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Hormônios e Mulheres na Menopausa

Hormones and Women in Menopause

Hormonas y Mujeres en la Menopausia

Resumo

O término do ciclo fértil das mulheres está historicamente atrelado a sua capacidade reprodutiva, demarcando de maneira significativa o início do processo de envelhecimento. O climatério, momento de transição entre o período fértil e a menopausa (que é a última menstruação), é percebido em nossa sociedade como uma questão médica. O objetivo deste artigo é analisar como os hormônios, considerados produtos atuantes em dinâmicas humanas, agenciam modos de subjetivação entre mulheres que passam pela menopausa na nossa sociedade, que valoriza a produtividade e a juventude. Nesta pesquisa, inspirada na cartografia de controvérsias proposto por Bruno Latour, foram analisados sete vídeos disponibilizados no Youtube pela indústria farmacêutica Bayer que abordavam direta ou indiretamente a “reposição hormonal” para mulheres. Identificamos que as mudanças hormonais na velhice são compreendidas como um desequilíbrio, causador de calores, problemas de libido, osteoporose, problemas cardíacos, secura vaginal etc. Tais percepções levam à busca por soluções médicas, como a reposição hormonal, para que o corpo alcance novamente o equilíbrio perdido com o envelhecimento. Concluímos que os hormônios são prescritos pelos médicos com a promessa de as mulheres se manterem jovens e sexualmente atraentes para seus parceiros do sexo masculino dentro de uma perspectiva que reitera o machismo e a heteronormatividade na sociedade.

Palavras-chave:
Hormônios; Menopausa; Envelhecimento; Mulher

Abstract

Historically, the end of women’ fertile years is intrinsically associated with their reproductive capacity, marking the beginning of their aging process. In our society, the climacteric (transition period between fertility and menopause, consisting of the last menstruation) is perceived as a medical question. Thus, this article aimed to discuss how hormones, considered as active products in human dynamics, act as subjectivation modes among women who undergo menopause in a society such as ours, which values youth and productivity. Inspired by Bruno Latour’s cartography of controversies, this research analyzed seven videos made available by the Bayer pharmaceutical company on YouTube, approaching “hormone replacement” for women either directly or indirectly. The results indicate that age-related hormonal changes are understood as an imbalance that triggers hot flashes, decreased libido, osteoporosis, heart diseases, and vaginal dryness. Such understanding drives the search for medical interventions aiming to regain the body balance lost with aging. Thus, doctors prescribe hormones under the guise of keeping women young and sexually attractive to their male partners, reiterating a logic of machismo and heteronormativity within our society.

Keywords:
Hormones; Menopause; Aging; Female

Resumen

El final del ciclo fértil femenino históricamente relacionado a la capacidad reproductiva marca de manera significativa el inicio del proceso de envejecimiento de las mujeres. El climatérico, momento de transición entre el período fértil a la menopausia caracterizado por la última menstruación, es percibido por nuestra sociedad como una cuestión médica. El objetivo de este artículo es analizar cómo las hormonas, consideradas como productos activos en la dinámica humana, actúan en los modos de subjetivación entre las mujeres, que atraviesan la menopausia, en una sociedad que valora la productividad y la juventud. En esta investigación, inspirada en la cartografía de controversias propuesta por Bruno Latour, se analizaron siete vídeos disponibles en YouTube por la industria farmacéutica de Bayer, los cuales plantean directa o indirectamente la terapia de “reemplazo hormonal” para las mujeres. Se identificó que los cambios hormonales en las personas mayores se entienden como un desequilibrio que provocaría calores, problemas en la libido, osteoporosis, problemas cardíacos, sequedad vaginal, etc. Tales hallazgos implican en la búsqueda de orientación médica para que el cuerpo alcance de nuevo el equilibrio perdido con el envejecimiento. Se concluye que las hormonas son prescriptas por médicos con la promesa de que las mujeres seguirán siendo jóvenes y sexualmente atractivas para su pareja masculina, dentro de una perspectiva que reitera el machismo y la heteronormatividad de nuestra sociedad.

Palabras clave:
Hormonas; Menopausia; Envejecimiento; Mujer

Introdução

Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (2012Secretaria de Direitos Humanos. (2012). Dados sobre o envelhecimento no Brasil. https://bit.ly/3jSLwlK
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), uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, correspondendo a 11,5% da população mundial. Em 1920, o quadro demográfico era bem diferente, já que os idosos correspondiam a apenas 4% da população (Silva, Marques, Lyra, Medrado, Leal, & Raposo, 2012Silva, V., Marques, A., Lyra, J., Medrado, B., Leal, M., & Raposo, M. (2012). Satisfação sexual entre homens idosos usuários da atenção primária. Saúde e Sociedade, 21(1), 171180. https://doi.org/10.1590/S0104-12902012000100017
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). Projeta-se que, em 2050, uma a cada cinco pessoas no mundo está nessa faixa etária, representando 22% da população mundial, quando o número de idosos ultrapassará pela primeira vez o número de crianças e de adolescentes com menos de 15 anos.

É importante destacar nesse panorama a feminilização da velhice, isto é, uma maior expectativa de vida entre as mulheres (Secretaria de Direitos Humanos, 2012Secretaria de Direitos Humanos. (2012). Dados sobre o envelhecimento no Brasil. https://bit.ly/3jSLwlK
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). Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar como os hormônios agenciam modos de subjetivação entre mulheres no climatério. O fim do ciclo fértil das mulheres, que em média ocorre entre os 45 e 55 anos, visibiliza também seu processo de envelhecimento, tendo em vista que seu valor social está historicamente atrelado à capacidade reprodutiva. Ao passar pela menopausa, a mulher deixa de ocupar esse lugar histórico na sociedade, que tem como lastro a maternidade.

Assim, este artigo articula questões relacionadas à menopausa com a crescente indicação de “reposição hormonal” pelos médicos, por meio da análise de vídeos publicados no YouTube pela empresa farmacêutica Bayer. A escolha por este material deu-se na medida em que o entendemos como documentos de domínio público - disponíveis no YouTube à época da pesquisa - que produzem uma série de agenciamentos. Tal campo se articula com a promessa de juventude eterna e manutenção do equilíbrio estético, físico e emocional da mulher. Problematizaremos ainda a naturalização da reposição do estrogênio e progesterona, hormônios que são reconhecidos como femininos na nossa sociedade, assim como as controvérsias que envolvem a prescrição de testosterona para mulheres, já que as taxas dessa substância também diminuem com o envelhecimento.

Fim da capacidade reprodutiva: envelhecimento e adoecimento

Menegon (1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital.) mostra que, da Antiguidade ao período medieval, o fim do ciclo da mulher não tinha um nome específico, sendo descrito apenas como o fim da menstruação. As referências se restringiam a demarcar a idade de início e término do sangramento menstrual, que era diretamente associado à capacidade procriadora, demarcando tanto seu início como seu fim.

