Acessibilidade / Reportar erro

A Psicologia no Brasil: Formação e Institucionalização

Psychology in Brazil: Formation and Institutionalisation

Psicología en Brasil: Formación e Institucionalización

Resumo:

O texto faz uma síntese da trajetória da psicologia desenvolvida na Europa e nos Estados ao longo da modernidade e apropriada pelos médicos brasileiros no século XIX e pelos educadores já no começo do século XX. Procura-se apontar os interesses pela disciplina oriundos de diferentes campos e instituições que se desenvolveram ao longo dos anos, como as utilizações em organizações, na assistência a menores, nas Forças Armadas, na Educação física etc., bem como a crescente formação de profissionais, a institucionalização científica e acadêmica, a regulamentação da profissão e do sistema Conselho. Destaca-se, nesse processo, a existência de um modelo de indivíduo autônomo, sem amarras sociais. Aponta-se para as mudanças mais recentes que têm sido trazidas e que constituem novos sujeitos e novas propostas de compreensão do humano. Utiliza-se para isso diferentes pesquisas e trabalhos já publicados pela autora.

Palavras-chave:
História da Psicologia no Brasil; Constituição da Psicologia; Institucionalização da Psicologia

Abstract:

This summary traces the trajectory of the Psychology developed in Europe and the States throughout modern times and appropriated by Brazilian doctors in the 19th century and by educators at the beginning of the 20th. It seeks to point out the interest in the discipline from different fields and institutions that have developed over the years, such as its use in organizations, childcare, the Armed Forces, physical education, etc., as well as the growing training of professionals, its scientific and academic institutionalization, the regulation of the profession, and the Council system. This process highlights a model of the autonomous individual without social ties. It points to the most recent changes that have been brought about and which constitute new subjects and new proposals for understanding the human being. For this, it uses various studies and works already published by the author.

Keywords:
History of Psychology in Brazil; Constitution of Psychology; Institucionalisation of the Psychology

Resumen:

Este texto realiza una síntesis de la trayectoria de la Psicología que se desarrolló en Europa y en los Estados a lo largo de la modernidad y fue apropiada por los médicos brasileños en el siglo XIX y por los educadores a principios del XX. Se señala el interés por la disciplina desde diferentes ámbitos e instituciones que se desarrollaron a lo largo de los años, como su utilización en organizaciones, en los cuidados de niños, las Fuerzas Armadas, la Educación física, etc., así como la creciente formación de profesionales, la institucionalización científica y académica, la regulación de la profesión y el sistema de Consejos. En este proceso, destaca la existencia de un modelo de individuo autónomo, sin vínculos sociales. Señala los cambios más recientes que se han producido y que constituyen nuevos sujetos y nuevas propuestas de comprensión del ser humano. Para ello, se utilizan diversos estudios y trabajos ya publicados por la autora.

Palabras clave:
Historia de la Psicología en Brasil; Constitución de la Psicología; Institucionalización de la Psicología

Ao olharmos para a história da psicologia que se desenvolveu no Brasil a partir do século XIX, vemos que é centrada na racionalidade científica, orientada pelo modo capitalista de produção, inicialmente eurocêntrica e depois estadunidense, que vê outros povos e seres humanos como objetos de estudo, ou seja, sobre os quais quem deve falar é o olhar branco, masculino, de escolaridade alta, de camadas superiores da população. É uma psicologia que trata do indivíduo como ser moral, dono de livre arbítrio, a-social (Dumont, 1985Dumont, L. (1985). O individualismo: Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rocco. ). Em síntese, é uma psicologia colonizada, própria dos países periféricos na produção do conhecimento e que só muito recentemente começam a valorizar suas próprias produções e como estas circulam pelos países ditos centrais. Essa psicologia foi incorporada pelos médicos das Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, encantados com o “bando de ideias novas” (Romero, 1926Romero, S. (1926). Explicações indispensáveis. Prefácio a vários escritos de Tobias Barreto de Menezes. In Barreto, T. Obras Completas (Vol. X, p. 26). Pongetti. (Original publicado em 1900) [1900]), que lhes apareciam no último quartel do oitocentos. É dessa psicologia que vamos tratar neste texto.

Nesse sentido, deixamos de lado tanto os trabalhos de Massimi ( 1990Massimi, M. (1990). História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. Epu. , 2005Massimi, M. (2005). Palavras, almas e corpos no Brasil colonial. Loyola. , 2008 Massimi, M. (2008). Engenho e temperamentos nos catálogos e no pensamento da Companhia de Jesus nos séculos XVII e XVIII. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 11(4), 675-687. https://doi.org/10.1590/S1415-47142008000400014
https://doi.org/10.1590/S1415-4714200800...
, 2009 Massimi, M. (2009). Estudos sobre a contribuição da antiga Companhia de Jesus ao desenvolvimento dos saberes sobre o psiquismo humano no Brasil colonial. Clio – Série Revista de Pesquisa Histórica, 27(2), 163-191. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24150/19591
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
) sobre o entendimento jesuítico acerca dos indígenas no período colonial, bem como trabalhos mais recentes que tentam construir uma nova psicologia, em que aquela, dita científica, se transforma no contato com compreensões do ser humano das culturas indígenas e de afrodescendência, mais coletivas e comunitárias. Entendemos que, à medida que esses trabalhos frutifiquem, será possível compor uma outra história da psicologia no Brasil (a respeito, ver Santos, 2019, bem como vários capítulos do livro organizado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo [CRPSP], 2016 Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2016). Povos indígenas e Psicologia: A procura do bem viver. https://tinyurl.com/bdftu4ku
https://tinyurl.com/bdftu4ku...
).

