RESUMO.
Objetivo: Analisar a associação entre insatisfação com a imagem corporal e autoestima de adolescentes matriculados na rede pública estadual de ensino fundamental em Salvador-Bahia.
Método: Participaram deste estudo de corte transversal 860 adolescentes de 10 a 19 anos de idade, de ambos os sexos, matriculados do 7º sétimo ao 9º nono ano em 12 escolas de médio porte da rede pública estadual do ensino fundamental em turno integral, do município de Salvador, Bahia. A autoestima foi avaliada por meio da Escala de Autoestima de Rosenberg e a insatisfação com a imagem corporal pelo Body Shape Questionnaire. Dados demográficos e socioeconômicos, maturação sexual, estado antropométrico, nível de atividade física e sedentarismo foram também avaliados. A associação entre insatisfação com a imagem corporal e autoestima foi analisada pela regressão multinominal para variáveis politômicas utilizando o programa estatístico SPSS, versão 23.0.
Resultados: Entre os adolescentes, 24,8% tinham moderada autoestima e 27,3% apresentaram os menores escores desse constructo. A insatisfação com a imagem corporal foi identificada em 25,2% dos adolescentes. A análise de associação revelou que adolescentes com insatisfação com a imagem corporal possuem 5,61 (IC 95% 3,08-10,24) vezes maior chance em manifestar baixa autoestima para o sexo feminino e 3,83 (IC 95% 2,03-7,25) vezes para o sexo masculino. Ainda entre as meninas, a insatisfação com a imagem corporal permaneceu associada positivamente à moderada autoestima após ajuste do modelo (OR: 2,31; IC 95% 1,21-4,41).
Conclusão: Foi observada alta prevalência de níveis baixos e moderados de autoestima e que a insatisfação com a imagem corporal influenciou a baixa autoestima em ambos os sexos e a moderada entre as meninas.
Palavras-chave: Imagem corporal; autoestima; adolescentes
RESUMEN.
Objetivo: Analizar la asociación entre la insatisfacción con la imagen corporal y la autoestima en adolescentes matriculados en escuelas públicas estatales en Salvador - Bahía.
Métodos: Participó en esta sección transversal un total de 860 adolescentes de 10 a 19 años, de ambos sexos, de 7º a 9º grado, matriculados en doce escuelas medianas en instituiciones públicas estatales de enseñanza a tiempo completo, en la ciudad de Salvador, Bahía. La Escala de autoestima de Rosenberg y el Body Shape Questionnaire evaluarón, respectivamente, la autoestima y la insatisfacción con la imagen corporal. También se evaluaron los datos demográficos y socioeconómicos, la maduración sexual, el estado antropométrico, el nivel de actividad física y la inactividad física. La asociación entre la insatisfacción con la imagen corporal y la autoestima se analizó mediante regresión multinominal para variables politómicas utilizando el programa estadístico SPSS Versión 23.0.
Resultados: Entre los adolescentes, el 24,8% tenían una moderada autoestima y el 27,3% tenían las puntuaciones más bajas de este constructo. La insatisfacción con la imagen corporal se identificó en el 25,2% de los adolescentes. El análisis de asociación reveló que las chicas y los chicos con la insatisfacción con la imagen corporal tenían, respectivamente, 5,61 (IC 95% 3,08 - 10,24) veces y 3,83 (IC 95% 2,03 - 7,25) veces en tener más chances de tener baja autoestima. También entre las chicas, la insatisfacción con la imagen corporal se mantuvo positivamente asociada con uma moderada autoestima después del ajuste del modelo (OR: 2,31; IC del 95%: 1,21 a 4,41).
Conclusión: Se observó una alta ocurrencia de baja y moderada autoestima y que la insatisfacción con la imagen corporal influyó en la baja autoestima en ambos sexos y en la moderada autoestima entre las chicas.
Palabras clave: Imagen corporal; autoestima; adolescentes
ABSTRACT.
Objective: To analyze an association between dissatisfaction with body image and self - esteem of adolescents enrolled in the public elementary school system in Salvador - Bahia.
Methods: Participated in this cross-sectional study 860 adolescents aged 10 to 19, of both sexes from the 7th to the 9th year, enrolled in twelve medium-sized schools of the public elementary school system in full shift, in the city of Salvador, Bahia. Self-esteem was assessed through the Rosenberg Self-esteem Scale and body image dissatisfaction by the Body Shape Questionnaire. Demographic and socioeconomic data, sexual maturation, anthropometric status, physical activity level and sedentary lifestyle were evaluated. The association between dissatisfaction with body image and self-esteem was analyzed by multinominal regression for polytomic variables using the statistical program SPSS Version 23.0.
