Open-access O espectro médio de longo termo na pesquisa e na clínica fonoaudiológica

Resumos

TEMA: uma das maiores dificuldades que encontramos ao avaliar uma voz é julgar a sua qualidade por meio da análise perceptivo-auditiva que - ainda que soberana - envolve desde aspectos sócio-econômicos e culturais até preferências individuais. Muitos são os adjetivos usados nesta avaliação e os métodos empregados, pela subjetividade envolvida neste processo, acabam gerando discordâncias entre os ouvintes e dificuldades de assumir um consenso em torno do uso desta ou daquela terminologia. Neste contexto, o laboratório de voz e, mais especificamente, a análise acústica computadorizada, trouxe a possibilidade de orientar e complementar a conduta fonoaudiológica. Entre as várias possibilidades de análise espectrográfica, o espectro médio de longo termo (Long-Term Average Spectrum - LTAS) oferece a possibilidade de "quantificar" a qualidade de uma voz, marcando as diferenças entre gênero, idade, vozes profissionais - falada e cantada - e vozes disfônicas. O LTAS vem sendo muito utilizado em pesquisas na área de voz pois, ao evidenciar a contribuição da fonte glótica e da ressonância para a sua qualidade, fornece subsídios objetivos para a avaliação deste parâmetro que depende basicamente da nossa percepção auditiva. OBJETIVO: trazer o conhecimento sobre a aplicação do LTAS na pesquisa e na clínica fonoaudiológica, descrevendo tanto os aspectos técnicos necessários à sua execução e à interpretação dos seus resultados, bem como as limitações no seu uso. CONCLUSÃO: a área de voz tem se desenvolvido muito nestas duas últimas décadas graças ao advento do laboratório de voz e fala. Assim sendo, conhecer a aplicabilidade de mais uma ferramenta de análise, o LTAS, considerando ainda a demanda existente de estudos nesta área, certamente vai contribuir para a criação de novas linhas de pesquisa tanto em voz profissional quanto na reeducação de alterações vocais.

Acústica da Fala; Espectro Médio de Longo Termo; Qualidade de Voz; Treinamento da Voz


BACKGROUND: one of the great difficulties in evaluating a voice is the judgment of quality through the perceptual auditive analysis - although frequently used -, as it is influenced by socioeconomic and cultural aspects as well as individual preferences. Many are the adjectives and methods used in this assessment, especially because of the subjectivity involved in the process, leading to incompatibilities between listeners and difficulties in reaching a consensus on the use of this or that terminology. In such a context, the voice laboratory and more specifically the acoustic computerized analysis, has guided and complemented speech-language treatments. Among the several possibilities of spectrographic analysis, the (Long-Term Average Spectrum - LTAS) quantifies the quality of voices, pointing differences between gender, age, professional - spoken and sang - and dysphonic voices. The LTAS has been used a lot in researches that investigate voice. As it evidences the contribution of the glottic source and of resonance to the quality of voice, it provides objective parameters for the evaluation of this aspect which usually depends on our auditive perception. AIM: to demonstrate how LTAS can be applied in voice research and in the speech-language therapy practice, describing both the technical aspects required for the production and interpretation of results, and its limitations. CONCLUSION: the area of voice research has developed a lot in these last two decades especially because of the advent of the voice and speech laboratory. For this reason, the knowledge about the applicability of more tools for voice analysis, as the LTAS, as well as the existing need for more studies in this area, will most certainly contribute for the creation of new research areas not only in the field of professional voice but also in the field of therapy.

Voice Quality; Voice Training; Acoustical of the Speech; Speech Perception


ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

O espectro médio de longo termo na pesquisa e na clínica fonoaudiológica*

Suely MasterI; Noemi de BiaseII; Vanessa PedrosaIII; Brasília Maria ChiariIV

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professora Assistente Doutora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Estadual Paulista de Júlio Mesquita Filho

IIMédica. Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Professora Associada do Departamento de Fundamentos da Fonoaudiologia da Pontificia Universidade Católica de São Paulo

IIIFonoaudióloga. Mestranda pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina

IVFonoaudióloga. Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suely Master Rua Dom Luís Lasagna, 400 São Paulo - SP - CEP 04266-030 ( smaster@ia.unesp.br)

