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Saúde da Família do Campo e Atuação do Psicólogo em Comunidades Quilombolas

Family Health in the Countryside and the Role of the Psychologist in Quilombola Communities

La salud de la familia en el campo y el papel del psicólogo en las comunidades quilombolas

Resumo:

Hegemonicamente exercida nos centros urbanos, o processo de interiorização das políticas sociais reconfigurou as práticas da psicologia no século XXI. Atualmente, 70% dos locais em que os psicólogos atuam no Brasil são marcados por características rurais e têm a presença de povos e comunidades tradicionais. Assim, é indispensável considerar as peculiaridades da vida no campo, de modo a visualizar as diversas dimensões que exercem influência sobre a saúde desse povo. No presente trabalho, destaca-se o conceito de território como capaz de permitir uma análise sobre as necessidades de saúde e as práticas de cuidado a serem desenvolvidas junto às populações do campo. Nesse sentido, tem-se como objetivo relatar a experiência de atuação de um psicólogo residente na Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase nas Populações do Campo em três comunidades quilombolas do município de Garanhuns-PE. Para isso, foram sistematizados os registros do diagnóstico de saúde, realizado pela equipe de residentes, e o diário de campo do autor do relato, referente ao primeiro ano da residência. O material foi analisado de acordo com o método de Análise de Conteúdo e organizado em três categorias: territorialização e diagnóstico; estratégias de cuidado individual e coletivas; acesso e limitações da rede de saúde e atuação multiprofissional e interprofissional. Confirmou-se que a experiência na residência contribui significativamente para a formação do psicólogo no âmbito do SUS e da Atenção Primária, favorecendo a construção de práticas não-hegemônicas e contribuindo para atuação interdisciplinar e intersetorial, particularmente no que se refere à saúde da população do campo.

Palavras-chave:
Psicologia; Comunidades Quilombolas; Território em Saúde; Atenção Primária à Saúde

Abstract:

Hegemonically exercised in urban centers, the process of internalizing social policies reconfigured the psychology practices in the 21st century. Currently, 70% of the places where psychologists work in Brazil are marked by rural characteristics and have the presence of traditional peoples and communities. Thus, considering the peculiarities of life in the countryside is essential, to visualize the different dimensions that influence the health of these people. In this work, the concept of territory is highlighted as capable of allowing an analysis of health needs and care practices to be developed with the populations of the countryside. In this sense, the objective is to report the work experience of a psychologist residing in the Multiprofessional Residency in Family Health with Emphasis on Rural Populations in three quilombola communities in the municipality of Garanhuns-PE. To this end, the records of the health diagnosis, carried out by the team of residents, and the field diary of the author of the report, referring to the first year of residency, were systematized. The material was analyzed according to the Content Analysis method and organized into three categories: territorialization and diagnosis; individual and collective care strategies; access and limitations of the health network; and multiprofessional and interprofessional activities. It corroborated that the experience in the residence contributed significantly to the training of the psychologist within the scope of SUS and Primary Care, favoring the construction of non-hegemonic practices and contributing to interdisciplinary and intersectoral action, particularly regarding the health of the rural population.

Keywords:
Psychology; Quilombola Communities; Health Territory; Primary Health care

Resumen:

Ejercido hegemónicamente en los centros urbanos, el proceso de internalización de las políticas sociales reconfiguró las prácticas de la psicología en el siglo XXI. Actualmente, el 70% de los lugares donde trabajan los psicólogos en Brasil están marcados por características rurales y cuentan con la presencia de pueblos y comunidades tradicionales. Por tanto, es fundamental considerar las peculiaridades de la vida en el campo para proyectar diferentes dimensiones que influyen en la salud de estas personas. En este trabajo se destaca el concepto de territorio como capaz de permitir desarrollar un análisis de las necesidades de salud y prácticas de atención a las poblaciones del campo. En este contexto, este texto tiene por objetivo reportar la experiencia de un psicólogo residente en la Residencia Multiprofesional en Salud de la Familia con Énfasis en Poblaciones Rurales en tres comunidades quilombolas del municipio de Garanhuns (Pernambuco, Brasil). Para ello, se sistematizaron los registros del diagnóstico de salud realizados por el equipo residente y el diario de campo del autor del informe, referido al primer año de residencia. El material pasó por un análisis de contenido y fue organizado en tres categorías: territorialización y diagnóstico; estrategias de atención individual y colectiva; acceso y limitaciones de la red de salud y actividades multiprofesionales e interprofesionales. Se constató que la experiencia en la residencia contribuye significativamente a la formación del psicólogo en el ámbito del Sistema Único de Salud (SUS) y de la atención primaria, favorece la construcción de prácticas no hegemónicas y aporta a la acción interdisciplinar e intersectorial, particularmente en lo que respecta a la salud de la población rural.

Palabras clave:
Psicología; Comunidades quilombolas; Territorio sanitario; Atención Primaria de Salud

Introdução

Este Relato de Experiência (RE) foi produzido a partir da vivência do autor como psicólogo residente na Residência Multiprofissional em Saúde da Família com ênfase nas Populações do Campo (RMSFC), com inserção em três comunidades quilombolas do município de Garanhuns-PE. Essa residência foi pioneira no Brasil, sendo composta por uma equipe multiprofissional de dez categorias diferentes, entre elas a psicologia, e estando inserida na Atenção Primária em territórios rurais de dois municípios do agreste pernambucano: Caruaru e Garanhuns.

A equipe de residência se insere nos territórios, regiões beneficiárias das equipes de referência de atenção primária (médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, agentes comunitários), e ofertam suporte e atenção multiprofissional, de acordo com o modelo do Núcleo Ampliado em Saúde da Família. A Unidade de Saúde da Família (USF) está localizada na comunidade de Estivas, que faz divisa com a comunidade de Castainho e outros sítios.

Esse programa de residência existe desde o ano de 2015, fruto de uma parceria da Universidade de Pernambuco com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e com o movimento Quilombola. Desse modo, está embasado na efetivação dos objetivos e considerações propostas na Política Nacional de Saúde Integral da População do Campo e da Floresta – PNSIPCF (Portaria nº 2.866, 2011 Portaria nº 2.866, de 2 de dezembro de 2011. (2011, 2 de dezembro). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html
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) e na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN (Portaria nº 992, 2009 Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. (2009, 13 de maio). Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
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). Ambas as políticas assinalam a relevância do reconhecimento das especificidades do povo do campo e da população negra, sendo importantes para as discussões da saúde do povo quilombola.

Logo, a atuação na residência provocou algumas reflexões sobre a ação do psicólogo e sobre as práticas construídas, visto que esse é um campo de inserção ainda recente na psicologia. Isso porque a ciência psicológica no Brasil foi se consolidando e ganhando espaço dentro dos grandes centros urbanos, passando a ser exercida de maneira expressiva em cidades de médio e pequeno porte somente no século XXI. Essa aproximação esteve atrelada a um processo desenvolvimentista dos municípios brasileiros, que ampliou as possibilidades de emprego através da interiorização da formação em psicologia e da construção de políticas públicas, com o desenvolvimento da Constituição de 1988. Esses fatos, segundo Leite, Macedo, Dimenstein e Dantas ( 2013Leite, J. F., Macedo, J. P. S., Dimenstein, M., & Dantas, C. (2013). A formação em psicologia para atuação em contextos rurais. In J. F. Leite, & M. Dimenstein (Orgs.). Psicologia e contextos rurais (pp. 27-55). EDUFRN. ), foram primordiais para aproximar a psicologia dos contextos rurais.

