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Práticas Integrativas e Complementares para promoção de saúde na Atenção Primária na Região Metropolitana de Goiânia

Integrative and Complementary Practices for Health Promotion in Primary Care in the Metropolitan Region of Goiania, Brazil

Resumo

Este estudo teve como objetivo compreender as percepções atribuídas por profissionais de saúde que ofertam Práticas Integrativas e Complementares, sobre como estas podem promover a saúde na Atenção Primária na Região Metropolitana de Goiânia. Estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa, envolvendo a participação de 20 profissionais de saúde ofertantes de Práticas Integrativas e Complementares. Os dados foram coletados de janeiro a agosto de 2018, e os profissionais eram provenientes das equipes da Estratégia de Saúde da Família, Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Academias da Saúde. As entrevistas semiestruturadas foram transcritas e analisadas segundo a Análise de Conteúdo Temática. Os resultados destacaram as Práticas Integrativas e Complementares, especialmente as implementadas em grupo, como promotoras de saúde. Essas práticas proporcionam um espaço para a prevenção, educação e produção de saúde, além de facilitarem o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais nos usuários, bem como a adoção de estilos de vida mais saudáveis. Em conclusão, as Práticas Integrativas e Complementares fortalecem o trabalho na Atenção Primária enquanto modelo ampliado de atenção à saúde.

Palavras-Chave:
Terapias complementares; Promoção da saúde; Atenção Primária à Saúde; Pessoal de saúde

Abstract

This study aimed to understand the perceptions attributed by health professionals who offer Integrative and Complementary Practices, on how these can promote health in Primary Care in the Metropolitan Region of Goiânia. Descriptive, exploratory study, with a qualitative approach, involving the participation of 20 health professionals offering Integrative and Complementary Practices. Data were collected from January to August 2018, and the professionals came from the Family Health Strategy, Expanded Health Centers and Health Academies teams. The semi-structured interviews were transcribed and analyzed according to Thematic Content Analysis. The results highlighted Integrative and Complementary Practices, especially those implemented in groups, as health promoters. These practices provide a space for prevention, education and health production, in addition to facilitating the development of personal and social skills in users, as well as the adoption of healthier lifestyles. In conclusion, Integrative and Complementary Practices strengthen the work in Primary Care as an expanded model of health care.

Keywords:
Complementary therapies; Health promotion; Primary Health Care; Health personnel

Introdução

Os sistemas nacionais de saúde estão em constante processo de construção, com a finalidade de proporcionar o melhor estado da saúde para a população, acompanhando as mudanças sociais e culturais da sociedade (Paim, 2019PAIM, J. S. Os sistemas universais de saúde e o futuro do Sistema Único de Saúde (SUS). Saúde em Debate. [S. L.], v. 43, n. esp. 5, p. 15-28, 2019.). No Brasil, essa construção ocorre em um contexto de transição epidemiológica e demográfica, com um aumento da população idosa e uma maior prevalência de doenças crônicas, como problemas cardiovasculares, alterações musculoesqueléticas e câncer (Habimorad et al., 2020).

Em 2006, o Ministério da Saúde aprovou três importantes políticas públicas para reorganização do sistema de saúde: a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: revisão da Portaria MS/GM nº 687. Diário Oficial da União. Brasília, 2014.; 2017; 2006). Essas políticas visam fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e promover ações de Promoção da Saúde (PS), levando em consideração as iniquidades sociais e o desenvolvimento humano (MaltaMALTA, D. C. et al. O SUS e a Política Nacional de Promoção da Saúde: perspectiva resultados, avanços e desafios em tempos de crise. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v.23, n.6, p.1799-1809, 2018. et al., 2018). Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS) surge como lócus proativo para (re)construir relações entre usuários e profissionais de saúde, identificar necessidades e ampliar as ações de cuidado (Petermann; Kocourek, 2021PETERMANN, X. B.; KOCOUREK, S. Produção científica brasileira sobre a promoção da saúde na atenção primária: estudo bibliométrico. SANARE - Revista de Políticas Públicas. [S. l.], v. 20, n. 1, 2021.).

