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O Papel da Revista Diálogos no Processo de Formação Continuada e Inovação no Exercício da Psicologia no Brasil

The Diálogos Journal: its Role in the Process of Continuous Education and Innovation in the Practice of Psychology in Brazil

El Papel de la Revista Diálogos en el Proceso de Formación Continua e Innovación en el Ejercicio de la Psicología en Brasil

Resumo:

O sistema Conselhos de Psicologia cumpre a função institucional de fiscalizar e orientar o exercício da profissional de psicologia no Brasil. A função de orientação envolve necessariamente políticas e ações que disponibilizem para a categoria o acesso aos avanços do conhecimento científico e das formas de intervenção, compartilhando experiências exitosas que contribuam para o aprendizado coletivo. A revista Diálogos cumpre essa função ao se dirigir primordialmente para o público que atua na prestação de serviços à população nos mais diferentes contextos. Este artigo recupera a trajetória desse veículo de divulgação ao longo dos seus 19 anos de existência, destacando temáticas que foram objeto de discussão e análises nos seus diversos números. Os resultados revelam o quanto a revista tem sido um instrumento importante na construção de um modelo de atuação profissional ético, cientificamente embasado e socialmente comprometido, concretizando diretrizes políticas do sistema de conselho referendadas pela categoria nesse período.

Palavras-chave:
Exercício profissional; Conselho de Psicologia; Periódicos de Psicologia; Revista Diálogos

Abstract:

The Psychology Councils system fulfills the institutional function of supervising and guiding the professional practice of psychology in Brazil. Its guidance must involve policies and actions that offer the category access to advances in scientific knowledge and intervention methods, sharing successful experiences that contribute to collective learning. The Diálogos journal fulfills this role by primarily addressing the public involved in providing services to populations in various contexts. This study traces the trajectory of this dissemination vehicle over its 19 years of existence, highlighting topics that underwent discussion and analysis in its various issues. Results show the extent to which the journal has been an important tool in constructing an ethical, scientifically based, and socially committed professional performance model, materializing the political guidelines of the council system the category endorsed in the evaluated period.

Keywords:
Professional practice; Psychology Council; Psychology journals; Diálogos Journal

Resumen:

El sistema de Consejos de Psicología cumple la función institucional de fiscalizar y orientar el ejercicio profesional de la Psicología en Brasil. La función de orientación implica necesariamente políticas y acciones que proporcionen a la categoría el acceso a los avances del conocimiento científico y a las formas de intervención, compartiendo experiencias exitosas que contribuyan al aprendizaje colectivo. La Revista Diálogos cumple esta función y se dirige primordialmente al público que trabaja con la prestación de servicios a la población en los más diversos contextos. Este artículo recupera la trayectoria de este vehículo de divulgación a lo largo de sus 19 años de existencia, destacando temáticas que fueron objeto de discusión y análisis en sus diversos números. Los resultados revelan que la revista ha sido una herramienta importante en la construcción de un modelo de actuación profesional ético, científicamente fundamentado y socialmente comprometido, lo cual concretó directrices políticas del sistema de consejo refrendadas por la categoría en este período.

Palabras clave:
Ejercicio profesional; Consejo de Psicología; revistas de Psicología; Revista Diálogos

Introdução: as transformações da Psicologia e o papel do Sistema Conselhos na formação continuada

A sociedade contemporânea, tanto globalmente quanto no Brasil, passa por profundas transformações impulsionadas por avanços tecnológicos, mudanças econômicas, crescente diversidade cultural e desafios ambientais. No Brasil, esses fatores se manifestam, entre inúmeros outros aspectos, na digitalização acelerada, nas reformas econômicas e sociais, na luta pela igualdade e justiça social e na busca por sustentabilidade. A estreita articulação entre avanços científicos e tecnológicos está moldando novas compreensões e novas formas de ser, de estar, de conviver, de trabalhar e, como não poderia deixar de ser, de se atuar profissionalmente. Tais transformações trazem desafios e colocam demandas significativas para toda a sociedade. A digitalização pode aprofundar desigualdades, excluindo aqueles sem acesso adequado à tecnologia. As reformas econômicas, enquanto visam o crescimento, podem acentuar disparidades sociais e econômicas. A crescente diversidade cultural demanda uma abordagem sensível e inclusiva, mas também expõe tensões sociais e conflitos. As mudanças ambientais exigem respostas urgentes e coordenadas, mas enfrentam resistência política e econômica.

A tensão entre forças transformadoras e forças de manutenção de uma ordem social cujos problemas históricos exigem superação de problemas estruturais extremamente complexos, cria um contexto que exige dos campos profissionais ousadia de romper os limites dentro dos quais foram estabelecidos. Assim, a Psicologia tem o desafio de se reinventar para atender às novas demandas de modo a cumprir a sua missão e o seu papel social como agente crítico e de transformação social. A integração de novas tecnologias nas práticas psicológicas, a necessidade de abordar questões emergentes de saúde mental decorrentes das mudanças sociais e tecnológicas, e o fortalecimento da interdisciplinaridade são exemplos de como a profissão precisa e tem se transformado. No entanto, como sabemos, a pressão por inovação pode levar à superficialidade nas práticas e ao desvio ético, se não for cuidadosamente gerenciada. A ciência e a tecnologia não apenas oferecem ferramentas novas e poderosas, mas também desafiam os profissionais a repensar suas abordagens tradicionais, promovendo uma prática mais eficiente, acessível e inclusiva, enquanto se mantêm vigilantes às potenciais armadilhas e desigualdades exacerbadas por essas mesmas inovações.

Essas rápidas transformações na ciência, na tecnologia e na sociedade contemporânea, que têm gerado impactos significativos na prática profissional, exigem uma constante adaptação e atualização dos profissionais. Avanços tecnológicos como inteligência artificial e big data estão redefinindo tanto os métodos de pesquisa quanto as intervenções na Psicologia, demandando das psicólogas competências específicas para integrar essas tecnologias de maneira ética e eficaz em suas práticas. Além disso, mudanças sociais profundas, como novos modelos familiares, aumento da diversidade cultural e desafios de saúde mental associados ao uso intensivo de tecnologias digitais requerem que as psicólogas se mantenham atualizadas não apenas em termos de conhecimentos técnicos, mas também em competências interculturais, éticas e de gestão de novos problemas emergentes na sociedade contemporânea. Assim, a formação continuada não é apenas uma necessidade profissional, mas uma exigência ética e social para garantir que as psicólogas estejam preparadas para enfrentar os desafios complexos e dinâmicos de seu campo de atuação.

