Open-access Comunicação afetiva nos cuidados parentais

Affective communication in parental care

Comunicación afectiva en los cuidados parentales

Resumos

A afetividade e a emoção são consideradas dimensões essenciais dos cuidados parentais, com reflexos no desenvolvimento infantil através das práticas adotadas no cotidiano, das crenças parentais e das expectativas que norteiam a forma de se criar e educar a criança. Evidências acumuladas nas últimas décadas têm ressaltado o papel das trocas afetivas entre pais e filhos no desenvolvimento saudável destes, e pretendeu-se nesse trabalho agregar novos resultados obtidos com amostras brasileiras. Foram realizados dois estudos, um com mães de bebês de até um ano, e um segundo, longitudinal, com crianças de cinco e vinte meses. Ambos realizaram-se na cidade do Rio de Janeiro. Em conjunto, essas investigações sinalizam a importância de serem consideradas crenças e práticas parentais relacionadas à expressão emocional e à comunicação afetiva na compreensão de processos de desenvolvimento. Discute-se ainda a necessidade de serem contempladas as variações culturais envolvidas.

Afeto; relações interpessoais; comunicação não verbal


Together, these investigations point to the importance of considering parental beliefs and practices related to emotional expression and emotional communication in understanding of development processes. Discusses the need for cultural variations are contemplated involved. Affection and emotion are considered crucial dimensions of parental care with consequences on child development through everyday practices, parental beliefs, and expectations that guide the way to raise and to educate children. Evidence accumulated in recent decades has highlighted the role of emotional exchanges between parent and their children for a healthy development. It was intended in this work add new results obtained with Brazilian participants. Two studies were performed, one with mothers of infants up to one year , and another, a longitudinal one, with children of five and twenty months-old. Both were conducted in the city of Rio de Janeiro. Together, these investigations indicate the importance of being considered parental beliefs and practices related to emotional expressions and affective communication in understanding of development processes. It´s also discussed the need to consider cultural variations involved.

Affect; interpersonal relations; nonverbal communication


La afectividad y la emoción son consideradas dimensiones esenciales de los cuidados parentales, con reflejos en el desarrollo infantil a través de prácticas, de creencias parentales y de las expectativas que nortean las maneras de crianza y educación de los niños. Evidencias de las últimas décadas resaltan el rol de los intercambios afectivos entre padres e hijos en el desarrollo sano de estos y, con esta investigación, se ha pretendido sumar resultados obtenidos con muestras brasileñas. Han sido realizados dos estudios, uno con madres de bebés hasta un año y, un segundo con niños de cinco a veinte meses. Ambos realizados en la ciudad de Rio de Janeiro. Esas investigaciones señalan la importancia de ser consideradas las creencias y prácticas parentales relacionadas a la expresión emocional y comunicación afectiva en la comprensión de los procesos de desarrollo. Se discute la necesidad de contemplarse las variantes culturales.

Afecto; relaciones interpersonales; comunicación no verbal


ARTIGOS

Comunicação afetiva nos cuidados parentais1

Affective communication in parental care

Comunicación afectiva en los cuidados parentales

Deise Maria L. Fernandes MendesI; Luciana Fontes PessôaII

IDoutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com pós-doutorado em Psicologia do Desenvolvimento também pela UERJ. Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

IIDoutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com pós-doutorado em Psicologia do Desenvolvimento também pela UERJ. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Deise Fernandes Mendes. Rua Edwaldo de Vasconcellos 20 apto 302 - Recreio dos Bandeirantes, CEP 22795-385, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: deisefmendes@gmail.com

RESUMO

A afetividade e a emoção são consideradas dimensões essenciais dos cuidados parentais, com reflexos no desenvolvimento infantil através das práticas adotadas no cotidiano, das crenças parentais e das expectativas que norteiam a forma de se criar e educar a criança. Evidências acumuladas nas últimas décadas têm ressaltado o papel das trocas afetivas entre pais e filhos no desenvolvimento saudável destes, e pretendeu-se nesse trabalho agregar novos resultados obtidos com amostras brasileiras. Foram realizados dois estudos, um com mães de bebês de até um ano, e um segundo, longitudinal, com crianças de cinco e vinte meses. Ambos realizaram-se na cidade do Rio de Janeiro. Em conjunto, essas investigações sinalizam a importância de serem consideradas crenças e práticas parentais relacionadas à expressão emocional e à comunicação afetiva na compreensão de processos de desenvolvimento. Discute-se ainda a necessidade de serem contempladas as variações culturais envolvidas.

Palavras-chave: Afeto; relações interpessoais; comunicação não verbal.

ABSTRACT

Together, these investigations point to the importance of considering parental beliefs and practices related to emotional expression and emotional communication in understanding of development processes. Discusses the need for cultural variations are contemplated involved. Affection and emotion are considered crucial dimensions of parental care with consequences on child development through everyday practices, parental beliefs, and expectations that guide the way to raise and to educate children. Evidence accumulated in recent decades has highlighted the role of emotional exchanges between parent and their children for a healthy development. It was intended in this work add new results obtained with Brazilian participants. Two studies were performed, one with mothers of infants up to one year , and another, a longitudinal one, with children of five and twenty months-old. Both were conducted in the city of Rio de Janeiro. Together, these investigations indicate the importance of being considered parental beliefs and practices related to emotional expressions and affective communication in understanding of development processes. It´s also discussed the need to consider cultural variations involved.

Key words: Affect; interpersonal relations; nonverbal communication.

