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Psicoterapia, raça e racismo no contexto brasileiro: experiências e percepções de mulheres negras

Psicoterapia, raza y racismo en el contexto brasileño: experiencias y percepciones de las mujeres negras

RESUMO

A crença na democracia racial brasileira vem sendo desconstruída por vários índices de desigualdade social e de vitimização pela violência. Ainda que mais de 50% da população do país seja negra, a produção científica brasileira relativa a racismo e saúde mental não é significativa. O tema das relações raciais é, em geral, invisibilizado dentro das ciências psi. Esta situação desperta a pergunta sobre como essa parcela da população é servida no sistema de saúde mental, especificamente na clínica psicológica de atendimento a clientes negros/as. O objetivo deste trabalho foi coletar narrativas de pessoas negras atendidas por psicoterapeutas brancos/as, sobre suas vivências de racismo no cotidiano e sobre como se deu a escuta na terapia em díade birracial. Sete mulheres participaram do estudo. Foram identificadas quatro categorias temáticas: (1) razão para buscar psicoterapia; (2) processo psicoterapêutico; (3) fatores terapêuticos coadjuvantes, e, (4) formação do(a) psicoterapeuta para atender pessoas negras. Os temas mais importantes, apresentados por todas as entrevistadas, foram a transferência inter-racial no processo terapêutico e a falta de formação do(a) psicoterapeuta para atender clientes negros/as.

Palavras-chave:
Racismo; saúde mental; mulher negra

RESUMEN.

La creencia en la democracia racial brasileña viene siendo deconstruida por varios índices de desigualdad social y de victimización por la violencia. Aunque más del 50% de la población del país es negra, la producción científica brasileña relativa al racismo y la salud mental no es significativa. El tema de las relaciones raciales es, en general, invisibilizado dentro de las ciencias psi. Esta situación despierta la pregunta sobre cómo esta porción de la población se sirve en el sistema de salud mental, específicamente en la clínica psicológica de atención a clientes negros/as. El objetivo de este trabajo fue recolectar narrativas de personas negras atendidas por psicoterapeutas blancos/as, sobre sus vivencias de racismo en el cotidiano y sobre cómo se dio la escucha en terapia con profesionales de pertenencia racial diverso del suyo. Siete mujeres participaron en el estudio. Se identificaron cuatro categorías temáticas: (1) La razón para la búsqueda de la psicoterapia; (2) Proceso psicoterapéutico; (3) Factores terapéuticos secundarios, y (4) Formación del psicoterapeuta para atender a las personas negras. Los temas más importantes, por haber sido presentados por todas las entrevistadas, fueron la transferencia interracial en el proceso terapéutico y la falta de formación del psicoterapeuta para atender a clientes negros / as.

Palabras clave:
Racismo; salud mental; mujer negra

ABSTRACT

The belief in racial democracy in Brazil has been deconstructed by various indices of social inequality and violence victimization. Although more than 50% of the country’s population is black, Brazilian scientific production on racism and mental health is not significant. The subject of race relations is, in general, invisible within the psi sciences. This situation raises the question of how this portion of the population is served in the mental health system, specifically in the psychological clinical service to the black client. The objective of this study was to collect narratives of black persons who had white psychotherapists, regarding their experiences of racism in daily life, as well as to how they were listened to in a biracial dyad in psychotherapy. Seven women took part in the study. Four thematic categories were identified: (1) Reason to seek psychotherapy; (2) Psychotherapeutic process; (3) Associated therapeutic factors, and, (4) Psychotherapist specific training to serve black people. The most important issues, presented by all the interviewees, were the interracial transference in the therapeutic process and the lack of training of the psychotherapist to serve black clients.

Keywords:
Racism; mental health; black woman

Introdução

Sistemas de dominação racial foram justificados estritamente com base em diferenças fenotípicas, que ditaram as qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais dos diferentes grupos humanos, tendo um deles como referência. Hoje, por conclusão da própria biologia humana, não há razão científica para se acreditar na existência de raça biológica e a inoperacionalidade do próprio conceito é clara (Munanga, 2003Munanga, K. (2003). Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Recuperado de: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2009/09/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf
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). O entendimento atual de raça, portanto, não se baseia na biologia, mas na ideologia que esconde uma relação de poder e dominação. É neste sentido que a raça é aqui entendida: uma categoria socialmente construída, uma ferramenta para dominar e excluir, um marcador sociopolítico de desigualdades.

O século XX testemunhou um esforço na abordagem da história da injustiça racial e da opressão, em várias áreas do conhecimento (Carter, 2007Carter, R. T. (2007). Racism and psychological and emotional injury. The Counseling Psychologist, 35(1), 13-105. Recuperado de:https://doi.org/10.1177/0011000006292033
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). Uma das áreas que mais recentemente considerou relações raciais foi a psicologia e, mais tarde ainda, a psicologia clínica. Fora do Brasil, o fator raça/etnia e sua influência no processo de psicoterapia passou a ser objeto de estudo a partir dos anos 1970 e recebeu crescente atenção a partir de 1980 (Parham, 2002Parham, T. A. (2002). Counseling persons of african descent: raising the bar of practitioner competence. Thousand Oaks, CA: Sage.). É de fato notável a profícua produção de pesquisas sobre o assunto em vários países desde então, sendo destaque os países que tiveram e/ou têm algum sistema de migração, seja forçada, seja voluntária. Em suma, países cuja população é diversa e não apenas branca.

Segundo Carter (2007Carter, R. T. (2007). Racism and psychological and emotional injury. The Counseling Psychologist, 35(1), 13-105. Recuperado de:https://doi.org/10.1177/0011000006292033
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), relatório do governo estadunidense, de 2001, constatou que as populações tidas como não brancas nos Estados Unidos têm menos acesso a serviços de saúde mental, têm menos probabilidade de receberem o necessário cuidado e, quando o recebem, é de qualidade mais baixa que a população hospedeira. As minorias, em sua luta histórica e presente contra o racismo e discriminação, têm sua saúde mental afetada. Muito se estuda sobre os efeitos sociais, econômicos e políticos do racismo, mas menos é entendido sobre os aspectos ligados a efeitos psicológicos nas pessoas alvo e as reações psicológicas por elas desenvolvidas (Carter, 2007Carter, R. T. (2007). Racism and psychological and emotional injury. The Counseling Psychologist, 35(1), 13-105. Recuperado de:https://doi.org/10.1177/0011000006292033
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).