Results: Among the adolescents, 24.8% had moderate self-esteem and 27.3% had the lowest scores of this construct. Body image dissatisfaction was identified in 25.2% of the adolescents. The association analysis revealed that adolescents with body image dissatisfaction have 5.61 (95%ci 3.08-10.24) times greater chance of manifesting low self-esteem for females and 3.83 (95%ci 2.03-7.25) times for males. Still among girls, dissatisfaction with body image remained positively associated with moderate self-esteem after adjusting the model (OR: 2.31; 95%ci 1.21-4.41).
Conclusion: It was concluded that the prevalence of low and moderate self-esteem was high, and dissatisfaction with body image influenced low self-esteem in both sexes and a moderate among girls.
Keywords: Body image; self-esteem; adolescents
Introdução
A adolescência está associada a diversas transformações corporais, hormonais e comportamentais, que contribuem para a formação de identidade dos adolescentes, colocando-os em um contexto de maior vulnerabilidade a fatores externos, podendo comprometer a sua saúde física e mental. Assim, a influência externa se torna expressivamente relevante e pode desencadear reflexos na autoestima de adolescentes (Moehlecke, Blume, Cureau, Kieling, & Schaan, 2018).
A autoestima é um construto flutuante e dinâmico, formada por sentimentos e pensamentos do indivíduo sobre si próprio e sobre sua competência, com reflexos em atitudes positivas (sentimento de satisfação e valorização de si mesmo) ou negativas (sentimento de inutilidade e fracasso) (Pop, 2016). Esse construto é reconhecido como aspecto central do funcionamento psicológico na adolescência e se constitui importante requisito nessa fase da vida, pela sua relevância nas relações interpessoais, no sucesso ocupacional e no desempenho escolar (Pop, 2016; Sbicigo, Bandeira, & Dell’Aglio, 2010). O indivíduo se autoavalia de acordo com os sentimentos e pensamentos introduzidos durante o processo de formação de sua identidade, assim, quando todas ou a maior parte das atitudes do adolescente são criticadas, o mesmo pode, por inibição e medo de se expor, desenvolver baixa autoestima (Schultheisz & Aprile, 2013).
A concepção da autoestima ocorre ao longo do tempo e pode ser influenciada por fatores sociais e culturais, a exemplo das relações familiares, amorosas e interpessoais, meios de comunicação, ambiente escolar e de trabalho, condições de saúde e percepção da imagem corporal. Essa figura mental relaciona-se ao tamanho, à forma e às características do corpo, além de expressar sentimentos correlacionados a particularidades dessa representação mental, caracterizando um constructo complexo e multifacetado (Schultheisz & Aprile, 2013). Para os adolescentes o corpo não representa somente beleza, mas também é uma forma de comunicação e alcance social, porém o ideal inatingível de beleza imposto pela sociedade, principalmente veiculado pela mídia, é inalcançável pela grande maioria dos indivíduos. Essa pressão social por um corpo idealizado pode resultar em frustação e se configurar em gatilho para a insatisfação com a imagem corporal (IIC) (Silva, Silva, Oliveira, & Nemer, 2012). Nessa direção, alguns estudos realizados até o momento sustentam evidências de que IIC prediz baixa autoestima em adolescentes (Gatti, Ionio, Traficante, & Confalonieri, 2014; Paxton, Eisenberg, & Neumark-Sztainer, 2006; Polce-Lynch, Myers, Kliewer, & Kilmartin, 2001; Pop, 2016; Van den Berg, Mond, Eisenberg, Ackard, & Neumark-Sztainer, 2010). A autoestima e a IIC em condições adversas podem, isoladamente ou associadas, imprimir maior ocorrência de desordens alimentares e psicológicas no adolescente, perpetuando-se até a vida adulta.
Diante do exposto, considera-se relevante estudar os aspectos que contribuem para a formação da identidade dos adolescentes, em especial a imagem corporal e a autoestima. No entanto, dentre as pesquisas realizadas, existem poucos estudos na literatura com a população adolescente brasileira, que envolva a influência da IIC sobre a autoestima. Grande parte das publicações envolve a autoestima como fator preditor de insatisfação com o corpo. Desse modo, o objetivo deste estudo é analisar a associação entre IIC e autoestima de adolescentes matriculados na rede pública estadual de ensino fundamental em Salvador - Bahia.