É consensual reconhecer, nos mais diferentes campos profissionais, a importância da educação/formação continuada ou permanente, termos mais utilizados especialmente no campo da formação de professores e de profissionais de saúde. A formação continuada deve ser encarada como um processo interativo e dinâmico, que contribui para o desenvolvimento de profissionais mais autônomos, reflexivos e comprometidos com seu trabalho, assegurando que os profissionais acompanhem as constantes transformações em seus campos de atuação, garantindo a qualidade de seus serviços. Trata-se de algo recomendado pelas principais associações internacionais da psicologia, como a Associação Psicológica Americana (APA) e Associação Canadiana de Psicologia (ACP). No caso da Psicologia brasileira, as próprias Diretrizes Nacionais para os cursos de Graduação em Psicologia (Brasil, 2023 Brasil. (2023). Resolução CNE/CES nº 1, de 11 de outubro de 2023. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=252621-rces001-23&category_slug=outubro-2023-pdf&Itemid=30192
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) fixam, no seu art. 2º, como um dos princípios, valores ou diretrizes o “Reconhecimento da necessidade de investimento na educação permanente e no aprimoramento contínuo da prática profissional” (inciso VII).

Na realidade, o aperfeiçoamento contínuo torna-se um imperativo ético para a Psicologia, como bem definido no Código de Ética profissional como um dos seus princípios fundamentais: “O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática” (CFP, 2005a Conselho Federal de Psicologia (2005a). Código de Ética Profissional do Psicólogo. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
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).

Bradley, Drapeau e DeStefano ( 2012 Bradley S., Drapeau M., & Destefano J. (2012). The relationship between continuing education and perceived competence, professional support, and professional value among clinical psychologists. Journal of Continuing Education in the Health Professions, 32(1), 31-38. https://doi.org/10.1002/chp.21120
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) afirmam que a garantia de uma prática segura e ética na Psicologia requer que as psicólogas continuem atualizando seus conhecimentos e habilidades ao longo da carreira profissional, com base nos avanços na teoria, na prática e na pesquisa científica. Tratando especificamente da Psicologia Escolar, Aquino, Bezerra, Souza e Gomes ( 2022 Aquino, F. de S. B., Bezerra, H. J. S., Souza, B. F. de, Gomes, E. D. S., & Gomes, R. A. (2022). Formação continuada de psicólogas escolares: ampliando ações promotoras de desenvolvimento humano. Revista Portuguesa de Educação, 35(2), 246-262. https://doi.org/10.21814/rpe.21870
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), apoiados em uma revisão dos estudos, concluem que estes apontam a “formação continuada como espaço propício à mediação do desenvolvimento psicológico por meio da conscientização e reconfiguração das práticas em Psicologia Escolar” (p. 248).

Oliveira e colaboradores ( 2022Oliveira, I. T., Abbad, G. S., Flake, T. A. (2022). A Formação Complementar. In Conselho Federal de Psicologia, Quem faz a Psicologia brasileira? Um olhar sobre o presente para construir o futuro: Formação e Inserção no mundo do trabalho (Vol. 1, 1a. ed., pp. 118-131). CFP. ), ao analisarem os resultados do Censo da Psicologia Brasileira sobre a formação complementar, destacam como esta cumpre o papel de suprir as deficiências da formação nos cursos de graduação, cuja amplitude, mesmo naqueles cursos de maior qualidade, não tem condições de ser abarcada em sua totalidade. A própria natureza generalista da formação no nível de graduação impõe aos egressos a necessidade de complementação de sua formação para atuar em contextos específicos e frente a domínios que requerem competências e habilidades próprios. A ampliação do escopo do exercício profissional da Psicologia no Brasil, fartamente documentado pelo Censo da Psicologia Brasileira (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2022 Conselho Federal de Psicologia. (2022). Seis Décadas da Psicologia como Profissão Regulamentada no Brasil. Diálogos, 18(13). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2022/11/revista-dialogos-60anos-1801.pdf
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) – ampliação de contextos de trabalho, diversificação de práticas, interfaces intensificadas com outros campos de conhecimento e de intervenção – necessariamente impõe aos profissionais, sobretudo recém formados, a necessidade de complementação da sua formação.

Gatti ( 2008 Gatti, B. A. (2008) Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, 13(37). https://doi.org/10.1590/S1413-24782008000100006
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) discute como o termo “educação continuada” se expandiu nos últimos tempos, deixando de representar apenas cursos formais realizados após a conclusão da graduação. Assim, a educação continuada pode ser compreendida de forma mais restrita e também de forma mais ampla, dependendo do contexto e dos objetivos educacionais. De maneira mais restrita, a educação continuada refere-se especificamente à atualização de conhecimentos e habilidades técnicas dentro de uma área profissional específica. Nesse sentido, inclui participação em cursos de curta duração, workshops, treinamentos específicos e outros eventos direcionados para a atualização de competências técnicas e práticas. Por outro lado, de forma mais ampla, a educação continuada engloba não apenas a atualização de competências técnicas, mas também o desenvolvimento de habilidades mais abrangentes necessárias para o êxito profissional, a exemplo de reflexão sobre questões éticas, sociais, culturais e políticas que impactam a prática profissional e o desenvolvimento pessoal. Portanto, enquanto a educação continuada em um sentido mais restrito se concentra na atualização técnica, em um sentido mais amplo ela abrange um espectro mais diversificado de aprendizado e desenvolvimento profissional e pessoal ao longo da carreira.