Williams & Priest (2015Williams, D. R., & Priest, N. (2015). Racismo e saúde: um corpus crescente de evidência internacional. Sociologias (Vol. 17). Recuperado de:https://doi.org/10.1590/15174522-017004004
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, p. 127) apontam que no Reino Unido, mesmo sendo onde se encontram os dados mais completos sobre a saúde de negros e de outros imigrantes, as disparidades étnico-raciais em saúde são evidentes e incluem “[...] menos satisfação com a vida e menos bem-estar subjetivo, assim como taxas mais altas de morbidade e mortalidade ao longo da vida, com tais disparidades presentes em todas as camadas sociais”. Em países de baixa renda, o tópico das disparidades étnico-raciais em saúde tem sido muito menos considerado, na literatura empírica, do que nos países de alta renda. Quando existe algum dado, a disparidade remanesce, por exemplo, na África do Sul, na Índia e no Brasil, onde as pessoas de origem indígena, pessoas pretas e mestiças apresentam vários indicadores de saúde muito baixos (Williams & Priest, 2015).

A ausência de dados, consequência do racismo no Brasil, se inicia na captação do quesito raça nos censos e se estende aos preenchimentos de formulários cadastrais em geral. Do nascimento à morte, a identidade racial é atribuída por profissionais de entidades, conforme as categorias: branca, parda, preta, indígena e amarela, praticadas pelo IBGE. Apesar da melhoria da qualidade no preenchimento desses formulários, há muitas identidades raciais ignoradas. Também a resistência de profissionais em registrar autodeclarações raciais gera imprecisões; além da fluidez dos limites entre os grupos, a classificação depende ainda, muito, dos olhos de quem vê (Schwartzman, 1999Schwartzman, S. (1999). Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil. Novos Estudos Cebrap, 55(1), 83-96.). Essa ausência de dados inicia a formalização da invisibilidade.

No Brasil, sendo estrutural e estruturante, o racismo entranhou-se em todos os tecidos da sociedade, do individual ao epistemológico. Ignoram-se desde dados demográficos, o que evita que se confronte a realidade concreta, até a produção acadêmica de intelectuais negras(os), também com o fito de evitar a discussão daquela realidade. Por um lado, ocultam-se os saberes negros, com base no argumento da não cientificidade negra, como se sequer existissem; por outro, promove-se o acesso à literatura que atravessou um filtro enviesado tido como aplicável universalmente: o saber branco.

Gouveia e Zanello (2018Gouveia, M., & Zanello, V. (2018). Saúde mental e racismo contra negros: produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 1-15. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/1982-37030003262017
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) verificaram a baixa produção científica brasileira indexada na área de saúde mental e racismo no período de 15 anos, de 1999 a 2014. A maior parte da produção é da psicologia social, sendo praticamente nula a produção na área clínica, e não aparece intercâmbio entre as duas áreas. O tema é invisibilizado dentro das ciências psi em geral; quase metade dos 19 artigos encontrados fizeram a abordagem histórica da incorporação do racismo nas teorias psicológicas/psiquiátricas e a afirmação da psiquiatria no Brasil como ciência via eugenia e racismo científico. Doze artigos têm profissionais de psicologia como primeiros/as autores/as e apenas um deles relatou a experiência de intervenção clínica racialmente contextualizada (Gouveia & Zanello, 2018Gouveia, M., & Zanello, V. (2018). Saúde mental e racismo contra negros: produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 1-15. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/1982-37030003262017
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).

Esses pífios números revelam-se dentro do critério restrito de indexação a uma base de dados, pois a produção negra da década de 2000 não é desprezível, comparada a toda história anterior. Ficaram fora do levantamento a produção de dissertações, teses, livros, a produção dentro de movimentos sociais cujos meios de divulgação são outros, e certamente muito mais. A indexação passa a ser então mais um método de calar, de bloquear a divulgação do conhecimento sobre o negro pelo negro, pois deixa invisível o que Oliveira e Nascimento (2017Oliveira, R. M. S., & Lima, J. N. S. (2017). Saúde mental e relações étnicas : formação do psicólogo para o SUS e o suas colonização e currículo. Odeere(UESB), 2(4), 145-165. Recuperado de:https://doi.org/https://doi.org/10.22481/odeere.v0i4.2372
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, p. 230) denominaram de “[...] análises que inauguraram o debate formal da psicologia a partir de um novo olhar surgido a partir dos anos 2000 [...]” em todo o país.

Nesse escondedouro de saberes persevera, no entanto, uma pletora de estudiosos das relações raciais na psicologia, não identificados(as) na literatura indexada do país. Ainda no século XX, três mulheres negras, psicanalistas, foram vanguardistas na abordagem das relações raciais na psicologia e da psicanálise no Brasil. Virginia Leone Bicudo, defendeu em 1945, tese de mestrado pioneira sobre racismo no Brasil e, em 1955, desenvolveu, no âmbito da agenda antirracista da Unesco, estudo das atitudes de alunos de escola primária paulistana relacionadas à cor dos colegas (Maio, 2010Maio, M. C. (2010). Educação sanitária, estudos de atitudes raciais e psicanálise na trajetória de Virgínia Leone Bicudo. Cadernos Pagu. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0104-83332010000200011
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). Neusa Santos Souza inaugura, em 1982, a pesquisa sobre a vida emocional dos negros e, com inspiração fanoniana, expõe a omissão da teoria psicanalítica a respeito. Ela disseca o custo emocional da sujeição, da negação da própria cultura e do próprio corpo; o desfazer-se da própria identidade - concreta e simbólica - seria o preço pago pelo negro para ascender socialmente. Em 1998, Isildinha Batista Nogueira hipotetizou que a pessoa negra desenvolve uma configuração psíquica característica como resultado da realidade histórico-social do racismo e chamou a atenção para o papel fundamental da elaboração dos sentidos do racismo na modificação da condição do negro.

O espaço neste trabalho é limitado para mencionar os feitos de outros(as) pesquisadores(as), sendo válido, no entanto, citar seus nomes como autores(as) brasileiros(a) que inauguraram a discussão das relações raciais na psicologia clínica, já no século XXI: José Tiago Reis Filho (2000), Regina Marques de Souza (2003), Maria Aparecida Miranda (2004), Maria Conceição Nascimento (2005), Maria Lucia Silva (2005), para citar alguns.