Os sentidos dados ao sangue menstrual variam: já foi compreendido como algo sagrado, com poder de purificação do corpo e como fonte criadora da vida, mas também como sujo e maligno. É com base na tradição judaico-cristã que se interdita a livre circulação das mulheres menstruadas, seja nas cozinhas, seja em cerimônias religiosas, devido ao hipotético efeito de contaminação do sangue menstrual.

Segundo David Le Breton (2012Le Breton, D. (2012). Antropologia do corpo e sociedade. Vozes.), era tradição, na região de Borgonha, impedir que as mulheres em seu período menstrual fossem ao porão, onde eram armazenados os alimentos como carnes salgadas, licor, vinho, pois haveria o risco de que eles estragassem. Além disso, não deveriam produzir bolos, cremes, maioneses ou bater claras em neve, pois a menstruação seria sinal de aborto naquele corpo, o que impediria inclusive a mulher de gerar alimentos.

Os fenômenos da menstruação e da menopausa passam a ser associados à ideia de falta, falha ou declínio físico, seja porque a mulher não engravidou no período fértil, seja porque perdeu a capacidade reprodutiva (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital.). A reprodução é colocada como a principal função da mulher na sociedade, capacidade que favoreceu o controle sobre o corpo feminino devido à ideia de que existe uma natureza feminina baseada em sua condição orgânica. O potencial biológico das mulheres de gerar filhos(as) contribuiu para reforçar essa ideia, essencializando a noção de instinto materno, que se consolidou a partir do século XIX (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Nova Fronteira.). A maternidade e o instinto materno também tornaram mais fácil associar as mulheres à natureza e, com isso, à noção de que são seres menos desenvolvidos e incapazes de lidar com questões racionais (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Nova Fronteira.).

Badinter (2011Badinter, E. (2011). O conflito: a mulher e a mãe (V. L. dos Reis, Trad.). Record.) indica que, a partir dos anos 1970 e 1980, a noção de “instinto materno” adquiriu nova roupagem: a ideia de “boa mãe” e “fibra materna” ganha espaço, construindo “novos” padrões de maternidade e feminilidade em nossa sociedade. Atualmente, as mulheres têm maior oportunidade de escolha quanto à maternidade: aderir, recusar ou negociar, podendo privilegiar interesses pessoais. Ainda assim, quanto mais intensa for a função materna, mais ela tem chance de entrar em conflito com outras reivindicações e mais difícil se torna a negociação entre as exigências da condição de ser mulher e da de ser mãe (Badinter, 2011Badinter, E. (2011). O conflito: a mulher e a mãe (V. L. dos Reis, Trad.). Record., p. 12).

Apesar das mudanças sociais na expectativa das mulheres de serem mães ou não, a maternidade compulsória continua presente como principal modelo de feminilidade na sociedade (Mattar & Diniz, 2012Mattar, L. D., & Diniz, C. S. G. (2012). Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no exercício de direitos humanos pelas mulheres. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 16(40), 107120. https://doi.org/10.1590/S1414-32832012005000001
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). A partir do entendimento de que a reprodução é a principal atividade esperada da mulher, a menstruação seria um sinal de falha e fracasso, um desperdício sinalizado pela saída repugnante do sangue, enquanto a menopausa indicaria o fim do lugar social possibilitado pela reprodução.

Destacamos que existem controvérsias acerca do uso dos termos menopausa e climatério, como mostram os estudos de Menegon (1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital., 2010Menegon, V. S. M. (2010). Tecnologias em saúde reprodutiva: implicações nos modos de ser contemporâneos. In S. Jobim & M. Morais (Orgs.), Tecnologias e modos de ser no contemporâneo. Ed. PUC-Rio.). Por exemplo, o relatório da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 1996World Health Organization. (1996). Research on the Menopause in the 1990s: Report of the WHO Scientific Group. https://bit.ly/3zXqKa2
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, p. 13) propõe a eliminação do termo climatério “para evitar confusão”, uma vez que seu uso estava associado a quadros sintomatológicos, e a adoção do termo menopausa para nomear todo o processo. No Brasil, não se adotou essa recomendação, pois o climatério continua sendo definido como uma fase biológica da vida, e não um processo patológico, que compreende a transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo da vida da mulher. A menopausa é um marco dessa fase que corresponde ao último ciclo menstrual, sendo reconhecida somente 12 meses após sua ocorrência, e acontece geralmente entre os 48 e 50 anos de idade (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
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). Nesta produção, optamos pelo uso do termo “menopausa” para nomear todo o processo que envolve o término do ciclo reprodutivo.

Na literatura biomédica, a menstruação é descrita como desintegração, necrose do tecido endometrial, queda hormonal, falha na fertilização, aborto, infertilidade, insucesso reprodutivo ou hemorragia, isto é, uma falha, algo negativo, sinal de erro (Manica, 2011Manica, D. (2011). A desnaturalização da menstruação: hormônios contraceptivos e tecnociência. Horizontes Antropológicos , 17(35), 197226. https://doi.org/10.1590/S0104-71832011000100007
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). Nesse sentido, o período menstrual foi associado à impureza e à debilidade.

Conceber o sangue menstrual como algo tóxico, poluído e contaminado explicaria o processo de envelhecimento das mulheres, que na menopausa passariam a reter essa substância, provocando degeneração corporal e emocional (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital.). A fim de conter o processo de envelhecimento, com base nas práticas de saúde dos séculos XVI a XVIII, as mulheres faziam uso de ervas que teriam o poder de retardar o envelhecimento e provocariam a retomada do fluxo do sangue menstrual.

Caso não obtivessem êxito com as ervas, recomendavam-se alternativas, tais como a expulsão do fluído poluído por meio dos intestinos ou pele “utilizando-se: purgantes (enemata), cataplasma de mostarda (moxas) e aplicação de ventosas ou sanguessugas na genitália. Esgotados esses métodos, recorria-se à sangria (flebotomia) que era realizada pelos cirurgiões barbeiros” (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital., p. 58).

Segundo Rohden (2006Rohden, F. (2006). Sexualidade e gênero na medicina. In N. A. Souza & J. Pitanguy (Orgs.), Saúde, corpo e sociedade (pp. 157180). UFRJ.), até o século XVI, as doenças associadas estritamente às mulheres não eram alvo do saber biomédico. Porém, a necessidade de controle da população se articulou ao interesse pela saúde feminina e, consequentemente, por sua sexualidade e função reprodutiva. Em outras palavras, a menstruação e o seu cessar não eram compreendidos inicialmente como um quadro patológico a ser tratado. É com a caracterização do que chamamos de menopausa, que começa a se estruturar no século XVIII, e dos saberes biomédicos como promotores de saúde da população que o chamado “sangue tóxico” da menstruação passa a assumir contornos de doença a ser tratada pela medicina (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital.). Nesse período, tanto a menstruação como o seu fim passam a ser associados à debilidade e à fragilidade, responsável por uma série de mazelas que afligiriam as mulheres.