RESUMEN

La afectividad y la emoción son consideradas dimensiones esenciales de los cuidados parentales, con reflejos en el desarrollo infantil a través de prácticas, de creencias parentales y de las expectativas que nortean las maneras de crianza y educación de los niños. Evidencias de las últimas décadas resaltan el rol de los intercambios afectivos entre padres e hijos en el desarrollo sano de estos y, con esta investigación, se ha pretendido sumar resultados obtenidos con muestras brasileñas. Han sido realizados dos estudios, uno con madres de bebés hasta un año y, un segundo con niños de cinco a veinte meses. Ambos realizados en la ciudad de Rio de Janeiro. Esas investigaciones señalan la importancia de ser consideradas las creencias y prácticas parentales relacionadas a la expresión emocional y comunicación afectiva en la comprensión de los procesos de desarrollo. Se discute la necesidad de contemplarse las variantes culturales.

Palabras-clave: Afecto; relaciones interpersonales; comunicación no verbal.

A afetividade e a emoção são dimensões essenciais dos cuidados parentais, com reflexos no desenvolvimento infantil, seja através das práticas do cotidiano, seja em função de crenças parentais que norteiam a forma de criar a criança. A extensão do papel assumido pelas relações entre a criança e seus cuidadores na formação do indivíduo é sublinhada em um modelo proposto por Harkness e Supper (1992) em que é formulada a concepção de nicho de desenvolvimento. De acordo com essa orientação, o desenvolvimento da criança é compreendido em um sistema constituído pelos contextos físico e social, pelos costumes e tradições culturais e pela psicologia dos cuidadores.

É clara a importância atribuída, neste modelo, à interação social, na medida em que a busca de entendimento do desenvolvimento infantil deve necessariamente considerar a criança no contexto em que ela vive. Esses autores têm discutido também sua noção de etnoteorias parentais como um dos sistemas da dinâmica desse nicho em que se constitui o desenvolvimento. As etnoteorias são sistemas de crenças a respeito de crianças e adultos ideais e do que é necessário fazer para que se desenvolvam nesse sentido. São compartilhadas e negociadas entre membros da comunidade, e traduzem-se em práticas de cuidado. Devem ser entendidas como modelos culturais ou conjuntos organizados de ideias dos pais em relação às crianças e à relação deles com elas, sendo geralmente implícitas. Para Harkness et al. (2001), esses sistemas são compartilhados socialmente, mas construídos na mente de pais individuais.

Harkness e Super (2005) e Harkness et al. (2001) mostraram que há muita variedade no que diz respeito às etnoteorias parentais. Famílias de vários países, como a Itália, a Polônia, a Espanha, a Suécia e outros, foram investigadas por esses autores, que pesquisaram aspectos diferenciados do nicho de desenvolvimento. Diferenças sobre práticas de cuidado, por exemplo, foram encontradas entre famílias americanas e holandesas. As famílias americanas valorizavam bastante a qualidade do tempo em família, focalizando as oportunidades criadas para estimulação dos filhos, enquanto as famílias holandesas atribuíam grande relevância ao tempo de interação entre os membros da família. As rotinas diárias eram também diversas, como as práticas de manejo do sono e da alimentação.

Tomando-se por base os resultados de décadas de estudos empíricos, pode-se pensar que o ser humano nasce dotado de predisposições para interagir com seus coespecíficos, chamar sua atenção, (re)conhecê-los e criar vínculos de afeto com outros indivíduos. Os recém-nascidos são capazes de imitar movimentos faciais de outra pessoa, demonstrar preferência pela voz materna e discriminar faces humanas dentre estímulos visuais semelhantes, mostrando mais atenção para o rosto da mãe do que para o de uma estranha (para uma revisão da literatura, vide Seidl-de-Moura & Ribas, 2004).

Nesse repertório inicial os comportamentos, choro ou expressões faciais são eficazes em deflagrar cuidados, e constituem pistas potentes interpretadas pelos cuidadores, regulando as trocas iniciais (Trevarthen, 1998). As capacidades envolvidas na percepção e na produção de expressões emocionais têm sido consideradas fundamentais para a qualidade das interações iniciais, que se revelam como um contexto propício ao desenvolvimento afetivo e social (Cohn & Tronick, 1987). Esse envolvimento emocional precoce mostra, como argumenta Reddy (2008), a crescente conscientização dos bebês, de expectativas, atenção e intenções das outras pessoas.

Nas interações com o outro as trocas afetivas e emocionais cumprem um papel primordial, constituindo-se em experiências através das quais o bebê aprende sobre as pessoas e sobre si mesmo. Com essas experiências, a criança cria expectativas e aprende a antecipar as reações das outras pessoas, e experimenta a capacidade de expressar-se emocionalmente (Forbes, Cohn, Allen, & Lewinsohn, 2004).

As neurociências também têm apontado a importância das experiências vividas pelos bebês nas interações iniciais estabelecidas com aqueles que assumem as tarefas típicas de cuidado, em geral, os pais (Moulson, Fox, Zeanah, & Nelson, 2009). Estas vivências parecem exercer grande impacto na arquitetura cerebral do bebê, em um momento do desenvolvimento em que milhares de células multiplicam-se, desorganizam-se, são eliminadas e reorganizadas no cérebro.

O exame das reações afetivas dos bebês a partir dos primeiros meses de vida, durante as interações em que se engajam, permite observar que o afeto positivo do parceiro parece ser indicador de competência social e perceptiva de bebês. As emoções positivas se organizam em padrões recorrentes através das rotinas de comunicação que fazem parte do cotidiano, as quais, por sua vez, são produto de uma cocriação, tanto do bebê como de sua mãe (Garvey & Fogel, 2008).