No caso deste artigo, seguimos textos já publicados oriundos de nossas pesquisas sobre história da psicologia no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Essas pesquisas foram realizadas com o uso de fontes históricas, imprescindíveis ao historiador. Quase todas eram documentos escritos, embora também tenhamos utilizado fontes orais em pesquisas sobre períodos mais recentes. Para evitar excesso de autocitação, optamos por não citar esses textos, a não ser em casos muito específicos. Preferimos dar relevo a referências de pesquisadores que têm enriquecido o campo historiográfico da psicologia no Brasil.

Saberes e técnicas psicológicos e sua apropriação por outros campos

Como dito acima, o conhecimento psicológico desenvolvido nos séculos XVIII e XIX em países europeus como Alemanha, França, Inglaterra, Itália, e, posteriormente, nos Estados Unidos, começou a ser recebido, estudado e apropriado por médicos das recém-criadas faculdades de medicina, dentro do chamado “processo civilizatório” iniciado com a chegada de D. João VI à então colônia portuguesa em 1808. Embora muitos dos autores importantes dessa psicologia fizessem parte das referências médicas, optou-se por destacar os trabalhos da ainda muito recente psicologia experimental. Citamos aqui duas teses defendidas nas faculdades de medicina existentes à época – a de Vital Cardoso do Rêgo (1873-?), intitulada A relação da atividade intelectual com a composição da urina (1897), considerada um experimento autorrealizado, defendida na Faculdade de Medicina da Bahia, e a de Henrique Belford Roxo (1877-1969), intitulada Duração dos Atos Psíquicos Elementares nos Alienados (Roxo, 1900Roxo, H. B. B. (1900). Duração dos atos psíquicos elementares nos alienados. [Tese de doutorado, Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ)]. ) onde há vastos elogios à obra de Wundt, bem como uso do psicrômetro de Buccola e do cronoscópio de Hipp, instrumentos da época.

Roxo, que viria a ser importante psiquiatra durante a primeira metade do século XX, manteve seu interesse pela psicologia. Assim, é o informante sobre o Brasil para o texto de Murchison que procura traçar a situação da psicologia no mundo (Murchison, 1932Murchison, C. (Ed.). (1932). The psychological register. Clark University Press. ), quando destaca os profissionais que atuavam com Waclaw Radecki 1 1 Waclaw Radecki, psicólogo formado em Varsóvia, assistente de Claparède no Instituto Jean-Jacques Rousseau em Genebra, organizou e chefiou o Laboratório de Psicologia Experimental da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro de 1923 até 1933, quando o Instituto de Psicologia, recém-criado por projeto seu e onde iniciou um curso de formação de psicólogos profissionais em 1932, foi desativado pelo governo, possivelmente por pressão de grupos católicos e/ou médicos (Centofanti, 1982 ), levando-o a se mudar para a Argentina. (1887-1953) no Laboratório de Psicologia Experimental na Colônia de Psicopatas, no Rio de Janeiro. Também foi defensor do uso de testes psicológicos para auxiliar no diagnóstico diferencial, como está presente nas várias edições de seu Manual de Psiquiatria , desde a primeira (Roxo, 1921Roxo, H. B. B. (1921). Manual de Psychiatria. Livraria Francisco Alves. ) até a quarta e última (Roxo, 1946Roxo, H. B. B. (1946). Manual de Psiquiatria. Guanabara. ).Estudos apontam a importância da psicologia para a psiquiatria no começo do século XX, haja vista a criação do Gabinete de Psicologia Experimental no Pavilhão de Observações do Hospício Nacional de Alienados (HNA) em 1907, onde eram aplicados testes nas pessoas enviadas para o Pavilhão para se definir sobre sua internação (Jacó-Vilela et al, 2022 Jacó-Vilela, A. M., Vasconcellos, M. A. G. N.T., Carmo, M. A. S., Conceição, A. A., Sousa, G., & Quintino, I. S. (2022). Psicologia na Psiquiatria: Testes psicológicos no Pavilhão de Observação do Hospício Nacional de Alienados (1907-1925). In A. T. A. Venâncio & A. T. Dias (Orgs.), O hospício da Praia Vermelha: Do império à República (pp. 355-378 ). Fiocruz. https://doi.org/10.7476/9786557081723
https://doi.org/10.7476/9786557081723...
). Era nesse Pavilhão e no Hospício em geral que os estudantes de Medicina tinham formação em psiquiatria. Nesse sentido, não é de estranhar que haja relato de uso massivo de testes por parte de Murillo de Campos (1887-1968), tenente-médico do Exército, que fora designado para atuar no HNA para atender os soldados e cabos internados na Seção Nina Rodrigues, nos quais aplicou diversos testes psicológicos, principalmente o Stanford-Binet (Saturnino, 1930Saturnino, M. (1930). Psychometria de 100 soldados pelos tests de Binet. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 3(1), 12-17. ).