Nesse cenário, as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) desempenham um papel importante nessa restruturação, resgatando diferentes saberes e fundamentando-se em mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde. Elas abordam o processo saúde-doença-cuidado de maneira ampla, promovendo saúde e autocuidado (Dalmolin; Heidemann; Freitag, 2019; Dalmolin; Heidemann, 2017DALMOLIN, I. S.; HEIDEMANN, I. T. S. B. Práticas integrativas e complementares e a interface com a promoção da saúde: revisão integrativa. Ciência, Cuidado & Saúde. Maringá, v. 16, n. 3, p. 1-8, 2017.; Diniz et al., 2022). Assim, a tríade PS, APS e PICS pode fortalecer os princípios do SUS, como universalidade, integralidade e participação social.

Embora as PICS tenham crescido, se legitimado socialmente e tenham sido inseridas na APS (Aguiar; Kanan; Masiero, 2019AGUIAR, J.; KANAN, L. A.; MASIERO, A. V. Práticas Integrativas e Complementares na atenção básica em saúde: um estudo bibliométrico da produção brasileira. Saúde em Debate. [S. L.], v. 43, n. 123, p. 1205-1218, 2019.), é necessário refletir sobre sua aplicação como políticas públicas de saúde, especialmente com base nas experiências dos profissionais de saúde que as implementam no dia a dia (SantosSANTOS, M. S. et al. Práticas integrativas e complementares: avanços e desafios para a promoção da saúde de idosos. Revista Mineira de Enfermagem. Belo Horizonte, v. 22, e1125, 2018. et al., 2018; Telesi Júnior, 2016TELESI JUNIOR, E. Práticas integrativas e complementares em saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estudos Avançados. São Paulo, v. 30, n. 36, p. 99-112, 2016.). De mais a mais, a exploração acadêmica do campo das PICS em relação à PS ainda é bastante incipiente no Brasil (Lima; Silva; Tesser, 2014; Moraes et al., 2021; RuelaRUELA, L. O. et al. Implementação, acesso e uso das práticas integrativas e complementares no Sistema Único de Saúde: revisão da literatura. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, p. 4239-4250, 2019. et al., 2019). Portanto, a pergunta de pesquisa que norteia este estudo é: Como as PICS são percebidas por profissionais de saúde que as implementam na Atenção Primária na Região Metropolitana de Goiânia como promotoras de saúde?

Os autores se aproximam das PICS na APS devido à sua experiência em saúde. Durante suas carreiras, focaram em políticas de saúde e abordagens mais orientadas para a PS. Esse tema de pesquisa é uma resposta às mudanças no sistema de saúde brasileiro e ao reconhecimento crescente das PICS na prestação de cuidados de saúde. A pesquisa compromete-se com a investigação das práticas de saúde alternativas na Região Metropolitana de Goiânia (RMG). O objetivo deste estudo é compreender as percepções atribuídas por profissionais de saúde ofertantes de PICS sobre como elas podem promover a saúde na APS na RMG.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa (Piovesan; Temporini, 1995PIOVESAN, A.; TEMPORINI, E. R. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 29, n. 4, p. 318-325, 1995.). Contempla parte dos resultados da dissertação de mestrado intitulada Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: percepções dos profissionais sobre a oferta dos serviços na Região Metropolitana de Goiânia (Silva, 2019SILVA, P. H. B. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde: percepções dos profissionais sobre a oferta dos serviços na Região Metropolitana de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil, 2019.), realizada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás.

Inicialmente, foram identificados 274 serviços de APS nos 20 municípios da RMG, incluindo postos e centros da Estratégia de Saúde da Família (ESF), Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) e Academias da Saúde, por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). No entanto, três municípios não concederam autorização para a realização do estudo. Nos 17 municípios participantes, identificamos 234 serviços de APS, de acordo com os dados do Ministério da Saúde (2017). Os gerentes desses serviços nos auxiliaram na identificação das PICS e dos profissionais que as ofereciam. No segundo semestre de 2017, foram encontrados 23 serviços onde 29 profissionais atuavam com alguma PICS. Esses serviços estavam distribuídos em cinco cidades da RMG.

