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Estágios em Psicologia Escolar: proposições teórico-práticas

Stages in School Psychology: theoretical-practical propositions

Estágios en Psicología Escolar: proposiciones teórico-práticas

Facci, M.G.D; Meira, M.E.M. . (Orgs.) (2016). Estágios em psicologia escolar: proposições teórico-práticas . Maringá: EDUEM, 258p.

Esta é uma obra que socializa diversas experiências de estágio no campo da psicologia escolar. Em um contexto marcadamente “sem-esperança”, o compartilhamento das práticas já desenvolvidas nos aponta caminhos possíveis de serem trilhados num compromisso com aqueles que lutam para que a escola cumpra seu papel num projeto de humanização. Se a desesperança é paralisante, o relato destas experiências acende a esperança de que mudanças podem ser forjadas. Não trata de uma esperança passiva, daquelas em que se aguarda que as coisas se resolvam como num passe de mágica, mas uma esperança que, balizada por pressupostos teóricos no campo da Psicologia, sinaliza que é possível o desenvolvimento de intervenções que busquem resgatar o papel da escola em um contexto que tem cultuado o fracasso escolar.

O primeiro capítulo, intitulado “Formação do psicólogo e compromisso social: uma experiência educativa”, apresenta uma experiência de estágio norteado pelos pressupostos da teoria histórico-cultural. Discute as três dimensões que se articulam no processo formativo: política, epistemológica e didática. Na primeira dimensão, dentre outros aspectos, destaca que a organização curricular dos cursos de Psicologia expressa nossas opções políticas: formação para atender à lógica do mercado ou problematizar essa lógica rumo a uma superação. Na dimensão epistemológica assinala que a produção do conhecimento no campo da formação pode nortear as práticas no sentido de superar os determinismos que teimam em limitar as possibilidades humanas. A dimensão didática resgata a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e evidencia que as vinculações teóricas podem viabilizar ações que expressem o compromisso social do profissional. Finaliza descrevendo uma atividade de estágio que se configurou como produção de um projeto coletivo e utilizou a literatura infantil como ferramenta de intervenção.

O capítulo segundo: “Formação continuada de professores: reflexão acerca da relação entre trabalho docente e sofrimento/adoecimento psíquico” aborda o sofrimento psíquico dos professores a partir dos fundamentos da psicologia histórico-cultural apontando as contradições entre a riqueza humana historicamente produzida e o acesso limitado a essas riquezas. Discute a alienação decorrente dessa desumanização, e insere a alienação ideológica como muito próxima do professor, posto que o produto do seu trabalho é o conhecimento. Problematiza o adoecimento dos docentes saindo da esfera individual e faz o relato das intervenções mediadas através de um curso de formação continuada de professores no qual se problematizou o adoecimento para além do sujeito, com o intuito de integrar a problemática e as possibilidades de enfrentamento numa dimensão coletiva.

O capítulo seguinte “Psicologia escolar e adolescente: valorização da escola no desenvolvimento psicológico” resgata as contribuições que a escola pode oferecer no desenvolvimento psicológico dos alunos. Fundamentado nos pressupostos da psicologia histórico-cultural discute a descaracterização da escola como lócus de apropriação do conhecimento e sua função numa sociedade de classes. Problematiza a educação adaptacionista e sinaliza as possibilidades de constituir-se de outra forma que impulsione as transformações necessárias ao projeto de emancipação humana. Descreve uma experiência de estágio com adolescentes em que as temáticas trabalhadas tinham como eixo norteador a ideia da valorização da escola no processo de humanização e o resgate da importância da apropriação dos conhecimentos científicos.

No quarto capítulo “A orientação profissional a partir da psicologia histórico-cultural: caminhos possíveis” apresenta-se um estágio junto a alunos do ensino médio. Semelhante ao anterior, ressalta a função social da escola e ainda discute o desenvolvimento das necessidades humanas articuladas com as relações sociais que o homem estabelece. Refere que o projeto de orientação profissional foi planejado como alternativa de enfrentamento às queixas escolares que envolviam alunos daquele nível de ensino e situa que as atividades tiveram como propósito discutir o significado da profissão e seus impactos no desenvolvimento pessoal e social. Faz uma descrição da metodologia adotada e sinaliza que práticas críticas podem ser tecidas.