Dois trabalhos de importância investigam o caminho das relações raciais na psicologia. Schucman e Martins (2017Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2017). A psicologia e o discurso racial sobre o negro: do “objeto da ciência” ao sujeito político. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(spe), 172-185. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
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), ao traçarem a constituição do pensamento, história e posicionamento da psicologia brasileira frente às relações raciais, mencionam psicólogas, mulheres negras, como Neusa Santos Souza, Edna Roland, Edna Muniz, Maria Jesus Moura, Maria Aparecida Silva Bento, Isildinha Baptista Nogueira, entre outras, como responsáveis pela inserção da temática das relações raciais e do racismo, a partir de 1980, tanto na produção de conhecimento psicológico, quanto nos debates com a categoria, bem como na atuação dos psicólogos. Outro estudo importante é a análise feita por Oliveira e Nascimento (2017Oliveira, R. M. S., & Lima, J. N. S. (2017). Saúde mental e relações étnicas : formação do psicólogo para o SUS e o suas colonização e currículo. Odeere(UESB), 2(4), 145-165. Recuperado de:https://doi.org/https://doi.org/10.22481/odeere.v0i4.2372
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, p. 239), a respeito da omissão da psicologia sobre relações raciais, a atitude acrítica dos psicólogos clínicos frente a sua prática e à subjetividade das populações negra e indígena. As autoras vasculham as relações raciais na psicologia e concluem que “[...] os psicólogos que estudam a sociedade brasileira em suas manifestações psíquicas nas relações raciais estão providos de uma pequena, mas forte família de ancestrais”. É alvissareiro o atual boom de produção científica na área, iniciado na década de 2000, o qual parece apontar para uma descentralização, com a provável formação de eixos geográficos de pesquisa, quais sejam, as regiões Sudeste e Nordeste.

O Brasil tem 54% de população negra (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2015Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica [IBGE]. (2015). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - síntese de indicadores 2013. Recuperado de: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv94414.pdf
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). Sua história é marcada por um longo período de escravismo criminoso e por uma abolição que beneficiou o branco e a branquitude. De 519 anos de história, 388 (3/4 ou 75%) foram de escravização do negro, com apoio da sociedade, da política e da religião. A lei abolicionista de 1888 não proveu distribuição de terras, educação ou qualquer outra forma de compensação ou promoção de cidadania, o que se reflete no parco acesso da população negra à educação, ao mercado de trabalho, à saúde, à habitação, à infraestrutura urbana e a bens materiais no país. As espantosas disparidades entre os dois grupos no Brasil persistem; as desigualdades se mantêm segundo uma lógica bipolar (Heringer, 2002Heringer, R. (2002). Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas. Cadernos de Saúde Pública, 18(suppl), S57-S65. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000700007
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; Schucman, 2010Schucman, L. V. (2010). Racismo e antirracismo: a categoria raça em questão. Revista Psicologia Política, 10(19), 41-55. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2010000100005
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, 2012Schucman, L. V. (2012). Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. Recuperado de: https://doi.org/10.11606/T.47.2012.tde-21052012-154521
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) racializada e racista.

A permanência do racismo se deu em outras bases: se antes, na escravização, era nítido, ele se tornou insidioso e capilar, muito mais forte e muito mais difícil de captar. No entanto, não ser visto e/ou nomeado não torna o racismo menos efetivo, menos danoso, menos adoecedor. Carter (2007Carter, R. T. (2007). Racism and psychological and emotional injury. The Counseling Psychologist, 35(1), 13-105. Recuperado de:https://doi.org/10.1177/0011000006292033
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), por exemplo, associa a experiência do racismo com o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT). Ele não utiliza, porém, a nomenclatura ‘transtorno’, que indicaria algo originado na própria pessoa; em vez disso ele nomeia o estado de “[...] dano por estresse traumático de base racial” (Carter, 2007Carter, R. T. (2007). Racism and psychological and emotional injury. The Counseling Psychologist, 35(1), 13-105. Recuperado de:https://doi.org/10.1177/0011000006292033
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, p. 25, tradução nossa)3 3 “Race-based traumatic stress injury”. , para indicar uma condição devida a causas ambientais. Outro exemplo é o da literatura da psiquiatria cultural (Ngui, Khasakhala, Ndetei, & Weiss, 2010Ngui, E. M., Khasakhala, L., Ndetei, D., & Weiss, L. (2010). Mental disorders, health inequalities and ethics: a global perspective. International Review of Psychiatry, 22(3), 235-244. Recuperado de: https://doi.org/10.3109/09540261.2010.485273
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), que associa a posição de desempoderamento, particularmente dos marginalizados, estigmatizados e discriminados - o que ocorre com a população negra - aos transtornos mentais comuns.

Contaminada pela psiquiatria ou não, fato é que a psicologia esteve e permanece ausente da cena quando o assunto é relações raciais. Já em 1962, Wrenn introduzira o conceito do ‘psicoterapeuta culturalmente encapsulado’ em sua visão monocultural do mundo, para falar das aplicações universais, pela psicoterapia, de seus conceitos e objetivos, em detrimento das visões culturalmente específicas (Sue, 1981Sue, D. W. (1981). Evaluating process variables in cross-cultural counseling and psychotherapy. In A. J. Marsella & P. B. Pedersen(Orgs.), Cross-cultural counseling and psychotherapy(p. 102-125). New York, NY: Pergamon.). A psicologia é criticada por reproduzir as relações de poder do colonialismo, utilizando as teorias hegemônicas, constituídas com base na cultura e no funcionamento da população branca, para a pessoa branca, porém como se fossem teorias de aplicação universal (Sue & Sue, 2003Sue, D. W., & Sue, D. (2003). Counseling the culturally diverse: theory and practice(4th ed). New York, NY: John Wiley & Sons.).

No Brasil o racismo teve desenvolvimento e tem um funcionamento sui generis: o mito da democracia racial atrasou o debate nacional sobre o racismo e sobre políticas públicas para seu combate. Com a desmistificação do paraíso racial brasileiro, o questionamento da existência de uma democracia racial, veio a afirmação de um racismo persistente e prevalente no país. Uma especificidade desse racismo é que se admite sua existência no país, porém sem se admitir o próprio protagonismo, um racismo cuja amplitude de penetração é imensurável.

É inegável a relevância da existência do racismo e que exerça impacto na saúde mental da população negra. Faz-se necessário pensar esse impacto e como essa população tem sido atendida pelos serviços de saúde disponibilizados não só pelo Estado, mas também por particulares, como é boa parte dos atendimentos em psicologia clínica. Levando isso em consideração, a presente pesquisa teve como objetivo ouvir pessoas negras que passaram por processos psicoterapêuticos atendidas por psicoterapeutas brancos(as). Pretendeu-se coletar narrativas sobre suas vivências de racismo no cotidiano e sobre como se deu a escuta em terapia quando o(a) profissional tinha um pertencimento racial diverso do seu.

Metodologia

Esta pesquisa seguiu as normas e princípios estabelecidos pela resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466, de 12/12/2012 e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (CAAE: 68033617.8.0000.5540), sob o parecer de número 2.094.292.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa com entrevistas mistas (livre e semiestruturada). O processo de recrutamento de participantes foi feito por meio de anúncio em redes sociais para coletivos negros do campus de uma universidade pública brasileira, além do auxílio de colegas que também anunciaram a pesquisa a seus amigos. As entrevistas foram realizadas em locais reservados, escolhidos pelas participantes, de forma a que não incorressem em despesas de deslocamento e que, também, preservassem o sigilo. Os critérios de inclusão utilizados foram (1) autodeclaração como pessoa negra e (2) ter passado por ou estar em processo psicoterapêutico com profissional branca(o).