O termo Le menespausie foi utilizado pela primeira vez em 1816 por Gardanne, na França, em seu livro intitulado Avis aux femmes qui entrent dans l`âge critique (em 1821 o termo foi abreviado para ménopause). No prefácio do livro o autor propõe o novo nome, Menespausie, ‘para substituir a embaraçosa nomeação de cessar do mênstruo‘. Para Willbush, ‘o caráter essencialmente feminino da nova doença estava expresso em seu novo nome‘ (1979: 148). Foi somente a partir de 1840 que o novo nome tornou-se difundido nos dois lados do Atlântico e, mesmo assim, só em 1880 é que foi incluído nos dicionários médicos ingleses . . .. Ainda na primeira metade do século XIX, o inglês Marshall Hall utilizou pela primeira vez o termo ‘climatério feminino‘, em substituição à denominação popular de ‘mudança de vida‘ (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital., p. 63).

Interessante destacar que a nomeação “climatério” foi dada depois de “menopausa”. Marshal Hall se inspirou no médico do rei George III da Inglaterra que, por desconhecer a enfermidade que acometia o monarca, nomeou-a “doença do climatério”, apropriando-se do termo climatério dos gregos, mas aliando-o ao conceito hipocrático de que envelhecer era doença (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital., 2010).

Ou seja, climatério já trazia na bagagem o sentido de patologia. Ao longo do século XIX, a medicina acreditava que a interrupção da menstruação provocaria uma série de problemas afetivos para as mulheres, já que o útero e o sistema nervoso estariam conectados. Não é mais a compreensão do sangue poluído que direciona o saber sobre a menopausa, mas a sua relação com as emoções e os nervos. Dependendo da história de vida da mulher, ela poderia ou não desenvolver alguma afecção emocional durante a menopausa.

A passagem para a fase contemporânea dos conhecimentos sobre a menopausa ocorre entre 1930 e 1940, quando se postula a ideia de “falência ovariana” e surgem estudos sobre a deficiência hormonal (Bell, 1987Bell, S. E. (1987). Changing ideas: the medicalization of menopause. Social Science and Medicine, 24(6), 535542. https://doi.org/10.1016/0277-9536(87)90343-1
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), culminando na sintetização de hormônios em laboratório. Inaugura-se, então, a era da reposição hormonal, agregando conhecimentos e repertórios que passam a subsidiar essa prática no campo da saúde reprodutiva da mulher (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital.).

A complexidade de modos de envelhecer no corpo feminino é reduzida ao hormônio estrógeno. Isso significa que a condição da mulher se torna limitada a seus hormônios, cuja ausência ou diminuição traduz a incapacidade da mulher cumprir o seu papel que, além da fertilidade, é o de dar prazer ao homem. A mulher é representada nos discursos de verdade, a partir de então, por uma série de sintomas associados à falta de hormônios: irritabilidade, perda do “desejo sexual”, um corpo pouco atraente que perde a viscosidade e se resseca (Tótora, 2008Tótora, S. (2008). Apontamentos para uma ética do envelhecimento. Revista Kairós, 11(1), 2138. https://bit.ly/3l4JnCR
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, p. 2728).

Nessa perspectiva, a menopausa passa a se caracterizar pela “ausência, falta” em relação à presença do sangue menstrual, que seria um sinal de feminilidade, de capacidade reprodutiva, de juventude e sexualidade. “Podemos pensar no sangue como marcador das idades - a menina, antes de menstruar; a mulher/mãe, aquela que menstrua; e a velha, como mulher menopáusica” (Medeiros, 2004Medeiros, P. F. (2004). A divers(idade) em saúde para corpos femininos. In: M. N. Strey & S. T. L. Cabeda (Orgs.), Corpos e subjetividades em exercício interdisciplinar (pp. 267287). EDIPUCRS., p. 270). Na velhice da mulher, aconteceriam mudanças hormonais sinalizadas principalmente pela irregularidade do ciclo menstrual até a amenorreia, fim da menstruação. A ausência do sangue parece remeter à velhice e à deterioração do corpo da mulher, como observaremos na análise dos vídeos da Bayer.

Método

O foco de análise desta pesquisa é o conteúdo midiático produzido pela Bayer, indústria farmacêutica alemã que comercializa, entre outros produtos, hormônios para reposição. Os vídeos analisados foram publicados no Youtube em 2010 e contêm as informações sobre os hormônios que são disponibilizadas ao público leigo, que não tem formação formal ou científica sobre o tema. Esse público nos interessa especialmente por também constituir a maior parte dos consumidores de hormônios. Entendemos que a análise da riqueza discursiva da mídia, embora difícil, pode fornecer “indicadores importantes para a apreensão de repertórios que circulam” acerca dos mais variados campos de saberes (Menegon, 1998Menegon, V. S. M. (1998). Menopausa: imaginário social e conversas do cotidiano [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. TEDE Biblioteca Digital., p. 19).

No Youtube, a Bayer mantinha, em 2019, seis canais oficiais: a) Bayer Brasil; b) Expressão Feminina; c) Bayer Group; d) Bayer Saúde animal; e) CropScience; f) Bayer TV internacional, sendo este último em língua inglesa. Após assistir todos os 281 vídeos de todos os canais, selecionamos os conteúdos que seriam mais interessantes para a pesquisa sobre hormônios. Construímos, então, um quadro organizando 98 vídeos em relação ao seu conteúdo e visualizações contemplando todos os conteúdos dos canais “Expressão Feminina” e “Bayer Brasil”, pois além de informações sobre doenças, apresentavam propagandas veiculadas na televisão e vídeos sobre hormônios, que são temas foco deste estudo.

Dentre os 98 vídeos, 34 discutiam direta ou indiretamente o uso de hormônios; estes foram transcritos, organizados e numerados de acordo com a ordem em que aparecem no YouTube. Na sequência, os 34 vídeos foram assistidos novamente em paralelo à leitura das transcrições para verificar possíveis erros. O próximo passo consistiu na seleção dos conteúdos de maior importância para este estudo, ou seja, que abordam os hormônios e, mais especificamente, sua indicação para mulheres que estão ou que já passaram pela menopausa, chegando ao total de sete vídeos: a) 18 de outubro - Dia Mundial da Menopausa; b) Vantagens da reposição hormonal na menopausa/climatério; c) Terapia hormonal: Mulher e o coração Bloco 3 Gineco; d) Menopausa Sexualidade feminina Bloco 4 Gineco; e) Riscos e benefícios da terapia hormonal - hormônios - bloco 3; f) Menopausa e terapia hormonal - Hormônios - Bloco 2; g) Menopausa - o avanço da medicina na vida da mulher - bloco 4. Os trechos selecionados foram separados em um arquivo específico e depois organizados em função das categorias de análise: a) A menopausa como fenômeno “universal” e “natural”; b) Menopausa, sexualidade e reposição hormonal.