No capítulo “A patologização do não-aprender: contribuições da psicologia histórico-cultural para a superação do fracasso escolar” é apresentada uma experiência com alunos da rede pública de ensino encaminhados com queixas escolares para um Centro de Atenção Psicossocial Infantil. Discute a produção do fracasso escolar e, apoiado pela pedagogia crítica e pela psicologia histórico-cultural, descreve uma intervenção na qual as queixas escolares são tratadas a partir do resgate histórico de como foram produzidas; portanto, envolveu crianças, familiares, escola, e outros profissionais que acompanhavam o caso. Finaliza sinalizando que trabalhos desta natureza podem se constituir uma contraposição para a crescente medicalização das queixas escolares.

O capítulo sexto “Atuação do psicólogo diante das queixas escolares na prática de estágio supervisionado” também toma os problemas de escolarização e a queixa escolar como objeto de intervenção. Apoiado nos referenciais da psicologia histórico-cultural situa a importância da escola no processo de desenvolvimento humano. Chama a atenção do leitor para a culpabilização dos alunos quando o tema é fracasso na escola. Uma intervenção que utilizou como ferramentas a observação, entrevista e análise de documentos. Sem negar os desafios que se apresentam nesses contextos, situa os conhecimentos teórico-práticos como essenciais na formação dos futuros psicólogos que podem ir além das análises reducionistas e práticas fragmentadas.

O sétimo capítulo “Eu tô te explicando pra te confundir - a psicologia escolar no ensino superior” toma a arte como ferramenta mediadora da constituição pessoal e profissional dos alunos. Também a psicologia histórico-cultural é tomada como aporte teórico e a arte como reflexo da dimensão social presente nas singularidades e que pode se constituir um meio de apropriação da riqueza cultural. Descreve a intervenção situando as etapas, desde os critérios de seleção dos estagiários, reuniões de supervisão e ações desenvolvidas com alunos do primeiro semestre: recepção aos calouros, reunião com os pais e ações sistemáticas com a turma. Conclui com a avaliação da ação pelos envolvidos: calouros, estagiários e professora. Confirma a arte como elemento mediador capaz de gerar novas aprendizagens, desenvolver e transformar criativamente.

O oitavo capítulo “Estágio curricular em psicologia escolar e a complexidade do cotidiano nas instituições educativas” contextualiza a demanda de intervenção como proveniente de uma Secretaria Estadual de Educação que esboçava preocupação com o baixo resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Sistematiza a intervenção tendo como bases teóricas a psicologia escolar crítica e a psicologia histórico-cultural. Descreve a experiência que envolveu estagiários de psicologia, alunos de uma disciplina, psicólogos da Secretaria de Educação e representantes das escolas envolvidas nas atividades de plantão institucional itinerante e observação participante. A experiência serviu para evidenciar a necessidade de se lidar com as situações não planejadas. O aporte de teorias que consideram o homem na sua realidade concreta facilita no desenvolvimento de intervenções historicamente situadas.

Por fim, o capítulo “A psicologia escolar e a institucionalização de técnicas de Freinet” tomou por base as técnicas da pedagogia institucional e a da pedagogia de Freinet. Resgata como a pedagogia institucional lida com os conflitos que emergem na sala de aula e situa sua articulação com as práticas pedagógicas preconizadas por Freinet que se propunha a formar agentes transformadores da sociedade. Das queixas trazidas pela escola relata a organização de dois planos de intervenção: o primeiro com alunos do ensino fundamental e outro com alunos do ensino médio. Finaliza destacando a relevância das ações desenvolvidas no campo da psicologia escolar e das mediações que podem ser feitas no processo de ensino-aprendizagem e apropriação do saber científico.

De maneira geral os capítulos convidam a refletir sobre os desafios impostos pela realidade que temos construído. Provocam-nos a um posicionamento quanto às práticas a serem travadas no interior das escolas e nos processos formativos em psicologia. Em todos os relatos observamos o esforço por realizar um movimento de superação do modelo clínico de atuação que historicamente foi tomado como referência nesse campo de atuação para um compromisso com os desafios postos pela contemporaneidade. O nosso compromisso político tão questionado a partir da década de 80 ainda reverbera nesta segunda década do século XXI. A quem nós servimos ou queremos servir?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2017
  • Aceito
    30 Out 2017
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