Atualmente, segundo o Conselho Federal de Psicologia ([CFP], 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) com povos tradicionais. CFP. ), 70% dos locais em que os psicólogos atuam no Brasil, sobretudo a partir das políticas de saúde e assistência social, são marcados por características rurais que têm, em sua maioria, a presença de povos e comunidades tradicionais. Isso aponta para a necessidade de debates e construções teóricas e práticas que problematizem essas aproximações do campo profissional, sendo este trabalho uma relevante contribuição nesse campo de discussão.

Por ser um espaço de atuação ainda novo, é necessária muita cautela nas proposições e no modo de olhar para as questões que surgem. Nesse sentido, conforme nos apontam Lopes, Ferreira e Friedrick ( 2018Lopes, E. M., Ferreira, C. R. C., & Friedrick, D. R. (2018) Psicologia e ruralidades: Caminhos para um fazer psicológico transformador. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(1), 262-287. www.scielo.edu.uy/pdf/pcs/v8n1/1688-7026-pcs-8-01-225.pdf
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), é indispensável, para o psicólogo que atua em contextos rurais, considerar as peculiaridades da vida no campo, de modo a visualizar as dimensões que exercem influência sobre a saúde das pessoas, considerando os diversos aspectos envolvidos, tais como os econômicos, geográficos, sociais e políticos.

Diante disso, considerando os desafios para reconfiguração da atuação da psicologia nesses contextos e para o desenvolvimento das diretrizes da PNSIPCF, destaca-se aqui o conceito de território, pois ele permite uma análise sobre as necessidades de saúde e as práticas de cuidado a serem desenvolvidas junto às populações do campo de maneira ética e política.

Assim, o território é entendido como um “espaço que possui tecido social, trama complexa de relações com raízes históricas e culturais, configurações políticas e identidades, cujos sujeitos sociais podem protagonizar um compromisso para o desenvolvimento local sustentável” (Portaria nº 2.866, 2011 Portaria nº 2.866, de 2 de dezembro de 2011. (2011, 2 de dezembro). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html
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, art. 2º, inciso XXVII). Dito de outro modo, as reflexões propostas buscam considerar as particularidades de um determinado espaço no que tange ao seu modo próprio de (re)produzir a vida, que nos convoca a um processo de readequação das práticas instituídas. Na perspectiva de Monken et al. ( 2008 Monken, M.; Peiter, P., Barcellos, C., Rojas, L. N., Navarro, M., Gondim, G. M. M., & Gracie, R. (2008). O território na saúde: Construindo referências para análises em saúde e ambiente. In A. C. Miranda, C. Barcellos, M. Monken, & J. C. Moreira (Orgs.). Território, ambiente e saúde. Fiocruz (pp. 23-42). https://www.rets.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/teritoiro_na_saude.pdf
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, p. 5):

As discussões mais recentes sobre o território incorporam a componente cultural considerando que o território carrega sempre, de forma indissociável, uma dimensão simbólica, ou cultural em sentido estrito, e uma dimensão material, de natureza predominantemente econômico-política. A ideia de território caminharia então do político para o cultural, ou seja, das fronteiras entre os povos aos limites do corpo e do afeto entre as pessoas . . . esta abordagem de território abre boas possibilidades para as análises em saúde, particularmente para a atenção básica, como para o entendimento contextual do processo saúde-doença, principalmente em espaços comunitários.

Essas proposições nos apontam que o território não deve ser pensado apenas como um espaço geográfico e/ou estático, mas compreendido a partir da aproximação sobre como os sujeitos se apropriam, utilizam e significam aquele espaço. Assim, as relações de classe, gênero, etnia/raça, religiosidade, sexualidade, que são moldadas por hierarquias e expressadas no cotidiano, devem ser consideradas. O território, pois, engloba uma complexidade de dimensões que estão interligadas, tais como a econômica, política, histórica, ecológica, simbólica, afetiva (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) com povos tradicionais. CFP. ).

Desse modo, a discussão apontada corresponde à vivência na 5ª turma da Residência Multiprofissional em Saúde da Família com ênfase nas Populações do Campo (RMSFC), correspondente ao ano de 2019-2021. Este relato se constituiu como um ponto de intersecção entre os aspectos acima mencionados e como um diálogo com questões evocadas na prática profissional, diante da realidade de atuação como psicólogo junto a uma equipe multiprofissional no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), que dá cobertura a comunidades de descendentes de quilombolas. Tais comunidades foram fruto da resistência ao processo de escravização, tendo se constituído a partir da chegada de negros do Quilombo dos Palmares, após o massacre na Serra da Barriga, em Alagoas.

Essas comunidades podem ser caracterizadas como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (Instrução Normativa Incra nº 16, 2004 Instrução Normativa Incra nº 16, de 24 de março de 2004. (2004, 24 de março). Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/in_16_2004.pdf
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, art. 3 o ).

Nessa perspectiva, a experiência explicita a existência de alternativas de modos de atuação, que compreendam outros movimentos possíveis nas ações dos psicólogos em comunidades quilombolas, pois é urgente que a psicologia possa construir novos modos para o fazer clínico no âmbito da Atenção Básica/Estratégia Saúde da Família (ESF), de maneira que a dimensão coletiva possa emergir e trazer à tona um plano de produção de subjetividade que se diferencie dos consultórios e clínicas particulares (Alexandre, & Romagnoli, 2017 Alexandre, M. L., & Romagnoli, R. C. (2017). Prática do psicólogo na Atenção Básica – SUS: Conexões com a clínica no território. Contextos Clínicos, 10(2), 284-299. https://doi.org/10.4013/ctc.2017.102.12
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).

Assim sendo, tem-se como objetivo geral relatar a experiência de atuação de um psicólogo residente na Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase nas Populações do Campo em três comunidades quilombolas do município de Garanhuns-PE. Já os objetivos específicos são caracterizar os territórios quilombolas de atuação do psicólogo residente; discutir as estratégias de atuação profissional que foram construídas junto às comunidades; refletir acerca dos limites e potencialidades da rede de atenção à saúde no cuidado à população quilombola.

Percurso Metodológico

O RE pode ser compreendido como um “saber resultante de um processo; melhor dizendo, pode-se considerá-lo em um entrecruzamento de processos, dos coletivizados aos mais singulares” (Daltro, & Faria, 2019 Daltro, M. R., & Faria, A. A. (2019). Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(1), 223-237. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/43015/29664
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, p. 226). É, portanto, um refinamento de memórias a partir de processos reflexivos e associativos do autor, considerando sua posição de sujeito no mundo, em um determinado contexto cultural e histórico.

Desse modo, o RE localiza-se na categoria das pesquisas qualitativas, pois “valoriza a explicitação descritiva, interpretativa e compreensiva de fenômenos, circunscrita num tempo histórico” (Daltro, & Faria, 2019 Daltro, M. R., & Faria, A. A. (2019). Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(1), 223-237. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/43015/29664
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, p. 229). Por sua vez, Minayo ( 2013Minayo, M. C. S. (2013). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde (13ª ed). Hucitec. ) diz que o método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, como sentem e pensam. Desse modo, o método tem como característica essencial a relação dinâmica entre o pesquisador e os pesquisados, pois é a partir da imersão no contexto de pesquisa que se constrói o conhecimento e se identificam as práticas e fenômenos envolvidos no espaço de pesquisa (Chizotti, 1991, como citado em Paulilo, 1998Paulilo, M. A. S. (1998). A pesquisa qualitativa e a história de vida. Serviço Social em Revista, 2(1) www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v2n1_pesquisa.htm )

As experiências relatadas compreendem as atividades de diagnóstico de saúde e a sistematização das estratégias de cuidado desenvolvidas no período de residência nas comunidades quilombolas de Castainho, Estivas e Tigre, localizadas, respectivamente, a 5,5 km, 7 km e 10 km do município de Garanhuns. As três comunidades foram reconhecidas como territórios quilombolas pela Fundação Cultural Palmares, mas apenas Castainho obteve, em 2020, a declaração de posse de seu território, composto por 64,8 hectares. Tal comunidade foi uma das que iniciou mais cedo suas lutas em Pernambuco.