Método
Trata-se de um estudo transversal que faz parte de um ensaio de campo intitulado ‘Utilização de tecnologia E-health para promoção da alimentação saudável nas escolas: Repercussões de práticas educativas utilizando uma versão adaptada do StayingFit na saúde de adolescentes matriculados em escolas do ensino fundamental da rede pública de Salvador/BA’, realizado com 860 adolescentes de 10 a 19 anos de idade, de ambos os sexos, matriculados no sétimo a nono anos de 12 escolas de médio porte da rede pública estadual de ensino integral do município de Salvador, Bahia.
Para o cálculo do tamanho da amostra foi utilizada a razão entre adolescentes sob intervenção e controle igual a 1 (um), com nível de significância de 0,95 e poder estatístico de 0,80 (Bland, 2004) e foi considerado aumento de 20% para compensar eventuais perdas no seguimento, os cálculos foram feitos utilizando o software GPower v.3.1.3. Os estudantes com traumas físicos, gestantes, indivíduos imobilizados no momento das medidas antropométricas e adolescentes que não participaram de alguma das etapas do projeto primário foram excluídos do estudo.
Os pais ou responsáveis pelos adolescentes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) consentiram com a participação de seu filho no estudo. Após o consentimento assinado pelos pais, o adolescente poderia concordar ou se recusar a participar da pesquisa. O projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (Parecer nº 893.944/14).
Os dados foram coletados em 2016. Todos os questionários foram autorreferidos pelos adolescentes, exceto o questionário socioeconômico que foi preenchido pelos pais e/ou responsáveis legais dos alunos. As medidas antropométricas feitas em duplicata foram realizadas por nutricionistas treinadas, que também foram responsáveis por explicarem aos pais e/ou responsáveis e aos escolares como seria realizado todo o processo de coleta de dados.
A variável dependente autoestima foi avaliada utilizando a escala de autoestima de Rosenberg (EAR) (Rosenberg, 1965), adaptada e validada para estudantes brasileiros de 10 a 30 anos de idade por Hutz e Zanon (2000), com alfa de Cronbach de 0,90. Essa escala possui dez sentenças fechadas, sendo cinco referentes à ‘autoimagem’ ou ‘autovalor’ positivos e cinco referentes à ‘autoimagem negativa’ ou ‘autodepreciação’. As opções de resposta são ‘discordo totalmente’, ‘discordo’, ‘concordo’ e ‘concordo totalmente’. Ao somar as pontuações das repostas, obtém-se o escore total, que varia de 10 a 40 pontos. Quanto maior o escore obtido, maior o nível de autoestima do indivíduo (Hutz & Zanon, 2000). A classificação da autoestima foi definida por quartis, comparando o quarto e terceiro quartil [30 a 40 pontos (alta autoestima = 0)] com segundo quartil [27 a 29 pontos (moderada autoestima = 1)] e primeiro quartil [10 a 26 pontos (baixa autoestima = 2)].
A imagem corporal, variável de exposição principal, foi avaliada pelo questionário Body Shape Questionnaire (BSQ) (Bergström, Stenlund, & Svedjehäll, 2000), instrumento composto por 34 perguntas cujas respostas variam em uma escala Likert de 1 = Nunca até 6 = Sempre. A escala distingue dois aspectos específicos da imagem corporal: a exatidão da estimativa do tamanho corporal e os sentimentos em relação ao corpo (insatisfação ou desvalorização da forma física). A classificação dos resultados é realizada a partir do total de pontos obtidos e retrata os níveis de preocupação com a imagem corporal. Escores menores ou iguais a 80 indicam satisfação com a imagem, entre 81 e 110 pontos classificam os adolescentes com insatisfação leve, entre 111 e 140 moderada e acima de 140 pontos presença de insatisfação grave com a imagem corporal (Bergström et al., 2000). No entanto, para fins de análise a variável foi categorizada em satisfeito (menor ou igual a 80 pontos = 0) e insatisfeito (maior que 80 pontos = 1).
Os procedimentos para avaliação do estado antropométrico foram preconizados pelo Anthropometric Standartization Reference Manual (Lohman, Roche, & Martorell, 1988). Para a obtenção do peso foi utilizada balança digital portátil Marte® (Marte Balanças e Aparelhos de Precisão, São Paulo, Brasil), com capacidade para 150 kg e precisão de 100 g. A altura foi aferida por meio de estadiômetro, marca Leicester Height Measure®, com a leitura realizada no milímetro mais próximo.