Outros espaços médicos também se interessaram pela nova técnica psicológica. No Laboratório de Psicologia da Liga Brasileira de Higiene Mental, Maria Brasília Leme Lopes (1909-1996), assistente de Plínio Olinto (1886-1956), dedicou-se à validação e padronização de diversos testes em escolas públicas. Na aproximação entre medicina e educação, a psicologia tornou-se ferramenta importante para a institucionalização da educação no país. Dessa forma, encontramos os testes sendo utilizados no Instituto de Educação, no Rio de Janeiro, uso que se apresenta em outras capitais por meio de profissionais de diversas formações acadêmicas que se dedicam à educação e se interessam pela psicologia. Assim ocorre em São Paulo, com o advogado Lourenço Filho (1897-1970); em Belo Horizonte, com a psicóloga russa Helena Antipoff (1892-1974); em Recife, com o médico Ulisses Pernambucano (1892-1943). Inserindo-se no campo educacional, as teorias psicológicas também passam a ocupar um espaço considerável, com a formação de professoras do ensino básico – o espaço de trabalho fora do lar da mulher de classe média – e temas como motivação, aprendizagem, desenvolvimento, escolas de psicologia etc. Mas não só nesses dois campos, medicina e educação, houve interesse pela psicologia. Como diz Rose ( 2008 Rose, N. (2008). Psicologia como uma ciência social. Psicologia & Sociedade, 20(2), 155-164. https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200002
https://doi.org/10.1590/S0102-7182200800...
), a nova disciplina rapidamente mostra sua utilidade social, num país que está se transformando, saindo do universo rural e agrícola para o ambiente urbano, em processo de industrialização. Assim, a nascente educação física, como área profissional e curso superior, também busca se apropriar de teorias psicológicas (Carvalho & Jacó-Vilela, 2009Carvalho, C. A., & Jacó-Vilela, A. M. (2009). Psicologia do Esporte no Brasil em dois tempos: Uma história contada e uma história a ser contada [Trabalho apresentando]. XV Encontro Nacional da ABRAPSO, Maceió, AL, Brasil. ; Espírito Santo & Jacó-Vilela, 2017 Espírito Santo, A. A., & Jacó-Vilela, A. M. (2017). As invisibilidades da história: Athayde Ribeiro da Silva e a psicologia do esporte no Brasil. Memorandum: Memória e História em Psicologia, 31, 56-79. https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/6429
https://periodicos.ufmg.br/index.php/mem...
), embora os profissionais de psicologia tenham demorado a se dedicar à área de esportes.

O Exército, com a mudança de influência, da francesa para a alemã, rapidamente se interessou pela nova disciplina. Radecki, que havia chegado ao Rio em 1923, já em 1928 foi convidado para ministrar um curso, publicado pelo próprio Exército com o título de “Tratado de Psicologia” (Radecki, 1928Radecki, W. (1928). Tratado de Psicologia. Escola de Serviço Social do Exército. ). Cumpre destacar que o Departamento de Aviação do Exército – embrião da Força Área Brasileira, que só seria criada em 1941 – abrigou “um outro laboratório de Psicologia Experimental . . . montado no departamento médico da aeronáutica do Exército, onde se destacaram as pesquisas de A. Bretas” (Olinto, 2004Olinto, P. (2004) A Psicologia Experimental no Brasil. In Antunes M. A. M. (Org.), História da Psicologia no Brasil: primeiros ensaios (pp. 71-108). EdUERJ/CFP. , p. 27). Arnauld Bretas foi assistente de Radecki no Laboratório da Colônia, com o que vemos a que a influência do esquecido Radecki se estendeu para além de seu tempo no Brasil.

Também o mundo empresarial não demorou a percebeu o alcance das possibilidades da psicologia. Esta utilização começou com a atuação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), dirigido por Roberto Mange (1885-1955), na Estrada de Ferro Sorocabana, em São Paulo, na década de 1920, e se consolidou definitivamente com o trabalho do Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (ISOP/FGV), criado em 1947 e dirigido por Emilio Mira y López (1896-1964) de 1947 a 1964. Mange propunha um modo de produção fordista combinado ao atendimento de necessidades sociais dos trabalhadores e sua educação formal, evitando a formação tradicional, exclusivamente por observação. Mira y López, por sua vez, levou o ISOP a não só realizar Seleção e Orientação Profissional, onde o teste Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), de sua criação, era frequentemente usado, como também o transformou em um centro de formação e de divulgação da psicologia, contribuindo ativamente para a consolidação da nova disciplina.

A constituição da Psicologia como saber autônomo

O ISOP caracteriza um novo tempo: se, antes, teoria e prática psicológica estavam subsumidos em outros campos, passaram a se apresentar em espaço próprio.

Mencionamos anteriormente que as normalistas recebiam grande carga de formação em psicologia. As Escolas Normais criaram seus próprios Gabinetes de Psicologia Experimental para ensino de técnicas psicológicas. Esta é, sem dúvida, a consolidação da Psicologia na Educação. Lourenço Filho, em um de seus livros mais famosos, com 17 edições entre 1930 e 1960 – “Introdução ao estudo da Escola Nova” – considera a psicologia uma das “bases da educação”, ao lado da biologia e da estatística (Lourenço Filho, 2004Lourenço Filho, M. B. (2004b). Introdução ao estudo da Escola Nova. EdUerj. ). Assim, nas Faculdades de Filosofia, são criadas cátedras de psicologia, voltadas principalmente para o curso de pedagogia, em diversas universidades no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais.

Mas não só nelas. Na Escola Nacional de Educação Física, da Universidade do Brasil, há a cátedra de Psicologia Aplicada desde 1939, dirigida por Carlos Sanchéz de Queiróz (1907-2002). Na Universidade do Distrito Federal (que existiu somente de 1934 a 1937), a cátedra de Psicologia Social foi ocupada por Arthur Ramos (1903-1949). Esta mesma cátedra, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, foi ocupada por Raul Briquet (1887-1953). Ou seja, o interesse acadêmico pela psicologia está presente em muitos e diversos locais.