Foram selecionadas e entrevistadas sete mulheres autoidentificadas como negras. Apesar de não ser critério de exclusão, nenhum homem negro manifestou interesse durante o período de chamada para a participação na pesquisa. Para as entrevistas utilizou-se o recurso da paridade racial - entrevistadora negra entrevistou as participantes (todas negras) - no intuito de não introduzir elementos perturbadores (gênero e raça da pessoa entrevistadora) na situação de entrevista e de evitar potencial resistência, comum em díades de raça/etnia díspares. A paridade racial justifica-se também por sermos um país racializado, onde tensões nem sempre explícitas entre brancos e negros estão presentes, bem como “[...] para propiciar o discurso livre” (Carone, 2003Carone, I. (2003). Breve histórico de uma pesquisa psicossocial sobre a questão racial brasileira. In I. Carone & M. A. S. Bento (Orgs.), Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. (p. 13-23). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 21). A duração média das entrevistas foi de 01 hora. Para preservar o sigilo de suas identidades, cuidamos de substituir seus nomes verdadeiros por nomes de pedras preciosas por elas escolhidos.

A idade das entrevistadas variou entre 22 e 30 anos (média de 25 anos); tendo quatro se declarado pardas e três pretas; três heterossexuais e quatro bissexuais. Quatro mulheres são originárias do DF, uma de Goiás e duas de Minas Gerais. O nível de escolaridade situou-se entre graduação (5) e mestrado (2); o estado civil de quatro mulheres é solteira, uma é casada e duas vivem em união estável. Quatro mulheres são estudantes, uma é funcionária pública, uma é autônoma e uma é professora, e as rendas variam entre R$ 1.500,00 e R$ 15.000,00, com a média em torno de R$ 5.000,00, sendo que quatro mulheres ganham de um a cinco salários mínimos. Quanto à saúde mental, duas delas já tiveram diagnóstico de depressão e foram medicadas; a duração das psicoterapias variaram de um a dez anos. Todas declararam ter uma rede de apoio, sendo que cinco delas declararam ter na religião esse recurso. Apenas três mulheres tiveram ou têm terapeutas negras.

As participantes foram convidadas a relatar sua história de forma livre: (1) Conte-me um pouco de você, da sua vida, da sua experiência pessoal, sua experiência com psicoterapia, desde quando você a iniciou até atualmente. Durante a narrativa foram utilizados recursos (como paráfrase, afirmadores, e outros estímulos) para o direcionamento do conteúdo da fala em torno das experiências de psicoterapia com profissionais brancos. A entrevista semiestruturada teve como norte as seguintes perguntas: (1) Em sua opinião, como deveria ser o contato entre cliente e psicoterapeuta em uma psicoterapia inter-racial, para que esta fosse a mais exitosa possível? (2) Você acha que a cor da pele do(a) psicoterapeuta e do(a) cliente tem algum impacto no processo terapêutico? Você poderia descrever sua experiência quanto a esse aspecto? (3) Você se lembra de ter vivido em psicoterapia alguma situação desconfortável, cuja origem você imaginava ou imagina tenha sido pela sua raça, etnia, ou cor de pele? Por favor, descreva seus pensamentos, sentimentos e ações naquela situação. (4) Você aborda assuntos étnico-raciais em terapia? (5) Algum/a psicoterapeuta seu/sua aborda/abordou assuntos étnico-raciais em terapia? Que postura ela/ele demonstrou? Qual é/foi sua reação/postura? (6) Você acha que pode existir uma psicoterapia para ‘minorias’?

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, e a partir desses textos foi realizada análise de conteúdo. Duas pesquisadoras procederam, separadamente, a leitura integral das entrevistas, e depois da análise e levantamento dos temas reuniram-se para decidir acerca das categorias construídas, as quais serão descritas a seguir.

Resultados e discussão

A partir da análise de conteúdo, foram elencadas quatro categorias, a saber: (1) razão para buscar psicoterapia; (2) processo psicoterapêutico; (3) fatores terapêuticos coadjuvantes, e, (4) formação do(a) psicoterapeuta para atender pessoas negras. Cada categoria foi composta por temas, que serão apresentados a seguir.

Na primeira categoria ‘Razão para buscar psicoterapia’, foram agrupados os variados motivos apresentados para a busca de psicoterapia ou o gatilho que de fato desencadeou a ação de procurar a ajuda de um(a) psicoterapeuta. Esses motivos incluíram os temas do sofrimento amoroso, perda de pessoas próximas e passagens da vida como, por exemplo, a entrada em um novo ambiente, que pode ser uma mudança de escola, ou o ingresso no mundo universitário ou do trabalho. Algumas participantes apresentaram mais de um tema nos seus motivos para buscar a psicoterapia.

O motivo ligado ao sofrimento amoroso foi encontrado em cinco mulheres e pode ser ilustrado pela fala de Pérola: “[...] eu procurei foi por que eu estava tentando terminar um relacionamento [...] muito abusivo. Muita violência psicológica, que eu não sabia como sair [...]”. Quartzo Rosa também apresentou esse disparador. Embora em negação quanto ao motivo de sua busca por terapia, Serpentina mencionou o término de um relacionamento amoroso. O sofrimento amoroso apareceu também por se relacionarem com homens que, apesar do envolvimento, não as assumiam para relações afetivas estáveis e com compromisso, como foi o caso de Diamante. Ametista também trouxe uma relação indefinida com um homem branco: “Eu tinha um namoradinho meio indefinido, [...], branco de classe média alta, estudante de psicologia [...] eu falei namoradinho, algo como relação indefinida, porque sempre ficava em um não lugar, não era namoro, mas era sim, mas estava comigo, mas não tava, não assumia nunca”.

O sofrimento amoroso em mulheres negras apresenta-se mediado pela construção cultural do preterimento afetivo dos homens (brancos e negros) em relação a elas. Não à toa, tem crescido o debate em torno da questão da ‘solidão’ da mulher - entendida como decorrente do preterimento em suas relações amorosas - e seus impactos sobre sua saúde mental (Pacheco, 2013Pacheco, A. C. L. (2013). Mulher negra: afetividade e solidão. Salvador, BA: EDUFBA .; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba, PR: Appris.). Isso acaba por criar uma vulnerabilidade identitária maior entre elas: se há o preterimento afetivo, quando são ‘escolhidas’, muitas acabam por se submeter e a suportar maiores e/ou mais situações de abuso, violência e descaso.

