Open-access REINVENTANDO O LUGAR DA PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO: INTERVENÇÕES MEDIADAS POR TDIC

Reinventando el lugar de la Psicología en la educación:intervenciones mediadas por TDIC

RESUMO

A pandemia de Covid-19 afetou o processo de ensino-aprendizagem de diversos estudantes, sendo que mais de um ano após o início do ensino remoto emergencial os impactos do fechamento das escolas continuam presentes. Nesse contexto, apresenta-se um relato de dois projetos frutos de estágio supervisionado em Psicologia Escolar realizados em escolas da rede pública de São Paulo, cujos objetivos foram contribuir com o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes e reafirmar as possibilidades de intervenção da Psicologia Escolar no enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia. Para tanto, foram utilizadas diferentes tecnologias digitais da informação e da comunicação, como mídias sociais, cartilha digital e plataformas de vídeo chamadas, para intervir junto aos grupos de alunos do Ensino Fundamental e Médio. Tais estratégias permitiram oferecer acolhimento aos estudantes e promover a reflexão acerca da importância da permanência na escola e da preservação dos vínculos com colegas e professores, a despeito do distanciamento físico e do ensino remoto.

Palavras-chave: psicologia escolar; tecnologia; aprendizagem; pandemia de Covid-19

RESUMEN

La pandemia de covid-19 afectó el proceso de enseñanza-aprendizaje de diversos estudiantes, pues más de un año tras el inicio de la enseñanza remota de emergencia los impactos del cierre de escuelas siguen presentes. En este contexto, se presenta un relato de dos proyectos fruto de pasantía tutelada en psicología escolar realizados en escuelas de la red pública de São Paulo, cuyos objetivos fueron de contribuir con el proceso de enseñanza-aprendizaje de los estudiantes y reafirmar posibilidades de intervención de la psicología escolar en el enfrentamiento de los desafíos impuestos por la pandemia. Para tanto, se utilizaron distintas tecnologías digitales de la información y comunicación, como medias sociales, manual digital y plataformas de video llamadas, para intervenir junto a grupos de alumnos de la Enseñanza Básica y Secundaria. Esas estrategias permitieron ofrecer acogimiento a los estudiantes y promover la reflexión acerca de la importancia de la permanencia en la escuela y de la preservación de los vínculos con compañeros y profesores, a que se refiere al alejamiento físico y enseñanza remota.

Palabras clave: psicología escolar; tecnología; aprendizaje; pandemia de Covid-19

ABSTRACT

The Covid-19 pandemic affected the teaching-learning process of several students, and more than a year after the start of emergency remote teaching, the impacts of school closures are still present. In this context, a report is presented about two projects resulting from supervised internships in School Psychology carried out in public schools in São Paulo, whose objectives were to contribute to the teaching-learning process of students and reaffirm the possibilities of intervention by School Psychology in facing the challenges posed by the pandemic. To this end, different digital information and communication technologies were used, such as social media, digital booklets and video call platforms, to intervene with groups of Elementary and High School students. Such strategies made it possible to offer welcome to students and promote reflection about the importance of remaining at school and preserving bonds with colleagues and teachers, despite physical distancing and remote teaching.

Keywords: school psychology; technology; learning; Covid-19 pandemic

INTRODUÇÃO

Em decorrência da pandemia do Covid-19, educadores e estudantes em diversos lugares do mundo tiveram seu processo de ensino-aprendizagem afetados (UNICEF, 2021a), sendo que no estado de São Paulo a suspensão das aulas presenciais ocorreu em março de 2020 para todos os alunos da rede estadual de ensino, totalizando 3,5 milhões de estudantes atingidos por essa medida (Governo do Estado de São Paulo, 2020). Em 2021, a população ainda vivia um cenário de incertezas que afetava diretamente a educação no país, uma vez que apesar da adaptação das instituições para o ensino remoto, muitos alunos continuavam sem acesso às aulas e atividades. Segundo dados do Unicef (2021b), após um ano de ensino remoto, a quantidade de estudantes, com idade entre 6 e 17 anos, que abandonaram as instituições de ensino no Brasil foi de 1,38 milhões, enquanto 4,12 milhões de alunos, apesar de matriculados e sem estarem em período de férias, não receberam nenhuma atividade escolar durante o período de ensino remoto emergencial.

