesmo. Chazan et al. (2019Chazan, L. F., Fortes, S., Camargo Jr., K. R., & Freitas, G. C. (2019). O apoio matricial na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro: Uma percepção dos matriciadores com foco na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(2). https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290212
https://doi.org/10.1590/s0103-7331201929...
) complementam, argumentando que a aproximação entre ensino, serviço e comunidade é fundamental para o fortalecimento da Psicologia na Saúde Pública, a ampliação das estratégias de atuação e a reorientação da formação dos psicólogos.

Todos os achados desta categoria temática nos levam a compreender que os psicólogos que participaram deste estudo, a partir de sua chegada ao NASF e durante o percurso de atuação neste contexto - com média de seis anos e quatro meses -, sentem-se desafiados, o que reconhecem como contribuição para seu crescimento e como elemento mobilizador de um processo contínuo de aprendizagem e desenvolvimento enquanto psicólogos da área da saúde, corroborando a perspectiva de uma formação que se estende ao longo da vida.

Conclusão

Este estudo teve o objetivo de compreender a trajetória de formação de psicólogos que atuam em Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF), partindo do pressuposto de que esse construto - a trajetória - é um elo importante entre as dimensões da formação e da atuação profissional. Neste percurso, além dos diversos elementos que configuram a trajetória de formação dos psicólogos que participaram da pesquisa, também foram constatadas deficiências e lacunas existentes, segundo eles, na formação em Psicologia para a Saúde Pública. Evidenciou-se que essa trajetória ultrapassa a formação acadêmica, pois envolve pessoas inspiradoras que influenciam escolhas e modelos de atuação profissional. Nesse sentido, a trajetória de formação não tem finitude. Ao contrário, é um processo contínuo, em que esses profissionais informam que têm construído empiricamente seu conhecimento acerca da atuação na Saúde Pública - isto é, eles se fazem psicólogos e constroem saberes em ato, no processo mesmo de atuação. Ademais, têm buscado, em uma perspectiva de continuidade, assumir o compromisso ético e político com sua educação permanente.

Cabe ressaltar que, no processo de formação acadêmica, as atividades vivenciadas nos cenários de práticas foram importantes na escolha por atuar na Saúde Pública, embora tenha sido também constatada uma lacuna no aprendizado teórico sobre esse campo. Considera-se necessário, ainda, que a Psicologia inove e desenvolva novas estratégias e metodologias na formação acadêmica, no sentido de superar (por incorporação) o modelo clínico tradicional para que os profissionais psicólogos estejam instrumentalizados para atender aos diversos espaços e modos de saber fazer, na área da Saúde Pública, de modo que, assim também se reconheçam como profissionais de saúde.

À guisa de conclusão, importa reconhecer que nossas considerações cabem dentro dos limites dados pelas opções metodológicas materializadas neste estudo: não são, aqui, propostas generalizações ou comparações de qualquer natureza. No entanto, acessar as trajetórias dos sujeitos por meio do método da história oral temática proporcionou uma compreensão verticalizada sobre um fazer-se psicólogo no NASF/para o NASF. Espera-se que esse entendimento contribua para que os atores envolvidos com a formação de psicólogos desenvolvam um olhar ampliado e sensível, que supere os aspectos burocráticos desse processo, com repercussões na qualificação da atuação profissional.

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  • 1
    A sigla NASF, conforme definição apresentada na Portaria n. 154, do Ministério da Saúde, de 24 de janeiro de 2008 (Portaria n. 154, 2008), corresponde ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família. A Portaria n. 2.436, do Ministério da Saúde, de 21 de setembro de 2017 (Portaria n. 2.436, 2017), que atualizou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), revisou a sigla e sua denominação, alterando-a para Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). Neste texto, será adotada, a sigla NASF em referência aos Núcleos Ampliados de Saúde da Família.
  • 2
    Pró-Saúde: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde; VER-SUS: Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2019
  • Aceito
    29 Mar 2021
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