Uma transformação ocorre a partir dos anos de 1940, quando começaram a aparecer cursos de especialização que, aos poucos, cresceram em número. Aqui, deve-se destacar os do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, sob a direção de Madre Cristina (1916-1997). Em um vídeo biográfico, produzido pelo Conselho Federal de Psicologia (Olhares de Madre Cristina, 2001 Conselho Federal de Psicologia. (2018). Olhares de Madre Cristina – Projeto Memória da Psicologia Brasileira. https://youtu.be/qQn56SJMVQQ?si=9ytLriaW1Mjeu_Qf
https://youtu.be/qQn56SJMVQQ?si=9ytLriaW...
), ela conta que, como havia muitas pessoas interessadas em cursar psicologia, montou uma estratégia: com o curso de especialização aprovado pelo MEC, convidava diferentes pessoas para ministrar as disciplinas a cada ano, de acordo com seus interesses, aproveitando-se inclusive das que estavam de passagem por São Paulo. Assim, o conteúdo variava, os alunos se inscreviam no curso novamente e iam se formando em psicologia. Não por acaso, naquele momento, os que atuavam naquele espaço que se firmava já eram reconhecidos com um título específico: psicologistas, ou, então, psicotécnicos.

Acompanhando o processo, no mesmo período, na década de 1940, surgiram as primeiras associações e os primeiros periódicos de psicologia: em São Paulo, a Sociedade de Psicologia de São Paulo, e, no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Psicotécnica, com seus periódicos, respectivamente Boletim de Psicologia e Arquivos Brasileiros de Psicotécnica . Em um país em que a transitoriedade marca inúmeras publicações acadêmicas, é importante destacar que essas duas revistas continuam a ser publicadas até hoje – os Arquivos , cujo nome passou a ser Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada , atualmente denomina-se Arquivos Brasileiros de Psicologia .

Nesse ínterim surgem instituições dedicadas à prática psicológica, principalmente com crianças – as Clínicas de Orientação Infantil, como a criada por Durval Marcondes (1899-1981) em 1938 em São Paulo, e o Centro de Orientação Juvenil (COJ), criado por Helena Antipoff e Emilio Mira y López em 1946 como um órgão do Departamento Nacional da Criança, do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Nessas clínicas, fazia-se psicodiagnóstico de crianças e adolescentes, encaminhados principalmente por escolas, bem como orientação dos pais (Jacó-Vilela, Messias, Degani-Carneiro & Oliveira, 2017 Jacó-Vilela, A. M., Messias, M. C. N., Degani-Carneiro, F., & Oliveira, C. F. B. (2017). Clínicas de orientação: cuidado infanto-juvenil e participação feminina na constituição do campo psi. Revista Psicologia e Saúde, 9(2), 91-105. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v9i2.527
http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v9i2.527...
). Essas atividades, aliás, também eram realizadas pelo ISOP, que tinha as Seções de Orientação Vocacional e de Orientação Vital. Em alguns desses lugares havia estagiários, normalmente mulheres desejosas de aprender sobre a nova prática.

No COJ começa a constituir-se uma clínica psicológica, tanto por meio do aconselhamento psicológico de orientação rogeriana, trazido por Mariana Alvim (1909-2001) de sua experiência com o próprio Rogers nos Estados Unidos, quanto com a prática psicanalítica, introduzida por Reba Campbell, médica estadunidense que atuou no COJ por muitos anos formando “psicólogos clínicos” (Lourenço Filho, 2004Lourenço Filho, M. B. (2004a). A Psicologia no Brasil. In Antunes M. A. M. (Org.), História da Psicologia no Brasil: primeiros ensaios (pp. 71-108). EdUERJ/CFP. ).

Um outro espaço de prática profissional emergente nesse período é o que hoje denominamos como psicologia jurídica. Esse era o trabalho de Glória Quintela (1923-1989) no Setor de Psicotécnica do Serviço de Assistência ao Menor (SAM 2 2 O Serviço de Assistência ao Menor foi criado com alocação no Ministério da Justiça, enquanto o Departamento Nacional da Criança foi alocado no Ministério da Educação e Saúde, o que indica uma divisão entre dois tipos de abordagem à infância. Também é importante assinalar que o SAM, considerado uma “Escola do Crime”, foi fechado e substituído pela FUNABEM. ), órgão do Ministério da Justiça, criado em 1941. Glória realizava testagem de menores levados para internação bem como avaliava a adequação de sua saída do SAM. Publicou muitos artigos sobre o tema na revista da instituição, Arquivo do Serviço de Assistência a Menores (Bulcão, 2006 Bulcão, I. (2006). Investigando as políticas de assistência e proteção à infância: psicologia e ações do Estado. [Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15053
http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15053...
). Eliezer Schneider (1916-1998), por sua vez, foi psicólogo perito no Manicômio Judiciário Heitor Carrilho, onde atuou da década de 1950 até 1970. Dessa experiência, criou o primeiro curso de psicologia jurídica do Brasil, nos anos 1970, na Uerj, curso que foi encerrado.

Temos, então, na década de 1950, todas as condições pelas quais a história das ciências reconhece a existência de uma nova disciplina: associações e revistas próprias, pessoas que se reconhecem e são reconhecidas como praticantes da disciplina, professores que transmitem o novo saber, alunos interessados em nela se formar (Vidal, 2006Vidal, F. (2006). A mais útil de todas as ciências: configurações da psicologia desde o Renascimento tardio até o fim do Iluminismo. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, F. T. Portugal (Orgs.). História da Psicologia: rumos e percursos (pp. 47–73). Nau. ). Não é, portanto, de surpreender que o Ministério de Educação e Cultura (MEC) solicite à Associação Brasileira de Psicotécnica a minuta de um anteprojeto de lei que regulamentasse a profissão. Isto se deve, sem dúvida, ao grande prestígio que o ISOP, a Associação e a revista Arquivos adquiriram, graças à visibilidade acumulada por seu próprio trabalho e ao prestígio de seu diretor, Mira y López.