Como bem sintetiza Teixeira ( 2008Teixeira, J. A. C. (2008). Ética e qualidade na formação contínua de psicólogos. Análise Psicológica, 26(1), 161-164. ), a “formação contínua e especializada deve ser encorajada de forma diferenciada da formação académica, embora articulada com ela, com conteúdos centrados na optimização das competências profissionais, no desenvolvimento de novas competências, no desenvolvimento pessoal e social dos formandos e na melhoria da qualidade das intervenções profissionais relacionadas com diferentes contextos: sistema de saúde, sistema educativo, justiça, organizações e empresas, desporto e comunidade, entre outros” (p. 161). Essa formação assegura que os profissionais possam lidar com problemas emergentes, assim como ampliar a sua capacidade de reflexão crítica e ética diante da complexidade do exercício profissional. Nesse sentido, a educação continuada não se limita à aquisição de conhecimentos teóricos; ela é um processo dinâmico e integrado que capacita os psicólogos a responderem de maneira eficaz e responsável às demandas variadas e em constante mudança da prática psicológica.

O sistema Conselhos de Psicologia no Brasil tem desempenhado um importante papel no avanço e nas transformações do exercício profissional da Psicologia no país. Desde sua criação, tem sido um agente central na regulamentação, fiscalização e promoção do desenvolvimento da profissão, garantindo que a prática psicológica evolua de forma ética e cientificamente embasada. Sem sermos exaustivos, vale citar os esforços e ações que asseguraram ao longo do tempo, entre tantas outras coisas: a) a estreita articulação de uma atuação profissional embasada no estrito respeito aos direitos humanos fundamentais; b) o forte apoio teórico e técnico para a inserção da psicóloga nas políticas públicas, inicialmente no campo da saúde, depois na assistência social e mais recentemente na educação; c) o compromisso com a inclusão e o respeito a todo tipo de diversidade – de raça, gênero, orientação sexual, idade –, combatendo quaisquer práticas discriminatórias; d) o reconhecimento de práticas que incorporem novas tecnologias, tal como os atendimentos psicoterápicos online; e) o estímulos aos diálogos interdisciplinares e à atuação em equipes multiprofissionais; f) o estímulo à expansão do escopo da profissão, ampliando contextos e segmentos da população atendida.

Criado em 1973, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem a responsabilidade de orientar, supervisionar e fiscalizar o exercício da profissão em todo o território nacional, enquanto os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) atuam localmente, realizando registros, fiscalizações e oferecendo suporte técnico e ético diretamente aos profissionais. Embora a regulamentação e fiscalização sejam pilares fundamentais da atuação do sistema Conselhos, ele buscou historicamente cumprir um papel na formação continuada das(os) psicólogas(os). Por meio de nota técnicas, seminários, congressos e publicações, os conselhos buscam assegurar reflexões, troca de experiências e difusão de conhecimentos que possam impactar positivamente a qualidade científica e ética dos serviços prestados pelos profissionais. Essa formação continuada é fundamental não apenas para a atualização em um contexto em que o conhecimento científico avança exponencialmente, como também para incentivar que a própria prática profissional seja um dos fatores a contribuir para as mudanças e inovações na profissão.

Uma das principais estratégias adotadas pelo Conselho de Psicologia é a elaboração de diretrizes e recomendações atualizadas para práticas éticas e competências profissionais. As diretrizes do Conselho funcionam como um guia contínuo para os psicólogos, incentivando a reflexão crítica sobre suas práticas e estimulando a busca por atualizações e novos conhecimentos na área”. Essas diretrizes não apenas orientam o exercício da profissão, mas também promovem um padrão elevado de prática profissional e de pesquisa. Outra contribuição significativa do Conselho é facilitar o acesso dos psicólogos a periódicos científicos, publicações especializadas e eventos acadêmicos e profissionais, a exemplo do Portal de Periódicos de Psicologia (Pepsic), que desde o início dos anos 2000 disponibiliza o acesso eletrônico a importantes periódicos científicos nacionais e latino-americanos, com enorme impacto na própria comunidade científica. Como observado por Catani ( 2002Cattani, A. D. (org.). (2002). Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Verbetes: Formação Profissional e Teoria do Capital Humano (4a. ed.). Vozes. ), o conceito de qualificação profissional implica o envolvimento em um conjunto amplo de processos que asseguram ao indivíduo desenvolver conhecimentos teóricos, técnicos e operacionais relevantes para o aprimoramento do seu desempenho; a natureza processual da formação profissional, mostra que ela não pode ser compreendida como apenas a realização de cursos isolados e episódicos. Assim, o acesso continuado ao conhecimento científico se revela crucial para a manutenção da competência e para a atualização contínua dos psicólogos”. Essa disponibilidade de informações permite aos profissionais explorar novas abordagens teóricas e práticas, adaptando-se às exigências emergentes no campo da Psicologia.

Como sabemos, é central para a difusão de novas práticas entre os profissionais o papel das revistas científicas e da divulgação científica. Nesse sentido, trabalhos que contribuam para pensar e repensar teorias, métodos, procedimentos jogam um papel crítico no fomento a revisões de modelos de atuação profissional, mesmo quando não especificamente voltados para difusão de novas práticas ou críticas a práticas existentes. É essa a razão pela qual o Sistema Conselhos de Psicologia apoia e incentiva a produção e disseminação de conhecimento por meio de publicações acadêmicas e científicas, como é o caso da revista Psicologia, Ciência e Profissão e a revista Diálogos . Essas revistas são instrumentos essenciais para compartilhar pesquisas, estudos de caso e novas abordagens teóricas, contribuindo significativamente para o enriquecimento e atualização contínua dos profissionais. Segundo Yamamoto e Oliveira ( 2010Yamamoto, O. H., & Oliveira, I. R. (2010). A importância da divulgação científica em Psicologia. Revista Brasileira de Divulgação Científica, 3(1), 50-62. ), “a divulgação científica é fundamental para a evolução da Psicologia, pois permite a troca de conhecimentos e experiências entre os profissionais, além de aproximar a ciência psicológica do público em geral”.

Este trabalho, ao resgatar a história dos 50 anos do sistema Conselho de Psicologia, volta-se para analisar o papel desempenhado pela revista Diálogos nesse processo de qualificação científica, técnica e ética da categoria de trabalhadoras da Psicologia brasileira. Para tanto, após uma apresentação do projeto que estruturou e ainda estrutura a publicação desse periódico, resgatou-se o conteúdo de todas as edições da revista para oferecer uma visão panorâmica de como ao longo dos quase vinte anos de sua existência tem contribuído para importantes reflexões sobre o fazer Psicologia entre nós.