O Índice de Massa Corporal (IMC), obtido pela relação entre o peso (kg) e o quadrado da altura (m), foi utilizado para diagnosticar o estado antropométrico. Foram aplicados os pontos de corte em percentis, segundo idade e sexo recomendados pela WHO-2007 (De Onís, et al., 2007). Dessa forma, os indivíduos que tinham o IMC abaixo do percentil 3 foram classificados com magreza; a eutrofia foi definida quando o valor do IMC foi igual ou maior ao percentil 3 e menor do que o percentil 85; aqueles com valor de IMC igual ou superior ao percentil 85 e menor que 97 foram classificados com sobrepeso; e igual ou maior que 97, com obesidade.
O nível de atividade física dos adolescentes foi avaliado pelos indicadores de atividade física globalmente acumulada, obtida somando-se os tempos de práticas acumuladas nos últimos sete dias. O questionário é composto por seis questões que tratam de três diferentes domínios, a saber: deslocamento para a escola, aulas de educação física na escola e outras atividades físicas extracurriculares e atividade física global, essa avaliada pela prática de atividades físicas por pelo menos 60 minutos. Os adolescentes ativos foram aqueles que acumularam 300 minutos ou mais de atividade física semanal e insuficientemente ativos aqueles que tiveram 1 a 299 minutos de atividade física por semana (World Health Organization [WHO], 2010).
O hábito sedentário foi avaliado por um indicador capaz de avaliar o tempo gasto em atividades sedentárias, como assistir televisão. Indivíduos que relataram ter habitualmente duas ou mais horas de tempo de tela por dia foram considerados expostos a comportamento sedentário (Council on Communications and Media, 2013).
A avaliação da maturação sexual foi realizada por autorretratação das características das mamas, idade da ocorrência da menarca, dos genitais masculinos e dos pelos púbicos nas meninas e nos meninos, utilizando-se de gravuras que reproduzem diferentes estágios do estadiamento puberal. Para o sexo feminino, o início da pubescência é classificado com base no estágio II do desenvolvimento da mama e a pós-pubescência pela idade da menarca. Para o sexo masculino, o início do estirão é indicado pelo estágio III de Tanner e o final do estirão pelo estágio IV do desenvolvimento da genitália (World Health Organization [WHO], 1995).
As informações referentes às condições demográficas e socioeconômicas foram coletadas a partir de questionário estruturado ou por meio de consulta ao documento de identificação, certidão de nascimento ou ficha cadastral da escola. Além das variáveis demográficas (sexo e idade), foi estudado como marcador de nível socioeconômico o escore de bens e serviço (EBS) de acordo com os Critérios de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Cada item recebeu um peso que equivale ao inverso da frequência de posse ou presença no total da amostra estudada. O escore de cada adolescente foi obtido somando-se os pesos dos respectivos itens. A escala de pontuação classifica os indivíduos em categorias que variam de A (melhor condição econômica) a E (pior estrato econômico) (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2014).
Para fins de análise estatística as covariáveis foram categorizadas como segue: 1) estado antropométrico [magreza/eutrofia (0) ou sobrepeso/obesidade (1)], 2) sexo [masculino (0) e feminino (1)], 3) idade [<14 anos (0); >14 anos (1)], 4) desenvolvimento puberal [pré-púbere e púbere (0) e pós-púbere (1)], 5) atividade física [ativos (0) e insuficientemente ativos (1)], 6) tempo de tela [não sedentário <2 horas/dia (0), sedentário ≥2 horas/dia (1)], 7) estrato socioeconômico [A, B e C (0); D e E (1)].
Em razão de alguns estudos demonstrarem a influência do estado antropométrico, idade, indicadores sociodemográficos e econômicos, atividade física e sedentarismo sobre autoestima (Fortes, Cipriani, Coelho, Paes, & Ferreira, 2014; Gatti et al., 2014; Laus et al., 2014; Miranda, 2011; Pop, 2016; Van den Berg et al., 2010), optou-se por controlar as variáveis nas análises estatísticas.
Para o processamento e construção do banco de dados, foi utilizado o EpiData, versão 3.1. A análise descritiva dos dados foi realizada para caracterização da amostra de estudo. A análise de regressão multinomial para variáveis politômicas foi realizada para avaliar as associações entre a variável de exposição principal e o desfecho, utilizando como estimador a odds ratio (OR) e seu respectivo intervalo de confiança de 95%. Os resultados foram estratificados por sexo por esta variável ser uma modificadora de efeito. Todas as análises foram realizadas no pacote estatístico SPSS, versão 23.0.