Os vídeos apresentam o mesmo formato: em uma sala, mulheres conversam e tiram dúvidas com um(a) médico(a) sobre saúde em um diálogo mediado sempre pela entrevistadora Regina Bittar - mulher branca, cisgênera, de meia-idade. As mulheres que participam dos vídeos são todas cisgêneras, brancas, aparentam ter entre 18 e 60 anos e seus relatos a respeito da sexualidade se restringem a práticas heterossexuais. Isto é, a partir da nossa compreensão, são mulheres com características parecidas com o público-alvo da Bayer, o que invisibiliza outros corpos femininos (negros, pobres etc.).

Destacamos que em todos os vídeos havia a presença de profissionais da saúde, em especial médicos(as), o que nos chamou atenção como uma das estratégias utilizadas pela Bayer para maior aproximação com o público consumidor a partir do encontro entre os discursos científico e midiático, havendo silenciamento de outras formas de saber a respeito da saúde. Em termos analíticos, os vídeos foram tratados como “documentos de domínio público”, expressão cunhada por Spink (2004Spink, P. (2004). Análise de documentos de domínio público. In M. J. Spink (Org.), Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas (3a. ed., pp. 79105). Cortez.) para se referir, em linhas gerais, ao que definimos como práticas discursivas que promovem a circulação de saberes e, portanto, podem auxiliar tanto em análises sobre efeitos da verdade como na explicitação de controvérsias, agências e resistências.

Consideramos que esses embates entre práticas cristalizadas e resistências são constituintes dos processos de negociação de informações e fundamentais para entendermos os diferentes modos de viver em nossa sociedade. Os documentos são, ao mesmo tempo, produtos e produtores de práticas sociais, característica que os torna importantes agenciadores de governo que atuam no gerenciamento dos corpos. Essa particularidade permite que sejam analisados não só os saberes e as relações de poder, mas também como os documentos se articulam na produção de modos de subjetivação.

Para o desenvolvimento de nossas análises, realizamos um exercício inspirado na cartografia de controvérsias, proposto por Latour (2007Latour, B. (2007). La cartographie des controverses. Technology Review, 8283.) e aplicado por Moreira (2014Moreira, M. C. (2014). “O que foi feito, amigo, de tudo que a gente sonhou?” Uma cartografia da atuação de Organizações da Sociedade Civil no fortalecimento da democracia [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Programa EICOS. https://bit.ly/3zYu8l2
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) em sua tese de doutorado. Este exercício compreende estratégias metodológicas que, propositalmente, afastam-se do “apaziguamento e do silenciamento dos ruídos, embates e dissonâncias . . . em busca de ferramentas que façam reverberar sons, multiplicar vozes” (Moreira, 2014Moreira, M. C. (2014). “O que foi feito, amigo, de tudo que a gente sonhou?” Uma cartografia da atuação de Organizações da Sociedade Civil no fortalecimento da democracia [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Programa EICOS. https://bit.ly/3zYu8l2
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, p. 36).

Assim, segundo a autora, ao traçarmos uma cartografia de controvérsias, reconhecemos a produção de conhecimento como um processo-intervenção que considera seu caráter processual, situando sua parcialidade, incompletude e provisoriedade.

“Eu não conheci nenhuma mulher que não tenha sintomas”: existe uma mulher universal?

“A cada 100 mulheres no mundo, 80 vão ter os sintomas da menopausa, mas você não precisa enfrentar isso sozinha. Converse com o seu médico. 18 de outubro - dia mundial da menopausa” (Bayer, 2012Bayer. (2012, Setembro, 28). 18 de outubro - Dia Mundial da Menopausa [Arquivo de vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=kQ-tZWkmgSg
https://www.youtube.com/watch?v=kQ-tZWkm...
). Neste fragmento da campanha, a menopausa é descrita como um período conturbado e perigoso para a vida da mulher. Apesar de mudanças nos afetos, irritabilidade, depressão e ansiedade serem relatadas em diferentes períodos da vida de mulheres e homens, não é incomum que sejam associadas tanto à tensão pré-menstrual (TPM) quanto à menopausa. Nessa lógica, a oscilação dos hormônios está associada ao equilíbrio físico e emocional da mulher.

O corpo das mulheres é compreendido como hormonal, logo, a diminuição dos hormônios na velhice seria causa de diferentes problemas de saúde (Martin, 1997Martin, E. (1997). Medical metaphors of women’s bodies: menstruation and menopause. In K. Conboy, N. Medina & S. Stanbury (Orgs.), Writing on the body: female embodiment and feminist theory (pp. 1541). Columbia University Press.). Enquanto a oscilação hormonal natural do corpo da mulher se configura como um problema médico, a reposição hormonal é apresentada como solução. Os hormônios, então, aparecem não como elemento que promove a volta do fluxo do sangue, mas aquele que retoma o equilíbrio do corpo feminino. No diálogo reproduzido a seguir, um médico enumera diferentes transtornos provocados pela diminuição dos hormônios durante o processo da menopausa e explica como a reposição hormonal poderia tratar cada um deles.

Norma: Oi, meu nome é Norma. Doutor Rogério, eu queria saber quais as vantagens de reposição hormonal para as mulheres na menopausa?

Dr. Rogério: Muito bem, vantagens, são muitas vantagens. A mulher que entra no período chamado de menopausa ou climatério ela perde o estrogênio, que é o hormônio feminino. Então quando bem indicada, a reposição hormonal levaria, a princípio, ela a não ter os sintomas inconvenientes da entrada da menopausa, sintomas são aquelas ondas de calor chamada fogachos. . . . Outras questões que são também bastante importantes são que a reposição hormonal evita que a mulher tenha a atrofia da vagina, porque a vagina, com o tempo, com a perda desses hormônios, vai ficando mais seca, menos enrugada, ela acaba tendo a falta de lubrificação e tudo isso pode piorar a qualidade de vida sexual dessa mulher.

Regina Bittar: E a falta de desejo também, né?