A proposta da revista Diálogos

A revista Diálogos , inicialmente denominada Psicologia, Ciência e Profissão Diálogos , teve a sua criação aprovada em dezembro de 2003, na Assembleia das Políticas Administrativas e Financeiras (Apaf). O periódico foi criado para possibilitar um amplo diálogo sobre as práticas da Psicologia, dando visibilidade para diferentes espaços de atuação, saberes plurais e diversos. Ela surge como um canal de comunicação com a categoria e debate sobre temas e referências pertinentes à Psicologia. Aposta em uma linguagem menos acadêmica, portanto mais leve, embora densa do ponto de vista da qualidade dos seus conteúdos.

Nesse sentido, a revista historicamente conta com uma diversidade de seções que possibilitam formatos discursivos diferentes: entrevistas, artigos, resenhas, reportagens, debates sobre filmes, entre outros. Trata-se de uma publicação que realiza divulgação científica, mas não tem o caráter de periódico científico. Cada edição aborda um tema que envolve o cotidiano profissional em suas mais diversas áreas, compartilha experiências, dilemas e perspectivas futuras.

Em seu projeto editorial, a revista Diálogos tenta abarcar toda a regionalidade brasileira ao propor reflexões sobre os temas e definir fontes para a produção de conteúdo. O trabalho é organizado por uma comissão editorial nacional integrada por pessoas convidadas pelo CFP e uma comissão editorial regional, que tem um representante de cada região do país indicado pelos conselhos regionais. A comissão editorial nacional é responsável pela definição da pauta, indicação inicial de fontes, leitura dos textos e avaliação do projeto gráfico. A comissão regional colabora com a indicação de fontes, contribuindo para uma maior representatividade da diversidade regional, étnico-racial e de gênero.

Historicamente, a Diálogos contou com uma diversidade de abordagens expressas em suas seções. Inicialmente a proposta editorial adotava a seguintes estrutura: a) Cartas e Repercussão – espaço destinado para comentários dos leitores a respeito da revista; b) Editorial – nota sobre a identidade da revista, tratando sobre o tema central da edição; c) Entrevista – entrevista geral que apresenta e contextualiza a temática abordada por aquela edição da revista na Psicologia; d) Caminhos e Contextos – apresenta uma abordagem histórica do tema, contextualizando no cenário social e político atual; e) Artigos – espaço para três ou quatro artigos, escritos por especialistas convidados, sobre recortes diversos a partir do tema da edição; f) Reportagens – espaço para duas reportagens que, ouvindo fontes diversas, abordam uma dimensão do tema tratado; g) Intersetorialidade – espaço destinado a discussões articuladas com outras áreas; h) Cara a cara – espaço que funciona como debate para o tema escolhido, com duas fontes que representam posições diferentes sobre ele; i) Palavra de usuário – espaço em que é trazida a perspectiva do usuário dos serviços de Psicologia sobre alguma dimensão do tema; j) Perfil – apresentação da trajetória de um profissional da Psicologia na área; k) Acontece na área – divulgação de congressos, seminários e eventos em geral; l) Curtas – pequenos textos sobre um tema vinculado à temática geral da revista, sempre a partir do depoimento ou relato de experiência de uma profissional da psicologia; m) Filme – resenha e debate de filmes relativos ao tema da revista, que retratam um olhar pela Psicologia; n) Resenha de livros – resenhas de livros publicados por autores especialistas na área do tema da edição da revista; o) Ilustração – produções artísticas com alguma relação com o tema.

Essa estrutura, que orienta a construção da pauta, organizando os temas a serem abordados, alocando-os nas seções da revista ao mesmo tempo em que estabelece uma identidade para ela, também contribui para orientar e organizar a leitura. Ao longo dos anos esse projeto editorial foi passando por pequenas atualizações em relação ao design, linguagem e conteúdos. Entre essas atualizações destaca-se a abordagem transversal de temas, como as relações étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual, laicidade, questões éticas no exercício profissional, tratados em intersecção com a temática de cada edição. A seção “Caminhos e contextos” passou a focar a dimensão de disputa, riscos e retrocessos em torno daquele tema no contexto atual.

Até 2024 foram publicados catorze números, conforme demonstra o Quadro 1 . Inicialmente a revista seria semestral, mas não foi mantida uma regularidade na periodicidade de publicação. Em 2005 e 2019 foram publicados dois números. Nos demais anos houve apenas uma publicação, à exceção de 2008, 2011, 2020 e do período de 2013 a 2018, em que não houve produção da revista.

Quadro 1
Lista de temas por ano e data de publicação

Um passeio pelo acervo da revista Diálogos

A primeira edição da revista Diálogos produzida pelo Conselho Federal de Psicologia foi publicada em 2004 com o objetivo de trazer para o debate o tema Psicoterapia (CFP, 2004 Conselho Federal de Psicologia. (2004). Psicoterapia. Diálogos, 1(1). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/5772___REVISTA_CIENCIA_E_PROFISSAO___DIALOGOS_N__01_ABRIL_2004.pdf
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). Esse tema, considerado relevante para a qualificação das psicólogas em atividade, era fortemente associado à identidade profissional. A psicoterapia tem sido alvo de debate ao longo dos anos em diversos países, inclusive no Brasil. Esse diálogo geralmente gira em torno de quais profissionais podem exercer a psicoterapia, mas apresenta diversos atravessamentos, pois recebe influência de diversas áreas de conhecimento em sua origem, dificultando a definição para uma área específica de atuação profissional.

Na primeira edição da revista Diálogos o foco da discussão era que a prioridade deveria ser a garantia de um atendimento especializado e de qualidade para a população, disponibilizando esses atendimentos em diversas instituições sociais, como hospitais, consultórios ou postos de saúde. Nesse sentido, temáticas como a eficácia da psicoterapia, a imagem pública dos psicólogos, psicoterapeutas e psiquiatras, a avaliação da qualidade das terapias, ganharam espaço na revista. Foram apontados espaços de atuação inovadores, como a atenção aos cuidadores de pessoas com Alzheimer, a psicanálise na assistência às pessoas com câncer de mama, o atendimento de pessoas com esquizofrenia e seus familiares, a clínica psicanalítica no ambulatório público, e aplicações da psicoterapia. Um mapeamento das práticas em psicoterapia dos profissionais de psicologia trouxe elementos para compreensão dos cenários de práticas e direcionamentos da atuação. Críticas ao eletrochoque trazem argumentos para uma visão mais contextualizada das políticas de saúde articulada a uma perspectiva de promoção de cidadania.