Resultados
Entre os 860 adolescentes pesquisados a média da idade foi de 14,48 anos (DP = 1,43), com maior percentual observado entre aqueles com idade entre 14 e 19 anos. Quanto ao estado antropométrico, 71,3% dos adolescentes tinham eutrofia, 6,1% magreza e 22,6% excesso de peso. A maioria era pós-púbere (81,40%), inativo fisicamente (81,0%), tinham comportamento sedentário (59,4%) e pertenciam ao melhor estrato socioeconômico (93,5%). A distribuição das características demográficas, psicológicas, biológicas, econômica e do estilo de vida, segundo o sexo, podem ser visualizados também na Tabela 1.
Neste estudo, observou-se prevalência de 27,3% de baixa, 47,9% de moderada e 24,8% de alta autoestima nos participantes. As proporções da autoestima se apresentaram semelhantes entre os sexos (Figura 1). A prevalência de IIC foi de 25,2%, com maior proporção identificadas nas meninas (18,9% entre os meninos e 31,7% entre as meninas) (Figura 2).
Os resultados da análise bruta da regressão multinomial, ilustrada na Tabela 2, revelaram associação positiva e estatisticamente significante entre ICC e baixa autoestima entre adolescentes do sexo feminino (OR: 5,45; IC95% 3,24-9,17) e do sexo masculino (OR: 4,11; IC95% 2,33 - 7,24). E, as meninas com percepção negativa da imagem tinham maior de chance (OR: 1,96; IC95% 1,12-3,43) de apresentar moderada autoestima que seus pares satisfeitos com o corpo. Após ajuste do modelo pelas variáveis idade, estado antropométrico, estrato socioeconômico, atividade física e sedentarismo, a associação positiva entre IIC e baixa autoestima para os sexos feminino (OR: 5,61; IC95% 3,08 - 10,24) e masculino (OR: 3,83; IC95% 2,03-7,25) se manteve. Ainda entre as meninas, IIC permaneceu associada positivamente a moderada autoestima (OR: 2,31; IC95% 1,21-4,41) (Tabela 2).
Autoestima de adolescentes matriculados na rede pública de ensino de Salvador - Bahia, 2018, estratificada por sexo e classificada em quartil, sendo 1º quartil: 10 a 26, 2º quartil: 27 a 29 e 3º quartil: 30 a 40. (n=860).
Imagem corporal de adolescentes matriculados na rede pública de ensino de Salvador - Bahia, 2018, estratificada por sexo (n=860).
Discussão
Os resultados deste estudo evidenciaram alta prevalência de baixa autoestima (27,3%), estimativas similares ao encontrado em outras pesquisas (Johnson et al., 2004; Polce-Lynch et al., 2001). Um aspecto importante foi observado quando a estimativa foi estratificada por sexo. Assim, maior prevalência de baixa autoestima foi identificada no sexo feminino (30,7%), resultado também registrado por Gatti et al. (2014), em pesquisa realizada em amostra mista de escolares adolescentes da área metropolitana de Milão, Itália, em que as meninas apresentaram menor autoestima (29,4%) quando comparadas com seus pares do sexo oposto. Ainda, Moksnes e Espnes (2013) também obtiveram estimativas elevadas nos mais baixos níveis de autoestima (27,3%) entre adolescentes norueguesas.
Quanto à ocorrência de moderada autoestima, os resultados deste estudo mostraram maior prevalência no sexo masculino (48,6%). Segundo a literatura, os meninos sofrem menor interferência dos fatores externos que impactam na redução dos níveis de autoestima (Gatti et al., 2014; Moksnes & Espnes, 2013). De todo o modo, os resultados são preocupantes e alarmantes, pois os valores encontrados em ambos os sexos são elevados, representando nos adolescentes sentimentos de incompetência, inadequação e incapacidade de enfrentar os desafios, fatores de risco para desordens psicológicas futuras mais graves (Rosenberg, 1965).