Dr. Rogério: A falta de desejo ela é também multifatorial, mas tem também uma influência hormonal . . . Tem, existe um benefício de manutenção de massa óssea, a mulher que faz a reposição hormonal ela tem menos chances de ter osteoporose, então é um tratamento efetivo até para a osteoporose; a doença cardiovascular é muito discutida nos últimos anos, mas bem se sabe que quando bem indicada, na época certa, seria logo após a entrada da menopausa ou próximo a menor pausa, e possivelmente tem um efeito bom sobre o coração também (Bayer, 2011aBayer. (2011, janeiro, 27). Vantagens da reposição hormonal na menopausa / climatério [Arquivo de vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=PAhmJlShX8c
https://www.youtube.com/watch?v=PAhmJlSh...
).

Os hormônios, quando não estão bem “balanceados”, provocariam calores, problemas na libido, osteoporose, problemas cardíacos, secura vaginal etc., o que induz a busca por orientação médica para que o corpo alcance novamente o equilíbrio supostamente perdido com a menopausa e o processo de envelhecimento. Assim, a terapia de reposição hormonal teria a capacidade de trazer de volta a juventude perdida, retardando o envelhecimento. A medicalização da menopausa abriu um enorme mercado para a indústria farmacêutica, e com isso, os efeitos da menopausa se transformaram em defeitos (Medeiros, 2004Medeiros, P. F. (2004). A divers(idade) em saúde para corpos femininos. In: M. N. Strey & S. T. L. Cabeda (Orgs.), Corpos e subjetividades em exercício interdisciplinar (pp. 267287). EDIPUCRS.; Oudshoorn, 1994Oudshoorn, N. (1994). Beyond the natural body: an archeology of sex hormones. Routledge.).

Com isso, os hormônios estão envolvidos em uma controvérsia, pois ao mesmo tempo que são utilizados para interromper o ciclo menstrual por meio das pílulas anticoncepcionais, também teriam a função de tratar os problemas surgidos com o fim do fluxo de sangue na vida da mulher. Assim, todo o seu ciclo de vida estaria marcado por um constante desequilíbrio hormonal, que produz efeitos na saúde, na aparência e nos afetos. A reposição hormonal, dessa forma, não ficaria restrita somente à menopausa, mas também seria útil durante a fase reprodutiva, pois só o saber biomédico seria capaz de regular as taxas de hormônio corretamente, diferente da “natureza falha” da mulher.

A posição do Ministério da Saúde (2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
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), por outro lado, diverge da dos médicos que falam nos vídeos da Bayer sobre a reposição hormonal. Para o órgão, o climatério não é uma doença e, portanto, não se caracteriza pela deficiência hormonal, de forma que a prescrição de hormônios não é recomendada para mulheres saudáveis. O Ministério da Saúde alerta para que as mulheres abram mão de promessas milagrosas relacionadas aos hormônios e mudem a alimentação, façam atividades físicas, tenham momentos de lazer, busquem tratamentos homeopáticos e acupuntura, se necessário, para aliviar possíveis sintomas nesse período (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
https://bit.ly/3h9Oqk7...
).

A menopausa e a diminuição dos hormônios na pós-menopausa são vivenciadas e significadas de modos diversos, nem sempre apresentando sintomas, e quando isso ocorre, o conjunto não é necessariamente único e homogêneo. Um dos médicos que participa dos vídeos da Bayer aponta que existe um marcador cultural envolvido que irá influenciar no aparecimento de sintomas ou não.

Doutor Gebara: É uma boa candidata para quando entrar na menopausa na terapia hormonal, mas, de novo, a terapia hormonal está indicada para quando a mulher tem aqueles sintomas próprios da menopausa, porque também se ela não tem nenhum sintoma.

Regina Bittar: Mas é raro, né doutor? Venhamos e convenhamos.

Ana: Eu não conheci nenhuma mulher que não tenha sintomas.

Doutor Gebara: É raro, mas existe, você sabia que as orientais têm menos sintomatologia, não sei se é cultural ou alimentação, mas tradicionalmente acredita-se que as mulheres orientais têm menos sintomas. No geral se indica a terapia hormonal para mulheres que tem os sintomas, ou tem uma osteoporose muito importante e não tem problema cardíaco (Bayer, 2010aBayer. (2010a, julho, 6). Terapia hormonal Mulher e o coração Bloco 3 Gineco [Arquivo de vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=puhKNBrmeW0
https://www.youtube.com/watch?v=puhKNBrm...
).

Segundo o Ministério da Saúde (2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
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), apesar da diminuição nas taxas de estrogênio ser um fator constatado entre mulheres que passam pela menopausa em diferentes partes do mundo, na Ásia e na África tal fenômeno não apresenta qualquer manifestação clínica. Este panorama coloca em questão a universalidade da prescrição da reposição hormonal para tratar tantos sintomas diferentes, que vão desde fogachos, labilidade emocional, baixa autoestima, dificuldade para tomar decisões, insônia e até a perda de memória.

O processo de envelhecimento da mulher se torna um problema médico, sendo que cada mulher irá apresentar, ou não, um quadro singular de sintomas, e todos estariam associados à oscilação hormonal. As mulheres que não apresentam qualquer queixa em relação à menopausa são apontadas como exceções, confirmando a regra.

O Ministério da Saúde (2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
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) orienta que só no caso de constatação da necessidade de terapia hormonal é que esta deve ser prescrita, sempre envolvendo um planejamento individual, com baixa dosagem e pelo menor tempo possível. O órgão preconiza ainda que se deve evitar procedimentos desnecessários, tendo em vista possíveis implicações futuras à saúde. Os sintomas associados ao processo da menopausa geralmente desaparecem, não persistindo durante toda a vida (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
https://bit.ly/3h9Oqk7...
).

Podemos perceber que os discursos e práticas sobre a menopausa não são homogêneos, havendo uma série de controvérsias sobre esse período da vida das mulheres. Enquanto a indústria farmacêutica e alguns médicos constroem a menopausa como um fenômeno universal e problemático, outro grupo de médicos e o Ministério da Saúde indicam que, de modo geral, não é necessária qualquer intervenção. A administração de hormônios durante a menopausa se configura como mais uma estratégia de controle sobre as mulheres e a produção da feminilidade, que se materializa nos corpos a partir de um ideal de beleza, juventude e saúde (Medeiros, 2004Medeiros, P. F. (2004). A divers(idade) em saúde para corpos femininos. In: M. N. Strey & S. T. L. Cabeda (Orgs.), Corpos e subjetividades em exercício interdisciplinar (pp. 267287). EDIPUCRS.).

“Às vezes ela busca menos”: sexualidade e menopausa

A menopausa é associada a uma série de características, tais como: interferência na atividade sexual, mais especificamente na penetração, como diminuição e demora para lubrificação vaginal, além do adelgaçamento dos tecidos vaginais, que pode levar à dor, ardência, irritação e fissuras; a aparência dos órgãos genitais também é alterada nesse período, com a diminuição dos pelos pubianos, redução do tecido adiposo dos grandes lábios e retração dos pequenos lábios e do clitóris (Ministério da Saúde, 2008Ministério da Saúde. (2008). Manual de Atenção à Mulher no Climatério/Menopausa. https://bit.ly/3h9Oqk7
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).