Em 2005 são publicados dois números da revista. O primeiro debate a temática “Direitos Humanos: subjetividade e inclusão”. Essa edição propõe uma desconstrução dos direitos humanos tradicionais, trazendo à luz debates sobre a subjetividade, rompendo com preconceitos e autoritarismo, apontando avanços da psicologia no campo científico, social e político (CFP, 2005b Conselho Federal de Psicologia. (2005b). Os dilemas da avaliação psicológica. Diálogos, 2(3). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/03/revista_dialogos03.pdf
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). Defende-se que a prática profissional alcance todos os públicos que tenham interesse na Psicologia e em suas diversas possibilidades.

A trajetória da Psicologia no Brasil é analisada pelo psicólogo Marcus Vinícius, que situa os direitos humanos como referência ética para a profissão. A importância dos direitos humanos na Psicologia foi se consolidando a partir de reflexões sobre sofrimento mental, a crítica aos laudos técnicos e perícias, reflexão da prática do psicólogo no sistema penitenciário e saúde mental. Cecília Coimbra e Roseana Cavalcanti da Cunha contribuem com visões críticas sobre a atuação do psicólogo na área dos direitos humanos. Experiências como o “Pai PJ – os loucos que fazem a diferença”, realizadas em Minas Gerais, são apresentadas dando visibilidades a práticas que demonstram compromisso ético com as pessoas atendidas. Os trabalhos das Comissões dos Conselho Regionais de Psicologia em todo o país ajudam a construir um mapa da atuação nos direitos humanos numa perspectiva ampla de justiça, igualdade e dignidade.

Ainda em 2005 é publicado o número três, com a temática “Os Dilemas da Avaliação Psicológica”, discutidos a partir de uma análise do processo de desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência, da sua trajetória e possibilidades futuras (CFP, 2005c Conselho Federal de Psicologia. (2005c). Direitos Humanos. Diálogos, 2(2). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2021/03/dialogos-ano2.pdf
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). São debatidos a avaliação como uma prática privativa da psicóloga e a regulamentação do uso de testes psicológicos como questões centrais de interesse desse campo. Além disso, são abordadas as diversas expectativas em torno da avaliação psicológica, às vezes contraditórias, complementares ou diferentes, em especial a controversa expectativa de predição do comportamento social.

“A sociedade não aceita mais qualquer coisa” é o título da entrevista com Luiz Pasquali, que abre a revista e faz um chamado à qualificação da avaliação psicológica no país (CFP, 2005c Conselho Federal de Psicologia. (2005c). Direitos Humanos. Diálogos, 2(2). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2021/03/dialogos-ano2.pdf
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). Outro aspecto que marcou a discussão sobre avaliação psicológica naquele momento foi a consideração de que essa área não se reduz à aplicação de teste. A análise dos limites das avaliações psicológicas marcou a reinvindicação de compreensão mais ampliada sobre as finalidades, estratégias e recursos e contribuição da avaliação. Chamou-se atenção para o fato de que expectativas sociais e controvérsias sobre a avaliação psicológica estavam expressas em projetos de lei que o congresso nacional no centro de tomada de decisões sobre a profissão.

Ricardo Primi e Maria Clotilde Rosseti-Ferreira protagonizam um debate intitulado “Desmistificando bolas de cristal”, apontando as várias facetas da avaliação nas diferentes áreas da Psicologia, como os testes são usados e as opiniões de especialistas de áreas diferentes. Outras temáticas abordadas acenam para preocupações mais comuns naquela conjuntura, como a avaliação mediada pela tecnologia, a defesa dos testes produzidos no Brasil, a denúncia do racismo científico na discussão sobre a suposta neutralidade e o necessário questionamento dos estereótipos, a banalização dos diagnósticos, prevenção dos riscos de identificação precoce, as ameaças da falsificação dos testes, análise dos “talentos que rompem o imaginário”, a crítica às medições da inteligência e predições sem sustentação científica são abordados na revista, sem esquecer as preocupações éticas.

Os desafios teórico-práticos e as conquistas no cuidado com as pessoas são tratados no quarto número, “Saúde e Psicologia”, numa interface com a reforma sanitária no país, que ampliou o conceito de saúde ao mesmo tempo em que abriu espaço para a inserção de profissionais de Psicologia na saúde pública (CFP, 2006 Conselho Federal de Psicologia. (2006). Saúde e Psicologia. Diálogos, 3(4). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/5773___REVISTA_CIENCIA_E_PROFISSAO___DIALOGOS_N__04_DEZEMBRO_2006.pdf
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). Na entrevista de abertura, Sônia Fleury defende que a Psicologia deve ir muito além do consultório e que os profissionais não deveriam se limitar ao atendimento nas clínicas, mas deveriam se envolver em programas dirigidos à saúde coletiva. Foram apontados diversos contextos em que é possível atuar, e foram relatadas experiências de promoção de cidadania com arte, assistência a bebês prematuros e suas famílias no projeto Mãe-canguru, e o programa premiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) denominado Paternidade precoce, que oferecia atendimento a jovens pais.

Temas como atuação em UTI, redução de danos, saúde do trabalhador e cuidados paliativos apresentam uma perspectiva de assistência psicológica no contexto hospitalar que demonstram a importância da compreensão da subjetividade no processo saúde-doença. O papel fundamental das psicólogas na luta antimanicomial e no resgate dos direitos humanos dos pacientes psiquiátricos é debatido no contexto de afirmação de um lugar político na saúde pública.