Assim, o material analisado neste RE compreendeu os dados do diagnóstico e os conteúdos emergentes do diário de campo produzido pelo autor. O diário de campo, segundo Medrado, Spink e Méllo ( 2014Medrado, B., Spink, M. J., & Méllo, R. P. (2014). Diários como atuantes em nossas pesquisas: Narrativas ficcionais implicadas. In J. P. Spink, J. I. M. Brigagão, V. Nascimento, & M. Cordeiro (Orgs.). A produção de informação na pesquisa social: Compartilhando ferramentas (pp. 273-294). Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. ), pode ser visto como um companheiro bastante atuante numa pesquisa, pois permite a construção de relatos implicados e expressa anotações marcantes experienciadas no dia a dia, as quais podem servir para descrever ou ilustrar situações durante a elaboração de uma pesquisa, ou, através da releitura da própria escrita, suscitar conexões que são importantes no processo de análise de um conteúdo. Portanto, os diários devem ser vistos como um arquivo vivo, que possibilita a abertura de fluxos, reflexões, problematizações.

A análise do registro da experiência (diário de campo e diagnóstico de saúde) teve como inspiração o método de Análise de Conteúdo (C. Campos, 2004 Campos, C. J. G. (2004). Método de análise de conteúdo: Ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, 57(5), 611-614. https://www.scielo.br/j/reben/a/wBbjs9fZBDrM3c3x4bDd3rc/?format=pdf
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), organizado a partir de três etapas: a exploração do material a partir de leituras flutuantes; a identificação de unidades de análise (temas); e o processo de categorização das temáticas emergentes. Assim, os diagnósticos de saúde e os diários de campo do período definido foram lidos para depois identificar temáticas de acordo com os conteúdos mais presentes no material. Por fim, foram agrupadas em três categorias (ou grandes temas): territorialização e diagnóstico; estratégias de cuidado individual e coletivas; acesso e limitações da rede de saúde e atuação multiprofissional e interprofissional.

Resultados e Discussões

Aproximações com o território de Castainho, Estivas e Tigre: territorialização e diagnóstico

Falar em território quilombola, compreendendo a noção de território apontada pela PNSIPCFA (Portaria nº 2.311, 2014 Portaria nº 2.311, de 23 de outubro de 2014. (2014, 23 de outubro). Altera a Portaria nº 2.866/GM/MS, de 2 de dezembro de 2011, que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2311_23_10_2014.html
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), é se atentar para os processos históricos e culturais que estão nas raízes da constituição dessas comunidades e, consequentemente, perceber como eles influenciam na vida de um povo. A formação dos quilombos no Brasil advém de um processo de resistência à escravidão, de um modo de enfrentamento à violência instaurada pela colonização que deixou marcas significativas. Contemporaneamente, nos referimos a comunidades de remanescentes de quilombo como um espaço de resistência cultural, nas quais os saberes e fazeres dos antepassados asseguram a identidade étnica (Silva, & Silva, 2014 Silva, G. S. & Silva, V. J. (2014). Quilombos brasileiros: Alguns aspectos da trajetória do negro no Brasil. Revista Mosaico, 7(2), 191-200. http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/mosaico/article/download/4120/2352
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).

Esses territórios são fruto de complexos e violentos processos de formação e afirmação de sua identidade. Castainho passou por momentos de tensões e conflitos que envolviam ameaças e invasão de terras por parte de grileiros, esses que tentaram expulsar por diversas vezes os moradores dali (Cavalcante, Sena, & Silva, 2018Cavalcante, E. V. S., Sena, J. R. F., & Silva, E. A. B. E. (2018). Identidade cultural e resiliência nas comunidades quilombolas do Castainho e Estivas, Garanhuns, Pernambuco. Revista Caravana – Diálogos entre Extensão e a Sociedade, 3(1), 137-158. ). Atualmente, ainda podemos ver as quanto imobiliárias e grileiros tentam se apossar das terras e invadir um espaço que é das comunidades por direito.

Diante dessa realidade, a organização comunitária e a formação das associações de moradores são a principal forma de colocar em discussão problemas existentes na comunidade e dialogar coletivamente sobre estratégias de enfrentamento. Esse aspecto é reconhecidamente relevante, sobretudo nos discursos dos moradores mais velhos, reafirmando assim o caráter originário da palavra “quilombo”, que, segundo Silva e Silva ( 2014 Silva, G. S. & Silva, V. J. (2014). Quilombos brasileiros: Alguns aspectos da trajetória do negro no Brasil. Revista Mosaico, 7(2), 191-200. http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/mosaico/article/download/4120/2352
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, p. 193),

é de origem banto e quer dizer: acampamento ou fortaleza. Foi um termo usado pelos portugueses para designar as povoações construídas pelos escravos fugidos do cativeiro. No Brasil, esses espaços eram chamados de arranchamentos, mocambos ou quilombos e seus membros eram conhecidos como Callombolas, quilombolas ou mocambeiros.

A resistência deixa inevitavelmente marcas, que são reflexos da colonização; por outro lado, atrelado a esse histórico de luta, Cavalcante, Sena e Silva ( 2018Cavalcante, E. V. S., Sena, J. R. F., & Silva, E. A. B. E. (2018). Identidade cultural e resiliência nas comunidades quilombolas do Castainho e Estivas, Garanhuns, Pernambuco. Revista Caravana – Diálogos entre Extensão e a Sociedade, 3(1), 137-158. ), a partir de um estudo realizado em Castainho e Estivas, afirmam que é possível perceber a resiliência nas pessoas e nas comunidades, sobretudo no que diz respeito à manutenção da luta e do vínculo com a terra, bem como a existência de grupos de dança e tradições culturais, que fortalecem a resistência e tradição do povo negro quilombola. Essas marcas que o território traz consigo, reflexo do seu processo histórico e cultural, são evidenciadas nas afetações do diário de campo dos primeiros meses de experiência na residência, como se pode assinalar:

Não há como desconsiderar o processo de discriminação e opressão que está tatuado na pele do povo negro, não há como desconsiderar o espaço em que eles vivem, espaços esses que sofrem constantemente a repressão de forças que querem retirar e negar os seus direitos, não há como desconsiderar o processo distanciamento de suas raízes, de sua ancestralidade encoberta pelo racismo. Não há como desconsiderar que naquele território há um modo próprio de conceber a vida que precisa ser respeitado

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 20 de abril de 2019).

Nos primeiros três meses da residência, lançamo-nos no processo de (re)conhecimento dos territórios de atuação, buscando conhecer o público atendido na USF e suas demandas. Assim, iniciamos as ações a partir de um processo de territorialização das comunidades, que resultou na construção de um diagnóstico de saúde de duas das três comunidades. A construção de um diagnóstico na comunidade Tigre, a mais distante entre elas, não foi possível devido a dificuldades de transporte que nos impediam de ficar no território por mais dias.