Assim como a infância, a velhice foi historicamente concebida como assexuada, porém, neste caso, o panorama tem mudado nas últimas décadas e os hormônios têm se posicionados como elementos importantes para tal transformação. Os idosos passam a ser um importante público para a indústria farmacêutica, que apresenta uma crescente comercialização de fármacos voltados à potencialização da sexualidade.

O sexo é um dos aspectos definidores de saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A atividade sexual, portanto, seria um importante elemento na prevenção de doenças, como problemas cardíacos, insônia, afetividade, além de atrasar o envelhecimento (Ministério da Saúde, 2013Ministério da Saúde. (2013). Saúde sexual e saúde reprodutiva. https://bit.ly/3jV5qwE
https://bit.ly/3jV5qwE...
). A discussão sobre direitos sexuais também coloca a vivência da sexualidade pelos idosos como pauta importante a ser defendida como um aspecto importante para o envelhecimento.

Dessa forma, a atividade sexual passa a ser incentivada durante o processo de envelhecimento, sendo que seus benefícios só teriam eficiência se a atividade for frequente, segura e prazerosa, construindo determinados modos de subjetivação entre envelhecimento e sexualidade. Nesse processo, a sexualidade deixa de ser uma possibilidade e passa a ser uma obrigação.

Podemos perceber que o modo como a sexualidade tem sido compreendida pelo saber biomédico vem mudando ao longo da história. A compreensão da velhice como um período de continuidade da atividade sexual é recente, tendo a indústria farmacêutica um papel importante na captura deste novo público consumidor. Rohden e Russo (2011Rohden, F., & Russo, J. (2011). Diferenças de gênero no campo da sexologia: novos contextos e velhas definições. Revista de Saúde Pública, 45(4), 722729. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000038
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) descrevem as transformações no campo de estudo da sexologia e como os tratamentos para as queixas sexuais foram mudando com o papel central dos hormônios na atualidade.

Na segunda metade do século XIX, os estudos da sexologia se restringiam às doenças venéreas e aos aspectos nosográficos da psicopatologia da sexualidade, tendo viés eugênico. Esse primeiro momento tem como obras de referência os livros Psychopatiha Sexualis, sendo o primeiro deles publicado por Heinrich Kann, em 1844, e depois, com o mesmo título, por Krafft-Ebing, em 1886 (Rohden, 2009Rohden, F. (2009). Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher (2a. ed.). Fiocruz.). A partir de 1920, as obras de Wilhelm Reich sobre o orgasmo e, posteriormente, de Alfred Kinsey (1948) sobre a diversidade de práticas sexuais comuns na sociedade norte-americana provocaram mudanças na compreensão da sexualidade e, consequentemente, das patologias a ela relacionadas. É nesse período que o orgasmo e o prazer começam a ganhar maior foco.

Enquanto em um primeiro momento o interesse da sexologia se voltava às “aberrações sexuais” e dificuldades na reprodução, não se distinguindo de outras especialidades médicas (como a psiquiatria, medicina legal ou urologia), outras correntes buscavam consolidá-la como área autônoma, com um objeto específico e distinta de outros campos médicos (Rohden & Russo, 2011Rohden, F., & Russo, J. (2011). Diferenças de gênero no campo da sexologia: novos contextos e velhas definições. Revista de Saúde Pública, 45(4), 722729. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000038
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). As questões relacionadas à sexualidade passam focar no desenvolvimento normal da atividade sexual pelo casal heterossexual, que deve buscar o prazer e uma frequência adequada de relações.

O termo para caracterizar os quadros clínicos muda de “aberração” para “disfunção”, o que promove uma linha contínua entre anormalidade e normalidade na sexualidade. Com isso, o público-alvo de intervenções terapêuticas para a sexualidade se amplia, pois não se trata mais de atender pervertidos, mas qualquer sujeito que esteja em busca de uma pedagogia sexual voltada ao prazer e autoconhecimento (Rohden, 2009Rohden, F. (2009). Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher (2a. ed.). Fiocruz.). Os estudos sobre a sexualidade deixam de lado sua proximidade com prisões e asilos manicomiais para adentrar a casa dos casais monogâmicos e heterossexuais.

A partir da década de 1980, começa a se delinear um novo modo de compreender e tratar os problemas relacionados à sexualidade. Agora com grande influência da indústria farmacêutica e dos médicos urologistas, o foco continua sobre o casal heterossexual, mas expande sua atuação para além do período fértil, incluindo os idosos no grupo que deve ter uma vida sexual ativa1 1 Não é foco deste artigo discutir a relação entre a indústria farmacêutica e a velhice masculina, porém, é importante destacar que a partir da década de 1980 há uma captura do homem no processo de medicalização da sexualidade. Para mais informações, ver Rohden (2012). .

A sexualidade da mulher, porém, torna-se um problema para a indústria farmacêutica, pois, diferentemente da dos homens, que é centrada na duração e frequência da ereção, não é tão “simples” traduzir as queixas de mulheres em um diagnóstico específico como a disfunção sexual. Assim, aos médicos têm dificuldade em estabelecer critérios para determinar se a mulher está sofrendo de algum problema sexual tendo como base os sinais biológicos do seu corpo.

Os problemas da sexualidade das mulheres são relatados pelos médicos como um fenômeno mais complexo, pois dependeriam de uma série de fatores, como a afetividade, a relação com o parceiro e as experiências anteriores, ou seja, teriam grande influência do contexto social, não se restringindo ao funcionamento genital, como ocorre com os homens (Rohden & Russo, 2011Rohden, F., & Russo, J. (2011). Diferenças de gênero no campo da sexologia: novos contextos e velhas definições. Revista de Saúde Pública, 45(4), 722729. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000038
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).

A sexualidade feminina seria indissociável das relações sociais; desse modo, há uma romantização da sexualidade da mulher, enquanto a dos homens seria independente dos laços sociais, baseando-se simplesmente na função biológica. A compreensão do funcionamento da sexualidade e a forma como é tratada renaturaliza a diferença entre mulheres e homens:

Enquanto a sexualidade masculina é definida pela lógica do desempenho, medido pela ereção e tratado com medicamentos e técnicas que resolvam o problema específico da disfunção erétil, a sexualidade feminina é apresentada como um fenômeno complexo e intrigante, não redutível a uma função orgânica específica (Rohden & Russo, 2011Rohden, F., & Russo, J. (2011). Diferenças de gênero no campo da sexologia: novos contextos e velhas definições. Revista de Saúde Pública, 45(4), 722729. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000038
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, p. 728).