A perda de pessoas próximas também se revelou como tema da categoria em Diamante, “[...] meu primo faleceu [morreu assassinado], [...] era o primo que todo mundo tinha que eu ia casar com ele [...]”, bem como em Esmeralda, que acumulou com a perda de pessoa próxima elementos de outra(s) ordem(ns), que a desnortearam: “[...] eu senti como se a vida tivesse me atropelando, sabe, como se as coisas estivessem acontecendo muito além da minha capacidade de entendê-las [...]”.

O terceiro tema das razões para se buscar psicoterapia, qual seja, passagens vitais, mostrou-se nas falas de duas mulheres. Esmeralda, na primeira vez em que buscou terapia, motivou-se tanto pela perda de familiar próximo, quanto pelo estresse com a finalização da graduação somada aos compromissos assumidos. Turmalina também passou pela situação de adaptação a um novo ambiente quando foi transferida de escola ainda aos 13 anos de idade. Destaque-se que vivências de ‘passagem’ podem ser situações ameaçadoras, em geral, para qualquer pessoa. No entanto, podem tornar-se ainda mais interpeladoras em pessoas negras, pelo racismo vivenciado cumulativamente em vários ambientes, como escolas, universidades e mercado de trabalho.

Na categoria ‘Processo Terapêutico’ dois temas foram identificados: (a) parede de vidro e (b) transferência/relação terapêutica inter/intra-racial. ‘Parede de vidro’4 4 O termo ‘parede de vidro’ é um correlato ao conceito de ‘teto de vidro’ surgido na década de 1980, para designar o ponto a partir do qual mulheres não conseguiam progredir para posições hierárquicas mais elevadas, ou posições de liderança, no mundo organizacional, graças ao sexismo. O conceito evoluiu para descrever essa barreira ilegal ao progresso de funcionários qualificados e merecedores, a qual se deve a preconceitos: de idade, etnia, afiliação política ou religiosa e / ou sexo. O termo ‘parede de vidro’ como aqui elaborado, aplica-se à barreira invisível, mas real, através da qual a próxima etapa ou nível de avanço, no processo psicoterapêutico, pode ser visto, desejado, esperado, mas não é alcançado. refere-se ao processo de estagnação da psicoterapia, que foi apresentado pelas sete entrevistadas, e que se desenvolve de diferentes formas. A estagnação pode acontecer porque: (a) a(o) profissional é alheio(a)a questões raciais, sendo essa a razão para não as abordar na psicoterapia, ou porque (b) ignora, minimaliza ou universaliza, quando a entrevistada aborda, ou ainda porque (c) a entrevistada não tocou no assunto por temor de que a/o profissional não fosse ‘dar conta’. Então, tanto as expectativas frustradas da paciente - que não consegue o que tenta ou nem tenta por não acreditar - quanto a incapacidade da/o psicoterapeuta participam da constituição, para estas mulheres, da ‘parede de vidro’. Essa experiência parece ser independente da raça/cor da psicoterapeuta.

A parede de vidro apresentou-se de diversas formas. Ametista, que queria aprofundar sua vivência da diferença no processo psicoterapêutico, relatou experienciar a sensação de limite, quando percebeu que seu universo confrontava o universalismo da psicoterapeuta. Diamante precisou de algum tempo para se decidir pelo término da psicoterapia, tendo até solicitado outras funções (coaching) para a profissional, mas sabia que não mais continuariam e se viu pontuando para a profissional “[...] tudo o que eu te falo é porque eu sou preta”. Serpentina também teve a sensação de limite. Esmeralda experienciou o estranhamento e desorientação da psicoterapeuta frente às suas questões vitais. Pérola desistiu do processo já na sessão de acolhimento, quando percebeu claramente, a partir do comportamento da profissional, que ela não teria nada a oferecer. Quartzo Rosa, em sua experiência com a psicoterapeuta branca, encontrou uma solução de compromisso com o limite, evitando o desagradável e preferindo, como declarou, usar seu tempo de psicoterapia com assuntos que poderiam fluir. Sobre a psicoterapeuta negra ela também apontou reservas, pois na sua avaliação a profissional negra era desprovida do conhecimento de sua própria história e subjetividade. Turmalina, também, preferiu não tocar em questões raciais ao deparar-se com a barreira intransponível, por temor de se desmotivar e abandonar a psicoterapia, que atendia parcialmente suas necessidades.

Seguem algumas frases das falas dessas mulheres, que mostram a sensação de paralisação do processo psicoterapêutico:(a) “[...] eu fiquei com uma sensação de que tinha chegado no limite [...]”; (b) “[...] tínhamos a conexão profissional-cliente. Mas chegou um tempo que teve um limite [...] por isso não progrediu mais”; (c) “[...] é que eu cheguei a um limite com ela [...] Eu vi um muro entende? [...] Não vai fluir aqui com ela mais [...]”; (d) “[...] eu não sei se [a terapeuta] não consegue, não se preocupa; é como se conversar sobre isso com ela fosse uma coisa que ela não conseguisse me entender, não conseguisse me ajudar, não conseguisse me orientar [...]”; (e) “[...] chegar no consultório e falar de uma experiência de violência fudida assim, que é obviamente racial, e a pessoa só deslegitimar e sei lá falar que você está exagerando, falar que você é doido, que tá na sua cabeça, que você tem mania de perseguição [...]”; (f) “[...] uma pessoa com formação racial, que saiba lidar com algumas coisas que eu leve pra lá. [...] Eu gostaria muito da sensação de não ter que ficar explicando, porque eu acho que a formação do profissional é trabalho do profissional, e não do cliente [...]”.

A transferência inter/intra-racial, subtema da categoria ‘Processo psicoterapêutico’, já existiria de forma inconsciente quando a entrevistada buscou ajuda. Com uma psicoterapeuta branca já se pressupõe que ela ‘não vai dar conta’; quando a psicoterapeuta é negra há uma esperança de empatia, que viria pela vivência racial compartilhada, mas essa empatia nem sempre foi confirmada. De fato, a partir de vivências, a(o) psicóloga(o) pode ter consciência de questões raciais. No entanto falta a formação. Assim, pelo menos no primeiro momento, parece fazer diferença ter um(a) psicoterapeuta branco(a) ou negro(a), mas isso não parece ser determinante da eficácia terapêutica. É preciso também que o(a) psicoterapeuta abandone seu alheamento, sua alienação às questões raciais, o que começa, segundo Helms (1990Helms, J. E. (1990). Black and white racial identity: theory, research and practice. Westport, CT: Greenwood Press.), pela tomada de consciência de si como um ser racial, e que tenha a formação adequada que considere especificidades.

Todas as entrevistadas manifestaram um tipo de transferência ou ambos: fantasia de uma parceria racial com a terapeuta negra e temor de não ser entendida pela terapeuta branca. Esmeralda, por exemplo, continha-se quanto a levar à terapia suas vivências de racismo sofrido: “[...] eu não vou nem discutir isso com ela porque ela [terapeuta branca] não vai me entender”. Quartzo Rosa também ressaltou seu cuidado em levantar o assunto com a psicoterapeuta branca, por temor de não ser entendida.