A territorialização é um instrumento indispensável no trabalho da Atenção Primária e corresponde a ações como as de “demarcação de limites das áreas de atuação dos serviços; de reconhecimento do ambiente, população e dinâmica social existente nessas áreas; e de estabelecimento de relações horizontais com outros serviços adjacentes e verticais com centros de referência” (Pereira & Barcellos, 2006 Pereira, M. P. B., & Barcellos, C. (2006). O território no Programa de Saúde da Família. Hygeia – Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, 2(2), 47-55. https://www.pucsp.br/prosaude/downloads/territorio/16847-62802-1-PB.pdf
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, p. 48). Desse modo, foram evidenciadas inúmeras questões presentes nos territórios e levantadas informações objetivas e subjetivas relacionadas ao processo de saúde/doença.

Para tanto, foi elaborado um questionário, com perguntas abertas e fechadas, para coleta de informações, bem como foram ouvidas narrativas de diversas pessoas, de diferentes idades e sexo, inclusive de personalidades de referência nas comunidades. Assim, buscamos reconhecer e identificar, entre outras questões, a história das comunidades, comorbidades mais prevalentes, aspectos sociais e culturais envolvidos e dispositivos comunitários existentes. O objetivo aqui não será apresentar o diagnóstico detalhadamente, mas situar elementos do território que foram explicitados e provocaram um direcionamento das ações em saúde.

Durante tal processo, estivemos atentos ao que Lopes et al. ( 2018Lopes, E. M., Ferreira, C. R. C., & Friedrick, D. R. (2018) Psicologia e ruralidades: Caminhos para um fazer psicológico transformador. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(1), 262-287. www.scielo.edu.uy/pdf/pcs/v8n1/1688-7026-pcs-8-01-225.pdf
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) sinalizam no que diz respeito aos estereótipos do meio rural, sendo necessário um cuidado para não estigmatizarmos o modo de se comportar dos homens e mulheres do campo. Assim, segundo apontam os autores, não é possível realizar uma análise rápida e simplória de suas realidades e vivências nem partir de comparações ou juízos de valor em relação aos modos de (re)produção da vida, principalmente quando se está imerso num território marcado por diversos processos históricos como os citados acima.

De tal modo, com base no diagnóstico, no contato com os comunitários e na pesquisa de Cavalcante et al. ( 2018Cavalcante, E. V. S., Sena, J. R. F., & Silva, E. A. B. E. (2018). Identidade cultural e resiliência nas comunidades quilombolas do Castainho e Estivas, Garanhuns, Pernambuco. Revista Caravana – Diálogos entre Extensão e a Sociedade, 3(1), 137-158. ), verifica-se que o programa Bolsa Família ganha destaque como um projeto que permite a sobrevivência de muitos ali. No entanto, a produção agrícola é o principal meio de sobrevivência das famílias, pois o cultivo de mandioca, milho, feijão e hortaliças abastece as feiras livres de Garanhuns, incluindo a central de abastecimento (CEAGA), para além das frutas, como manga, jaca, banana, e da produção em grande escala de beijus e tapiocas pelas casas de farinha. Esse aspecto denota uma relevante consideração da noção de território, a qual afirma que os sujeitos sociais podem protagonizar um pacto de desenvolvimento local sustentável (Portaria nº 2.866, 2011 Portaria nº 2.866, de 2 de dezembro de 2011. (2011, 2 de dezembro). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html
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).

Entre os principais dispositivos sociais e espaços coletivos que se encontram espalhados nas comunidades estão: igrejas, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Quilombo, escolas (fundamental até o 9º ano), bares, campos de futebol, clubes com piscina, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), casa de farinha, associação de moradores, etc. Entre os problemas mais citados, foram mencionados o descarte errado do lixo, planejamento familiar precário, tratamento da água e, em destaque, a violência contra a mulher.

Além disso, o reconhecimento da noção de território no trabalho em saúde possibilita perceber outros aspectos simbólicos que nos oferecem elementos para discussão. A título de exemplo, a raça que, segundo Costa e Scarcelli ( 2016 Costa, E. S., & Scarcelli, I. R. (2016). Psicologia, política pública para a população quilombola e racismo. Psicologia USP, 27(2), 357-366. https://doi.org/10.1590/0103-656420130051
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), é um importante componente nas relações e estruturas sociais e demarca relações sociais de desequilíbrio. Logo, em se tratando de uma população negra quilombola, as marcas do processo de dominação colonialista podem ser reatualizadas pelos processos do racismo contemporâneo, por meio dos quais o sofrimento psíquico assola a comunidade. No diário de campo, é possível perceber a evidência da expressão desse sofrimento:

O tônus corporal fechado, a voz baixa, o sentimento de inferioridade, o desejo de morrer, o ódio do próprio corpo, a negação da identidade, a falta de perspectiva, a ausência de sentido em estudar, o racismo propagado entre pares, a dificuldade de conseguir emprego na cidade, o silenciamento das violências, as crises, a pouca confiança, a descrença na mudança de vida, a inexistência de ritos ancestrais denotam pra mim camadas onde o racismo se expressa e gera inúmeras consequências

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 25 de outubro de 2019).

A consciência do impacto que o racismo exerce sobre as comunidades precisa estar na base da visualização dos processos de adoecimento, sendo urgente o reconhecimento desse sistema de opressão (Portaria nº 992, 2009 Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. (2009, 13 de maio). Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
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) e, principalmente, a compreensão de seu caráter estrutural, atravessado por violências e manutenção de poder, tendo em vista a história do Brasil (Ribeiro, 2019Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. Companhia das Letras. ).

Reflexo disso pode ser percebido através dos muitos saberes ancestrais que foram apagados ou perdidos, ainda que se façam presentes sutilmente pelas raizeiras, parteiras e benzedeiras. A marcante inserção de igrejas evangélicas e católicas, por exemplo, é algo que expressa, em certa medida, o apagamento da história daquele povo, já que “” (Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 28 de abril de 2019).

Nesse sentido, segundo afirmam Vieira e Monteiro ( 2013 Vieira, A. B. D., & Monteiro, P. S. (2013). Comunidade quilombola: Análise do problema persistente do acesso à saúde, sob o enfoque da Bioética de Intervenção. Saúde em Debate, 37(99), 610-618. https://www.scielo.br/j/sdeb/a/GwYSxxVb5DCDkyrXhSxW4JG/
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, p. 612), “a história relegou ao negro um caminho – velado e silenciado – de preconceito, discriminação, injustiça, desigualdade e iniquidade; reforçou a exclusão do negro às melhores oportunidades e condições de vida e renegou o valor simbólico das tradições, saberes e fazeres do povo afrodescendente”.

Portanto, é somente a partir da compreensão dos modos e condições de vida, das formas de habitar, das construções históricas e culturais, das dimensões simbólicas e lógicas instituídas que se torna possível executar ações em saúde que se aproximem do que é demandado pelo povo. Desse modo, como apontado no diário de campo, “” (Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 22 de junho de 2019). Portanto, a territorialização e o diagnóstico podem se constituir como instrumentos de aproximação e diálogo para construção de práticas implicadas na realidade.

Prática psicológica que emerge do território: recursos de cuidado individual e coletivo

Durante o processo formativo na RMSFC, as práticas em saúde sempre estiveram atreladas a um modo de fazer que envolveu a escuta, o diálogo e a construção a partir do olhar para o território e as pessoas que ali habitam, de modo a compreender as lógicas instituídas e costurar caminhos possíveis de intervenção. Mais especificamente na atuação do psicólogo, pensar a promoção de saúde a partir do que o território expressa possibilita a construção de “uma Psicologia que não busca cindir a vida e as realidades das comunidades, ao contrário permite a produção de alianças, de práticas cooperativas que buscam no entendimento das sinergias presentes no território pensar e repensar sua atuação” (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) com povos tradicionais. CFP. , p. 73).