A mulher continua sendo vista como emocional, afetada pelas relações, restrita à conjugalidade, enquanto os homens apresentam um impulso biológico, natural, autônomo e independente das emoções. Porém, a indústria farmacêutica não abriria mão do importante mercado das mulheres idosas, que apresentam diferentes queixas inclusive em relação à sexualidade. Dessa maneira, a reposição hormonal teria uma atuação integral na vida da mulher e funcionaria como solução para melhorar a sexualidade, como demonstra o trecho a seguir.

Segundo pesquisas do Datafolha, doutora Julia, a mulher na faixa dos 45 a 60 anos é mais solitária, ou seja, tem um número maior de mulheres solitárias do que de homens: 35% das mulheres nessa faixa de idade estão sozinhas contra 11% dos homens. Será que isso tem a ver com a menopausa?

Doutora Julia: Às vezes, ela busca menos . . . É, porque é como a gente é educado. E como a gente é educado? Para um sexo reprodutivo. E o que é, na verdade, a menopausa, é [o] término da fase reprodutiva da mulher. É só isso, não terminou a fase sexual da mulher, mas a fala muito da mulher é ‘ah, doutora, eu já me aposentei disso porque eu já não menstruo mais, já tomo hormônios, então eu já estou aposentada da sexualidade‘. Aposenta também no trabalho e aposenta também da sexualidade dela.

Regina Bittar: Ela não tem uma diminuição da libido?

Doutora Julia: Ela pode ter. De fato, aí entra a reposição de hormônios, que é uma tecnologia, um avanço tecnológico, e hoje a gente tem hormônios muito interessante que agem [de forma] mais natural para você voltar ao que era antes, para você não perder isso. Aí a gente tem o estrogênio, que é o hormônio feminino que vai preparar a gente para ter sexo; ele tem a ver com a hidráulica, a gente precisa deles para os vasos sanguíneos, para o sangue ir para a nossa plataforma orgásmica. O hormônio feminino que dá fantasia e que dá desejo, que dá drive para a mulher procurar sexo é a testosterona, o tal do hormônio masculino, só que a gente tem numa quantidade bem menor. A gente precisa de uma quantidade bem menor do que o homem porque o homem precisa de mais testosterona para formar a massa muscular, para formar pelo, para ele ter a condição de homem. E a gente, quando faz a reposição de hormônio, a gente também precisa da progesterona, que é o hormônio da maternidade e que a gente precisa para proteger o útero, para não ter câncer do endométrio (Bayer, 2010bBayer. (2010b, Junho, 01). Menopausa - sexualidade feminina - Bloco 4 - Gineco [Arquivo de vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=e6QsVVQIhIM
https://www.youtube.com/watch?v=e6QsVVQI...
).

A mulher é colocada como principal responsável por manter os relacionamentos conjugais, já que o fato de estar sozinha é associado a não ter cuidado da sexualidade do casal. Assim, caso ela apresente diminuição de interesse na atividade sexual, pode colocar em risco o matrimônio, e para evitar esse “problema”, mesmo perdendo o interesse, deve procurar ajuda de um especialista para “voltar ao que era antes” com a prescrição de hormônios.

Como a vida sexual das mulheres é historicamente associada à sua capacidade de procriar, sua sexualidade também coincidiria com este período. A menarca marcaria o início da vida fértil e, com isso, a possibilidade de início da vida sexual, assim como o fim da menstruação marcaria o fim das atividades. A capacidade procriadora estaria intimamente relacionada à busca por sexo e por ser interessante sexualmente.

Porém, a indústria farmacêutica fornece produtos que recuperam a juventude e o interesse sexual da mulher. A menopausa passa a sinalizar a possibilidade de ter relações sexuais sem o risco de engravidar, bem como a ausência do sangue e da TPM, mas somente se for acompanhada da reposição hormonal, que garantirá o combate a diversos sintomas da velhice, bem como a recuperação da libido.

A recuperação da libido agenciada pelos hormônios está associada, nesses casos, a ter relações sexuais com penetração e sem desconforto. A sexualidade heteronormativa padroniza a compreensão de atividade sexual como a penetração do pênis na vagina, portanto, o tratamento hormonal2 2 É importante destacar que o Ministério da Saúde (2013) recomenta o uso tópico do estrogênio, restrito à região vaginal, para combater o desconforto nesta área, ou mesmo o uso de lubrificante a base de água. Dessa forma, a dificuldade de lubrificação e ereção não significaria uma diminuição do interesse sexual. funcionaria para impedir o processo de ressecamento vaginal e induzir o retorno do interesse pelo sexo.

Ainda neste sentido, a mulher não deve só ter interesse em fazer sexo, mas em ser sexualmente interessante, isto é, cuidar do corpo e mantê-lo jovem e belo. A testosterona, então, passa a ser apontada como aliada importante no “tratamento” do processo de envelhecimento da mulher porque “dá fantasia e dá desejo”, porém sua prescrição para mulheres não é unânime entre os médicos (Bayer, 2010bBayer. (2010b, Junho, 01). Menopausa - sexualidade feminina - Bloco 4 - Gineco [Arquivo de vídeo]. https://www.youtube.com/watch?v=e6QsVVQIhIM
https://www.youtube.com/watch?v=e6QsVVQI...
).

Segundo Preciado (2008Preciado, P. B. (2008). Testo Yonqui. Espanha Calpe.), mesmo havendo estudos que indicam que o próprio uso do hormônio para fins contraceptivos provoca uma diminuição da testosterona presente no corpo da mulher, a indicação e o uso desse hormônio pelo público feminino é um tabu. Tal prescrição contradiz a lógica binária de um corpo, um hormônio: homem-testosterona, mulher-estrogênio. Esse uso é permeado por controvérsias à medida que a testosterona é compreendida como um hormônio masculino, apesar de ter sido identificada no corpo feminino desde a década de 1930.

Compreende-se que, com o envelhecimento, as taxas hormonais apresentam queda, inclusive a da testosterona produzida pelas mulheres. Dessa forma, a substância poderia ser indicada junto a outros hormônios para a reposição. Em consultórios particulares, já há orientação para o uso dessa substância de modo manipulado, o que também é mencionado pelo Ministério da Saúde (Edmonds & Sanabria, 2016Edmonds, A., & Sanabria, E. (2016). Entre saúde e aprimoramento: a engenharia do corpo por meio de cirurgias plásticas e terapias hormonais no Brasil. História, Ciências, Saúde, 23(1), 193210. https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000100012
https://doi.org/10.1590/S0104-5970201600...
; Faro & Russo, 2017Faro, L., & Russo, J. (2017). Testosterona, desejo sexual e conflito de interesse: periódicos biomédicos como espaços privilegiados de expansão do mercado de medicamentos. Horizontes Antropológicos, 23(47), 6192. https://doi.org/10.1590/S0104-71832017000100003
https://doi.org/10.1590/S0104-7183201700...
; Ministério da Saúde, 2013Ministério da Saúde. (2013). Saúde sexual e saúde reprodutiva. https://bit.ly/3jV5qwE
https://bit.ly/3jV5qwE...
).