No que concerne à prevalência de IIC entre os adolescentes (25,2%), os resultados estão em consonância com outros estudos (Jesus, Oliveira, Perini, Cardoso, & Jesus, 2010; Laus, Costa, & Almeida, 2009; Miranda, 2011; Santana et al., 2013). No entanto, as estimativas foram maiores que aquelas identificadas no estudo de Santana et al. (2013)(19,5%), o qual também foi realizado em amostra de adolescente soteropolitanos matriculados em instituições públicas de ensino. Nos resultados estratificados por sexo, foi possível observar maior prevalência entre as meninas, evidência consistente com resultados de estudos anteriores com adolescentes brasileiros (Fortes et al., 2014; Hargreaves & Tiggemann, 2004). Estudos evidenciam que o estereótipo de beleza inatingível imposto pela sociedade coloca as meninas em condição de maior insatisfação com o corpo imprimindo sentimentos de descontentamento e frustação com o peso, aparência física e forma corporal (Hargreaves & Tiggemann, 2004; Miranda, 2011; Silva et al., 2012).
Os resultados mostraram que a IIC se associou positivamente com moderada autoestima apenas entre as meninas e mais expressivamente com o nível mais baixo desse construto em ambos os sexos. Os resultados deste estudo confirmam aqueles identificados por Van Der Berg et al. (2010), no qual a insatisfação foi preditor para redução da autoestima em todos os grupos de adolescentes com eutrofia e excesso de peso, assim como em Park e Epstein (2013), onde a autoestima dos adolescentes coreanos foi influenciada inversamente pela IIC. Em ambos os estudos, os menores níveis de autoestima foram no grupo do sexo feminino, assim como em Gatti et al. (2014). É consenso na literatura, que o público feminino apresenta maiores problemas relacionados à estima corporal, pois valorizam mais os relacionamentos interpessoais e as opiniões externas a seu respeito, fator que pode determinar níveis menores de autoestima.
Apesar do presente estudo ter apresentado resultados interessantes para a comunidade científica, é preciso destacar suas limitações. Esta investigação foi composta por questionários autorreferidos pelos adolescentes. Porém, autores como Fortes, Morgado e Ferreira (2013) afirmam que os instrumentos autoaplicáveis são considerados ‘padrão de referência’ em pesquisas com amostras grandes, pois constituem método fácil de ser aplicado e de baixo custo operacional. Além disso, trata-se de um estudo transversal, o que não possibilita estabelecer uma relação temporal entre os eventos e considerar com maior grau de certeza se a relação entre eles é causal. Entretanto, é um estudo de baixo custo, de fácil realização, rápido e objetivo na coleta de dados.
Por outro lado, é importante ressaltar os pontos fortes do estudo em questão, tendo em vista que o mesmo tem uma amostra representativa (de estudantes de escolas estaduais em turno integral) e uma metodologia bem delineada, com todas as covariáveis controladas estatisticamente. Ademais, trata-se de um estudo inovador, tendo em vista que a grande maioria dos estudos analisa a influência da autoestima sobre a IIC, e não ao contrário, como foi estudado nesta investigação. Assim, esta pesquisa serve como um direcionamento para novos projetos visando a associação entre ICC e autoestima em adolescentes, em especial no âmbito nacional a fim de contribuir para maior embasamento teórico acerca do tema em nosso país.
Considerações finais
Os resultados permitiram concluir que existe alta prevalência de baixa e moderada autoestima entre os adolescentes deste estudo, principalmente entre meninas. A IIC revelou ser uma variável que se associou à baixa autoestima em ambos os sexos. Ainda, IIC aumentou a ocorrência de moderada autoestima entre as meninas. Estes constructos em condições adversas podem, isoladamente ou associadas, imprimir prejuízos à saúde física e mental do adolescente.
Dessa forma, espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para auxiliar na elaboração e planejamento de intervenções como aconselhamento psicológico e nutricional, visando melhor conhecimento sobre o tema e identificação de indivíduos com pré-disposição para desordens alimentares e psicológicas, a exemplo daqueles com baixa autoestima, prevenindo assim o avanço destas condições até a fase adulta. Além disso, observa-se a necessidade de ampliar estudos, no sentido de auxiliar no desenvolvimento e planejamento de estratégias de promoção a maior satisfação corporal entre os adolescentes, tendo em vista as crescentes taxas de ICC na nossa população, acometendo a cada dia indivíduos mais jovens, pelo reconhecimento e glorificação a corpos magros e perfeitos que são enfatizados no Brasil.
Agradecimentos
Aos membros da comunidade escolar (professores, funcionários e alunos) pela receptividade e apoio na realização deste estudo.
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Financiamento
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
16 Jun 2020 -
Aceito
13 Maio 2021