O estudo das emoções em bebês e da natureza da comunicação emocional entre bebês e adultos tem indicado um panorama surpreendente em relação ao que se acreditava décadas atrás. Para começar, as emoções e comunicações emocionais dos bebês são muito mais organizadas do que se pensava (Cohn & Tronick, 1987), e os bebês apresentam uma variedade de expressões emocionais apropriadas para o contexto e facilmente identificáveis por adultos (Camras & Shutter, 2010). Não obstante, o que talvez de mais recente e inesperado se tenha identificado é uma capacidade humana precoce para a sensibilidade a comportamentos afetivos contingentes (Beebe et al., 2007; Mendes, Seidl-de-Moura, & Siqueira, 2009).

Em todos os grupos culturais, a experiência emocional e o conhecimento acerca das emoções são forjados no contexto em que a criança se desenvolve. Esse contexto pode ser entendido como uma configuração sociocultural e econômica que inclui desde o ambiente mais próximo e restrito, que é a família, passa por outros grupos sociais de maior abrangência e complexidade de que a criança participa e chega até a cultura mais ampla. Como agentes primários de socialização, as mães e os pais, assim como outras pessoas que participam ativamente dos cuidados das crianças, ensinam-lhes como expressar suas emoções e percebê-las nas pessoas, enquanto a cultura fornece padrões gerais de decodificação e exibição emocional.

Os pais desejam passar adiante estratégias que promovam a sobrevivência de suas crianças e sua competência cultural (Keller, 2007). As estratégias de socialização incorporam sistemas de significação cultural que representam o conhecimento acumulado por gerações nesse ambiente. Como discutido por Keller (2007) e Kagitçibasi (2007), as escolhas em termos de trajetórias de socialização podem privilegiar o desenvolvimento de selves mais independentes e autônomos ou mais relacionais, indicando o valor atribuído pelas mães à autonomia e às relações com outros membros do grupo social, em suas metas e práticas de cuidado. Estudos anteriores indicaram uma tendência mista, com valorização da autonomia e da interdependência em mães brasileiras (Martins et al., 2010; Vieira et al., 2010), e, especificamente, em mães do Rio de Janeiro (Seidl-de-Moura et al., 2009).

Essas diferentes opções configuram ambientes socioculturais variados, e estão atreladas a formas diferenciadas de valorizar e lidar com emoção e afeto (Keller & Otto, 2009). Examinar as crenças, expectativas e práticas maternas e de outros cuidadores sobre emoções e afetividade pode prover um caminho importante para compreender-se o ambiente de socialização que molda o desenvolvimento da capacidade da criança para expressar emoções e afeto.

No primeiro ano de vida, as explorações feitas pelas crianças no ambiente em que vivem, em situações como brincadeiras e interações mãe-bebê, dão-lhes ensejo a variadas formas de atuação e participação de complexidade crescente. Não se manifestam somente com gestos e expressões faciais, mas já começam a se expressar através de vocalizações que constituem um fator preeminente para o desenvolvimento do afeto, atenção, comunicação e funcionamento cognitivo mais amplo.

O processo pelo qual a linguagem se desenvolve, é construída ou "adquirida" nos primeiros dois anos da ontogênese de bebês tem sido objeto de formulações teóricas diversas e deu origem a uma vasta literatura de investigações empíricas. A compreensão desse processo e dos fatores a ele associados é fundamental para a formulação de modelos e hipóteses sobre características da mente humana e seus mecanismos cognitivos, incluindo-se as emoções e afetividade (Pessôa & Seidl-de-Moura, 2008).

A perspectiva sociocultural e evolucionista assume a abordagem sociopragmática como uma das bases do desenvolvimento inicial da comunicação e da linguagem. Esta perspectiva considera que um conjunto de predisposições genéticas ou capacidades biológicas de nossa espécie (produto de adaptações por seleção natural), tanto para o reconhecimento de coespecíficos e estabelecimento de trocas sociais quanto para o tratamento de determinados estímulos, como a voz humana, estão presentes no nascimento (Seidl-de-Moura & Ribas, 2009). Essas predisposições, entretanto, desde o ambiente intrauterino, expressam-se de acordo com os estímulos a que o bebê é exposto. Antes de nascer, por exemplo, o bebê ouve a voz da mãe e aprende a reconhecê-la. É capaz de emitir sons em todas as línguas, mas vai perdendo essa capacidade para as línguas que não são de sua comunidade linguística, ou seja, as predisposições para orientar-se para estímulos específicos necessitam de contextos que favoreçam sua exposição a esses estímulos. É por meio das trocas com os outros que se dá essa exposição aos estímulos linguísticos. Não há, assim, sentido na separação entre biologia/natureza e cultura, assumindo-se uma concepção de desenvolvimento interacionista em seu sentido mais abrangente.

Já Locke (1999) via o homem como um ser social, e a linguagem seria o meio através do qual a sociedade se unifica e compartilha ideias comuns. Para este autor, a linguagem e a significação de palavras são convencionais, e não naturais. Ele preocupava-se com o uso apropriado da linguagem.

A partir de discussões sobre o processo de aquisição de linguagem na ontogênese e o papel das disposições inatas e da interação com o ambiente, foram desenvolvidos estudos sobre o tipo de input linguístico que envolve a criança que está passando pela fase do desenvolvimento em que se adquire a linguagem. O argumento de Chomsky (1989) sobre a "pobreza de estímulo" motivou muitas dessas investigações nas décadas de 1960 e 1970. De um modo geral, as evidências falsearam a hipótese de que se constituía em um discurso malformado e pobre. Os primeiros resultados assinalaram a ocorrência de regularidades e de padrões identificáveis na fala do adulto com a criança, e indicaram simplicidade e redundância nessa fala.