A testosterona, nesses casos, teria a função de aumentar a libido, retardar o processo de envelhecimento e promover mudanças vistas como melhorias na aparência, como o emagrecimento, diminuição da celulite e aumento da massa muscular. Edmonds e Sanabria (2016Edmonds, A., & Sanabria, E. (2016). Entre saúde e aprimoramento: a engenharia do corpo por meio de cirurgias plásticas e terapias hormonais no Brasil. História, Ciências, Saúde, 23(1), 193210. https://doi.org/10.1590/S0104-59702016000100012
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) relatam, a partir de uma pesquisa realizada com mulheres na cidade de Salvador, Bahia, que elas têm buscado a terapia hormonal com testosterona para melhorar a sexualidade e a forma corporal.

A testosterona funcionaria como uma espécie de afrodisíaco, possibilitando ser sexualmente ativa independente da “vontade” e “desejo”. O hormônio seria, portanto, um elemento importante para o envelhecimento bem-sucedido e não solitário. É nesse contexto que alguns médicos têm indicado a testosterona para tratar queixas sexuais de mulheres, principalmente na menopausa.

O uso de testosterona pelas mulheres traz à tona também a questão da transexualidade à medida que tal substância é regulada pelo saber biomédico, que autoriza ou não seu uso a partir do diagnóstico de disforia de gênero. A bula de dois fármacos voltados à reposição de testosterona, comercializados pela Bayer, Nebido e Proviron, ao informar a indicação dessas substâncias, restringe seu público aos homens. Ser homem, nesse caso, faz referência aos sujeitos que são reconhecidos geneticamente e anatomicamente como homens desde o nascimento.

Assim, a administração de testosterona para mulheres na menopausa coloca em questão as fronteiras e as regulações sobre o uso dessas substâncias em outras terapias hormonais: enquanto homens trans acabam recorrendo ao mercado ilegal de fármacos para realizar mudanças em seus corpos, pois para adquirir a testosterona nas farmácias é preciso apresentar receita médica (e, consequentemente, terem sido classificados anteriormente com incongruência de gênero), mulheres que desejam “salvar seus casamentos” são orientadas por alguns médicos a utilizar a mesma substância para aumentar a libido.

O gênero, dessa forma, não se configura apenas como um efeito performativo de humanos, como argumenta Butler (1990/2010Butler, J. (2010). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade (R. Aguiar, Trad., 3a. ed). Civilização Brasileira. (Trabalho original publicado em 1990)), mas como resultados de arranjos entre materialidades orgânicas e inorgânicas (Galindo, Vilela, & Moura, 2012Galindo, D., Vilela, R., & Moura, M. (2012). Uma dose queer: performances tecnofarmacológicas no uso informal de hormônios entre travestis. In L. Souza, D. Galindo & V. Bertoline (Orgs.), Gênero, corpo e ativismos (pp.171197). UFMT.; Preciado, 2008Preciado, P. B. (2008). Testo Yonqui. Espanha Calpe.). Os hormônios da reposição não estão envolvidos apenas no processo de saúde-doença, mas no imperativo de felicidade, que articula padrões de beleza, afetos e feminilidade (Sampaio & Medrado, 2019Sampaio, J., & Medrado, B. (2019). Hormônios na produção de modos de subjetivação: atuando controvérsias. Psicologia & Sociedade, 31, 116. https://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31181507
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). Os hormônios, de acordo com a rede de actantes humanos e não-humanos na qual estão inseridos, atuam na produção de normas sobre como as mulheres devem envelhecer, determinando certos modos de viver.

Os corpos das mulheres na menopausa são abjetos por terem perdido a função e o valor que socialmente lhes foram atribuídos, e neste sentido as intervenções hormonais possibilitam normalizá-los. Aqueles corpos que continuam resistindo ao padrão de normatividade acabam sendo excluídos e invisibilizados por não atenderem aquilo que foi instituído na rede de saberes e relações de poder a respeito de saúde, gênero e envelhecimento.

Considerações finais

O corpo da mulher tem sido governado pelo saber biomédico durante todas as etapas da vida, tendo como foco, principalmente, a atividade reprodutiva. Porém, com o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, há uma crescente produção de demanda para que as mulheres administrem hormônios também durante a velhice.

O envelhecimento das mulheres, dessa forma, foi convertido em uma patologia que deve ser tratada pelo saber biomédico com a finalidade de restaurar a juventude perdida. Dessa forma, o uso de hormônios pelas mulheres durante a menopausa e em todo o processo de envelhecimento tem sido articulado com a “obrigatoriedade” de se manter sempre jovem e sexualmente atraente para o parceiro do sexo masculino.

Observamos, porém, que a “reposição hormonal” está envolvida em controvérsias, principalmente com a indicação de uso de testosterona para mulheres. Os hormônios ditos masculinos e femininos, ao serem administrados, não são produtores de feminilidade ou masculinidade, mas tem atuação importante na rede que institui o que é masculino e feminino, homem e mulher, cisgênero e transgênero. Essas substâncias integram uma rede de controle dos corpos e da sexualidade que, a partir de uma norma biomédica, impõe determinados modelos de ordem social e de existência.

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  • 1
    Não é foco deste artigo discutir a relação entre a indústria farmacêutica e a velhice masculina, porém, é importante destacar que a partir da década de 1980 há uma captura do homem no processo de medicalização da sexualidade. Para mais informações, ver Rohden (2012Rohden, F. (2012). A criação da andropausa no Brasil: Articulações entre ciência, mídia e mercado e redefinições de sexualidade envelhecimento. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 2(2), 196-219. https://revista.psico.edu.uy/index.php/revpsicologia/article/view/137
    https://revista.psico.edu.uy/index.php/r...
    ).
  • 2
    É importante destacar que o Ministério da Saúde (2013Ministério da Saúde. (2013). Saúde sexual e saúde reprodutiva. https://bit.ly/3jV5qwE
    https://bit.ly/3jV5qwE...
    ) recomenta o uso tópico do estrogênio, restrito à região vaginal, para combater o desconforto nesta área, ou mesmo o uso de lubrificante a base de água. Dessa forma, a dificuldade de lubrificação e ereção não significaria uma diminuição do interesse sexual.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2019
  • Aceito
    05 Mar 2021
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