Há uma complexidade que envolve a atuação profissional do psicólogo na APS, sobretudo no que diz respeito à criação de práticas que não estejam meramente pautadas num exercício de atendimento clínico individual (Böing, & Crepaldi, 2010 Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2010). O psicólogo na Atenção Básica: Uma incursão pelas políticas públicas de saúde brasileiras. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(3), 634-649. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v30n3/v30n3a14.pdf
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). Desse modo, o psicólogo na APS precisa pôr em questão o seu saber e refletir sobre o que é considerado “atividade do psicólogo”, de modo a não restringir as possibilidades de ação.

A partir dessas compreensões, outras nuances do trabalho junto às comunidades foram explicitadas, e as ações se constituíram atravessadas pela observação do cotidiano, pois este se mostrou capaz de ampliar as ações em saúde. Desse modo, as atividades nos territórios foram se desenvolvendo numa perspectiva de atenção à saúde tanto individual quanto compartilhada. Ou seja, os recursos utilizados compreendem intervenções que se norteiam por dois caminhos: ações de núcleo profissional, voltadas para atuação do psicólogo; e ações de campo, uma abordagem inter e multiprofissional.

Conforme G. Campos ( 2000 Campos, G. W. S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: Campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230. https://www.scielo.br/j/csc/a/mvLNphZL64hdTPL4VBjnrLh/?format=pdf
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), as ações de núcleo e de campo se interinfluenciam, gerando certa dificuldade em apontar limites precisos entre um e outro. No entanto, é possível compreender que as ações de núcleo são demarcadas por um conjunto de saberes e práticas que lhe garantem uma certa identidade, constituindo-se em uma área específica do conhecimento. Já as de campo denotam um conjunto de ações realizadas por diversas disciplinas de saber que se apoiam mutuamente, de modo a desenvolver suas competências teóricas e práticas em que os limites entre as profissões são imprecisos.

A partir dos caminhos e ações que foram construídos na experiência de residência, a Tabela 1 contém algumas das ferramentas que consideramos como ações de campo e ações de núcleo:

Tabela 1
Descrição das atividades desenvolvidas durante atuação na residência.

As ações descritas tiveram como finalidade atender às necessidades identificadas no processo de diagnóstico da comunidade, de modo que cada ação englobava intervenções cujo foco era agir perante os problemas explicitados. Contemplando alguns dos objetivos propostos pela PNSPCFA (Portaria nº 2.311, 2014 Portaria nº 2.311, de 23 de outubro de 2014. (2014, 23 de outubro). Altera a Portaria nº 2.866/GM/MS, de 2 de dezembro de 2011, que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2311_23_10_2014.html
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) e PNSIPN (Portaria nº 992, [-@]), que embasam o projeto político-pedagógico da RMSFC, buscou-se desenvolver ações integrais voltadas para a saúde dos diversos públicos (mulheres, crianças, idosos, etc.); contribuir para melhoria da qualidade de vida por meio de ações intersetoriais; utilizar espaços potenciais, como a sala de espera, para oportunizar discussões; promover planejamento e estratégias específicas; e viabilizar a educação permanente para os trabalhadores em relação a temáticas pautadas nas necessidades e especificidades da população atendida.

Para fins de discussão, será dado destaque às reflexões sobre as visitas domiciliares, devido ao seu potencial de gerar aproximação com o território vivo onde as pessoas (re)produzem suas vidas. Rocha, Conz, Barcinski, Paiva e Pizzinato ( 2017 Rocha, K. B., Conz, J., Barcinski, M., Paiva, D., & Pizzinato, A. (2017). A visita domiciliar no contexto da saúde: Uma revisão de literatura. Psicologia, saúde & doenças, 18(1), 170-185. http://dx.doi.org/10.15309/17psd180115
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) corroboraram que essa estratégia de cuidado, definida como um atendimento ou acompanhamento dos usuários no seu local de residência, possibilita uma ampliação das compreensões sobre o processo de saúde/doença/cuidado da população. Essa ferramenta de trabalho provocou inúmeras inquietações e provocações acerca do produzir saúde, sobretudo pelas desestabilizações geradas no imaginário de “lugar do psicólogo” e no que é comumente idealizado como ” terapêutico”. Para ilustrar o que se aproxima da compreensão de , segue um relato do diário de campo:

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 12 de setembro de 2019)É no quintal, no quarto escuro, na cozinha, no roçado, embaixo do pé de manga, no caminho, na sala de curativos, na sala do dentista, na escola, no terreiro de casa, embaixo da sombra, no bar da comunidade, e em muitos outros espaços inusitados que a “sala do psicólogo” se constitui. Como referido no diário de campo, “” (Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 22 de junho de 2019). Esses movimentos se aproximam do que nos apontam Alexandre e Romagnoli ( 2017 Alexandre, M. L., & Romagnoli, R. C. (2017). Prática do psicólogo na Atenção Básica – SUS: Conexões com a clínica no território. Contextos Clínicos, 10(2), 284-299. https://doi.org/10.4013/ctc.2017.102.12
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, p. 295), quando dizem que:

O território oferece outras dimensões para a relação clínica que se dá nos movimentos, nos encontros que podem surgir enquanto setting em espaços diversos, nas casas, nas ruas, nas praças, nas salas improvisadas das UBS, mas, sobretudo, apostando na capacidade de afetar e ser afetado.

Logo, durante a experiência de atuação na RMSFC junto às comunidades quilombolas, a clínica passou a ser inspirada e exercida de maneira próxima ao que Lancetti ( 2008Lancetti, A. (2008). Clínica Peripatética. Hucitec. ) chama de clínica peripatética, que é praticada em movimento, no caminhar, em espaços externos a um consultório, que exigem ousadia na exploração e experimentação de conexões possíveis, que habitam em pontos de tensionamentos ao reconhecer os próprios limites dos protocolos tradicionais. Trata-se de uma clínica próxima dos movimentos de (re)produção da vida.

Assim, a visita domiciliar se consolida como um potente espaço para a constituição de novas lógicas do cuidado em saúde, inclusive mental, por provocar processos mais autônomos de cuidado pela proximidade com o cotidiano (Rocha et al., 2017 Rocha, K. B., Conz, J., Barcinski, M., Paiva, D., & Pizzinato, A. (2017). A visita domiciliar no contexto da saúde: Uma revisão de literatura. Psicologia, saúde & doenças, 18(1), 170-185. http://dx.doi.org/10.15309/17psd180115
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). Foi a partir desse contato direto com o território onde as pessoas habitam, atentando-nos aos limites do corpo e do afeto entre as pessoas (Monken et al., 2008 Monken, M.; Peiter, P., Barcellos, C., Rojas, L. N., Navarro, M., Gondim, G. M. M., & Gracie, R. (2008). O território na saúde: Construindo referências para análises em saúde e ambiente. In A. C. Miranda, C. Barcellos, M. Monken, & J. C. Moreira (Orgs.). Território, ambiente e saúde. Fiocruz (pp. 23-42). https://www.rets.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/teritoiro_na_saude.pdf
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), que um outro aspecto das comunidades foi se apresentando. O laço com a terra, em que os seres inanimados ganham nome e simbolizam aquele espaço, vai imprimindo um modo de viver em relação com a natureza. A esse respeito, segue um relato afetivo, fruto de uma visita domiciliar:

Numa dessas conversas, onde falávamos sobre aimportância de beber água para que os nossos rinspossam trabalhar bem, ela nos apresentou Pretinha,que é ótima, nunca deixava faltar água, eágua boa, diferente dessas compradas. Sabe quemé Pretinha!? A cacimba de D. Florinda, que fica,também, praticamente, no quintal. Todas essasconversas nos levam a compreender como aqueleespaço para ela ali é muito mais do que algo paradesfrutar ou utilizar em algum momento. A terraonde habitava era ela mesma, é o que propiciavasentido na vida a partir do cuidado mútuo que elatem com cada pedaço de chão. É um outro modode relação com o mundo que precisa ser compreendidoe acolhido na sua singularidade. D. Florindaé mais uma que nos dá aula todo encontro

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 12 de setembro de 2019).