As características observadas na estrutura e no tipo de conteúdo dos enunciados maternos dirigidos à criança levaram a que se considerasse que esses enunciados constituíam um tipo de input diferenciado (motherese) de acordo com a idade da criança, seu estágio de desenvolvimento e as concepções e expectativas maternas a este respeito. Foi também reconhecido o impacto que este input tem no desenvolvimento da estrutura e complexidade da linguagem infantil.

O conjunto de evidências relativas a este impacto é extenso (Huttenlocher, Vasilyeva, Cymerman, & Levine, 2002; Lidz, Gleitman, & Gleitman, 2003). Sabe-se que essa modalidade de fala – denominada manhês ou motherese, ou child directed speech (CDS; em português, fala dirigida à criança (FDC)) – parece ajustada às características do interlocutor (bebê na fase pré-linguística). Tem entonação própria, é simplificada, trata de aspectos do ambiente familiares ao bebê e faz referência frequente ao sentido atribuído a suas ações (Pessôa & Seidl-de-Moura, 2008). É uma fala bem construída e apresenta características próprias, como clareza acústica máxima, redundância, discurso mais lento, voz em tom mais alto, expressões faciais que acompanham entonações de voz exageradas e altamente variáveis, tensão vocal nas palavras importantes, sussurros, uso repetido de um pequeno número de palavras diferentes e intervalos estrategicamente colocados. Há uma diversidade léxica, contendo essencialmente: palavras concretas, muitas perguntas, imperativos, poucos tempos verbais no passado e poucas frases subordinadas e de construção complexa (Paavola, Kunnari, Moilanen, & Lehtihalmes, 2005).

Estudos sobre interações iniciais (Seidl-de-Moura et al., 2008) trazem evidências de que as mães tratam os bebês, desde as fases iniciais do desenvolvimento, como pessoas com as quais estabelecem "protoconversas" e a quem se podem atribuir desejos e sentimentos, e não como seres que se limitam a manifestar necessidades fisiológicas. A consequência dessa concepção manifesta-se na conduta materna de tentar adequar sua fala e seus gestos ao que parecem ser as expectativas e necessidades do bebê, a fim de estabelecer mais facilmente algum tipo de comunicação com ele. Isso fica evidente quando se observa a estrutura da "conversa" que ocorre entre a mãe e o bebê, bastante semelhante à das conversas entre duas pessoas adultas ou crianças mais velhas, onde um fala e o outro escuta, alternando-se os papéis de ouvinte e de falante.

Trabalhos como o de Trevarthen e Malloch (2002) devem ser mencionados, já que, na tentativa de compreenderem a relação entre comunicação e linguagem, verificam a ocorrência de protoconversações e demonstram a aptidão dos bebês nas fases iniciais do desenvolvimento para responder em sincronia ao ritmo da voz materna.

Esse tipo de capacidade dos cuidadores de adaptar sua fala com bebês e crianças pequenas parece fazer parte de uma bagagem de disposições da espécie. Assim como os bebês têm predisposições para interagir com os membros de sua espécie e tratar estímulos linguísticos (Pinker, 2002), os adultos da espécie têm propensões para cuidados parentais e uma capacidade intuitiva para esses cuidados (Keller, 2007).

Ao comparar a fala entre os adultos e a fala dos adultos dirigida às crianças é perceptível uma distinção entre ambas. Estudos da linguagem utilizada pela mãe quando interagindo com seu bebê apontam características específicas. Bornstein et al. (1992) analisaram a linguagem utilizada pelas mães com bebês de cinco e 13 meses de idade e a compararam entre quatro culturas diferentes. Os dois principais aspectos da linguagem foram os relacionados aos dados informativos, que envolviam as perguntas, frases diretas, etc., e os aspectos afetivos, que correspondiam ao uso de sons onomatopeicos, não proposicionais, rimas, sons de animais, etc. Os dados evidenciaram um maior uso de fala relacionada aos aspectos afetivos com os bebês de cinco meses, ao passo que com os de treze meses as mães utilizaram uma linguagem mais informativa. Isto indica sua sensibilidade às características do desenvolvimento desse seu interlocutor especial.

Com o objetivo de aprofundar as análises sobre o papel da emoção e da comunicação afetiva entre pais e filhos no desenvolvimento saudável destes, pretendeu-se nesse trabalho agregar novos resultados obtidos com amostras brasileiras. Foram realizados dois estudos, um com mães de bebês de até um ano, e um segundo, longitudinal, com crianças de cinco e vinte meses. Ambos realizaram-se na cidade do Rio de Janeiro.

Estudo 1

Esse estudo busca explorar o que adultos cuidadores pensam sobre alguns aspectos da expressão das emoções em crianças e discutir uma possível articulação com a trajetória de socialização que privilegiam em termos de uma maior valorização da autonomia, priorizando metas individuais, ou da interdependência, bem como regras do grupo e relações com os outros membros do grupo social. Estes aspectos são investigados em três diferentes perfis de cuidadoras, além das mães: cuidadoras de creche, babás e avós. Busca-se também analisar as diferenças de visão entre mães e as demais cuidadoras no que se refere às formas de exibição e aos momentos do desenvolvimento considerados próprios para a manifestação de emoções.