Foi apontado também o medo de não ver suas vivências e percepções legitimadas. Esse receio apareceu até mesmo com a psicoterapeuta negra: “Eu já percebi várias vezes durante a terapia, com as duas [terapeutas, uma branca e outra negra], de eu evitar falar certas coisas que eu só acho que elas não vão entender” (Quartzo-Rosa). Turmalina apresentou idealização da psicoterapeuta negra em sua segunda experiência, sendo que na primeira, aos 13 anos, sua psicoterapeuta era negra e o trabalho ‘maior’, segundo seu relato, foi com sua autoestima e controle de pensamentos negativos, sem o recorte racial: “[...] eu acho que se fosse uma mulher negra, talvez eu conseguiria abordar pelo sentido de experiência, experiência compartilhada”.

Além das vivências transferenciais inter/intra raciais, as entrevistadas trouxeram detalhes da relação terapêutica estabelecida com suas terapeutas (brancas e/ou negras), no quesito do manejo das vivências raciais. Ametista, por exemplo, muito crítica da psicologia em geral, expressou-se: “Mas todas as experiências (com psicoterapeutas) que eu tive sempre confirmaram as críticas [de que a psicologia não daria conta das especificidades das vivências raciais]”. Quando levava situações de racismo sofrido para a terapia, sua terapeuta branca tentava convencê-la de que “[...] somos todos um, que somos todos iguais ... parece que as pessoas não ouviam o que eu estava falando e afirmavam uma universalidade da experiência”. Diamante, por seu turno, avaliou que o estranhamento das vivências negras, perpetuado pela formação, impede quaisquer esforços de compreensão por parte dos (as) profissionais brancos(as). Pérola, com relação à sua primeira experiência com psicoterapia, anterior à sua consciência racial, avaliou como inépcia a não abordagem de questões raciais: “[...] hoje eu acho que foi péssimo”. Da sua segunda experiência ela também apresentou certa idealização da capacidade do(a) profissional negro(a) com base em suas supostas vivências raciais.

Frente à quase inexistência da abordagem de questões raciais nos atendimentos psicoterapêuticos, foram encontrados ‘fatores terapêuticos coadjuvantes’, ou seja, fatores auxiliares de cura localizados fora do consultório. Trata-se da religião afro e de grupos de apoio como a família e os(as) amigos(as) negros(as), bem como a militância/ativismo próprio ou familiar, círculos nos quais as vivências raciais podem ser e são discutidas. Tais redes de apoio apontam que essas mulheres não estão em ‘solidão’ propriamente dita; a potencialidade do pertencimento grupal, das relações de coletividades negras, remanesce não afetada pelo preterimento amoroso que elas experimentam.

Na categoria referente à ‘formação do psicoterapeuta para atender pessoas negras’ dois temas emergiram: a instrução acadêmica em si e a empatia, que também é uma habilidade que pode ser adquirida e treinada durante a formação. Seis mulheres abordaram assuntos relativos à instrução acadêmica, às vezes concomitantemente com a empatia.

Um dos aspectos ressaltados foi a violência operada pela universalização das teorias euroamericanas adotadas pelos(as) psicoterapeutas, as quais tomam o branco como o modelo humano universal. A fala de Ametista exemplifica esse sofrimento: “[...] eu não podia me narrar sob a perspectiva da diferença, ‘ah, mas isso é humano’ [...] isso me feria tanto; toda vez que eu ouvia isso eu tinha vontade de morrer. O ‘ser humano’ [...] Não tem ‘ser humano’, tem grupos e grupos e grupos diversos; isso não me contempla, é a minha corporeidade, é aminha experiência afetiva, é a minha experiência territorial, é tudo diferente”.

Nesse sentido, foi destacada a falta de formação em questões raciais específicas como fator limitante para a eficácia da psicoterapia, “[...] muitas vezes a gente chega lá e a terapeuta não tem esse preparo” (Quartzo-Rosa). Como Diamante claramente apontou, há pessoas que se esforçam e podem tornar-se prontas com relação a questões raciais, porém a formação fica faltando, como no caso de sua psicoterapeuta: “Ela é o tipo de pessoa que tenta fazer um esforço, mas não tem formação [...]”. Sobre a atuação do psicoterapeuta branco, Pérola sublinhou a possibilidade de sensibilização sobre os temas raciais em sua formação, de forma que o cliente não necessite explicar onde está o racismo na experiência relatada.

Mas, ao que parece, essa falta de formação ocorre tanto com psicoterapeutas brancos(as) quanto negros(as). No caso desses últimos, a semelhança de certas vivências não necessariamente garante a qualidade de atendimento e de compreensão das mesmas. Serpentina, em seu processo de descoberta como mulher negra, afirmou a respeito de sua psicoterapeuta preta: “Ela é uma psicóloga negra, mas ela não pontua coisas de questões raciais do que eu levo pra ela [...]”. A mesma profissional dá mostras de utilizar-se de um possível outro aspecto implicado, o que lhe poupa de abordar questões raciais: “Eu não estou em crise porque eu estou me formando, eu estou em crise porque eu estou me descobrindo de novo [como preta]”. Também Quartzo-Rosa aponta a dificuldade de sua terapeuta negra: “[...] ela sabe que ela é negra, mas ela não tem uma formação na psicologia que envolva raça como uma questão fundamental da saúde mental das pessoas, entendeu?”. Diamante também destacou a necessidade de o psicoterapeuta negro vir a termos com suas questões raciais para diminuir os riscos de prejudicar o processo e sublinhou que a(o) profissional negra(o) pode reviver com seu(sua) cliente suas próprias experiências raciais em sessão e que as mesmas precisam estar elaboradas. Parece, então, ter faltado às profissionais negras não apenas o contato com sua condição histórica em um primeiro momento, mas, consequentemente, falta a elaboração dos sentidos do racismo (Nogueira, 1998Nogueira, I. B. (1998). Significações do corpo negro (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.) e sua respectiva ressignificação.

Por fim, no tema da formação foi apontada a possibilidade de uma abordagem afrocentrada na psicologia: “[...] seria a psicologia ter uma leitura de espiritualidade africana: do que é mente, do que é o consciente dentro da espiritualidade africana, [...] de a gente ver como abordar o corpo preto e sua espiritualidade preta dentro da terapia, dentro da psicologia [...]” (Pérola). Por espiritualidade africana, entende-se a crença e prática de religiões brasileiras ditas de matriz africana. No entanto, há no Brasil, dentro da comunidade negra, múltiplas crenças, pertencimentos e práticas religiosas; a população não comunga o mesmo exato credo. Uma abordagem afrocentrada como sugerida pela entrevistada, não se aplicaria ipsis literis no Brasil5 5 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), 49,8% das pessoas declaradas católicas no censo de 2010, declaram-se também pretas ou pardas. . À(ao) psicóloga(o) clínica(o) afrocentrada(o) caberia perceber necessidades e religiosidades de forma individualizada, sem repetir a violência da imposição de uma crença única a todas pessoas em sua diversidade.