RESUMO

TEMA: uma das maiores dificuldades que encontramos ao avaliar uma voz é julgar a sua qualidade por meio da análise perceptivo-auditiva que - ainda que soberana - envolve desde aspectos sócio-econômicos e culturais até preferências individuais. Muitos são os adjetivos usados nesta avaliação e os métodos empregados, pela subjetividade envolvida neste processo, acabam gerando discordâncias entre os ouvintes e dificuldades de assumir um consenso em torno do uso desta ou daquela terminologia. Neste contexto, o laboratório de voz e, mais especificamente, a análise acústica computadorizada, trouxe a possibilidade de orientar e complementar a conduta fonoaudiológica. Entre as várias possibilidades de análise espectrográfica, o espectro médio de longo termo (Long-Term Average Spectrum - LTAS) oferece a possibilidade de "quantificar" a qualidade de uma voz, marcando as diferenças entre gênero, idade, vozes profissionais - falada e cantada - e vozes disfônicas. O LTAS vem sendo muito utilizado em pesquisas na área de voz pois, ao evidenciar a contribuição da fonte glótica e da ressonância para a sua qualidade, fornece subsídios objetivos para a avaliação deste parâmetro que depende basicamente da nossa percepção auditiva.

OBJETIVO: trazer o conhecimento sobre a aplicação do LTAS na pesquisa e na clínica fonoaudiológica, descrevendo tanto os aspectos técnicos necessários à sua execução e à interpretação dos seus resultados, bem como as limitações no seu uso.

CONCLUSÃO: a área de voz tem se desenvolvido muito nestas duas últimas décadas graças ao advento do laboratório de voz e fala. Assim sendo, conhecer a aplicabilidade de mais uma ferramenta de análise, o LTAS, considerando ainda a demanda existente de estudos nesta área, certamente vai contribuir para a criação de novas linhas de pesquisa tanto em voz profissional quanto na reeducação de alterações vocais.

Palavras-Chave: Acústica da Fala; Espectro Médio de Longo Termo; Qualidade de Voz; Treinamento da Voz.

Introdução

Uma das maiores dificuldades que encontramos ao avaliar uma voz é julgar a sua qualidade por meio da nossa escuta que, ainda que soberana, envolve desde aspectos sócio-econômicos e culturais, até preferências individuais (Biemans, 2002; Medrado et al, 2005; Bele, 2005). São muitos os adjetivos usados na avaliação perceptivo-auditiva e os métodos empregados nesta classificação, pela subjetividade envolvida neste processo, acabam gerando discordâncias entre os ouvintes e dificuldades de assumir um consenso em torno do uso desta ou daquela terminologia (Bele, 2002). Neste contexto, a análise acústica trouxe a possibilidade de orientar e complementar a conduta fonoaudiológica com dados mais objetivos.

Entre as várias possibilidades de análise espectrográfica, o espectro médio de longo termo (Long-Term Average Spectrum - LTAS) oferece a possibilidade de "quantificar" a qualidade de uma voz, marcando as diferenças entre gênero, idade, vozes profissionais - falada e cantada - e vozes disfônicas (Leino, 1993; Mendoza et al., 1996; Navarro, 2000; Barrichelo et al., 2001; Hartl, 2001; Linville e Rens, 2001; Bele, 2002; Camargo, 2002; Sjölander, 2003; Jónsdottir et al., 2003; Hartl et al., 2003 Laukkanen et al., 2004; Camargo et al., 2004; Pinczower e Oates, 2005; Soyama et al., 2005).

Determinados traços mais estáveis de uma emissão, como a qualidade da voz, tornam-se mais evidentes a partir de amostras de fala de longa duração e esta é precisamente uma das maiores vantagens em usar o LTAS (Camargo, 2002). Outra vantagem é que, se o sinal acústico de fala for suficientemente longo, o espectro médio resultante não é afetado por diferenças no material de fala – conteúdo e articulação - fato este que indica um certo grau de confiabilidade na comparação entre falantes e entre estudos (Frokjaer-Jensen e Prytz, 1976; Kitzing, 1986; Löfqvist, 1986).

O objetivo do presente estudo é descrever as aplicações e interpretações dos achados do LTAS, relacionando ainda eventos acústicos, percepção auditiva e fisiologia da fonação, a partir da coleta de textos completos na base de dados bibliográficos MEDLINE, textos estes publicados no decorrer do período que compreende o ano de 1976 a 2005, com especial enfoque nos últimos 5 anos. O LTAS é uma excelente ferramenta de trabalho que, ao objetivar o que percebemos enquanto qualidade vocal, complementa tanto a avaliação quanto o acompanhamento do trabalho de voz, seja ele terapêutico ou pedagógico, contribuindo para o avanço dos nossos estudos nesta área onde, até o presente momento, são poucos os estudos feitos por meio deste método.