MÉTODO

Procedimentos Éticos

O projeto "Autonomia e Interdependência em Famílias do Rio de Janeiro", realizado pelo grupo de pesquisa Interação social e desenvolvimento (inscrito no diretório cnpq - GrPesq4), do qual este trabalho deriva, foi submetido ao Comitê de Ética da uerj e por ele aprovado.

Participantes

Participaram 31 duplas, compostas por mães e outra pessoa a quem a mãe delegava, durante parte do dia, os cuidados do filho, que deveria ter até um ano de idade. Esta outra cuidadora poderia ter um de três perfis: avó, babá ou cuidadora de creche. As participantes residiam da cidade do Rio de Janeiro, tendo-se formado as seguintes duplas: 12 duplas de mães e avós, 10 duplas de mães e babás e nove duplas de mães e cuidadoras de creche.

As mães tinham idades entre 18 e 39 anos (M= 30,32; DP= 5,05), e os bebês, entre dois e doze meses (M= 7,97; DP= 3,30), sendo que 58,1% eram meninas e 41,9%, meninos. A escolaridade declarada pelas mães indicou que 9,7% tinham do Ensino Fundamental (EF) incompleto até o Ensino Médio (EM) incompleto, 25,8% tinham EM completo ou superior (ES) incompleto, e 64,5% possuíam ES completo ou pós-graduação. As cuidadoras tinham, em média, 45 anos (DP= 12,83), sendo que 45,1% delas tinham do EF incompleto até o EM incompleto, 29,0% tinham EM completo ou ES incompleto, e 25,9% possuíam ES completo ou pós-graduação.

Instrumentos e procedimentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos: formulário de identificação dos participantes, formulário de dados sociodemográficos, as Escalas de Autonomia, Interdependência e Autonomia Relacional, desenvolvidas por C. Kagitçibasi (2007) e usadas no projeto "Autonomia e Interdependência em Famílias do Rio de Janeiro" (traduzidas e adaptadas para o português, com validação em amostra independente de 200 adultos, seguindo os procedimentos usuais - tradução, tradução reversa, análise de itens, análise fatorial, etc.), e questionário sobre avaliação de emoções. Em dia e horário convenientes para as participantes era realizada a entrevista em que eram preenchidos os instrumentos mencionados. No seu início, as participantes eram instruídas a ler e, se o desejassem, a assinar o Termo de consentimento livre e esclarecido. As duplas participantes eram entrevistadas separadamente, para evitar-se interferência de uma nas respostas da outra. Foi utilizado ainda o teste t-Student para analisar diferenças entre médias dos escores maternos nas Escalas de Autonomia, Interdependência e Autonomia Relacional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Principais resultados

Os escores maternos nas Escalas de Autonomia, Interdependência e Autonomia Relacional indicaram uma tendência à valorização de trajetórias de autonomia relacional. Testes de diferenças entre médias apontaram resultados significativos para as médias dos escores de autonomia relacional e autonomia (t(31)=9,01, p<0,05), de interdependência e autonomia (t(31)=2,81, p<0,05), e de autonomia relacional e interdependência (t(31)=7,21, p<0,05). No caso das cuidadoras, parecem priorizar tendências de trajetórias de socialização voltadas para a interdependência, mas também valorizam certa autonomia. A média do escore de interdependência, a mais alta dos três escores, foi significativamente maior apenas se comparada com o escore de autonomia. Foram encontradas diferenças significativas entre as médias dos escores de autonomia relacional e autonomia (t(31)= 3,29, p< 0,05), e entre os escores de interdependência e autonomia (t(31)= 3,20, p< 0,05); contudo, não se encontrou diferença significativa entre os escores de autonomia relacional e interdependência.

A maior parte das mães (61,3%) acredita que uma criança deve aprender a regular suas emoções até os três anos de idade, enquanto 51,6% das cuidadoras acham que isso não é necessário. Todas concordam (100% das mães e demais cuidadoras) que é importante uma criança sorrir, e a quase totalidade das participantes (cerca de 96% das mães e de 90% das demais cuidadoras) entendem que o mais importante nesses casos é a criança poder expressar suas emoções, e não tanto o fato, de através dessa manifestação, ela mostrar-se simpática ou agradável para com as outras pessoas.

Mães e cuidadoras informaram as idades em que acreditam que uma criança, normalmente, começa a manifestar algumas emoções consideradas inatas e universais (alegria, tristeza, medo, raiva, nojo, surpresa, interesse e aflição). Mães e cuidadoras atribuíram à alegria as menores idades, em média, para iniciar sua manifestação (M= 2,48 meses, DP= 2,47 para mães, e M= 3,93, DP= 4,65 para cuidadoras).

Uma das emoções indicadas como de aparecimento mais tardio foi a raiva. Para as mães, esta emoção aparece, em média, por volta dos 20 meses de idade (DP= 29,41), e para as cuidadoras, em torno dos 31 meses (DP= 35,48). Calculadas as diferenças entre médias, verificou-se que, para todas as emoções consultadas, as médias de idades indicadas pelas mães eram inferiores às fornecidas pelas cuidadoras.

Um dos interesses do estudo foi avaliar em que medida o sexo do bebê poderia ter algum efeito sobre as respostas fornecidas pela mãe e cuidadora. Nenhum efeito foi encontrado. Tomando os resultados em conjunto, discute-se a importância e expectativas das participantes quanto à expressão emocional em crianças, associadas a tendências para socialização de selves mais autônomos ou mais interdependentes.