A quinta edição traz a temática “Psicologia Organizacional e do Trabalho: sua evolução, os desafios e os novos rumos” (CFP, 2007 Conselho Federal de Psicologia. (2007). Psicologia Organizacional e do Trabalho: sua evolução, os desafios e os novos rumos. Diálogos, 4(5). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2011/01/RevistaDilogoN.5.pdf
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). A edição contextualiza brevemente a história da Psicologia Organizacional e propõe um novo panorama no mundo do trabalho e das organizações. Chama-se atenção dos profissionais de Psicologia para a necessidade de uma análise crítica e contextualizada das condições de trabalho que geram adoecimento, como a falta de autonomia, a cobrança de resultados e extremo desgaste físico e mental. Os caminhos para a inclusão das pessoas com deficiência no ambiente organizacional, o crescimento dos casos de assédio moral em um cenário econômico que tem degradado as relações interpessoais, a orientação sobre o equilíbrio entre as horas dedicadas à vida pessoal, ao lazer e ao trabalho com parte da tarefa do especialista nas corporações, as transformações nos departamentos de Recursos Humanos das companhias e as novas exigências de perfil profissional, combate ao sentimento de culpa daqueles que perderam o emprego, a economia solidária como espaço para novas formas de produção e relação no trabalho e campo de atuação para o psicólogo são algumas temáticas se destacam. É apresentada, ainda, uma pesquisa sobre a vida dos controladores de voo e discutida a importância dos programas de preparo para aposentadoria.

A sexta edição expressa a forma como foi pautada a discussão sobre álcool e outras drogas (CFP, 2009 Conselho Federal de Psicologia. (2009). Álcool e outras drogas. Diálogos, 6(6). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/03/revista_dialogos06.pdf
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). A tolerância assistida é proposta como uma ferramenta na redução de danos, que considera o usuário do serviço de saúde como um indivíduo um sujeito de direito que deve ter sua autonomia respeitada. Essa edição apresenta também a necessidade da promoção da humanização na relação usuário-tratamento como uma proposta segura e mais coerente com uma prática profissional garantidora de direitos humanos. A discussão sobre o uso abusivo de álcool e outras drogas esteve presente na mídia ao longo de todo o segundo semestre de 2009, com uma ampla cobertura jornalística sobre os perigos do crack, cujo uso foi apontado como crescente em todas as regiões do país. No âmbito dos Conselhos de Psicologia foi defendida a necessidade de implementação de uma política de redução de danos no Brasil. Uma reportagem sobre as drogas na história da humanidade é pano de fundo para a reflexão sobre o engajamento em prol da redução de danos, problematiza-se os “tratamentos” como possíveis espaços de violação de direitos, analisa-se os impactos da nova Lei de Drogas brasileira (Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006) e sua articulação com uma política proibicionista e a atuação das polícias no que se chamou de estratégias de “guerras às drogas”. São discutidas as contribuições da Psicologia para a assistência em saúde a partir dos pontos de vista de especialistas e de relatos de experiência de redução de danos. Os desafios da assistência oferecida na rede substitutiva de cuidados em saúde mental às pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas e os aprendizados a partir das estratégias construídas pelas comunidades no enfrentamento da relação com as drogas e com o tráfico são um ponto forte no posicionamento dos Conselhos de Psicologia.

A Política de Assistência Social ganha destaque em 2010 (CFP, 2010 Conselho Federal de Psicologia. (2010). Política de Assistência social. Diálogos, 7(7). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/03/OK_-_Dixlogos_ed_7_FINAL_-_BAIXA.pdf
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). A Diálogos procura fornecer subsídios que alimentem o debate do tema dentro da Psicologia. A ação conjunta de psicólogos e assistentes sociais é apresentada como essencial para a garantia da emancipação e do protagonismo social da população, associando-se a direitos sociais e à construção da cidadania. Questões centrais para a contextualização da política pública de assistência social são apresentadas ao se debater o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), dentre elas o grau de proteção oferecido por ele. Questiona-se se o modelo focalizado e residual garante a assistência social como um direito, em contraposição ao princípio da universalidade, às ambiguidades e contradições do discurso sobre a centralidade da família e sua relação com modelos de cuidado e proteção de crianças e adolescentes, o desafio da articulação intersetorial e o controle social no SUAS. A atuação dos psicólogos nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), as contribuições dos psicólogos e dos assistentes sociais para a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o protagonismo dos usuários dos serviços do SUAS são debatidas a partir de experiências de atuação profissional.

A oitava revista contextualiza temáticas de interesse da Psicologia Jurídica que estavam em debate no Congresso Nacional, como o depoimento sem dano e a alienação parental, e envolviam definição de atribuições profissionais (CFP, 2012 Conselho Federal de Psicologia. (2012). Psicologia Jurídica. Diálogos, 9(8). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/10/Dialogos8_23outubro.pdf
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), um campo com muitas tensões e complexidades diante das políticas prevalentes nas instituições do sistema de Justiça e segurança pública. O exame criminológico, a atuação nos processos de adoção e as violações de direitos nos manicômios judiciários são alguns dos temas discutidos na interface entre Psicologia e o campo jurídico. As avaliações psicológicas que subsidiam decisões são especial foco de debate, realizado com a finalidade de qualificar a atuação das psicólogas e dos psicólogos no campo jurídico.

O ano de 2018 marcou o retorno da revista Diálogos , que voltou a ser produzida após seis anos. O tema da Psicologia do Esporte foi escolhido pelo CFP por entender a importância desse campo de atuação para a Psicologia e para a sociedade (CFP, 2018 Conselho Federal de Psicologia. (2018). Psicologia do Esporte: o corpo em movimento. Diálogos, 14(9). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/01/CFP_RevistaDialogos_Ano14_n9_dez2018.pdf
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). A publicação aborda o que é a Psicologia do Esporte, quais práticas profissionais são desenvolvidas nessa área de atuação, quais são os contextos de atuação de um psicólogo do esporte, qual é a função e o papel da Psicologia do Esporte, que campos teóricos da Psicologia contribuem para a Psicologia do Esporte, quais são os usos da avaliação psicológica no contexto esportivo, e que desafios éticos e técnicos são enfrentados nesse campo. Reafirmou-se, ainda, a importância de aproximar as instituições, organizações e associações que trabalham com a temática, para que possam, juntas, ampliar a visão das áreas de atuação do psicólogo do esporte. Algumas questões abordadas ao longo dos artigos e reportagens nessa edição fazem parte do esforço para tentar responder aos variados questionamentos sobre os contextos de atuação, os campos teóricos da Psicologia que contribuem para a Psicologia do Esporte, e os desafios éticos e técnicos que são enfrentados nesse campo. Racismo, sexualidade e gênero são discutidos a partir de entrevistas e relatos de experiência, apontando possibilidades de atuação nessas problemáticas a partir de uma psicologia social do esporte. A área apresenta uma defesa do esporte como política pública e como direito, que deve ser acessado por pessoas de todas as idades e em diversos espaços comunitários.