Esses temas merecem, há muito, o debate dentro da formação do psicólogo clínico em nosso país. Fanon (2008Fanon, F. (2008). Pele negra máscaras brancas. Salvador, BA: EDUFBA. Recuperado de: https://doi.org/10.7476/9788523212148
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) indicou as limitações das teorias existentes (europeias) para a compreensão dos impactos do racismo sobre a saúde mental. Foi crítico destemido da teoria psicanalítica e tinha como inaceitável a tese de que a neurose se aplicaria a todas as culturas e seria, portanto, inerente à condição humana. Para ele as neuroses e todas as psicopatologias são expressões de uma dada cultura. O problema de povos subjugados não é exatamente sua psicopatologia, nem apenas seus conflitos instintivos ou subjetivos, mas muito mais um problema de opressão e de conflitos reais entre opressores e oprimidos. No entanto, tanto Fanon, quanto Virgínia Bicudo e Neusa Santos Souza, ela própria bebedora da fonte fanoniana, são conhecidos em campos outros (Oliveira & Nascimento, 2017Oliveira, R. M. S., & Nascimento, M. da C. (2017). Psicologia e relações raciais : sobre apagamentos e visibilidades. Revista da ABPN, 10(24), 216-240.), exceto, ou apenas minimamente conhecidos, na psicologia. Isto é parte do pacto de silêncio para calar o que é dito pelo negro sobre o negro. Ora, são essas as fontes genuínas ao alcance da psicologia, as quais lhe trarão um novo olhar, não colonizado, sobre a psique negra.

Também fora do Brasil, o pensamento de Fanon foi ampliado pelos psicólogos multiculturais, tais como os irmãos Sue, Arredondo, Charles Ridley, Ponterotto, Pedersen, Helms, Carter etc. Na década de 1980,começou a surgir um interesse na psicologia pelo paradigma afrocentrado, para contestar o eurocentrismo da psicologia e suas pretensões de universalidade, como aponta Naidoo (1996Naidoo, A. V. (1996). Challenging the hegemony of eurocentric psychology. Journal of Community and Health Science, 2, 9-16. Recuperado de: http://www.multiworldindia. org/wp-content/uploads/2009/12/Eurocentric-Psychology.pdf
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). Desde aquela década houve aumento significativo no número de livros, artigos, capítulos e recursos de mídia instrucional que abordam o papel da raça na teoria, pesquisa e prática psicológicas (Thompson & Carter, 2012Thompson, C. E., & Carter, R. T. (2012). Race, socialization, and contemporary racism manifestations. In Racial Identity theory: applications to individual, group, and organizational interventions. New York, NY: Routledge.). Esse avanço parece não ter impactado os currículos de formação dos profissionais de psicologia clínica no Brasil, os quais ainda hoje são alvo de debates dos(as) que desejam essa mudança.

A empatia foi mencionada por três entrevistadas como um aspecto fundamental. Ametista encontrou empatia, mesmo sendo branca sua terapeuta. Diamante, na idealização da psicoterapeuta negra, disse: “Eu acho que se ela fosse negra teria rolado empatia”. Esmeralda espera a capacidade empática de profissionais brancos(as) e negros(as), crendo que os(as) últimos(as) supostamente teriam maior capacidade empática.

O termo ‘empatia’ tem sido vulgarizado, romantizado como um dom e perdido seu verdadeiro sentido. A empatia é uma habilidade adquirível e treinável, que não se resume a dizer ‘entendo você’, ou ‘uhum/aham’, ou a concordar com o que foi dito. Falcone (1999Falcone, E. (1999). A avaliação de um programa de treinamento da empatia com universitários. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(1), 23-32. Recuperado de: https://doi.org/https://doi.org/10.31505/rbtcc.v1i1.267
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) a define como uma habilidade de comunicação que incluiria três aspectos:

(1) um componente cognitivo, caracterizado pela capacidade de compreender, acuradamente, os sentimentos e perspectivas de outra pessoa; (2) um componente afetivo, identificado por sentimentos de compaixão e simpatia pela outra pessoa, além de preocupação com o bem-estar desta; (3) um componente comportamental, que consiste em transmitir um entendimento explícito do sentimento e da perspectiva da outra pessoa, de tal maneira que esta se sinta profundamente compreendida (Falcone, 1999Falcone, E. (1999). A avaliação de um programa de treinamento da empatia com universitários. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(1), 23-32. Recuperado de: https://doi.org/https://doi.org/10.31505/rbtcc.v1i1.267
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, par. 4).

Embora não suficiente, trata-se de um atributo necessário, não somente a psicoterapeutas, mas a qualquer profissional de saúde. Falcone (1999Falcone, E. (1999). A avaliação de um programa de treinamento da empatia com universitários. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(1), 23-32. Recuperado de: https://doi.org/https://doi.org/10.31505/rbtcc.v1i1.267
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) propôs um programa de treinamento da empatia (PTE) desenvolvido com estudantes universitários em situação de interação, em 11 encontros de 02 horas cada, no qual tanto os conteúdos verbais quanto os não verbais do comportamento empático foram avaliados pré e pós-treinamento. Os resultados apontaram que o PTE foi eficaz para o desenvolvimento do comportamento empático nos estudantes e para a transferência do aprendizado para o contexto relacional. Outras autoras obtiveram resultados semelhantes (Kestenberg, 2010Kestenberg, C. C. F. (2010). Avaliação de um programa de desenvolvimento da empatia para gaduandos de enfermagem. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872011000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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; Rodrigues, Peron, Cornélio, & Franco, 2014Rodrigues, M. C., Peron, N. B., Cornélio, M. M., & Franco, G. R. (2014). Implementação e avaliação de um Programa de Desenvolvimento da Empatia em estudantes de Psicologia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 14(3), 914-932. Recuperado de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872011000200009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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), seja no desenvolvimento, seja no aprimoramento das habilidades empáticas.

Considerações finais

Este trabalho verificou a percepção de mulheres negras em suas experiências de atendimento psicoterapêutico por profissionais brancos. A partir de suas narrativas foi possível identificar quatro categorias temáticas: (1) razão para buscar psicoterapia; (2) processo psicoterapêutico; (3) fatores terapêuticos coadjuvantes, e, (4) formação do(a) psicoterapeuta para atender pessoas negras. Ficou constatado o descontentamento das mulheres com os serviços psicoterapêuticos recebidos, pois questões raciais e suas experiências de racismo como fonte de sofrimento mental, quando e se relatadas em sessão, não foram em geral bem recebidas, consideradas ou exploradas pelo(a) profissional.