Discussão

Em primeiro lugar, confirmou-se neste estudo a tendência de mães do Rio de Janeiro a valorizar tanto a interdependência quanto a autonomia, o que reforça resultados de estudos anteriores com amostras brasileiras, inclusive desta cidade (Martins et al., 2010; Seidl-de-Moura et al., 2009; Vieira et al., 2010). Isto parece indicar que, embora em outros contextos culturais investigados (Kärtner et al., 2007) se encontre valorização em diferentes medidas de trajetórias diversas, seja tendendo para uma maior autonomia, seja para uma maior interdependência, o que se encontrou nas díades desse estudo foi uma tendência à valorização de ambas. As mães e cuidadoras parecem atribuir importância à relação e interdependência, envolvendo qualidades de comportamento da criança como ser respeitoso e bem-educado, de acordo com o papel que lhe cabe na família, mas também à autonomia, com foco nas características, desejos e potencial individual da criança.

Adicionalmente, as mães avaliaram que uma criança deve aprender a se controlar emocionalmente antes dos três anos de idade, o que, segundo Keller e Otto (2009), é característica de sociedades que valorizam mais a interdependência do que a autonomia. As demais cuidadoras se dividiram de modo mais equilibrado quanto a essa questão, uma parte delas manifestando a mesma opinião que as mães e a outra parte, um pouco maior, achando que não é o caso de se esperar esse controle nessa faixa etária, o que poderia denotar certa tendência a uma maior autonomia e individualismo.

As mães, em média, indicaram idades menores do que as cuidadoras para o início da manifestação de emoções, o que pode indicar uma expectativa de que os filhos possam se expressar emocionalmente mais cedo. Uma expectativa como esta parece própria de contextos culturais em que há uma valorização da autonomia e de metas individuais. Das emoções investigadas, a alegria é a emoção esperada mais cedo, e a raiva a mais tardia. Talvez essas concepções indiquem uma crença de que a raiva não seja uma emoção que bebês pequenos possam ou devam expressar, mas a alegria é desejada e esperada bem mais cedo na vida das crianças.

A totalidade das participantes achou importante a criança sorrir e associou essa expressão a uma idade bem próxima da idade em que a literatura aponta o surgimento do sorriso social - em torno dos dois meses (Mendes, Seidl-de-Moura & Siqueira, 2009). Mães e cuidadoras acreditam ser mais importante a criança sorrir para expressar suas emoções do que para se mostrar simpática, o que parece associado mais à valorização da autonomia do que à relação. Essas crenças e expectativas das cuidadoras compõem, segundo Harkness e Supper (1992), a psicologia dos cuidadores, parte de um sistema de cuidado que através das relações entre a criança e seus cuidadores assume um papel de grande relevância no desenvolvimento do indivíduo.

A tendência a uma trajetória mista de desenvolvimento de self, de autonomia e interdependência, aparentemente priorizada pelas mães e, de certo modo, pelas cuidadoras, já era esperada; no entanto, os demais resultados encontrados, quando confrontados com as trajetórias e as crenças e expectativas sobre emoção características de ambientes prototípicos estudados por Keller e Otto (2009), revelam a preponderância de uma das dimensões (autonomia ou relação) em certos aspectos, e da outra em outros aspectos. Tal configuração parece representativa da complexidade e multidimensionalidade próprias dos modelos culturais.

Estudo 2

Pressupondo que a fala materna tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento linguístico infantil, este estudo longitudinal analisou os aspectos afetivos e cognitivos da fala materna e o desenvolvimento linguístico infantil em dois momentos específicos do desenvolvimento infantil.

MÉTODO

Procedimentos éticos

O projeto "Interação mãe-bebê e o desenvolvimento infantil: um estudo longitudinal e transcultural", desenvolvido pelo grupo de pesquisa Interação social e desenvolvimento (inscrito no diretório cnpq - GrPesq4), do qual este trabalho deriva, foi submetido ao Comitê de Ética da ufrj e por ele aprovado.

Participantes

Este estudo analisou dados de quarenta e cinco díades mãe-criança residentes no Estado do Rio de Janeiro, aos cinco meses (período de transição entre a intersubjetividade primária e a secundária) e aos vinte meses da criança (período de compreensão de frases e produção das primeiras palavras, dois marcos do desenvolvimento). A idade das mães foi igual ou superior a 18 anos e seu nível de escolaridade variou do fundamental incompleto à pós-graduação.

Procedimentos

As díades foram visitadas em suas residências no período em que a criança estava acordada, em uma situação em que apenas a mãe e a criança estavam em casa. No primeiro encontro as mães assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a permissão para o uso de vídeos e imagens.

A observação foi registrada em vídeo. Na visita aos cinco meses a díade foi filmada por uma hora, e aos vinte meses, pelo período de dez minutos. Neste estudo foram selecionados, para fins de análise, dez minutos aleatórios da filmagem aos cinco meses e todo o tempo da filmagem aos vinte meses.

Na visita aos cinco meses a mãe foi solicitada a manter sua rotina diária e a ignorar, na medida do possível, a presença do observador. Aos vinte meses a dupla foi observada em um contexto de brincadeira. Por ser o estudo de caráter transcultural, optou-se por utilizar um conjunto de brinquedos variados, independentemente do gênero das crianças, incluindo boneca, cobertor, bule de chá com tampa, duas xícaras de chá, dois pires, duas colheres, telefone celular de brinquedo, carrinho de plástico com um cordãozinho de barbante, dois livros de estórias com figuras, bolinha de borracha e um jogo de potes de encaixe.