A décima edição é intitulada “Avaliação Psicológica: área em expansão”, e foi publicada em maio de 2019 (CFP, 2019a Conselho Federal de Psicologia. (2019a). Avaliação Psicológica: área em expansão. Diálogos, 15(10). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Dialogos-Ed10_Web.pdf
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). Esse número da revista abordou a Avaliação Psicológica como campo teórico e prático, que exige conhecimentos e competências técnicas específicas e que passou por muitas mudanças nos últimos anos. Com artigos, reportagens e entrevistas, a edição traçou um perfil da área, registrou o processo histórico de organização desse campo de trabalho e apontou reflexões importantes sobre a realização da avaliação psicológica em diferentes contextos e com diferentes grupos sociais. A publicação contou também com um encarte especial sobre avaliação psicológica compulsória. Novos temas, como a atuação em situação de emergências e desastres, a avaliação psicológica mediada pela internet, avaliações em casos de cirurgia bariátrica e temáticas que necessitam de aprofundamento, como atuação com pessoas indígenas e estrangeiros. As novas legislações foram apresentadas e temas clássicos foram rediscutidos à luz de novos estudos e regulamentações, como os processos de avaliação para fins de obtenção de porte arma, as avaliações compulsórias e atuação com a aviação civil.

A revista ajuda a pensar sobre quais conhecimentos e competências são fundamentais para uma atuação qualificada. Em relação aos diferentes grupos e suas demandas, alguns especialistas compartilham experiências e aprendizados sobre a avaliação psicológica de pessoas com deficiência, a pouca disponibilidade de instrumentos adequados e possíveis de serem utilizados, a necessidade de investimento em recursos de acessibilidade e comunicação, como é o caso da necessária fluência em Língua Brasileira de Sinais (Libras) para o trabalho com pessoas surdas.

A Diálogos resgata a história do Sistema de Avaliação de Testes Picológicos (Satepsi), um instrumento de qualificação da prática da avaliação psicológica, retomando a reflexão sobre o que levou à sua criação e identificando quais foram as contribuições produzidas em quase duas décadas de funcionamento. Reconhece-se que o Satepsi contribuiu para a qualificação dos testes psicológicos com o estabelecimento de critérios de avaliação e criando dinâmicas de análise que contribuem para aprimoramento constante. Essa intervenção do Sistema Conselhos foi se construindo ao longo do tempo com base na ideia de que a complexidade da avaliação psicológica precisava ser contemplada.

A importância da educação como processo social, política pública e contexto de exercício profissional da psicóloga é abordada na décima primeira edição (CFP, 2019b Conselho Federal de Psicologia. (2019b). Psicologia e Educação. Diálogos, 15(11). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/BR84_CFP-Dialogos-Ed11_WEB.pdf
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). Profissionais de todas as regiões do país compartilharam suas opiniões e conhecimentos desenhando um panorama da área da educação e suas inter-relações com a Psicologia. A revista faz um breve registro da história da psicologia escolar/educacional no Brasil, apresentada em termos de caracterização da área, percurso histórico, desafios e perspectivas futuras. A consolidação da psicologia escolar/educacional pode ser constatada na história da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee), na realização frequente de congressos científicos, no número de dissertações e teses, na existência de grupos de pesquisa na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp) e na consistente produção de conhecimento divulgada em artigos e livros.

Compreendendo que a atuação no âmbito educacional e escolar ocorre em um contexto sociocultural específico, reflete-se sobre os impactos da conjuntura social e política e a série de ataques realizados por meio de cortes de recursos públicos destinados à educação básica e ao ensino superior, perseguição a profissionais da educação e cerceamento do livre exercício de cátedra. Por que a educação tem sido alvo desses ataques? O que a educação representa? A busca por respostas passa pela problematização da relação entre desigualdade e educação, dos impactos da militarização das escolas públicas, do homeschooling e suas consequências para o processo de desenvolvimento de crianças e adolescentes, das violências e preconceitos na escola e dos processos de medicalização da educação e da sociedade.

Essas reflexões apontam a potência da educação como espaço de promoção de desenvolvimentos e aprendizagens, o que a faz alvo preferencial desses ataques. São apresentadas experiências de profissionais que atuam no contexto escolar e não escolar em diversas regiões do país, e que podem contribuir para a construção de uma escola-mundo onde caibam todos os mundos. Destacam-se as políticas afirmativas e ações de promoção do acesso e permanência de estudantes LGBT, negros e pessoas com deficiência como estratégia de promoção do direito à educação de todas(os).

A situação de emergência e calamidade sanitária trazida pela pandemia de covid-19 apresentou sérios desafios para a população brasileira e convocou a Psicologia – como ciência e profissão – a ocupar o seu espaço, a pensar e repensar formas de atuação, novas ou consolidadas. Nesse contexto, a décima segunda edição trouxe o tema “A prática psicológica na pandemia: de norte a sul histórias de profissionais que precisaram encontrar alternativas em meio à crise” (CFP, 2021 Conselho Federal de Psicologia. (2021). A Prática Psicológica na Pandemia: de norte a sul histórias de profissionais que precisaram encontrar alternativas em meio à crise. Diálogos, 17(12). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2021/06/Revista_Dialogos_n12_A_Pratica_psicologica_na_pandemia-pagina_simples.pdf
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). Os textos se debruçaram sobre a pandemia e seus impactos na vida e na profissão.