O anteprojeto foi feito e publicado nos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica em 1954. Imediatamente houve forte reação das demais associações existentes à época, pois não seguia o que vinha sendo discutido na categoria e por seu caráter dicotômico, que separava a teoria (a ser ensinada em universidades) e a prática (a ser oferecida por institutos especializados), processo que Marisa Todescan Baptista ( 2010 Baptista, M. T. D. S. (2010). A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam o processo histórico. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(spe), 170-191. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500008
https://doi.org/10.1590/S1414-9893201000...
) analisou minuciosamente. De diversas reuniões e debates, surgiu o projeto final que regulamentou a profissão e os cursos de psicologia.

Nessa rápida reconstrução da história da psicologia no Brasil, foi brevemente mencionada a presença de outro ator importante na institucionalização da psicologia: a Igreja Católica. Sua elite intelectual, reunida no Centro Dom Vital, publicava a revista A Ordem , criada em 1921. Centro e revista haviam surgido, sob influência da hierarquia eclesiástica, para reunir “intelectuais leigos” que pudessem atuar por uma “recatolização da elite do Brasil” que consideravam ter tido seu caminho desvirtuado desde as disputas internas no Império. Centofanti ( 1982 Centofanti, R. (1982). Radecki e a Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 3(1), 2-50. https://doi.org/10.1590/S1414-98931982000100001
https://doi.org/10.1590/S1414-9893198200...
), a partir de entrevistas com Jayme Grabois (1908-1990), antigo assistente de Radecki, e consultas a documentos, considera que houve pressão católica contra a criação do Instituto de Psicologia em 1932, por ser um lugar de uma “psicologia materialista” – quando a Igreja ainda postulava um entendimento baseado nas “faculdades da alma”, o que podemos entender como uma disputa entre dois regimes de verdade sobre a subjetividade humana.

Tendo ou não atuado pelo fechamento do primeiro curso de psicologia no país, vinte anos depois era outra a posição da Igreja. Nos anos de 1950, a liderança intelectual da Igreja passou a considerar, seguindo principalmente a orientação do Papa Pio XII (1876-1958) e a psicologia italiana em geral, o que se convencionou denominar neoescolástica, a possibilidade de uma psicologia que não se afastasse de seus pressupostos (Ferraz, 2014 Ferraz, D. P. A. (2014). Memórias e histórias do curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: uma contribuição para a historiografia da psicologia no Brasil. [Tese de Doutorado]. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/15118
https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/1...
).

Nesse sentido, em março de 1953 ocorreu a criação do primeiro curso de graduação em Psicologia no Brasil, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Além deste, outros três cursos foram criados em instituições católicas nessa década e no começo da seguinte: os da PUC-RS, em 1954, da Universidade Católica de Minas Gerais (hoje, PUC-MG) em 1959 e da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em 1962. Por contraste, o único curso criado no período em instituição pública foi o da Universidade de São Paulo (USP), em 1957. A criação de cada um desses cursos tem uma história específica, decorrente das dinâmicas internas das instituições que os propuseram, tendo em comum o momento histórico e o que vivia a psicologia no país.

A institucionalização

Assim, das condições para a constituição de um campo disciplinar citadas acima – associações, revistas, profissionais, docentes, estudantes –, essa última se concretizou nos anos de 1950, possibilitando que o presidente João Goulart assinasse a lei que regulamenta a profissão e os cursos de psicologia (Lei n. 4.119/ 1962 Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Câmara dos Deputados. https://tinyurl.com/58srpy48
https://tinyurl.com/58srpy48...
). Isso ocorreu em 27 de agosto de 1962, data que se torna nacionalmente o Dia da Psicóloga, denominação atual que visa reconhecer a maioria feminina na profissão.

Menos de dois anos depois ocorreu o golpe militar, e 21 anos de ditadura empresarial-militar (1964-1985), a qual teve diferentes fases. Interessa aqui destacar: a legislação que possibilitou a aposentadoria precoce de professores e o afastamento de estudantes ( Decreto-Lei n. 477 , 1969 Decreto-Lei n. 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares e dá outras providências. Presidência da República. https://tinyurl.com/32hawtty
https://tinyurl.com/32hawtty...
), muitos dos quais da psicologia; o ingresso de estudantes e profissionais da psicologia na luta armada, com a morte de muitos (Souza & Jacó-Vilela, 2017 Souza, J. A. M., & Jacó-Vilela, A. M. (2017). Luta armada na Psicologia: prática de classe contra o terrorismo de Estado. Psicologia: ciência e profissão, 37(spe.), 44-56. https://doi.org/10.1590/1982-3703030002017
https://doi.org/10.1590/1982-37030300020...
), dentre eles meu colega de turma na UFMG, Idalísio Aranha Filho (1947-1972), na Guerrilha do Araguaia; o engessamento dos cursos dentro dos limites do currículo mínimo, pela pequena ou quase inexistente possibilidade de debate e o pouco acesso ao conhecimento produzido no exterior.

É nesse contexto, todavia, que uma nova frente de atuação profissional se abre, consequência do desenvolvimentismo e do suporte à indústria automobilística no governo Kubitscheck (1955-1960), qual seja, a possibilidade de aquisição de outro meio de transporte, o automóvel. O Código Nacional de Trânsito (Lei n. 5.108/ 1966 Lei n. 5.108, de 21 de setembro de 1966. Institui o Código Nacional de Trânsito. Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L5108impressao.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Le...
) passou a exigir a aprovação em exame psicotécnico para obtenção da carteira de habilitação para a direção de veículos automotores, o que provavelmente decorreu do sucesso de Mira y López e de seu teste PMK, utilizado pelo ISOP na avaliação de motoristas. Isso gerou um grande mercado para os psicólogos e possibilitou a criação de clínicas dedicadas ao exame psicotécnico de motoristas em todo o país, sendo o PMK o principal teste utilizado.