Diante desse cenário, o presente relato diz respeito a dois projetos de intervenção realizados em escolas públicas de São Paulo durante um estágio de Psicologia Escolar e Educacional denominados respectivamente de “Escolarização e pertencimento” e “Laços e nós”. Esses projetos tiveram como objetivo contribuir com o processo de ensino-aprendizagem em um ano letivo atípico como foi 2021. Nesse sentido, consideramos que o “psicólogo pode e deve se envolver diretamente com a ação educacional” (Dazzani, 2010, p. 371). Entende-se que “a partir da Psicologia Escolar e Educacional, temos um conjunto de pesquisas e de conhecimentos que poderão ser valorosos na melhoria da qualidade da escola brasileira” (Souza, 2018, p. 30), o que permite um deslocamento do já superado lugar tradicional da psicóloga e do psicólogo para que possa desenvolver práticas coletivas, através das quais é possível acolher tensões e buscar novas saídas para os desafios atuais (CFP, 2019).

ESCOLARIZAÇÃO E PERTENCIMENTO

Foi um projeto de intervenção desenvolvido junto a uma escola pública com estudantes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio por meio do uso de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC). Nas atividades realizadas buscou-se acolher os sentimentos decorrentes do isolamento físico e fortalecer o vínculo dos estudantes com a escola. Para tanto, foram adotadas três estratégias: a) cartilha “Aprendendo em tempos de pandemia”, um livreto digital composto por diversas atividades, como história lúdica, jogo dos sete erros, listas e caça-palavras, que abordavam temas voltados às mudanças vividas pelos estudantes do sexto ano ao mudar do ciclo I para o ciclo II do Ensino Fundamental, em meio ao ensino remoto emergencial; b) materiais digitais, foram produzidas diversas postagens para as redes sociais da escola (Facebook e Instagram) que informavam e promoviam as reflexões acerca de temas como a atuação da(o) psicóloga(o) escolar, autocuidado em tempos de pandemia e esclarecimentos sobre os efeitos da evasão escolar, buscando fortalecer o contato da instituição com a comunidade escolar ao longo do ensino remoto emergencial e sensibilizar os adolescentes, estudantes da escola, quanto à importância do auto cuidado e manutenção dos estudos nesse período; e c) rodas de conversa, na modalidade híbrida que foram realizadas em dois encontros com estudantes do Ensino Fundamental II, via Google Meet e com alguns alunos presencialmente na escola, sendo que tais encontros promoveram reflexão sobre a importância do isolamento físico continuar sendo mantido e o engajamento dos estudantes nas atividades da escola, apesar das dificuldades.

Em decorrência da pandemia e da necessidade do isolamento, as atividades ao longo do estágio não puderam ser inseridas presencialmente no ambiente escolar e precisaram ser constantemente reinventadas, como foi o caso das rodas de conversa realizadas com estudantes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Atividades com grupos de alunos são recomendadas nas Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) na Educação Básica, sendo que “um trabalho que geralmente obtém bons resultados é aquele que envolve as turmas de alunos trabalhando no sentido de promover orientação em relação a temáticas que circunscrevem o espaço escolar” (CFP, 2019, p. 50), como é o caso da pandemia e do isolamento físico necessário. Assim, buscou-se propiciar para os estudantes, por meio do uso de diferentes TDIC, um espaço de escuta e acolhimento acerca de alguns dos fatores gerados pela pandemia que afetam significativamente a saúde mental de adolescentes, como o distanciamento dos amigos, as limitações de conexão com a internet e as incertezas em relação ao próprio futuro (UNICEF, 2020). Tal espaço de escuta se constituiu na contribuição para a melhoria da qualidade da educação, cumprindo assim, a Psicologia Escolar sua principal atribuição.

LAÇOS E NÓS

Baseando-se no princípio de que o trabalho do psicólogo(a) na educação é pautado na dimensão subjetiva do processo de ensino-aprendizagem, utilizando os saberes psicológicos para contribuir nos diversos aspectos educacionais (CFP, 2019, p. 42), buscou-se trabalhar com alunos do 4º ano do Ensino Fundamental I, de uma escola pública na região metropolitana de São Paulo, as habilidades relacionadas ao desenvolvimento de recursos afetivos e sociais, propiciando um ambiente acolhedor e seguro de compartilhamento para o enfrentamento das dificuldades que surgiram e/ou se agravaram com a pandemia, a fim de nutrir a saúde mental e promover uma convivência saudável em níveis individual e social.