Os 60 anos de regulamentação da Psicologia como profissão no Brasil foi tema da décima terceira edição da Diálogos (CFP, 2022 Conselho Federal de Psicologia. (2022). Seis Décadas da Psicologia como Profissão Regulamentada no Brasil. Diálogos, 18(13). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2022/11/revista-dialogos-60anos-1801.pdf
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). A edição traçou um panorama histórico da profissão com disputas ideológicas no campo e um apanhado geral do percurso da atuação profissional. São apontadas questões e práticas do presente, considerando a atuação de profissionais de diversas origens e lugares de fala. Apresenta-se uma síntese dos dados produzidos no Censo da Psicologia, além dos desafios da formação e da pós-graduação. Conselhos Regionais e entidades que compõem o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB) também contribuem com rápidas análises sobre o passado e o futuro da profissão.

O número 14 abordou o aniversário de 50 anos do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2023 Conselho Federal de Psicologia. (2023). Conselho Federal de Psicologia: cinco décadas de transformação e protagonismo da profissão. Diálogos, 19(14). https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/12/web_completa_revistadialogos_50anoscfp-2.pdf
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). Nessa edição a história da autarquia, seus personagens, pioneirismo e contribuições à sociedade são apresentados em matérias que destacam os caminhos da incidência do CFP na condução e transformação da Psicologia como ciência e profissão. Diversas reportagens abordam o protagonismo da Psicologia diante dos desafios enfrentados pela sociedade brasileira ao longo dos últimos cinquenta anos.

As diferentes edições da Diálogos expressam o progressivo reconhecimento e acolhimento das diversidades no âmbito do sistema Conselhos, seja nos temas, nas fontes, ou nas interseções que orientam as análises dos diferentes textos que compõem a revista.

Em 2023, o CFP publicou a Portaria n. 120, que define diretrizes para revista Diálogos , que antes não dispunha de um instrumento normativo que atribuísse diretrizes políticas e operacionais às suas edições. As diretrizes orientam as diversas etapas de elaboração da publicação, incluindo o formato de participação dos CRPs, de modo que o periódico contemple a diversidade de perspectivas e olhares de profissionais em todo o país. A primeira edição elaborada sob essas diretrizes foi alusiva aos 50 anos do Conselho Federal de Psicologia, celebrados em 2023. O periódico tem como objetivo oferecer à categoria um espaço de debates sobre o cotidiano profissional.

Dentre os avanços promovidos na sua institucionalização e aprimoramento está a alteração na composição da sua comissão editorial, que passou a ser constituída por um representante de cada uma das cinco regiões geográficas do país e com uma definição objetiva das atribuições. A comissão nacional mais robusta e representativa possibilita o aprimoramento dos processos de elaboração de pauta e das fontes consultadas, otimizando a indicação/escolha de fontes, as entrevistas e a coleta de informações. Outro importante avanço foi a contratação de empresa para a produção do periódico ao longo dos três anos da atual gestão. Além de otimizar os tempos administrativos de composição de equipes, a contratação buscou fortalecer o aperfeiçoamento das equipes e conferir mais qualidade e padronização à Diálogos .

Considerações finais

A revista Diálogos se insere em uma política institucionalizada pelo sistema Conselhos de Psicologia, que concretiza o seu papel no campo da orientação para o exercício profissional. Aqui, orientação deve ser compreendida de forma ampla como um sinônimo para o processo de formação continuada, tão necessária quando se consideram as mudanças no mundo do trabalho, as mudanças no campo científico e as demandas que emergem de uma profissão que se torna cada vez mais inserida nos diversos espaços da vida social. A publicação de dois periódicos, um mais voltado para a comunidade científica e acadêmica e outro para a comunidade profissional, sem que haja essa estrita segmentação, cumpre o objetivo de disponibilizar conhecimentos e avanços teóricos, assim como novas formas de trabalho e reflexões sobre a realidade em que nos inserimos profissionalmente, permitindo o compartilhamento de experiências que podem impulsionar mudanças e inovações no exercício da Psicologia.

O resgate dos diversos números da revista Diálogos nos revelou o quanto esse dispositivo esteve a serviço da difusão de um modelo de atuação profissional ético e socialmente responsável. Adentrando em várias áreas, subáreas, temáticas e questões de interesse da Psicologia, acumulou-se um conjunto amplo de reflexões sobre práticas que moldam esse complexo mosaico diverso que é a Psicologia como ciência e profissão. O exame do material nos revela, adicionalmente, como esse periódico esteve a serviço das grandes linhas de atuação do sistema Conselho no sentido de construir uma identidade social da profissão que a afastasse daquela visão limitada, tecnicista e elitista que marcou os seus primórdios. Nesse sentido, podemos concluir que o acesso de todos os profissionais a esse periódico é um poderoso instrumento para fomentar um exercício profissional ético e cientificamente embasado.

Deve ser registrado, no entanto, que ao longo da sua história a revista Diálogos não ficou imune a mudanças e a condições institucionais que marcaram as diferentes gestões do Conselho Federal de Psicologia, o que se manifesta sobretudo na irregular periodicidade, que culminou no período de seis anos em que ficou sem ser publicada. Faltava, como vimos, uma institucionalização que assegurasse a sua publicação, independente de gestões, que se alternam a cada três anos no sistema Conselho. A portaria que institucionaliza a publicação é um passo importante no sentido de corrigir os problemas enfrentados ao longo da sua existência, fazendo com que a Diálogos possa cumprir, de forma ainda mais efetiva, o seu potencial disseminador de novos modelos de atuação profissional para a(o) psicóloga(o) brasileira(o).

Referências

  • Como citar:

    Silva, I. R., Bastos, A. V. B., & Silva, C. R. da. (2024). O Papel da Revista Diálogos no Processo de Formação Continuada e Inovação no Exercício da Psicologia no Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 (n.spe) , -166. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287562
  • How to cite:

    Silva, I. R., Bastos, A. V. B., & Silva, C. R. da. (2024). The Diálogos Journal: its Role in the Process of Continuous Education and Innovation in the Practice of Psychology in Brazil. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 (n.spe) , -166. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287562
  • Cómo citar:

    Silva, I. R., Bastos, A. V. B., & Silva, C. R. da. (2024). El Papel de la Revista Diálogos en el Proceso de Formación Continua e Innovación en el Ejercicio de la Psicología en Brasil. Psicologia: Ciência e Profissão , 44 (n.spe) , -166. https://doi.org/10.1590/1982-3703003287562

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2024
  • Aceito
    14 Jun 2024
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