Na década seguinte, uma grande conquista para a categoria: o que hoje se denomina Sistema Conselhos foi criado em 1971 (Lei n. 5.766/1971), entrando em vigor em 1974 (o que enseja a comemoração por seus 50 anos em 2024). A eleição do I Plenário foi atravessada pela investigação do Serviço Nacional de Informações sobre os possíveis candidatos (Souza, 2023Souza, J. A. M. (2023). O Serviço Nacional de Informações (SNI) e a criação do Conselho Federal de Psicologia (CFP): sua “hipoteca de apoio” e “disposição para colaborar” com a ditadura militar-empresarial. In A. M. Jacó-Vilela, F. Degani-Carneiro, A. A. Espírito Santo (Orgs.). Clio-Psyché Psicologia: saber moderno, saber nativo (pp. 255-281). CRV. ), gerando questionamentos sobre as alianças das primeiras diretorias com governos da ditadura empresarial-militar, história que somente agora veio à luz. Silva também relata essa aliança, e, embora explicite o apoio da diretoria à ditadura, entende que tal aliança poderia ser estendida à categoria profissional (Silva, 2005). Com atuação à época principalmente burocrática, deve-se reconhecer que, desde a virada do século, o Sistema Conselhos tornou-se importante ator social, congregando as psicólogas de forma orgânica e vinculada a uma proposição progressista.

Outros modos de atuação marcaram os anos de 1970, dentre eles o trabalho comunitário, que, hoje, podemos dizer que se desenvolveu em três frentes: a primeira e mais conhecida, em São Paulo, com Silvia Lane (1933-2006) e Padre Abib Andery (1930-2016), vinculado à Teologia da Libertação e ao projeto de Educação Popular de Paulo Freire; outra, de pesquisadores que se reuniram para criar um dos primeiros programas de pós-graduação no país, o Mestrado em Psicologia Comunitária, em João Pessoa, em um dos estados de maior atuação das Ligas Camponesas, em prol da reforma agrária e dos direitos da população do campo, apontando que a psicologia também poderia contribuir para a compreensão do homem do campo; finalmente, em Belo Horizonte, um terceiro grupo é proponente de importante reforma curricular e de vários projetos comunitários, a partir da psicossociologia francesa implementada por Célio Garcia (1930-2020).

Costuma-se dizer que toda essa mudança nos anos de 1970 mostrou a importância da psicologia social para uma nova face da psicologia. Mas não só esse subcampo se reformulou, também a clínica se interessou por novas técnicas e abordagens, principalmente no hospital geral, a partir de influência argentina, de Pichon-Rivière e de José Bleger. Na educação, com as obras de Maria Helena Souza Patto, desde seu livro Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar (Patto, 1984 Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. T. A. Queiroz. https://doi.org/10.11606/9786587596341
https://doi.org/10.11606/9786587596341...
), um novo olhar se dirigiu à atuação dos psicólogos no ambiente escolar, apontando os malefícios do uso abusivo de testes psicológicos e como as classes homogêneas reforçavam a exclusão das crianças pertencentes aos segmentos sociais tidos como inferiores – pobres, basicamente afrodescendentes e indígenas. A psicologia organizacional se firma em oposição a uma perspectiva exclusiva em seleção de pessoal e uso de testes psicológicos. Assim, vemos novos sujeitos, novos problemas e novas abordagens se firmando na academia, na prática profissional e nas associações.

A psicologia se constituiu, ao final e após a ditadura, de forma nova, adequada aos novos tempos. Entendendo a extrema desigualdade da sociedade brasileira, cabia ao psicólogo não mais ser um “agente da ordem”, mas um profissional atuante na promoção de direitos, visando a transformação da realidade social e, consequentemente, a melhora da saúde mental da população. Para tal fim, mudanças curriculares começaram a ser gestadas.

Tais transformações foram facilitadas por diferentes fatores: o fim da ditadura, o retorno de exilados, a abertura às novas tendências intelectuais estrangeiras, a existência de uma classe de psicólogas já formada, a atuação mais incisiva do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a proliferação de programas de pós-graduação. Do primeiro mestrado em psicologia, que havia sido criado em 1964, na Universidade de Brasília, e fechado por aposentadoria, demissão, e retorno de docentes que o criaram para suas instituições de origem em função da grande ofensiva da ditadura contra a UnB, hoje temos em torno de cem programas, a maioria com cursos de mestrado e doutorado. Se inicialmente situavam-se prioritariamente no Sudeste, hoje, apesar da maior concentração nessa região e no Sul do país, há diversos programas também nas outras regiões.

Com a redemocratização do país e a Constituição de 1988, foram criados conselhos nos quais, ao lado de representantes governamentais, encontram-se representantes da sociedade civil, imbricados na discussão de políticas públicas. A psicologia, por meio da atuação do CFP, está presente em mais de 60 desses conselhos, o que mostra sua penetração social. E aqui observamos que, tal como no início da profissionalização, nas décadas de 1940 e 1950, o principal mercado de trabalho para a psicologia são as instituições públicas, principalmente o Sistema Único de Saúde e, mais recentemente, o Sistema Único de Assistência Social.