Dos 29 profissionais incialmente identificados, três não estavam mais oferecendo PICS no momento da coleta de dados, de janeiro a agosto de 2018. Então, 26 profissionais atenderam ao critério de inclusão estabelecido, ou seja, estavam com a oferta ativa de PICS. No entanto, ocorreram quatro perdas, sendo uma devido à recusa em participar e três devido à dificuldade de contatá-los. Além disso, duas profissionais estavam de licença durante o período de coleta de dados. Como resultado, nosso estudo contou com a participação de 20 profissionais, provenientes de 14 serviços de APS localizados em três municípios da RMG.

As entrevistas, para realização nas respectivas unidades de saúde, foram agendadas por telefone. Optamos pela entrevista semiestruturada como estratégia de coleta de dados. Desenvolvemos um roteiro de entrevista composto por três módulos distintos, abordando diferentes aspectos relacionados às PICS. O primeiro módulo tratou dos processos de formação e capacitação dos profissionais nas PICS. O segundo módulo foi focado na organização da oferta das PICS, enquanto o terceiro abordou as dificuldades e as facilidades encontradas na implementação das PICS.

No segundo módulo, foi incluída a seguinte pergunta direcionada aos entrevistados: “Na sua opinião, de que forma as PICS podem contribuir para a promoção da saúde? Por quê?”. As respostas fornecidas pelos participantes a essa pergunta específica foram analisadas e utilizadas para a elaboração do presente artigo científico. Ressaltamos que os dados obtidos nos demais módulos da entrevista foram direcionados para outras publicações e análises específicas, não sendo abordados neste manuscrito.

Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram conduzidas as entrevistas pelo pesquisador, um fisioterapeuta do sexo masculino. O entrevistador não possuía vínculo prévio com os participantes. O entrevistador tinha experiência anterior na condução de entrevistas em pesquisas. As duas primeiras entrevistas foram utilizadas como treinamento para o pesquisador e para avaliar o roteiro de entrevistas, não sendo necessário realizar alterações no instrumento de coleta de dados. As entrevistas tiveram uma duração média de 45 minutos e foram realizadas em um ambiente reservado, com a presença apenas do pesquisador e do entrevistado. As entrevistas ocorreram no local ou área onde as PICS eram oferecidas, ou no consultório do serviço de saúde. Todas as entrevistas foram audiogravadas e posteriormente transcritas na íntegra.

A análise de conteúdo temática, conforme proposta por Bardin (2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.), é uma abordagem amplamente utilizada na pesquisa qualitativa para compreender os significados presentes em um conjunto de dados. Neste estudo, adotamos essa técnica para analisar as respostas obtidas nas entrevistas.

A primeira etapa do processo foi a pré-análise, na qual foram realizadas leituras exploratórias dos dados coletados. Essa etapa permitiu familiarizar-nos com o material, identificar possíveis categorias e estabelecer uma visão geral do conteúdo das entrevistas. Em seguida, procedemos à codificação das entrevistas no software de análise qualitativa NVivo versão 12.

Utilizamos o programa para organizar e categorizar as respostas, permitindo uma visualização sistemática das informações. Além do mais, o NVivo nos possibilitou criar uma nuvem de palavras, destacando os termos mais recorrentes e relevantes nas respostas dos participantes, o que contribuiu para uma análise mais visualmente representativa.

Após a fase de pré-análise, avançamos para a etapa de exploração do material. Durante essa fase, identificamos os núcleos de sentido presentes nas respostas dos participantes, isto é, os elementos centrais e relevantes que emergiram das entrevistas. A partir desses núcleos de sentido, agrupamos e organizamos as informações em categorias, buscando apreender os temas-chave relacionados ao objetivo de estudo.