Long term average spectrum (LTAS)

No estudo de um som, muitas são as possibilidades de análise acústica. As mais usadas descrevem o som por meio da sua forma de onda e do espectro. Segundo Sundberg (1987), o espectro mostra em que freqüências estão os parciais do sinal e a sua intensidade e é o correlato acústico da qualidade de uma voz. Para o autor "existem propriedades importantes do espectro da fonte glótica que só podem ser observadas num espectro em decibéis. É o caso da amplitude dos parciais mais agudos que, apesar de ser pequena, é de extrema importância para a nossa percepção do timbre".

O LTAS, particularmente para Nordemberg e Sundberg (2003), "Reflete a contribuição tanto da fonte glótica quanto do trato vocal na qualidade de uma voz". Dispõe em um só espectro, a média de vários espectros momentâneos obtidos, por exemplo, a cada 200 milésimos de segundo (5 espectros/segundo, 300 em 1 minuto). No eixo das abscissas mostra o nível de pressão sonora em decibéis e no das ordenadas, a freqüência em Hertz. O tempo é excluído da análise do espectro de longa duração e, portanto, todas as variáveis a ele associadas tais como freqüência e amplitude (jitter, shimmer, proporção harmônico/ruído), não são capturadas, a não ser que interfiram, de fato, no espectro da fonte glótica (Frokjaer-Jensen e Prytz, 1976; Kitzing, 1986; Löfqvist, 1986). Por este motivo, o LTAS muitas vezes tem que ser complementado de outros tipos de análise acústica e, sobretudo, ouvir a voz é imprescindível para a interpretação dos resultados. A questão da reprodutibilidade do experimento deve ainda ser considerada, já que a voz de um mesmo indivíduo pode se apresentar diferente em momentos diferentes. Por exemplo, uma voz normal, ao final de uma jornada de trabalho, pode estar mais soprosa ou mais tensa, ou não apresentar evidências de disfonia após uma noite de descanso.

De acordo com Hammarberg et al (1986), Sundberg (1987) e Leino (1993), os picos ou regiões de maior concentração de energia do LTAS, estão fortemente relacionados com a percepção de diferentes qualidades de vozes.

Para se fazer a análise com o LTAS, algumas considerações metodológicas precisam ser observadas.

Duração da amostra

Para Kitzing (1986) e Löfqvist (1986), se a duração do sinal a ser analisado for suficientemente longa, de 20' - 40', o espectro médio resultante não será fortemente afetado por diferenças no material da fala tais como acentuação, padrão de articulação e outras particularidades inerentes à emissão de cada indivíduo. Isso porque as freqüências dos primeiros formantes - F1 e F2 – cujos valores têm maior variação entre as vogais, passam a ser representados por uma média, evidenciando assim os formantes cujos valores variam menos - F3, F4 e F5 – e que estão relacionados com a qualidade da voz (Sundberg, 1987).

Eliminar da análise os sons não vozeados e as pausas/ silêncio

Para estudar a contribuição da fonte glótica para a qualidade da voz, é recomendável eliminar do material de fala os sons não vozeados, uma vez que estes sons que são gerados por fonte de ruído, podem mascarar a informação da fonte de voz (Linville e Rens, 2001). Para Löfqvist (1986), uma mesma amostra de fala analisada com e sem pausas, com e sem sons surdos, afeta o espectro principalmente na faixa de 5-8kHz. No estudo da qualidade de uma voz profissional, cujas informações mais importantes se concentram na faixa que vai até 5kHz, não cortar os sons surdos não interfere diretamente na avaliação, porém, para análise de vozes disfônicas, é necessário descartar esta interferência da fonte de ruído no espectro.

Formas de medir o LTAS

Os parâmetros usados para mensurar o LTAS consideram "o tempo no qual a energia do espectro está integrada e a faixa de freqüência em que a energia é medida" (Navarro, 2000; Pinho e Camargo, 2001; Camargo et al., 2004). Porém, não existem índices normativos ou formas-padrão de efetuar a mensuração do espectro do LTAS, o que de certa forma, prejudica um pouco a comparação entre estudos.