Desde a virada do século, a psicologia é uma área de conhecimento e prática bem desenvolvidas, inserida na sociedade, a quem procura dar sua contribuição na resolução de necessidades sociais. Para essas se volta boa parte do currículo dos cerca de 400 cursos de graduação em psicologia no país. As práticas e produções científicas têm a seu dispor um número expressivo de revistas acadêmicas, e órgãos como a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e a Capes procuram monitorar a qualidade das publicações. O modelo médico, individualizante e privatista, que predominou nos anos de 1950-1980 com o modelo da clínica particular ainda tem certa prevalência, e se influencia na autoimagem e na imagem social da categoria.

Entretanto, desde finais do século XX, uma outra vertente vem construindo seu espaço na psicologia, de evangélicos fundamentalistas que consideram possível uma psicologia embasada na Bíblia. Embora o interesse evangélico na psicologia seja antigo (Degani-Carneiro, 2017 Degani-Carneiro, F. (2017). Investimentos evangélicos em Psicologia no Brasil: a psicologia no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil na segunda metade do século XX. [Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15178
http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15178...
), o caráter moralista de sua participação atual é preocupante, haja vista a movimentação contra a Resolução do CFP proibindo o psicólogo de realizar tratamento para reversão da homossexualidade (Resolução 001/99).

Mais recentemente, também, vemos o interesse teórico e profissional se desvincular do modelo de indivíduo citado no começo do texto, considerado isoladamente da sociedade e igual a todos os demais, para se valorizar a diferença. Isto começou nos anos de 1980/1990, quando ganharam espaço as primeiras discussões de gênero. Aos poucos, a temática da sexualidade e da racialidade vão se fazendo presentes, conclamando para uma nova psicologia que leve em conta os saberes dessas experiências.

Considerações finais

Este texto apresentou uma interpretação construída a partir de diversas pesquisas sobre o desenvolvimento da psicologia enquanto ciência e profissão no Brasil. Demos destaque às diferentes fases desse percurso, desde sua submissão a outros campos de conhecimento e atuação até sua autonomização e institucionalização.

Em qualquer uma dessas fases, observa-se que suas técnicas e teorias foram utilizadas em busca de atender necessidades sociais, seja das camadas dominantes ou para auxiliar na emancipação de subordinados. Compete às psicólogas de cada momento histórico ter consciência das consequências de sua opção profissional, assim como compete aos cursos de graduação se reformularem para atender relações e demandas emergentes.

Uma das funções da história é, por meio do conhecimento do passado, questionar certezas e desnaturalizar o universalismo e as condições (sociais, econômicas) de produção de saber. Pode, assim, inspirar o encontro de caminhos para um futuro mais equitativo e englobante de nossas compreensões sobre o humano.