Em seguida, avançamos para a definição dos eixos temáticos, que representam a síntese e a integração das categorias estabelecidas. Os eixos temáticos foram formulados com base na análise das relações entre as categorias e nos objetivos da pesquisa, proporcionando uma compreensão mais aprofundada dos significados presentes nas respostas dos entrevistados.

Por fim, realizamos o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação dos dados, considerando as concepções teóricas e conceituais discutidas na revisão bibliográfica. Todas as etapas de análise foram conduzidas pelo mesmo pesquisador responsável pelas entrevistas. Cada entrevista transcrita foi codificada com a letra “P”, seguida do número atribuído a cada participante da pesquisa. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, sob o parecer nº 2.057.783.

Resultados e Discussão

Predominaram no estudo, entre os 20 entrevistados, profissionais do sexo feminino, principalmente enfermeiras, com idade entre 31 e 40 anos e emprego estável. A maioria se autodeclarou como brancas, casadas e católicas. A maior parte dos entrevistados possuía formação superior completa e pós-graduação lato sensu, além de ter mais de dez anos de experiência profissional. Quanto às PICS, a Auriculoterapia foi a mais frequentemente oferecida, seguida de Reiki, Terapia Comunitária, Arteterapia, Fitoterapia, Shantala e Acupuntura. A maioria dos entrevistados trabalhava em Postos ou Centros de Saúde da Família.

Para a análise do conteúdo, os trechos mais significativos foram identificados como núcleos de sentido e organizados em categorias temáticas, conforme o Quadro 1, estabelecendo três eixos temáticos.

Quadro 1
Quadro 1. Síntese dos núcleos de sentido, categorias e eixos temáticos atribuídos pelos profissionais ofertantes de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde da Região Metropolitana de Goiânia quanto à sua contribuição para a Promoção da Saúde na Atenção Primária em Saúde

Espaço de educação, prevenção e produção de saúde

As PICS investigadas na pesquisa têm finalidades diferentes na atenção à saúde. A Auriculoterapia e a Acupuntura, geralmente, estão mais relacionadas ao tratamento. A Auriculoterapia e Acupuntura são componentes da Medicina Tradicional Chinesa, um sistema médico complexo e holístico. Essa racionalidade médica inclui tanto a prevenção quanto promoção à saúde, por meio de um conjunto amplo de práticas que buscam equilibrar o corpo e a mente. Ela é fundamentada em uma visão integrada do ser humano, podendo desempenhar um papel fundamental, sobretudo na PS. Entretanto, quando a Auriculoterapia e a Acupuntura são implementadas de forma isolada, elas tendem a ter um caráter mais voltado para o tratamento de doenças. Essa ênfase no tratamento é uma abordagem adotada pelos terapeutas que as utilizam, e não um atributo intrínseco dessas práticas em si.

Os entrevistados relatam que a maioria dos usuários busca as PICS para tratar problemas musculoesqueléticos e emocionais. Nesses casos, a Auriculoterapia e Acupuntura são percebidas pelos profissionais como modalidades em que o usuário é visto predominantemente como paciente. Por outro lado, a Terapia Comunitária e a Arteterapia estão mais associadas ao campo da PS, uma vez que os usuários são mais ativos no processo de saúde-doença e são colocados em uma posição de sujeito. Essa distinção também pode ser atribuída aos diferentes modos de aplicação das PICS, uma vez que a Auriculoterapia e Acupuntura são realizadas de forma individual, enquanto a Terapia Comunitária e Arteterapia são realizadas de forma coletiva. Essas diferentes abordagens contribuem para que os profissionais tenham percepções distintas sobre a relação das PICS com a PS.