Em linhas gerais, observamos que ter uma indicação da inclinação da curva, calculando-se a relação entre a região mais forte e a mais fraca do espectro, tem sido uma medida adotada por vários autores (Frokjaer-Jensen e Prytz, 1976; Kitzing, 1986; Hammarberg et al., 1986; Pinczower e Oates, 2005). Este cálculo pode ser feito a partir da mensuração manual dos picos, em decibéis relativos, ou ainda automaticamente, pelos programas de análise acústica que fornecem a média do nível de pressão sonora (Leq- equivalent sound level) da emissão total e / ou de faixas de freqüências. A inclinação da curva espectral mostrou estar diretamente relacionada com a qualidade da voz: vozes ressonantes, fortes, apresentam menor diferença entre as regiões forte e fraca do espectro, enquanto vozes pobres, fluídas, apresentam maior diferença (Hammarberg et al., 1986; Leino 1993; Bele, 2002).

Os picos que se formam no espectro do LTA correspondem à extensão da variação da freqüência fundamental (f0) – difícil de identificar - e dos formantes (F) e devem ser mensurados. A região mais grave do espectro, de 100-1kHz, tem maior concentração de energia sonora que as demais regiões e se relaciona com o nível de pressão sonora médio de uma emissão e com a loudness vocal (Nordemberg e Sundberg, 2003; Laukkanen et al., 2004). Assim, pode-se calcular a diferença entre os picos em 1-5kHz e 5-8kHz e esta região mais forte do espectro.

Mensurar a diferença entre a amplitude de f0 e F1 (L1-L0) também fornece informações sobre o modo de fonação (Sundberg, 1987). Uma f0 mais forte que F1 indica uma voz mais fluida, soprosa ou de intensidade fraca, enquanto um F1 muito mais forte que f0, indica uma voz mais tensa, pregas vocais mais fortemente aduzidas ou uma voz em intensidade forte (Frokjaer-Jensen e Prytz, 1976; Kitzing, 1986; Hammarberg et al., 1986; Bele, 2002). Normalmente, a amplitude de F1 é maior que a de f0. Na Figura 1, pode-se ver de forma esquematizada, as diferentes extensões de regiões do espectro que correspondem à f0 e às freqüências formantes, a partir da qual, os parâmetros acima referidos são mensurados.


Tanner et al., (2005), procurando estabelecer índices de LTAS que direcionem a avaliação de um processo terapêutico, observaram que existe uma relação forte entre a média e o desvio padrão das medidas obtidas em diversos espectros de um mesmo indivíduo com disfonia funcional, antes e depois da intervenção terapêutica, e a percepção de melhora na voz. Para os autores, estas medidas de distribuição seriam possíveis marcadores de melhora na qualidade vocal.

Normalização do espectro

Com o objetivo de facilitar a mensuração e a comparação entre espectros, sugere-se a sua normalização, o que significa colocar o componente mais forte do espectro em zero dB, passando os demais componentes a ter um valor em dB que é negativo. Alguns programas oferecem esta possibilidade enquanto outros, como o Praat, um script tem que ser rodado.

Efeito do aumento da intensidade no espectro LTAS

Segundo Nordemberg e Sundberg (2003), pesquisas que envolvam a mensuração da pressão sonora e ainda, o registro da voz de pacientes, precisam ser minuciosamente monitoradas para não incorrermos em conclusões precipitadas pois, para um mesmo aumento de intensidade, a resposta das freqüências não é linear. Os autores apontam que um ganho em freqüências agudas é maior que nas graves e assim, a região até 0.5kHz será menos afetada do que 2-4kHz, por exemplo. Desta forma, pode-se questionar o valor de comparar dados produzidos em diferentes graus de intensidade mas, para minimizar esta interferência, o registro do sinal de fala pode ser controlado pelo decibelímetro, bem como a distância entre a boca e o microfone, já que monitorar o esforço expiratório é praticamente impossível.