As falas maternas foram transcritas. Tanto nos intervalos selecionados das filmagens aos cinco meses como no trecho filmado aos vinte meses foram identificadas as categorias definidas (aspectos afetivos e cognitivos).

A unidade de análise da fala materna foi delimitada por pausas que a mãe fazia, independentemente de a sentença estar ou não completa. Dessa forma, em uma única sentença puderam ser encontradas duas ou mais emissões. Cada segmento ou emissão teve sua classificação aglutinada em duas categorias propostas pelo estudo. As categorias de análise foram as mesmas utilizadas por Bornstein et al. (1992), e são as seguintes:

Aspectos afetivos – fala suave e dócil: percebe-se o uso de sons onomatopaicos, frases não proposicionais, rimas e atribuição de significados. Exemplos: "Gostosinho!!";"Eu tô com fome!"; "Neném da mamãe!";"Eu quero tomar meu suquinho."; "Tic,Tic ,Tic", imitando o som do bichinho; "Que gostoso ele, tão fofinho!", etc.

Aspectos cognitivos: fala mais voltada para o desenvolvimento de capacidades cognitivas, em que predominam o uso de perguntas, frases diretas e descrições. Exemplos: "Ai, ai, ai, isso não pode!"; "Deixa eu botar o telefone.";"O quê que tem aqui?; O que é isso que o neném usa?";"Como é o nome desse aqui?", etc.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira constatação, a partir da análise dos dados, é que as mães de bebês de cinco e vinte meses falam com seus bebês, mas existem diferenças importantes, tanto individuais quanto associadas aos momentos do desenvolvimento, em relação ao número de emissões por período de tempo e aos aspectos afetivos e cognitivos da fala. Aos cinco meses, a média de emissões na fala do total de mães foi de 88,18 emissões (DP=29,95). Os valores mínimo e máximo para o número de emissões foram, respectivamente, 1 e 197. Apesar de algumas mães quase não falarem com seus bebês, foram identificadas outras que em 10 minutos proferiram quase 200 emissões dirigidas a eles. Assim como apontam Trevarthen e Malloch (2002), pode-se pensar o quanto as trocas estabelecidas desde fases iniciais do desenvolvimento, envolvendo protoconversações estabelecidas pela díade, podem incentivar os proferimentos maternos. Aos vinte meses, também é observada grande variação entre as mães, mas, em geral, as mães mostraram-se sensíveis ao desenvolvimento de seus bebês, falando mais enfaticamente com eles. A média de emissões, considerando-se todas as mães, foi de 253,82 emissões; o desvio padrão foi de 88,99 e os valores mínimo e máximo foram, respectivamente, 71 e 473.

As falas maternas foram analisadas em termos da predominância de aspectos afetivos ou cognitivos. Houve grande variabilidade entre as mães, mas a distribuição nas duas categorias foi equilibrada. As médias obtidas para o total das mães aos cinco meses foram: 41,33 emissões classificadas como predominantemente cognitivas (DP= 29,95, valores mínimo e máximo = 0 e 104), e 46,84 emissões afetivas (DP= 29,08, valores mínimo e máximo = 0 e 114). Em termos percentuais, verificou-se que 53% das emissões maternas estavam relacionadas aos aspectos afetivos e 47% aos cognitivos.

Aspectos afetivos e cognitivos também foram identificados na fala das mães aos vinte meses. A média de ambos foi equilibrada: 155,69 emissões classificadas como cognitivas (DP= 58,53, valores mínimo e máximo= 39 e 332, respectivamente), e 107,09 emissões afetivas (DP= 65,14, valores mínimo e máximo= 32 e 452); contudo percebeu-se que houve uma predominância dos aspectos cognitivos (61,2%) em relação aos afetivos (38,8%), o que pode estar relacionado com o momento do desenvolvimento dos bebês, que neste caso estavam com vinte meses. Um aspecto a ressaltar, não obstante, é que a média de emissões maternas classificadas como afetivas foi também elevada.

A distribuição percentual do total de emissões maternas por idade estudada indicou um aumento significativo na produção da fala das mães, com o passar do tempo. Aos cinco meses o total geral de emissões obtido correspondeu a 25,73%, e aos vinte meses, a 74,27% de todas as falas maternas analisadas neste estudo.

Esses resultados são indicativos de que os aspectos afetivos da fala, os que traduzem afeto, carinho, e intimidade, estão presentes desde as etapas iniciais do desenvolvimento, permanecendo com incidência relevante tanto aos cinco quanto aos vinte meses de idade do bebê. Isto parece estar relacionado a características culturais, já que pode refletir um aspecto básico da comunicação entre mães e bebês da nossa cultura, vista como marcadamente afetiva. Em estudos anteriores, como o de Bornstein et al. (1992), houve uma predominância dos aspectos cognitivos sobre os afetivos quando os bebês estavam com 13 meses. Essa diferença em relação aos resultados aqui apresentados pode ser interpretada como uma estratégia utilizada pelas mães brasileiras para elas estarem mais próximas de seus bebês e facilitar a comunicação com eles.