Quando questionados sobre como as PICS poderiam promover a saúde, os profissionais ofertantes da Auriculoterapia e Acupuntura mencionaram a contribuição para a prevenção de agravos à saúde, enfatizando o caráter preventivo, característico do modelo biomédico. As narrativas dos participantes evidenciam essa concepção por meio do uso recorrente de expressões como “preventiva” e “sintomas”:

Tanto a questão mesmo... Preventiva. Então melhora os sintomas. Ameniza os sintomas daquilo e que pode ser um fator a mais aliado ao tratamento tradicional. (P2)

Esses achados demonstram que os profissionais ainda adotam uma abordagem de diagnóstico das PICS baseada no modelo biomédico, com foco na redução do risco de doenças ou outros agravos específicos, como é possível observar na seguinte narrativa:

Então, querendo ou não, eu tenho um pouco da história física, que para mim é muito presente. Às vezes, eu tenho mais facilidade pela parte física e eu vou lá na Acupuntura e pego alguma coisa para eu tentar implantar. Mas só Acupuntura, aquele gráfico dos [medianos] e aquela coisa, eu tento fazer, mas eu não sou muito precisa nisso. (P16)

Concordando com os achados de Lima, Silva e Tesser (2014LIMA, K. M. S. V.; SILVA, K. L.; TESSER, C. D. Práticas integrativas e complementares e relação com promoção da saúde: experiência de um serviço municipal de saúde. Interface. Botucatu, v. 18, n. 49, p. 261-272, 2014.), nota-se a persistência do enfoque na doença e sua eliminação nas PICS, contrariando a abordagem de PS. Apesar da importância da prevenção, a saúde deveria ter mais destaque na APS, mas muitas vezes o foco continua nos sintomas e na abordagem técnica, mesmo com alternativas médicas disponíveis. Isso se deve ao fato de que o saber biomédico está hegemonicamente estruturado no conhecimento técnico e tende a objetivar as pessoas e os seus sofrimentos, priorizando a avaliação da doença e ignorando a totalidade das necessidades de cada sujeito durante o processo de adoecer (Ruela et al., 2019). Os participantes demonstraram operar o cuidado de acordo com essa lógica biomédica, conforme ensinado na Academia, e mostram pouco interessados pela produção de vida dos usuários. Suas falas revelam uma construção de olhares simplificados, inclusive no campo da Saúde Coletiva, com ênfase em diagnósticos e riscos aos quais os pacientes são submetidos, compreendendo pouco a maneira como as pessoas lidam com essas questões e as consequências disto em suas vidas.

A doença é objetivada pela disfunção com o desenvolvimento da clínica médica e passou a ser o alvo e o sentido da ação terapêutica. O indivíduo doente foi relegado à posição de portador da doença, e sua queixa ainda serve, nos contextos dos entrevistados, como mais um elemento para a análise diagnóstica. As ações de cuidado passaram a ser direcionadas pelo fator patológico, em detrimento do processo criativo e existencial implícito na queixa trazida pela pessoa adoecida (Contatore; Malfitano; Barros, 2017CONTATORE, O. A.; MALFITANO, A. P. S.; BARROS, N. F. Os Cuidados em Saúde: ontologia, hermenêutica e teleologia. Interface. Botucatu, v. 21, n. 62, p. 553-563, 2017.; 2018CONTATORE, O. A.; MALFITANO, A. P. S.; BARROS, N. F. Cuidados em saúde: sociabilidades cuidadoras e subjetividades emancipadoras. Psicologia & Sociedade. Recife, v. 30, e177179, 2018.). Dessa forma, os profissionais geralmente priorizam a edificação do diagnóstico, a proposta de intervenção e a prescrição, apoiados em bases morais e legais, perpetuando ações de cuidados que causam constrangimentos e distanciamento do usuário de seu contexto sócio-histórico (Barros, 2020BARROS, N. F. O cuidado emancipador e a simetria de poder. Revista do Centro de Pesquisa e Formação. São Paulo, v. 10, p. 216-232, 2020.; 2021).

Apesar das políticas de APS enfatizarem a humanização e integralidade, os profissionais ainda mantêm uma visão hospitalocêntrica e tecnicista. Isso perpetua o modelo de atenção fragmentada, levando-os a justificar as PICS na APS com base na abordagem da doença, mesmo que promovam ações de saúde.