Calibrar o programa de análise acústica por meio de um som de referência, é também um procedimento básico na mensuração deste parâmetro na maioria dos estudos que envolvem o LTAS (Hammarberg et al, 1986; Leino, 1993; Laukkanen, et al., 2004; Pinczower e Oates, 2005). Nordemberg e Sundberg (2003), considerando uma variação de intensidade entre loudness forte e fraca de 28dB, demonstraram a existência de uma relação linear forte entre o nível médio de pressão sonora e LTAS, ao menos até a região de 4kHz, sendo provável que em níveis muito altos de intensidade esta relação se modifique. Assim sendo, conhecendo-se o NPS de uma emissão, é possível calcular o espectro do LTA resultante. Para as freqüências mais graves do espectro, o fator- ganho é linear, enquanto nas freqüências entre 1.5-3.0kHz, este fator é de 1dB para 1.4dB para homens e 1.6dB para mulheres, que precisam de uma maior pressão subglótica para obter a mesma loudness. Em um estudo anterior, White e Sundberg (2000), analisando a variação de intensidade em espectros de barítonos já haviam observado que um aumento de 10dB no NPS incidia em um acréscimo de 15-20dB nos parciais próximos a 2.5kHz, e que esta relação é função do log. da pressão subglótica. Na seqüência de Figuras 2 a 4, podemos observar nas emissões de um mesmo falante em 88,6dB, 91,2dB e 95,3dB à distância de 15cm, que a relação F1-f0 se modifica gradativamente e, num ajuste hipercinético, além do aumento de energia na região do F4, a f0 torna-se muito mais fraca que F1 e ainda, F4 e F5 se aproximam e formam um só pico.


LTAS e qualidade de voz

O LTAS vem sendo utilizado em numerosos estudos porque permite "quantificar" a qualidade de uma voz, marcando as diferenças entre gênero, idade, qualidade da voz profissional - falada e cantada - e vozes disfônicas, contribuindo para a avaliação e para o acompanhamento de treinamentos e/ou tratamentos (Kitzing, 1986; Hammarberg et al., 1986; Leino, 1993; Mendoza et al, 1996; Cleveland et al, 2001; White, 2001; Laukkanen et al., 2004; Jorge et al, 2004).

. voz feminina e masculina. Marcando as diferenças acústicas entre vozes masculinas e femininas para além da freqüência fundamental e da estrutura de freqüências formantes, os resultados de Mendoza et al., (1996) mostraram um nível alto de energia, provavelmente proveniente de ruído aspirado, para o sexo feminino na região 3kHz, correspondente ao terceiro formante (F3) e, em função deste ruído, uma inclinação menos acentuada da curva espectral. O ruído estaria relacionado com uma configuração glótica compatível com a fenda triangular posterior comum às mulheres que lhes daria uma qualidade de voz soprosa. Este padrão de voz pode ainda ter sido "escolhido" tendo em vista um comportamento sócio cultural, ao menos entre as mulheres americanas e espanholas, grupos até então estudados por meio do LTAS. Comparando o LTAS em diferentes loudness de fonação, Nordemberg e Sundberg (2003) observaram que a freqüência do F3 é quase 20% mais aguda para as mulheres, e que seus espectros apresentaram picos em 2,9kHz e 4,1kHz. Para os homens, estes picos estão em 2,4kHz e 3,4kHz. Referem que para um mesmo NPS de 70dB, mulheres apresentaram uma curva de espectro em média 3.5dB mais forte na região de 1-4kHz, provavelmente por que tendem a necessitar de um maior grau de esforço vocal para alcançar uma mesma intensidade que os homens.

. voz infantil. White (2001), para um grupo de crianças e adolescentes de ambos os sexos, observou um pico em 5kHz para o sexo masculino e para o sexo feminino, uma curva mais plana - queda menos acentuada do espectro - na voz cantada. Também observa diferenças na maneira de variar a intensidade de fala, sendo que as meninas, como as mulheres adultas, tendem a falar usando uma maior adução glótica. Sjölander (2003), a partir do estudo anterior, confirmou a relação entre estes achados e a capacidade auditiva de diferenciar estas vozes.

. voz senil. Linville e Rens (2001) pesquisaram em 80 falantes, divididos por faixa etária e sexo, as modificações ressonantais que acompanham com o envelhecimento, partindo do princípio de que existe um aumento da extensão do trato vocal em decorrência de alterações de certas estruturas do aparelho fonador, e que o LTAS é um instrumento sensível a estas mudanças. Os achados acústicos mostram que os idosos de ambos os sexos apresentaram freqüências formantes mais graves, especialmente as mulheres, confirmando assim os achados anatômicos.