Ficou evidente que, independentemente da cor do(a) psicoterapeuta, nenhuma das profissionais iniciou o assunto de relações raciais, nem utilizou situações para iniciar o assunto: a abordagem sempre foi feita pela cliente. A continuidade do assunto não foi facilitada, sendo ignorado, minimizado, universalizado, enfim, de alguma forma, descartado, tanto pela profissional negra quanto pela branca. Instaurou-se, dentro do próprio processo psicoterapêutico, uma ‘parede de vidro’, o obstáculo invisível ao progresso da psicoterapia.

Talvez a psicoterapeuta preta não dê conta por questões diferentes da psicoterapeuta branca: a branca porque não consegue ver ou perceber, por sua alienação em relação ao mundo negro e à sua própria branquitude; já a negra, porque o assunto pode abordar questões raciais que a tocam e que ela talvez não tenha tido oportunidade de acessar, nomear ou elaborar para si mesma. A formação necessária deverá, portanto, alcançar áreas falhas diferentes: para a psicoterapeuta branca no sentido de tornar o sofrimento de base racial visível (e a consciência de sua própria identidade racial); para a psicoterapeuta preta, no sentido de instigá-la e conduzi-la a elaborar suas próprias questões raciais.

Especialmente para mulheres negras, cujo nível de exposição a fatores de risco para a saúde mental é mais alto que para mulheres brancas ou homens negros, pela sobreposição de estressores múltiplos - que sinergizam - inerente à interseccionalidade de raça e gênero, faz-se mister racializar e gendrificar o conhecimento, os estudos e as pesquisas.

O disfarce que cobre as teorias psicológicas euroamericanas, hegemônicas e universalizantes é outro problema: parece inofensivo e humanitário, mas, de fato, não fornece especificidades de saber que amparem o psicólogo clínico na escuta de outros grupos que não a população branca. A expressão ‘isso é humano’ ignora a violência que é o racismo; é como se o sofrimento não tivesse raça, gênero e classe social. Quando se trata como igual os diferentes, incorre-se em um tipo de violência que se caracteriza, nesse caso, como institucional. A ausência de abordagem das questões raciais foi ressentida pelas mulheres como uma limitação do(a) psicoterapeuta. As questões raciais para essas mulheres são trabalhadas, pela maioria, com a família e com amigas negras com quem têm identidade racial, grupos que aparecem em papel terapêutico coadjuvante no enfrentamento ao estresse de base racial.

Além do aporte teórico racial inexistente e necessário nos cursos de graduação em psicologia no Brasil, é importante que se exija do(a) treinando(a) que faça sua análise/ psicoterapia pessoal, o que também parece não ocorrer. Além disso, de modo geral, vimos que há uma demanda para um melhor treinamento das habilidades para a ajuda como, por exemplo, a empatia. No entanto, mesmo sendo necessária, sozinha é insuficiente.

Outro aspecto importante a ser considerado na formação técnica do psicólogo é a relação terapêutica, vista como fator de eficácia, envolvendo tanto fenômenos transferenciais quanto a aliança terapêutica, que é o vínculo real entre paciente e terapeuta (Cordioli & Grevet, 2019Cordioli, A. V., & Grevet, E. H. (2019). Psicoterapias: abordagens atuais. (A. V. Cordioli & E. H. Grevet, orgs.) (Vol. 4). Porto Alegre, RS: Artmed.). Mas, se não há reação ou resposta adequada do(a) psicoterapeuta a um mal que nos aflige especificamente, como será possível desenvolvermos tal vínculo? A relação terapêutica também é tratada no universal, não no específico, como um encontro entre dois seres ‘humanos’. Foi possível verificar aqui, tanto na busca, quanto no estabelecimento da relação terapêutica, a presença de transferências pré-existentes que são racializadas e que têm desdobramentos importantes no próprio processo psicoterapêutico.

Apesar da inexistência do viés racial nas psicoterapias relatadas pelas mulheres negras entrevistadas, cabem duas observações: (a) nenhuma das mulheres percebeu racismo na situação terapêutica e (b) todas relataram algum benefício, mesmo que mínimo. Em contrapartida, foi também unanimidade que haveria muito mais benefício se existisse a formação adequada que considerasse o recorte racial. Aqui há, ressalte-se, a ação do racismo sob sua forma insidiosa: ao não visibilizar questões que são fundamentais para entender a nossa cultura e a subjetivação das pessoas brasileiras, a psicologia clínica acaba por endossar o racismo.

Em suma, a formação da(o) psicóloga(o) no Brasil parece não trazer os elementos necessários para o entendimento e atendimento da população específica do país. Estamos fazendo uma psicologia colonizada: tratamos o universal, usamos o argumento do ‘sofrimento humano’, mas não o humano aqui constituído - mestiço, preto, indígena - e não tratamos os males causados por doenças sociais como o racismo. Pratica-se na psicologia o racismo por omissão, característica encontrada em todos os relatos desta pesquisa. É urgente que “[...] a ciência psicológica reconheça e dedique-se as demandas do sofrimento psíquico da população negra” (Oliveira & Lima, 2017Oliveira, R. M. S., & Nascimento, M. da C. (2017). Psicologia e relações raciais : sobre apagamentos e visibilidades. Revista da ABPN, 10(24), 216-240., p. 145). Precisamos materializar a dor: ela tem sexo, cor de pele, classe social, idade etc. Temos, pois, que ‘desuniversalizar’ a psicologia clínica, para encerrar as abordagens de tamanho único.

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    “Race-based traumatic stress injury”.
  • 4
    O termo ‘parede de vidro’ é um correlato ao conceito de ‘teto de vidro’ surgido na década de 1980, para designar o ponto a partir do qual mulheres não conseguiam progredir para posições hierárquicas mais elevadas, ou posições de liderança, no mundo organizacional, graças ao sexismo. O conceito evoluiu para descrever essa barreira ilegal ao progresso de funcionários qualificados e merecedores, a qual se deve a preconceitos: de idade, etnia, afiliação política ou religiosa e / ou sexo. O termo ‘parede de vidro’ como aqui elaborado, aplica-se à barreira invisível, mas real, através da qual a próxima etapa ou nível de avanço, no processo psicoterapêutico, pode ser visto, desejado, esperado, mas não é alcançado.
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    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica [IBGE]. (2010). Censo 2010. Recuperado de: https://censo2010.ibge.gov.br/
    https://censo2010.ibge.gov.br/...
    ), 49,8% das pessoas declaradas católicas no censo de 2010, declaram-se também pretas ou pardas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2018
  • Aceito
    14 Maio 2019
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