Assim, diferentemente de uma concepção estritamente desenvolvimentista onde a terra, é vista como espaço a ser explorado via modo de produção capitalista, “para os povos e comunidades tradicionais a natureza expressa-se como: seus parentes, seus ancestrais, pessoas, entes espirituais, extensão de seus corpos e de seu grupo” (CFP, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) com povos tradicionais. CFP. , p. 66). Ou, como Costa e Scarcelli ( 2016 Costa, E. S., & Scarcelli, I. R. (2016). Psicologia, política pública para a população quilombola e racismo. Psicologia USP, 27(2), 357-366. https://doi.org/10.1590/0103-656420130051
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) colocam, o trabalho na roça denota uma prática de autonomia conectada à ancestralidade negra, pois foi pela roça que bisavós, avós e ancestrais mais distantes garantiram a sobrevivência e preservaram a cultura. Portanto, o trabalho com a terra não é apenas labor, mas elo filiativo, exigindo atenção e respeito.

Todas essas provocações evidenciaram também o quanto ingressar numa residência multiprofissional, no âmbito do SUS em meio rural, foi se aproximar de uma realidade pouco discutida durante a graduação. A formação do psicólogo, de maneira geral, ainda carece da ampliação dos horizontes no que tange ao seu fazer, que pode ir muito além da clínica individual, uniprofissional e urbana. Pautando essa discussão, Landini (2015, como citado em Lopes et al., 2018Lopes, E. M., Ferreira, C. R. C., & Friedrick, D. R. (2018) Psicologia e ruralidades: Caminhos para um fazer psicológico transformador. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 8(1), 262-287. www.scielo.edu.uy/pdf/pcs/v8n1/1688-7026-pcs-8-01-225.pdf
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, p. 271) assinala que “há muito tempo faz-se necessário que a Psicologia realize uma troca das lentes urbanas para observar os fenômenos do contexto rural sem distorções e assim poder atuar de forma eficaz nesses ambientes”.

Além disso, segundo nos aponta Guimarães ( 2017 Guimarães, R. S. (2017). Por uma Psicologia decolonial: (des)localizando conceitos. In E. F. Rasera, M. S. Pereira, & D. Galindo (Orgs.). Democracia participativa, Estado e laicidade: Psicologia Social e enfrentamentos em tempos de exceção (pp. 263-276). ABRAPSO. https://site.abrapso.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Livro-XIXEncontro-Nacional-Democracia-participativa-Estado-e-Laicidade.pdf
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), as bases teóricas e metodológicas da psicologia são orientadas por um modelo universalista, que se pauta num padrão branco ocidental, partindo desse modelo para a compreensão de outras diversas realidades. Com isso, os processos histórico-sociais constitutivos dos sujeitos e coletividades são ignorados, passando a haver distanciamento dos processos subjetivos e psicossociais dos territórios.

De tal modo, a atuação a partir do lugar de residente em comunidades de descendentes de quilombolas provocou a pensar o espaço da psicologia, levando-nos a uma ponderação próxima da apontada por Lima e Yasui ( 2014 Lima, E. M. F. A., & Yasui, S. (2014) Territórios e sentidos: Espaço, cultura, subjetividade e cuidado na atenção psicossocial. Saúde debate, 38(102), 593-606. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140055
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, p. 599) no que tange a um necessário abandono de “uma clínica centrada na pessoalidade e no sintoma individual, para dar lugar a processos de produção de saúde e de subjetividade, o que implica a inserção em processos de criação voltados para a construção de novas línguas, novos territórios, novos sentidos”. Assim, é necessário, antes de qualquer coisa, escutar o que o território tem a nos dizer, pois ele grita e convoca ao redirecionamento das práticas hegemônicas em saúde.

Conectando territórios: acesso e limites da rede de saúde e atuação multiprofissional e interprofissional

As Portarias nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, e 3.088, de dezembro de 2011, instituíram, respectivamente, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) como forma de organização do sistema de atenção à saúde por dispositivos de diferentes níveis e capacidades tecnológicas. Ambas visam a instituir um modo de atenção à saúde que considere os determinantes sociais, a regionalização e, principalmente, a integralidade do cuidado.

O município de Garanhuns, em sua rede de saúde mental, conta como dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), sendo um na modalidade de atenção a transtornos mentais (CAPS III) e outro voltado para o acolhimento de transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas (CAPS AD). Também há duas residências terapêuticas, um hospital geral com leitos integrais, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), entre outros centros de especialidades.

No entanto, apenas a Atenção Primária em Saúde (APS), por seu caráter intrínseco, é que se localiza no espaço das comunidades quilombolas; os demais dispositivos se encontram na zona urbana. Aliás, a APS é o nível da rede que está mais próximo das pessoas, que se debruça sobre a realidade de modo mais efetivo. Sua função é ser a base do sistema, ordenar as redes, coordenar o cuidado e ser resolutiva (Portaria nº 978, 2012 Portaria nº 978, de 16 de maio de 2012. (2012, 16 de maio). Define valores de financiamento do Piso da Atenção Básica variável para as Equipes de Saúde da Família, Equipes de Saúde Bucal e aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, instituídos pela Política Nacional de Atenção Básica. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0978_16_05_2012.html
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).

Na prática, a atuação nesse âmbito é bastante complexa e as intervenções devem provocar a integração da rede de saúde, buscando sempre o diálogo e interlocução com outros setores, como assistência social e educação. Como afirmam Vieira e Monteiro ( 2013 Vieira, A. B. D., & Monteiro, P. S. (2013). Comunidade quilombola: Análise do problema persistente do acesso à saúde, sob o enfoque da Bioética de Intervenção. Saúde em Debate, 37(99), 610-618. https://www.scielo.br/j/sdeb/a/GwYSxxVb5DCDkyrXhSxW4JG/
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), as disparidades nas ações de atenção, no modo como os serviços são utilizados e na distribuição de recursos reverberam nas desigualdades de saúde. Assim, a equidade precisa ser prioritária na formulação das políticas de saúde para que o acesso seja efetivamente possível.

É certo que a PNSIPCF (Portaria nº 2.866, 2011 Portaria nº 2.866, de 2 de dezembro de 2011. (2011, 2 de dezembro). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html
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) propõe uma ampliação do acesso e melhor qualidade da atenção à saúde para as populações do campo; e, em paralelo, a PNSIPN (Portaria nº 992, 2009 Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. (2009, 13 de maio). Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
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) demarca as barreiras que o racismo impõe e que corroboram na promoção de iniquidades em saúde e na morbimortalidade das populações negras brasileiras, no intuito de superá-las. No entanto, a efetividade de tais práticas no contexto aqui apresentado foi um desafio. Fazer pontes entre os serviços exigiu assumir uma luta política, através da qual foram perceptíveis alguns dos entraves enfrentados pelas pessoas quilombolas no que diz respeito ao acesso aos dispositivos que se encontram na cidade. Esse foi um aspecto marcante da experiência de atuação nessas comunidades.