Em conjunção com dados de estudos os anteriores os autores propõem um modelo misto de ressonância do trato vocal e padrão articulatório afetando as freqüências formantes desta faixa etária. Em outro estudo, com o mesmo grupo, Linville (2002) identificou diferenças entre os espectros de idosas, comparados aos de jovens: maior amplitude em 340kHz e em outros pontos específicos da região 6-7kHz, e níveis baixos de energia em 3.040Hz e 3,2kHz. Ambos os grupos femininos - jovens e idosas - foram perceptivamente identificados como tendo uma qualidade de voz soprosa - idosas mais - mas, em princípio, esta qualidade seria revelada pelo aumento de energia em diferentes pontos do espectro, em 3kHz e 6kHz, sugerindo diferenças na configuração da fenda glótica que seria mais posterior para jovens e mais anterior para mulheres. Porém, estes aspectos merecem estudos mais conclusivos, com uma população maior. O espectro de jovens mostraram ainda uma menor diferença entre as faixas abaixo e acima de 1,6kHz, ou seja, uma curva com menor inclinação. Os idosos, quando comparados aos jovens, apresentaram menores níveis de energia em 1,6kHz (F2), ainda sem uma justificativa plausível do ponto de vista fisiológico, e uma tendência a um aumento de energia na região de agudos. A freqüência fundamental da emissão dos idosos femininos e masculinos é muito próxima – 160Hz – e com maior amplitude que a do grupo de jovens. Soyama et al., (2005) investigaram 8 indivíduos de ambos os gêneros e encontraram um aumento significativo de energia na região de 2 a 4,5KHz para idosos e 6,5 a 10kHz para idosas. Acrescentam ainda que apesar de 60 juízes terem identificado perceptivamente os gêneros, os resultados da análise acústica por meio do LTAS não apontaram esta diferenciação.

. voz profissional. No espectro de LTAS de cantores líricos masculinos, Sundberg (1987) identificou um pico - o "formante do cantor" (Fc) - entre 2.8-3.4kHz, resultado do agrupamento entre F3, F4 e F5, e que estaria relacionado com a nossa percepção de "brilho" e de projeção vocal. Para o autor este pico seria uma resposta "inteligente" do cantor lírico à sua orquestra: a orquestra trabalha na região mais grave do espectro e o cantor, para destacar a sua voz, trabalha na região mais aguda. Segundo o autor, para gerar um Fc, é necessária uma determinada configuração laríngea onde a epilaringe se torna uma caixa de ressonância independente do restante do trato vocal, cuja freqüência estaria em torno de 3kHz. Esta região de agudos é precisamente a mesma onde nossa audição é mais sensível, 2-5kHz (Sundberg, 1987). Para Titze (2001), o tubo da epilaringe, nestes casos, se estreita em relação à faringe e dificulta a passagem do ar para o trato vocal superior, diminuindo o fluxo transglótico de ar entre as pregas vocais e modificando o seu modo de vibração. Desta forma, a fase de fechamento das pregas vocais fica menor, o que faz aumentar a intensidade dos harmônicos superiores na região de 3kHz. Este processo acontece dentro de uma visão linear de interação fonte e filtro.

Na mesma linha de raciocínio, Leino (1993) propõe o termo "formante do ator" ou "formante do falante" (Ff) para o agrupamento do terceiro, quarto e quinto formantes (F3, F4 e F5) em torno de 3,5kHz, em vozes projetadas de atores masculinos. Estudos realizados com atores finlandeses, alemães, africanos, suíços e australianos comprovaram este achado (Leino, 1993; Munro, 2002; Bele, 2002; Pinczower e Oates, 2005). A natureza do formante do ator ainda não está totalmente esclarecida. A Figura 5 mostra o "formante do falante" ou "formante do ator" que aparece com -20dB em relação ao pico mais forte do espectro normalizado (Master et al, 2005).


A partir destas colocações, com o objetivo de entender melhor as vozes profissionais, algumas pesquisas foram desenvolvidas na fala e nos mais diferentes estilos de canto, ou verificando a possibilidade de carregar ajustes do canto para a fala e vice versa, ou ainda, tentando estabelecer a correlação entre a variação de parâmetros tais como pitch, loudness de fonação e o espectro acústico e a análise perceptivo- auditiva. Eis algumas possibilidades de estudos:

