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Psicologia, educação e a formação da personalidade humana

RESENHAS

Psicologia, educação e a formação da personalidade humana1 1 Ragazzini, D. (2005). Teoria da personalidade na sociedade de massa: a contribuição de Gramsci (Maria de Lourdes Menon, Trad.). Campinas: Autores Associados.

Cézar de Alencar Arnaut de ToledoI; Marcos Ayres BarbozaII

IDoutor em Educação. Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá-UEM

IIMestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá-UEM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cézar de Alencar Arnaut de Toledo Rua Saldanha Marinho, 870, ap. 301, Zona 7 CEP 87030-070, Maringá-PR. E-mail: caatoledo@uem.br

Ragazzini é professor da Universidade de Florença; trabalha com história da educação, tendo publicado vários estudos na área; há mais de 30 anos se dedica ao estudo do pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937) e às suas contribuições à compreensão do fenômeno da educação. No Brasil, temos, ainda, de sua autoria, a publicação de um capítulo intitulado "Os estudos histórico-educativos e a história da educação", na coletânea História da educação: perspectivas para um intercâmbio internacional, organizado pelos professores José Luís Sanfelice, Demerval Saviani e José Claudinei Lombardi, publicada pela Editora Autores Associados em 1999.

Na obra Teoria da personalidade na sociedade de massa: a contribuição de Gramsci, o autor tem como preocupação a questão da individualidade; para desenvolver seu estudo, investigou com afinco os Cadernos do Cárcere e as Cartas do Cárcere, escritos por Antonio Gramsci. Segundo ele, a personalidade humana como tema de estudo no pensamento de Gramsci é pertinente nos dias atuais, já que a globalização traz um novo projeto de sociedade, com base em um processo sofisticado de desenvolvimento técnico-científico. Esse desenvolvimento implica, conforme afirma o autor, em um novo modelo de padronização do comportamento social e constituindo-se, também, em uma nova personalidade, por meio da reverberação de uma dinâmica social de individualidades modelares eminentes e de personalidades virtuais.

Para esta discussão, a análise da contribuição de Gramsci é fundamental, visto que seus escritos não se referem somente a uma teoria do Estado e da hegemonia de seus aparelhos ou de como se desenvolveram as reflexões do materialismo histórico. O autor argumenta sobre a necessidade de se aprofundar as discussões, sobretudo no campo da teoria da personalidade; para ele, a concepção de homem em Gramsci pode ser compreendida como um conceito relacional estruturado, tendo a dialética como parte constituinte da personalidade, isto é, como elemento de sua história e de suas relações sociais.

O texto apresentado é a primeira parte da obra italiana Leonardo nella società di massa: teoria della personalità in Gramsci, publicado em 2002. O livro é dividido em quatro partes. São elas: Do individual ao social; Individualidade e personalidade; Personalidade e sociedade de massa e, por último, Por uma conclusão.

Segundo o professor Dermeval Saviani, que prefaciou e escreveu a Introdução à Edição em Língua Portuguesa da obra, o pensamento gramsciano começou a ser divulgado no Brasil no período da ditadura militar; iniciativa da Editora Civilização Brasileira, com a publicação das Cartas do Cárcere (1966); e, no mesmo ano, Concepção dialética da história; em seguida, Os intelectuais e a organização da cultura (1968); Maquiavel, a política e o Estado moderno (1968) e Literatura e vida nacional (1968). Saviani avalia que a ditadura militar não representou um momento propício para a divulgação das obras, porém houve uma grande recepção do marxismo gramsciano, em especial no início da década de 70 do século XX, com a derrocada do "milagre brasileiro", já que a conjuntura política e econômica contribuiu para o questionamento das bases políticas dominantes. No decorrer da década de 1980, as categorias analíticas gramscianas, como hegemonia, sociedade civil e sociedade política, intelectual orgânico e tradicional, Estado ampliado, guerra de movimento e guerra de oposição, tornaram-se conceitos correntes nos discursos acadêmicos e políticos. Contudo, a área de maior divulgação ocorreu na educação, foi o que observou o professor Paolo Nosella, em seu livro A Escola de Gramsci, publicado pela Editora Cortez. Na educação, o pensamento gramsciano fez-se presente na primeira turma de doutorado em filosofia da educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) na disciplina de teoria da educação, ministrada pelo professor Demerval Saviani; em que se realizou uma análise de conjunto dos escritos de Gramsci sobre a escola. O fato marcou o pensamento educacional progressista brasileiro. Na obra Educação: do senso comum à consciência filosófica publicado em 1982, Saviani, no prefácio à segunda edição, fez considerações sobre a importância de Gramsci para a educação. A leitura de Gramsci pelos educadores, na década de 1980, foi uma leitura possível dentro das possibilidades históricas daquele período. Dentre as temáticas estudadas pelos comentadores de Gramsci no Brasil; o tema da individualidade e da formação humana foi pouco explorado. A obra escrita por Ragazzini, contudo, faz um excelente inventário do pensamento de Gramsci sobre o tema, apontando para uma teoria da personalidade. A leitura do pensamento gramsciano, na atualidade, ainda se constitui um valioso instrumento analítico, visto que Gramsci viveu as principais transformações que constituíram o século XX e que, também, foram as bases de sistematização do século XXI. A obra de Ragazzini, ao organizar as reflexões registradas nos Cadernos do Cárcere, direciona para uma teoria histórica e crítica da personalidade, o que a torna fundamental. Ela contribui para a discussão sobre a organização do trabalho pedagógico, sobre a relação professor-aluno e sobre a compreensão dos processos políticos que estão se configurando no país e que afetam a todos.