Devido à situação causada pela pandemia do Covid-19 e o decorrente recesso das aulas presenciais, foi necessário adaptar as atividades elaboradas com auxílio de TDICs visando possibilitar o compartilhamento de informações entre os alunos. Dessa forma, para implementar o projeto foi escolhida a plataforma digital Padlet1, que permite a criação de murais personalizados de fácil manuseio para as crianças e professores, que acessavam semanalmente a plataforma via link enviado pelas estagiárias.

Na página de entrada do mural foi criada uma linha do tempo contendo todas as atividades que seriam enviadas gradualmente aos alunos, possibilitando o acesso às novas propostas e a consulta das anteriores, além da visualização das contribuições feitas pelos colegas. Cada atividade possuía uma descrição explicativa, postada juntamente com o seu respectivo link na linha do tempo. Essas descrições também foram incluídas no roteiro semanal enviado pelas estagiárias à escola, que por sua vez, enviavam para os grupos de Whatsapp das turmas e para as famílias dos alunos, possibilitando uma comunicação constante.

Durante o semestre foram realizadas oito atividades, que buscaram proporcionar aos alunos um espaço de compartilhamento de vivências e emoções. As atividades desenvolvidas foram: apresentação, mural de jogos didáticos, compartilhamento de aprendizados na quarentena, mural de sentimentos, desenhos da escola e troca de experiências adquiridas durante as atividades. Além do mural virtual, foi também elaborada uma cartilha educativa a respeito da COVID-19 e os cuidados necessários na escola, possibilitando que, de forma lúdica e dinâmica por meio dos jogos propostos na cartilha, os alunos pudessem compreender a importância de se manter os cuidados de higiene, principalmente no ambiente escolar.

Com o decorrer do projeto foi possível observar que, gradativamente os alunos foram se sentindo mais à vontade para compartilharem suas percepções e vivências, assim alcançando o objetivo principal do trabalho. O uso de recursos tecnológicos viabilizou a troca entre os alunos e a aproximação destes com o ambiente escolar, propiciando a criação de laços. Além disso, através das atividades propostas foi possível oferecer um ambiente seguro e acolhedor no qual as crianças pudessem se expressar e desatar os nós causados e/ou agravados pela pandemia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de estarmos inseridos em uma sociedade em que a ausência do letramento digital implica no agravamento da exclusão social, pouco uso é feito das tecnologias digitais no ambiente escolar para modificar esse cenário. Dessa forma, é necessário que a escola atue em prol da inclusão digital de seus alunos e professores, fomentando o prazer em descobrir e investigar novos conhecimentos, bem como cabe à(ao) psicóloga(o) escolar favorecer e oportunizar o desenvolvimento da autonomia dos educadores e educandos através do uso das TDIC como instrumentos mediadores no processo de ensino-aprendizagem.

As adaptações necessárias frente ao período de pandemia obrigaram as escolas a buscarem rapidamente novas técnicas e métodos de ensino, assim como levaram os estagiários de Psicologia Escolar a refletir acerca de como a Psicologia poderia contribuir para atenuar os impactos da pandemia e do isolamento físico para os estudantes da Educação Básica. Tal atribuição da Psicologia Escolar se sustenta pelas orientações das Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica (CFP, 2019), em que a educação é abordada como direito humano fundamental e a(o) psicóloga(o) é orientada(o) a trabalhar em conjunto com a equipe pedagógica para garantir uma educação universal e de qualidade para todas as pessoas. Diante disso, buscamos oferecer às escolas parceiras, onde os estágios se realizaram, uma escuta ativa e que nos permitisse acolher as demandas levantadas e criar estratégias que contribuíssem com o processo de ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIAS

  • Conselho Federal de Psicologia (2019).Referências Técnicas para a atuação de psicólogas(os) na Educação Básica Brasília: CFP.
  • Dazzani, M. V. M. (2010). A psicologia escolar e a educação inclusiva: Uma leitura crítica.Psicologia: ciência e profissão , 30, 362-375.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    21 Maio 2022
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