Figueiredo (1993) observou que o LTAS é um instrumento de análise eficiente quando o objetivo é estabelecer a identidade de um falante por meio da comparação de padrões vocais de análises fonéticas e espectrográficas. Navarro (2000), estudando a emissão de locutores esportivos por meio de diferentes variáveis da análise perceptivo-auditiva e acústica, observou que os espectros de longo termo (ELT) sugeriam uma qualidade vocal crepitante, para a fala espontânea destes locutores e qualidade de voz fluída, para a narração esportiva. Cleveland et al., (2001), partindo do principio de que os cantores de country cantam de um modo muito próximo da forma que falam, compararam o LTAS de 5 sujeitos na fala e no canto, confirmaram esta hipótese pois, um pico muito forte, na região 3.5kHz foi identificado em ambas emissões. Barrichelo et al., (2001) examinaram a possibilidade dos cantores de ópera levarem para a fala o efeito de ressonância tecnicamente adquirido no canto, responsável pelo brilho da voz. Os resultados sugerem uma maior concentração de energia na região do "formante do cantor/ator", tanto nas emissões cantadas quanto faladas dos cantores líricos. Stone et al., (2003), entre várias medidas acústicas, pesquisaram também por meio do LTAS as vozes de cantores líricos e de cantores no canto da Broadway, estilos associados com diferentes técnicas vocais. Os resultados, como uma casuística muito pequena, indicaram uma f0 mais fraca e parciais mais fortes entre 0.8-1.6kHz sugerindo, para o canto Broadway, uma adução glótica maior – característica semelhante à fala em loudness forte. Diferenças entre estes dois estilos de canto teriam origem em nível glótico e nas ressonâncias do trato vocal. Pinczower e Oates (2005), comparando vozes de atores masculinos em loudness confortável e em nível máximo de projeção, puderam distinguir estas vozes entre si por meio das análises acústica e perceptiva. Destacam que o espectro mostrou maior concentração de energia nas freqüências agudas, em torno de 3,4kHz (Ff), para as emissões fortes que para as emissões em condições confortáveis.

Alguns estudos tiveram êxito em acompanhar a evolução do treino de voz comparando emissões de professores antes e depois da intervenção fonoaudiológica. Munro (2002) acompanhou um treinamento de voz e dicção por meio do LTAS e, entre os resultados, observou uma maior concentração de energia na faixa da freqüência fundamental (f0) e do primeiro formante (F1) decorrente da aproximação destas duas freqüências e ainda, em 2,5kHz, 3kHz e em 4-4,5 kHz., eventos que se relacionaram com a percepção de voz projetada. Laukkanenet al., (2004) treinaram a voz falada de um grupo de alunos de teatro, com e sem o apoio visual de análise acústica em tempo real, durante dois meses, e puderam observar que em ambos os grupos houve um aumento de 3-4dB na região de 3-5kHz no espectro do LTAS. Os autores chamaram a atenção sobre a efetividade de treinar variação de intensidade com um apoio visual para evitar que mecanismos hiperfuncionais, revelados por um F1 muito mais forte que f0, se desenvolvam.

Bele (2002), comparando vozes de atores e professores noruegueses, observaram as seguintes diferenças no LTAS: atores têm mecanismos de emissão mais eficiente em intensidades fortes e portanto, valores menores na relação entre f0 e F1, a região do "formante do falante" é mais forte para os atores mas não tão forte como referido pela literatura. Segundo a autora, a avaliação auditiva foi mais eficiente que o LTAS na diferenciação destas vozes, o que a leva a seguinte questão: algo afeta o nosso julgamento subjetivo de qualidade vocal, algo que não pode ser objetivamente mensurado. A autora observa que pico em 3.5kHz também poderia estar relacionado com vozes nasalizadas, ásperas e em fry, reforçando a necessidade de considerar a análise perceptivo-auditiva quando forem realizadas análises com o LTAS.

.vozes disfônicas. O LTAS não faz diagnóstico das alterações laríngeas (Hammarberg et al., 1986). É preciso considerar a qualidade da voz sabendo que para um mesmo diagnóstico etiológico, esta qualidade pode variar consideravelmente e que uma mesma qualidade vocal pode estar presente em diferentes alterações laríngeas.

Nas vozes soprosas ou emitidas em loudness fraca, as principais características do espectro são: pouca concentração de energia na região de 0,4-4kHz, correspondente aos principais formantes, e grande concentração na região acima de 5kHz (Soyama et al., 2005). O nível da pressão sonora de f0, quando comparado com o do F1, também é mais forte (Sundberg, 1987). Nas disfonias hiperfuncionais, nas vozes emitidas com loudness aumentada, nas vozes tensas e nas ressonantes, o envelope do espectro cai de maneira menos acentuada e, a região do espectro de 2-4kHz, apresenta maior concentração de energia porém, o F1, é muito mais forte que f0 (Frokjaer-Jensen e Prytz, 1976; Kitzing, 1986; Hammarberg et al., 1986; Löfqvist, 1986; Leino, 1993).