Referências

  • Baptista, M. T. D. S. (2010). A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam o processo histórico. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(spe), 170-191. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500008
    » https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000500008
  • Bulcão, I. (2006). Investigando as políticas de assistência e proteção à infância: psicologia e ações do Estado. [Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15053
    » http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15053
  • Carvalho, C. A., & Jacó-Vilela, A. M. (2009). Psicologia do Esporte no Brasil em dois tempos: Uma história contada e uma história a ser contada [Trabalho apresentando]. XV Encontro Nacional da ABRAPSO, Maceió, AL, Brasil.
  • Centofanti, R. (1982). Radecki e a Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 3(1), 2-50. https://doi.org/10.1590/S1414-98931982000100001
    » https://doi.org/10.1590/S1414-98931982000100001
  • Conselho Federal de Psicologia. (2018). Olhares de Madre Cristina – Projeto Memória da Psicologia Brasileira. https://youtu.be/qQn56SJMVQQ?si=9ytLriaW1Mjeu_Qf
    » https://youtu.be/qQn56SJMVQQ?si=9ytLriaW1Mjeu_Qf
  • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2016). Povos indígenas e Psicologia: A procura do bem viver. https://tinyurl.com/bdftu4ku
    » https://tinyurl.com/bdftu4ku
  • Decreto-Lei n. 477, de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares e dá outras providências. Presidência da República. https://tinyurl.com/32hawtty
    » https://tinyurl.com/32hawtty
  • Degani-Carneiro, F. (2017). Investimentos evangélicos em Psicologia no Brasil: a psicologia no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil na segunda metade do século XX. [Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15178
    » http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/15178
  • Dumont, L. (1985). O individualismo: Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rocco.
  • Espírito Santo, A. A., & Jacó-Vilela, A. M. (2017). As invisibilidades da história: Athayde Ribeiro da Silva e a psicologia do esporte no Brasil. Memorandum: Memória e História em Psicologia, 31, 56-79. https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/6429
    » https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/6429
  • Ferraz, D. P. A. (2014). Memórias e histórias do curso de Psicologia da Faculdade Salesiana de Lorena/SP: uma contribuição para a historiografia da psicologia no Brasil. [Tese de Doutorado]. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/15118
    » https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/15118
  • Jacó-Vilela, A. M., Vasconcellos, M. A. G. N.T., Carmo, M. A. S., Conceição, A. A., Sousa, G., & Quintino, I. S. (2022). Psicologia na Psiquiatria: Testes psicológicos no Pavilhão de Observação do Hospício Nacional de Alienados (1907-1925). In A. T. A. Venâncio & A. T. Dias (Orgs.), O hospício da Praia Vermelha: Do império à República (pp. 355-378 ). Fiocruz. https://doi.org/10.7476/9786557081723
    » https://doi.org/10.7476/9786557081723
  • Jacó-Vilela, A. M., Messias, M. C. N., Degani-Carneiro, F., & Oliveira, C. F. B. (2017). Clínicas de orientação: cuidado infanto-juvenil e participação feminina na constituição do campo psi. Revista Psicologia e Saúde, 9(2), 91-105. http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v9i2.527
    » https://doi.org/10.20435/pssa.v9i2.527
  • Lei n. 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Câmara dos Deputados. https://tinyurl.com/58srpy48
    » https://tinyurl.com/58srpy48
  • Lei n. 5.108, de 21 de setembro de 1966. Institui o Código Nacional de Trânsito. Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L5108impressao.htm
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L5108impressao.htm
  • Lourenço Filho, M. B. (2004a). A Psicologia no Brasil. In Antunes M. A. M. (Org.), História da Psicologia no Brasil: primeiros ensaios (pp. 71-108). EdUERJ/CFP.
  • Lourenço Filho, M. B. (2004b). Introdução ao estudo da Escola Nova. EdUerj.
  • Massimi, M. (1990). História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. Epu.
  • Massimi, M. (2005). Palavras, almas e corpos no Brasil colonial. Loyola.
  • Massimi, M. (2008). Engenho e temperamentos nos catálogos e no pensamento da Companhia de Jesus nos séculos XVII e XVIII. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 11(4), 675-687. https://doi.org/10.1590/S1415-47142008000400014
    » https://doi.org/10.1590/S1415-47142008000400014
  • Massimi, M. (2009). Estudos sobre a contribuição da antiga Companhia de Jesus ao desenvolvimento dos saberes sobre o psiquismo humano no Brasil colonial. Clio – Série Revista de Pesquisa Histórica, 27(2), 163-191. https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24150/19591
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24150/19591
  • Murchison, C. (Ed.). (1932). The psychological register. Clark University Press.
  • Olinto, P. (2004) A Psicologia Experimental no Brasil. In Antunes M. A. M. (Org.), História da Psicologia no Brasil: primeiros ensaios (pp. 71-108). EdUERJ/CFP.
  • Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. T. A. Queiroz. https://doi.org/10.11606/9786587596341
    » https://doi.org/10.11606/9786587596341
  • Radecki, W. (1928). Tratado de Psicologia. Escola de Serviço Social do Exército.
  • Romero, S. (1926). Explicações indispensáveis. Prefácio a vários escritos de Tobias Barreto de Menezes. In Barreto, T. Obras Completas (Vol. X, p. 26). Pongetti. (Original publicado em 1900)
  • Rose, N. (2008). Psicologia como uma ciência social. Psicologia & Sociedade, 20(2), 155-164. https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200002
    » https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200002
  • Roxo, H. B. B. (1900). Duração dos atos psíquicos elementares nos alienados. [Tese de doutorado, Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ)].
  • Roxo, H. B. B. (1921). Manual de Psychiatria. Livraria Francisco Alves.
  • Roxo, H. B. B. (1946). Manual de Psiquiatria. Guanabara.
  • Saturnino, M. (1930). Psychometria de 100 soldados pelos tests de Binet. Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, 3(1), 12-17.
  • Souza, J. A. M., & Jacó-Vilela, A. M. (2017). Luta armada na Psicologia: prática de classe contra o terrorismo de Estado. Psicologia: ciência e profissão, 37(spe.), 44-56. https://doi.org/10.1590/1982-3703030002017
    » https://doi.org/10.1590/1982-3703030002017
  • Souza, J. A. M. (2023). O Serviço Nacional de Informações (SNI) e a criação do Conselho Federal de Psicologia (CFP): sua “hipoteca de apoio” e “disposição para colaborar” com a ditadura militar-empresarial. In A. M. Jacó-Vilela, F. Degani-Carneiro, A. A. Espírito Santo (Orgs.). Clio-Psyché Psicologia: saber moderno, saber nativo (pp. 255-281). CRV.
  • Vidal, F. (2006). A mais útil de todas as ciências: configurações da psicologia desde o Renascimento tardio até o fim do Iluminismo. In A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. Ferreira, F. T. Portugal (Orgs.). História da Psicologia: rumos e percursos (pp. 47–73). Nau.
  • 1
    Waclaw Radecki, psicólogo formado em Varsóvia, assistente de Claparède no Instituto Jean-Jacques Rousseau em Genebra, organizou e chefiou o Laboratório de Psicologia Experimental da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro de 1923 até 1933, quando o Instituto de Psicologia, recém-criado por projeto seu e onde iniciou um curso de formação de psicólogos profissionais em 1932, foi desativado pelo governo, possivelmente por pressão de grupos católicos e/ou médicos (Centofanti, 1982 Centofanti, R. (1982). Radecki e a Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão, 3(1), 2-50. https://doi.org/10.1590/S1414-98931982000100001
    https://doi.org/10.1590/S1414-9893198200...
    ), levando-o a se mudar para a Argentina.
  • 2
    O Serviço de Assistência ao Menor foi criado com alocação no Ministério da Justiça, enquanto o Departamento Nacional da Criança foi alocado no Ministério da Educação e Saúde, o que indica uma divisão entre dois tipos de abordagem à infância. Também é importante assinalar que o SAM, considerado uma “Escola do Crime”, foi fechado e substituído pela FUNABEM.
  • Como citar:

    Jacó-Vilela, A. M. (2024). A Psicologia no Brasil: Formação e Institucionalização. Psicologia: Ciência e Profissão, 44 (n.spe), 5-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287307
  • How to cite:

    Jacó-Vilela, A. M. (2024). Psychology in Brazil: Formation and Institutionalisation. Psicologia: Ciência e Profissão, 44 (n.spe), 5-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287307
  • Cómo citar:

    Jacó-Vilela, A. M. (2024). Psicología en Brasil: Formación e Institucionalización. Psicologia: Ciência e Profissão, 44 (n.spe), 5-14. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287307

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2024
  • Aceito
    05 Jun 2024
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br