No Capítulo Um, Do individual ao social, o autor discute o núcleo do pensamento de Gramsci nas Notas dos Cadernos do Cárcere, para compor uma interpretação do pensamento de Gramsci sobre a formação humana; analisa, também, a questão da dialética do indivíduo, com base em sua formação e em sua educação; para ele, nos Cadernos do Cárcere, a concepção de homem é ativa, dinâmica e criativa. No capítulo, o autor discute a análise teórica do pensamento de Gramsci sobre a constituição da personalidade no contexto social; contudo, afirma ele, a individualidade não é um resíduo de uma análise social. Ele conclui o capítulo afirmando que a teoria da personalidade precisa ser congruente com a teoria da sociedade. "Indivíduo e sociedade não são assumidos por Gramsci como totalidade, mas são questionados geneticamente, como agregados complexos e relacionais. Não se passa de um ao outro sem um conjunto conflitante de conexões e de relações" (p. 66).

No Capítulo Dois, Individualidade e personalidade, Ragazzini pressupõe, tomando por base a dupla temática gramsciana, de individual e social, que a subjetividade não é fornecida a priori, mas é formada e forma a si própria nos processos sociais; ela não é mecânica e nem mesmo automática, visto que o indivíduo se relaciona com outros indivíduos na medida em que participa de instituições e se relaciona com a natureza por meio do trabalho e dos instrumentos técnicos produzidos por ele mesmo. "A subjetividade é concebida em movimento e em mudança, mais do que como um pressuposto invariante de possibilidades, decisões e esperas" (p. 77).

No Capítulo Três, Personalidade e sociedade de massa, o autor discute o que denominamos hoje por individualismo. Para ele, seu surgimento se deu por meio de uma revolução cultural no final da Idade Média e no início da Renascença e da Reforma. Segundo ele, a indústria e os métodos de produção industrial constituem procedimentos coercitivos como, por exemplo, a disciplina e a ordem na indústria, para adequar os valores culturais e os costumes às necessidades do trabalho. Ela imprime, também, a configuração de uma nova subjetividade, conformada à espiritualidade da cultura capitalista moderna.

Na conclusão, Ragazzini destaca que as reflexões de Gramsci sobre a condição humana ajudam a compreender a constituição da temática da subjetividade em sua obra, visto que, em seus textos, há uma necessidade de convergência conceitual sobre o tema do indivíduo e a da sociedade. Ele reconhece que a releitura dos textos gramscianos é necessária na medida em que nos interrogamos sobre a temática do indivíduo e da individualidade; já que, pelo reconhecimento da individualidade como subjetividade, é possível desenvolver uma reflexão e uma análise das estruturas para a explicação da totalidade social e da constituição da subjetividade.

A obra de Ragazzini é um importante estudo, em especial para os estudantes de psicologia e de pedagogia e para os profissionais destas duas áreas, preocupados em desenvolver reflexões que ajudem a compreender melhor a situação da educação brasileira atual. Numa época em que se fala muito sobre o processo de minimização das intervenções do Estado sobre o mercado em razão do processo de mundialização (concentração) da produção e das notícias, como também do processo de instituição de individualidades imitantes e de personalidades virtuais, a obra pode contribuir para fomentar novos estudos críticos. Desta forma, é fundamental que nos perguntemos sobre o modelo de individualidade imposto nos diferentes contextos e qual a nossa função como formadores de uma nova subjetividade crítica, capaz de interpretar e de ser responsável em relação a si próprio e aos outros, mas que, também, saiba trabalhar coletivamente em benefício de todos e para o bem comum, de maneira a contestar e a se contrapor ao senso comum do contexto imediato ou das ideologias dominantes. Neste sentido, a obra de Dario Ragazzini nos aponta para a necessidade de uma leitura mais acurada de Antonio Gramsci. Ela pode ajudar a constituir um importante instrumental de crítica à pauperização cultural e à massificação.

Recebido em 02/03/2007

Aceito em 31/03/2007

  • Endereço para correspondência:

    Cézar de Alencar Arnaut de Toledo
    Rua Saldanha Marinho, 870, ap. 301, Zona 7
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    Ragazzini, D. (2005).
    Teoria da personalidade na sociedade de massa: a contribuição de Gramsci (Maria de Lourdes Menon, Trad.). Campinas: Autores Associados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
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