A Figura 6 mostra uma voz grave e fluída que, tomando-se como referência o espectro da fonte glótica que cai 12dB por oitava (Sundberg, 1987) sofreu pouco efeito da ressonância. Pode-se observar que f0 é mais forte que F1e que o envelope do espectro apresenta ainda uma queda de energia razoavelmente acentuada na região de 2-3kHz, e um pequeno pico em 3-4Hz em -40dB, relativo ao F4.


Uma grande contribuição do LTAS no campo do tratamento das disfonias é poder avaliar de maneira objetiva a qualidade da voz no pré e no pós de uma terapia fonoaudiológica e de intervenções cirúrgicas, especialmente a soprosidade enquanto sintoma de paralisia de pregas vocais, segundo Hartl et al., (2001). Os autores compararam dois casos de paralisia laríngea, antes e depois do surgimento do sintoma de soprosidade, e observaram um aumento de energia na região média e aguda do espectro e decréscimo na região mais grave.

Na Figura 7, observa-se a f0 muito forte em relação à F1 e uma a grande concentração de energia no espectro a partir de 5kHz, característica de vozes soprosas, fracas, pobre em harmônicos.


Laukkanen et al., (2004) investigaram os aspectos fisiológicos, acústicos e perceptivos da "voz na garganta", em apenas dois casos, um indivíduo do sexo masculino e outro feminino. Esta qualidade de voz, embora não esteja associada às lesões laríngeas, é nociva à saúde vocal. Dentre os resultados, relacionaram a percepção desta qualidade ao aumento de energia na região de F1, diminuição em F4 e, nas vogais anteriores, diminuição do F2 – relacionado ao estreitamento da faringe. No indivíduo masculino, ainda, existem evidências de um ajuste motor hiperfuncional. Camargo et al., (2004) em um estudo com 5 pacientes disfônicos, estabeleceram correlações positivas entre ajustes laríngeos e supra-laríngeos constatados na avaliação vocal com motivação fonética (avaliação perceptivo auditiva) e medidas do LTAS, mais especificamente com a inclinação espectral.

Conclusão

O LTAS é um método de análise acústica sensível às diferentes qualidades da voz e, pelos aspectos evidenciados, uma ferramenta adequada para complementar de maneira objetiva a nossa percepção auditiva deste parâmetro. Não tem uma metodologia de trabalho fácil de ser apreendida, principalmente se o estudo envolve a mensuração do nível de pressão sonora, mas mostrou ser uma ferramenta eficiente para análise da qualidade da voz, dos seus traços mais estáveis, na medida em que "resume" por meio de uma média, uma coleção de espectros momentâneos, revelando a contribuição da fonte glótica e do filtro para a qualidade da voz. Não é um método diagnóstico e a avaliação perceptiva auditiva faz-se imprescindível. Alguns aspectos tais como f0, jitter, shimmer, proporção harmônico-ruído e análise de freqüências formantes, que dependem de uma resolução de tempo, não são contempladas pelo LTAS e, por este motivo, outros tipos de análise acústica são necessários em complementação. O fato de suas possibilidades e limitações ainda não serem bem compreendidas, bem como a normatização dos parâmetros que nele podem ser mensurados, aponta para um longo caminho de estudos.

Rastrear neste artigo, os aspectos técnicos envolvidos na sua elaboração bem como a interpretação dos seus resultados, contribui tanto para a atuação fonoaudiológica quanto para as pesquisas nesta área.

O Brasil, por ser um país de cultura muito rica e diversificada em diferentes estilos de canto e tantas outras manifestações populares pouco exploradas, constitui-se em um vasto terreno de pesquisas.

Agradecimentos: Professor Doutor Anne Maria Laukkanen; Professor Doutor Timo Leino e Professor Doutor Paulo Augusto de Lima Pontes. Fundação para o Desenvolvimento da UNESP e Fundo de Auxílio aos Docentes e Alunos da UNIFESP.

Recebido em 13.10.2004.

Revisado em 28.04.2005; 23.05.2005; 29.07.2005; 06.12.2005; 06.02.2006; 14.03.2006.

Aceito para Publicação em 14.03.2006.

Artigo de Atualização

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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  • Endereço para correspondência:
    Suely Master
    Rua Dom Luís Lasagna, 400
    São Paulo - SP - CEP 04266-030
    (
  • *
    Trabalho Realizado na Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jan 2006

    Histórico

    • Recebido
      13 Out 2004
    • Revisado
      28 Abr 2005
    • Aceito
      14 Mar 2006
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