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Editorial

Calvino, em seu livro Lições Americanas, diz que a fantasia é um lugar onde chove. Eu acredito que também a educação seja um lugar onde chove. Um lugar onde chove um pouco de tudo, um lugar aberto, sem proteção, onde chovem palavras, ações, pensamentos, memórias, conhecimentos, amores, emoções, ideais, paixões, fadigas, amarguras, alegrias. (Spaggiari citado por Rabitti, 1999Rabitti, G. (1999). À procura da dimensão perdida: uma escola de infância de Reggio Emília. Porto Alegre: Artes Médicas., p. 28.)

Chegamos ao final de 2015 com bastante trabalho. Segundo ano da periodicidade semestral, recebemos muitos artigos submetidos ao processo editorial. Em 2016 iniciaremos as atividades da Revista com o sistema da SciELO de submissões on-line, que facilitará muito este processo.

Tomando como referência a epígrafe deste editorial, não podemos deixar de mencionar a ocupação de escolas públicas paulistas por estudantes, movimento no qual choveram palavras, ações, emoções e muitos outros sentimentos atrelados aos significados e sentidos da educação. Tal movimento não ocorreu somente em São Paulo: no Paraná também presenciamos alunos "abrançando", literal e figuradamente, a escola em que estudavam. Mesmo correndo o risco de repetirmos tantas questões já apontadas na mídia e em outros espaços, queremos destacar a importância desta mobilização. Costumeiramente diz-se que os jovens não estão interessados na escola, mas estamos vendo justamente o contrário! Entrar, efetivamente, na escola, ocupar-se dela e zelar para que não se feche são ações que atestam a relevante função da instituição na vida da juventude.

Muito se fala sobre currículo e reorganização curricular, mas este movimento trouxe à tona a importância do currículo oculto, definido por Giroux e Penna (1997Giroux, H. A., & Penna, A. N. (1997). Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do Currículo Oculto. In: Giroux, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagemPorto Alegre: Artmed.) como: "as normas, valores e crenças não declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura subjacente do significado e no conteúdo formal das relações sociais da escola e na vida em sala de aula" (p. 57). Os estudantes nos ensinaram, neste incrível episódio da história da educação brasileira, que o processo educativo só pode se materializar efetivamente em uma parceria com aqueles a quem se destina o trabalho docente. Mostraram-nos que eles não estão inertes diante de tantas atrocidades que acontecem na sociedade e no espaço escolar. A hora é de valorizar a educação, a história, de fortalecer os espaços educativos, de "ocupar" espaços ociosos na escola - se é que realmente existem - com atividades que possibilitem o desenvolvimento da potencialidades das crianças e jovens, em busca do tão sonhado sucesso escolar.

Foi muito gratificante ver professores, alunos, pais e funcionários lutando por uma causa comum, mas, ao mesmo tempo, preocupante pensar que professores iniciaram o ano letivo sendo maltratados, violentados na sua condição profissional, como ficou marcado na história do Paraná no mês de abril deste ano e que finalizamos o ano com alunos sendo controlados por policiais por se posicionarem contrários à forma como está sendo proposta a reestruturação das escolas paulistas.

A luta pelo direito à educação continua diuturnamente. Esta luta ocorre, também, com a socialização de temas que nos auxiliem a refletir e empreender ações em prol da educação e desenvolvimento humano, conforme poderemos ver nos artigos apresentados neste número da revista. No campo da Educação Especial encontramos quatro artigos: dois sobre superdotação/dotação intelectual, uma área que tem avançado no que se refere às publicações. A inclusão escolar vista por meio de autobiografias de autistas e questões que envolvem a escolarização do sujeito surdo também compõem este rol. O tema da violência está presente em dois artigos: um sobre b ullying , vitimização por funcionários e depressão no ambiente escolar, outro sobre a influência das qualificações acadêmicas e do itinerário curricular sobre condutas violentas. A família aparece em dois manuscritos, sendo um sobre a relação entre a Educação Infantil e as famílias do campo e outro a respeito de encontros e (des)encontros no sistema família-escola.

Três artigos abordam a Psicologia Escolar e Educacional: um levantamento bibliográfico que abrange os anos 2008 e 2012, a formação em Psicologia para atuar na Educação a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2004 e a atuação do psicólogo escolar no Ensino Superior, campo de trabalho e estudo em franca expansão.

Tomando como pressuposto a Psicologia de Leontiev, o(a) leitor(a) encontrará um artigo que busca analisar relações entre os processos de aprendizagem escolar e a produção do sentido pessoal. A aprendizagem no contexto escolar comparece, ainda, em um trabalho sobre especificidades do rendimento, da aptidão e da motivação escolares em alunos com dificuldades de aprendizagem e em outro sobre sentidos e significados atribuídos por crianças sobre o TDAH. O universo infantil também está presente em outros dois artigos: um chileno, que busca compreender o desenvolvimento da atividade explicativa sobre si mesmo e seu entorno em crianças entre 6 e 9 anos de idade. O outro focaliza a constituição da mulher negra pelas práticas escolares no ensino básico, público e privado a partir do o brincar e o brinquedo, denunciando a produção e a reprodução de padrões estéticos e comportamentais geradores de relações de discriminação.

A adolescência é tópico de um trabalho que realizou uma revisão de literatura acerca da prevalência e fatores associados à ideação suicida nesse momento do desenvolvimento humano, do relato de prática que narra um programa de Orientação Profissional e também da resenha, que aborda um livro totalmente voltado para a adolescência a partir da Psicologia Histórico-Cultural, considerada em suas condições materiais concretas. Esse público também é priorizado no artigo sobre o emprego das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação - TDIC - como elementos mediadores da aprendizagem dos nativos digitais, considerando-se as mudanças nas interações sociais presentes na sociedade atual que contribuem para a constituição da subjetividade de nossos jovens.

Os docentes entram em cena em estudo que investigou as propriedades psicométricas da Escala de Percepção de Estressores Ocupacionais dos Professores - EPEOP, tendo-se em conta que tais estressores têm importantes implicações educacionais para todos os atores do processo educativo.

Na seção História, temos o privilégio de contar com uma entrevista com um dos grandes nomes da educação brasileira, o Professor Dermeval Saviani, que nos brinda com uma relevante discussão, a partir da Pedagogia Histórico-crítica, sobre o Ensino Superior e a Cultura Superior, reputando-se também à formação do professor e do pesquisador neste nível de ensino. Nas Notícias Bibliográficas continuamos com a indicação de livros infantis, para leitoras(es) de todas as idades.

Paixões, fadigas, amarguras, alegrias, certamente estiveram presentes em nossas vidas neste ano que está findando. Estamos vivos e a vida é trabalhosa. Assim, desejamos Boas Festas às leitoras e leitores, com o desejo de que em 2016 chovam palavras, alegria, esperança, reflexões e ações em prol da dignidade e qualidade da educação brasileira.

Silvia Maria Cintra da Silva - Editora

Marilda Gonçalves Dias Facci - Editora Assistente

Referências

  • Giroux, H. A., & Penna, A. N. (1997). Educação Social em Sala de Aula: A Dinâmica do Currículo Oculto. In: Giroux, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagemPorto Alegre: Artmed.
  • Rabitti, G. (1999). À procura da dimensão perdida: uma escola de infância de Reggio Emília. Porto Alegre: Artes Médicas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015
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