Assegurar o direito de acesso aos usuários é uma “briga” que sou levado a travar sempre que preciso de algum suporte da rede, principalmente em relação a transporte ou adequação dos protocolos de entrada nos serviços que se encontram na cidade e não se adaptam à realidade do povo quilombola, o que acaba contribuindo para a permanência de barreiras no acesso à saúde

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 12 de junho de 2020).

Logo, a ideia de acesso precisa sempre ser problematizada. Segundo Assis e Jesus ( 2012 Assis, M. M. A., & Jesus, W. L. A. (2012). Acesso aos serviços de saúde: Abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciência & Saúde Coletiva, 17(11), 2865-2875. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012001100002
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), ele engloba diversas dimensões e convida os profissionais de saúde a uma reflexão de suas práticas, pondo em xeque a dificuldade de efetivação. Segundo Costa e Edmundo ( 2020 Costa, A. F. S., & Edmundo, O. J. C. (2020). Afetividade no território quilombola: Uma práxis possível da psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 40(n.spe), e230161. https://doi.org/10.1590/1982-3703003230161
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) as comunidades quilombolas são esquecidas pelo Estado, sendo palpável a ausência de efetivação das políticas e a dificuldade de acesso a serviços de saúde, educação e assistência social no ambiente urbano. Desse modo, pensar o acesso é refletir sobre barreiras geográficas, fatores socioeconômicos, dimensões simbólicas e subjetivas, graus de ajuste entre os serviços de saúde e a comunidade, entre outros aspectos.

A rede de saúde, de um modo geral, é estruturada dentro de noções uniformes, que visam à universalidade no modo de ação e/ou instituem modos de acesso aos serviços que por vezes não contemplam realidades diferentes, como é o caso das comunidades quilombolas. A não promoção da equidade e as barreiras de acesso aos serviços é uma forma de expressão do racismo institucional (Costa, & Scarcelli, 2016 Costa, E. S., & Scarcelli, I. R. (2016). Psicologia, política pública para a população quilombola e racismo. Psicologia USP, 27(2), 357-366. https://doi.org/10.1590/0103-656420130051
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). Assim, olhar para o território e pensar o acesso é considerar as desigualdades e particularidades existentes, não sendo possível promover a igualdade do acesso sem que a noção de equidade anteceda qualquer ação.

Além disso, a comunicação estabelecida entre os níveis de atenção da RAS era bastante falha, não havendo integração e (cor)responsabilidade do cuidado entre os dispositivos de atenção especializada e os de atenção primária. A contrarreferência não aconteceu por várias vezes, ainda que fossem estabelecidas pontes de comunicação direta. Os atendimentos que se voltavam para atenção à crise e urgência psiquiátrica, por exemplo, foram provocadores de inúmeros tensionamentos com a RAPS:

Pela terceira vez, a rede não garante a efetividade do cuidado dos usuários em crise psiquiátrica. Dessa vez, os ditos leitos integrais não foram capazes de acolher, o CAPS que deveria ser 24 horas não pôde fazer a admissão do usuário naquele dia e, após ele ser amarrado pelos vizinhos porque iria matar sua mãe e estava colocando em risco sua própria vida, os serviços sugeriram que ele voltasse para casa após tomar uma injeção e retornasse quando fosse dia de médico no CAPS. Essa seria a conduta caso eu não tivesse afirmado e sustentado que ele não voltaria pra casa sem a organização conjunta de um cuidado

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 12 de junho de 2020).

A integração dos serviços foi bastante difícil, havia disparidades entre a oferta e a necessidade. Desse modo, buscamos realizar reuniões de matriciamento com alguns dos dispositivos da rede de atenção secundária, porém, no que tange ao enfrentamento das adversidades da população do campo e quilombola, poucas estratégias resolutivas foram postas em prática. Bastante enfáticos sobre essas problematizações, Félix-Silva, Soares, Santos, Rigoti e Nascimento ( 2019 Félix-Silva, A. V., Nascimento, M. V. N., Rigoti, L. M. B., Santos, A. C., & Soares, G. P. (2019). A psicologia no contexto das comunidades tradicionais: Da emergência étnica à perspectiva ético-estético-política. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(n.spe), 130-146. https://doi.org/10.1590/1982-3703003222599
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) colocam que:

São outros e são os mesmos os navios negreiros atuais (territórios de existência), em que a população quilombola é esquecida ou jogada, é matada, é morrida por um pedaço de terra seu, por um pedaço de corpo seu, por uma vida que vale menos do que outras e por isso também esquecida nos porões escuros das comunidades quilombolas (territórios longínquos, não só geograficamente, mas longe também da chegada das políticas de assistência social e da presença de profissionais da saúde.

Diante desse cenário, a experiência aqui relatada remete aos dizeres de Araújo, Vasconcelos, Pessoa e Forte ( 2017 Araújo, T. A. M., Forte, F. D. S, Pessoa, T. R. R. F., & Vasconcelos, A. C. C. P. (2017). Multiprofissionalidade e interprofissionalidade em uma residência hospitalar: O olhar de residentes e preceptores. Interface, 21(62), 601-613. https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0295
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) sobre a pertinente relevância das residências multiprofissionais em saúde como proposta de formação que fortalece o SUS e propõe estratégias de reorganização dos serviços, viabilizando caminhos para que a atenção integral aconteça de modo mais efetivo. Isso favorece a transformação de práticas em saúde, sobretudo por “oxigenar” aqueles serviços que estão instituídos dentro de um modelo que não contempla as diversas realidades da população.

Considerar a realidade é pensar a saúde conectada a diversas dimensões da vida que determinam as condições de saúde que uma população expressa. Desse modo, questões como pobreza, emprego, educação, habitação, urbanização, discriminação sexual, violência de gênero, cultura, acontecimentos de vida estressantes, exclusão social e estigma são condicionantes indispensáveis na reflexão acerca dos processos de adoecimento (Alves, & Rodrigues, 2010 Alves, A. A. M., & Rodrigues, N. F. R. (2010). Determinantes sociais e económicos da saúde mental. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 28(2), 127-131. https://doi.org/10.1016/S0870-9025(10)70003-1
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). Essas, inclusive, são questões que refletem diretamente na condição de saúde das três comunidades remanescentes de quilombo onde esta experiência aconteceu.

Visualizando esses atravessamentos, é possível perceber que a atuação do profissional da psicologia nesses contextos em que os direitos são constantemente negligenciados faz jus ao Código de Ética Profissional (, 2005Resolução CFP nº 10, de 21 de julho de 2005. (2005, 21 de julho). Aprova o código de ética profissional do psicólogo. Conselho Federal de Psicologia. ). No entanto, trágico é saber que, por não ser da equipe mínima, o psicólogo só acessa a APS por meio dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que foram desmontados a partir da Portaria nº 2.979, de novembro de 2019 Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019. (2019, 12 de novembro). Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Ministério da Saúde. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2019/prt2979_13_11_2019.html
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.

Em contrapartida a esse movimento de desmonte de políticas públicas, a RMSFC vem escancarar a relevância da atuação multiprofissional na Estratégia Saúde da Família no que tange à ampliação de olhares e possibilidades de intervenções no SUS. Assim, diante de todos os desafios de integração de rede, o fato de estarmos rodeados de profissionais de saúde de diversas categorias possibilitou a construção de um cuidado mais integral em saúde, mesmo com algumas limitações.