Constatou-se, ainda, que quase todo proferimento maternal é diretamente precedido ou seguido de sinais das crianças. Assim como apontam Seidl-de-Moura et al. (2008), o bebê é visto como um ser ativo desde o seu nascimento. Isso significa que as mães não estão simplesmente comunicando informação para suas crianças, mas tentando engajá-las em conversas; mas deve ser lembrado que outros canais de comunicação que não foram objeto de análise neste estudo certamente estão presentes nas interações sociais, como gestos e comportamentos de afeto dirigidos ao outro, que também são de grande importância para as trocas afetivas entre as díades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta iniciativa teve o objetivo de agregar novos resultados, obtidos com participantes moradores do Rio de Janeiro, ao conjunto de evidências a respeito do papel das trocas afetivas entre pais e filhos no desenvolvimento destes. Os dois estudos relatados contribuem para este propósito, trazendo dados a respeito das crenças e expectativas de mães e cuidadoras acerca das emoções, da trajetória de socialização que privilegiam e da caracterização de interações mãe-bebê no que diz respeito aos aspectos afetivos envolvidos.

A análise das tendências de trajetórias de socialização indicou a presença de prioridades aparentemente representativas de tendências contraditórias, ora sendo privilegiada a autonomia, ora a interdependência. Essa diversidade em termos de metas para a criação de crianças parece própria de um modelo misto, adequado à proposta de modelos de trajetória de socialização discutidos por Keller (2007), que não impõem escolhas unilaterais. De acordo com a concepção da autora, autonomia e relação estão presentes nas diferentes sociedades, em graus variados e com o predomínio de uma tendência sobre a outra. Ainda que uma delas seja priorizada em determinados aspectos, essa valorização pode ser alternada em outros domínios, refletindo o caráter dinâmico e complexo do processo de socialização.

Um modelo misto, como parece ser o que sinalizam as participantes desse trabalho, se traduz na presença de características de um protótipo de contexto voltado para independência (predominantemente urbano, com alto nível educacional), mas também para a relação (área rural e sociedades tradicionais). No primeiro caso a expressão de emoções é incentivada desde cedo, compondo o sentido de agência de um self mais autônomo; no segundo, as emoções podem ser consideradas como merecedoras de maior regulação, sendo esse controle emocional introduzido desde cedo nas práticas de cuidado de crianças.

As expectativas em torno das manifestações emocionais revelaram a importância atribuída pelos adultos à expressão de diferentes emoções pela criança, como parte de seu processo de desenvolvimento desde idades precoces. A alegria, uma emoção de valor positivo, é esperada mais cedo, enquanto a raiva parece ter seu momento inicial de exibição esperado para mais tarde, como se estivesse sendo "adiado". Pode ser vista como uma emoção para a qual se espera uma regulação no sentido de evitar sua manifestação. Crenças e metas associadas ao papel das emoções na vida das crianças, próprias de cada grupo e cultura, são reveladoras de processos de socialização desejados por cuidadores que parecem traduzir o que acreditam ser o melhor para favorecer um desenvolvimento saudável para constituir um indivíduo bem-sucedido.

A observação e exame da fala materna nos episódios de interação entre mães e seus filhos sugerem que neste contexto a mãe ajusta sua conduta, especificamente as emissões linguísticas, de modo a conseguir chamar a atenção da criança para si e para o que está dizendo. A mãe ou o adulto que utilizam esse instrumental linguístico propiciam à criança voltar sua atenção para suas emissões, buscando assim favorecer o estabelecimento de uma forma de comunicação verbal entre a díade. Intuitivamente, a mãe utiliza o recurso linguístico para chamar ou manter a atenção do filho voltada para ela.

Nos dois grupos do estudo 2, as emissões mostram-se predominantemente vinculadas às preferências e vontades das crianças. Esse dado indica haver uma concepção por parte das mães de que seus filhos, desde muito cedo, mostram-se capazes de fazer uma série de discriminações sensoriais e ter, consequentemente, diversas preferências. As mães parecem tratar as crianças, desde fases iniciais do desenvolvimento, como pessoas às quais se podem atribuir gostos, desejos, emoções e sentimentos, e não como seres que se limitem a manifestar necessidades fisiológicas.

Deve-se também destacar o quanto as mães se apropriam das ações comunicativas dos seus filhos, dão a elas um significado, interpretam-nas de acordo com suas referências e agem, em resposta a eles, de acordo com esta interpretação. A consequência dessa prática se reflete na conduta da mãe ao procurar adequar sua fala e seus gestos ao que pensa ser adequado ou esperado pela criança, a fim de estabelecer mais facilmente algum tipo de comunicação com ela. Isso pode ser percebido desde as etapas iniciais do desenvolvimento, como é o caso deste estudo, que analisou crianças com cinco e vinte meses.

Estar próximo e assumir o lugar do outro são aspectos decisivos para se estabelecer um entendimento verbal entre duas pessoas. Cabe à mãe, supostamente com mais recursos, procurar um meio para atrair a atenção do bebê para algo de comum entre eles. Os pais, como os agentes sociais que melhor entendem as intenções das crianças, são capazes de prover o apoio adequado de que elas necessitam, inclusive o emocional, e desta forma eles desempenham um importante papel de mediadores na construção do mundo sociocultural dos filhos. Assim, o modo como os pais criam os filhos, suas crenças e as metas parentais compõem a base do processo de socialização da emoção, alicerçando um desenvolvimento saudável.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 01/11/2011

Aceito em 13/08/2012

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  • Endereço para correspondência
    Deise Fernandes Mendes. Rua Edwaldo de Vasconcellos 20 apto 302 - Recreio dos Bandeirantes, CEP 22795-385, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
    E-mail:
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    As autoras agradecem aos demais membros do grupo de pesquisa
    Interação Social e Desenvolvimento pela coleta de dados e, em particular, a Luana Freitas Simões, pelo apoio na codificação e análise dos dados do estudo 1.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Nov 2011
    • Aceito
      13 Ago 2012
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