Além disso, quando uma equipe multiprofissional pensa a sua prática numa perspectiva interdisciplinar e interprofissional, o trabalho passa a ser ainda mais potente, pois passa a pensar o cuidado compartilhando os diferentes saberes e a desenvolver intervenções de maneira dialogada e articulada, não agindo categoricamente de maneira isolada (Araújo et al., 2017 Araújo, T. A. M., Forte, F. D. S, Pessoa, T. R. R. F., & Vasconcelos, A. C. C. P. (2017). Multiprofissionalidade e interprofissionalidade em uma residência hospitalar: O olhar de residentes e preceptores. Interface, 21(62), 601-613. https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0295
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). Esse aspecto favorece as intervenções na APS, visto o caráter complexo que envolve as ações territoriais.

Esse foi um dos caminhos que possibilitou aproximação com os casos e construção de processos de cuidado que considerassem os diversos aspectos que atravessam o processo de saúde/doença daquelas comunidades. Esse modo de trabalho, que compreendia um foco maior nas ações de campo, ao mesmo tempo que se pautava em conhecimentos de núcleos (Campos, 2000 Campos, G. W. S. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: Campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230. https://www.scielo.br/j/csc/a/mvLNphZL64hdTPL4VBjnrLh/?format=pdf
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), disparou algumas possibilidades de encarar as adversidades encontradas no trabalho em rede.

O trabalho multi, numa perspectiva interdisciplinar, tem sido a base para sustentação das minhas inquietações e incômodos por não conseguir ver muitos encaminhamentos dos casos de maneira efetiva. A sensação de impotência é então convertida em ação a partir do diálogo que estabeleço com as outras profissionais que, ao expressarem olhares de um outro campo de visão, somam e ampliam as possibilidades de ações em saúde

(Ribeiro, 2019-2020Ribeiro, F. (2019-2020). Diário de campo. Garanhuns. , 20 de outubro de 2019).

Como reflexo desse modo de agir, destaca-se o planejamento estratégico em saúde que foi construído para enfrentamento da violência contra a mulher, a partir do Método Altadir de Planificação Popular (MAPP), que é método de eleição para planejamento no nível local, por ser simples e criativo; favorecer o comprometimento da comunidade e de suas lideranças com a análise e enfrentamento de seus problemas; e ser bastante coerente com os princípios do SUS e recomendado como instrumento para a elaboração do planejamento de unidades básicas de saúde (Tancredi, Barrios & Ferreira, 1998Tancredi, F. B., Barrios, S. R. L., & Ferreira, J. H. G. (1998). Planejamento em saúde (Série Saúde e Cidadania, vol. 2). Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. ). Essa estratégia ampliou a visão sobre caminhos possíveis de ação diante desta delicada questão de saúde.

Portanto, esses espaços de diálogo entre diversas categorias profissionais foram ampliando o escopo de possibilidades e, com isso, houve uma intensificação do diálogo em equipe, das reuniões clínicas, de articulações intersetoriais e de processos de educação permanente com profissionais da USF, de modo a possibilitar a organização e planejamento do processo de trabalho e das possibilidades de intervenção. Essas estratégias de ação em saúde são consideradas positivas por Nascimento et al. ( 2015 Nascimento, V. A. S., Rotolo, L. M., Knierim, G. S., Andrade, D., Santos, M. J., & Aciole, D. C. A. M. (2015). A formação de psicólogas(os) para a atuação nos contextos rurais: A experiência da Residência Multiprofissional em Saúde do Campo. Revista Gestão & Políticas Públicas, 5(1), 44-68. https://doi.org/10.11606/issn.2237-1095.v6p44-61
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), pois contribui para o enfrentamento das vulnerabilidades existentes nesses territórios.

Atrelada a essa organização das ações na APS, a construção de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) suscitou o estabelecimento de processos de cuidado mais ligados à realidade, através dos quais outras redes de cuidado que não perpassam necessariamente pela RAS puderam ser visualizadas. Esse modo de atender rompe a lógica centrada no poder biomédico e individualizante, bem como fortalece as bases dos princípios do SUS ao agir em consideração à complexidade do produzir saúde.

Considerações Finais

A partir do presente exposto, é possível afirmar que a RMSFC é uma formação que amplia a capacidade teórico-prática do psicólogo no âmbito do SUS e contribui para superação de déficits no âmbito da formação profissional voltada para atuação com população do campo e povos tradicionais. A experiência provocou a compreensão da organização do sistema de saúde e das vicissitudes de atuação na atenção primária, em que os nossos corpos entram em contato direto com a realidade do povo. Esses movimentos convocam a construção de uma comunicação clara, horizontal, que faça sentido para as pessoas com quem se trabalha e que compreenda os sintomas na sua expressão coletiva.

Desse modo, ressaltamos que a compreensão das características que compõem os territórios quilombolas é um aspecto fundamental para o trabalho em saúde, pois, sem o reconhecimento dos processos ali instituídos, demarcados e (re)produzidos, as ações e propostas podem não ir em direção ao que é necessário. Portanto, a noção do território abre caminhos para as práticas em saúde e pode ser constituinte do trabalho em diversos dispositivos, tanto da rede de saúde quanto de outras, como as de assistência social e educação.

Nesse sentido, no contexto da APS, destacam-se as visitas domiciliares como uma das estratégias potentes de ação, pois abre um campo no qual os profissionais podem ser tatuados pela realidade de vida daqueles que acompanham, resultando em mudança de seu modo engessado de agir. Assim, as reverberações do território sugerem uma mudança de atitude, e, nesse sentido, os psicólogos que atuam em tais contextos não devem limitar sua atuação a meros atendimentos individuais, mas utilizar-se do saber psicológico como um instrumento de criação de práticas a partir do diálogo.

Para que isso aconteça, é necessária a problematização da prática em saúde tanto na perspectiva de núcleo como de campo profissional, de modo a compreendermos as limitações ao mesmo tempo que construímos possibilidades, estratégias, caminhos para o enfrentamento do que for adverso. Aliás, trabalhar em comunidades quilombolas é não permitir a naturalização da dificuldade do acesso, bem como das desigualdades, iniquidades sociais e violências. Assim, é urgente a ampliação das equipes com atuação interprofissional, pois essa é a base essencial para atender às diversas demandas existentes nesses territórios.

Por fim, compreendemos os desafios e impasses que interferem na efetivação da PNSIPCFA e PNSIPN, e, com isso, reafirmamos a necessidade do fortalecimento e defesa das políticas públicas que possibilitem uma amenização das desigualdades que historicamente acometem o povo quilombola. Ainda, sinalizamos a importância do fortalecimento das redes comunitárias existentes nos territórios, bem como da construção de práticas emancipadoras que possam surtir efeitos a longo prazo e ampliar as estratégias de enfrentamento das iniquidades. Aliás, até quando a falta de acesso vai continuar reafirmando o lugar de esquecimento em que as comunidades são colocadas?

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  • Como citar:

    Silva, F. R., & Felipe, D. A. (2024). Saúde da Família do Campo e Atuação do Psicólogo em Comunidades Quilombolas. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003260811
  • How to cite:

    Silva, F. R., & Felipe, D. A. (2024). Family Health in the Countryside and the Role of the Psychologist in Quilombola Communities. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003260811
  • Cómo citar:

    Silva, F. R., & Felipe, D. A. (2024). La salud de la familia en el campo y el papel del psicólogo en las comunidades quilombolas. Psicologia: Ciência e Profissão, 44, 1-15. https://doi.org/10.1590/1982-3703003260811

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2022
  • Aceito
    08 Dez 2022
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