Por outro lado, os entrevistados que oferecem Terapia Comunitária e Arteterapia enfatizam a educação em saúde participativa, reconhecendo seu valor na PS. Utilizar metodologias participativas com PICS permite considerar integralmente os usuários em seu contexto individual, político e social, transformando suas vidas. Nas narrativas de uma das profissionais,

Então, as experiências vividas, as pessoas trazem. E como é que elas resolveram? Essa é a parte fundamental na Terapia Comunitária “como eu resolvi um problema parecido com o seu? Que você que trouxe”. Aí está a grande chave. O meu conhecimento, a minha experiência, a minha técnica eu estou trazendo ali para contribuir. E cada um dos participantes faz essa contribuição. (P5)

Diante do exposto, as metodologias participativas na educação em saúde têm mostrado um grande potencial e relevância nas UBS. Elas promovem o processo de aprendizagem por meio das interações com os usuários, considerando suas ações, sentimentos e atitudes. Ao integrar a subjetividade no processo educativo em saúde, as PICS estimulam a reflexão sobre a realidade e reorientam posturas, atos e opiniões, proporcionando uma visão mais crítica do cotidiano em que profissionais e usuários estão inseridos.

Essa perspectiva está alinhada com achados de outras pesquisas (Antunes, 2019ANTUNES, P. C. Práticas corporais integrativas: experiências de contracultura na atenção básica e emergência de um conceito para o campo da saúde. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2019.; Aguiar; Kanan; Masiero, 2019; Pereira; Rech; Morini, 2021), que mostram que as PICS implementadas em grupos vão além da abordagem da doença, envolvendo a vida do ser humano e trazendo humanização e a integralidade para a APS. As atividades grupais com as PICS podem ser inovadoras e imprescindíveis para o SUS, além de representarem uma estratégia metodológica para a promoção e educação em saúde, fortalecendo os vínculos entre a comunidade e o serviço de saúde. Ademais, possibilitam o manejo do grande número de pessoas que buscam atendimento na UBS, com otimização do tempo e dos recursos financeiros e humanos.

Os profissionais atrelaram à PS a construção compartilhada de conhecimento, com a valorização do saber técnico-científico em consonância com o conhecimento popular. A narrativa de uma das participantes revela o seguinte questionamento aos usuários da APS:

A gente pergunta “qual o objetivo desse grupo? É só para conversar ou... só para ficar sentado ouvindo as palestras ou vocês querem realizar alguma coisa? Alguma atividade”. Aí elas mesmas que sugeriram “ah, eu queria fazer crochê”, “ah, eu queria pintar pano de prato”. Foi sugestão dos próprios componentes do grupo. E aí, com o dinheiro do grupo, a gente compra os cordões, compra os materiais a serem usados no grupo [...] A gente nunca trouxe ninguém de fora para ensinar, sempre é um que ensina para o outro. (P6)

Essas afirmações corroboram as ideias de Lundberg et al. (2020LUNDBERG, K. et al. Patients’ experiences of the caring encounter in health promotion practice: a qualitative study in Swedish primary health care. BMC Family Practice. London, v. 21, p. 232, 2020.), que mostram que as ações promotoras de saúde realizadas pela equipe de enfermagem na APS sueca são percebidas pelos pacientes como “a essência mais profunda de ser cuidado”. Eles sentem a abertura e atitudes permissivas, através de um contínuo diálogo e troca de experiências. Com isso, existe a valorização do conhecimento dos usuários, que são colocados na condição de sujeitos e não de meros receptores de informações.

Tradicionalmente, a educação em saúde tem um caráter preventivo, com a crença de que os problemas de saúde podem ser resolvidos por meio da transmissão de informações e da aplicação de técnicas e métodos educativos. Contudo, essa visão reducionista nos parece ser rompida com a oferta das PICS, pois essas práticas permitem respeitar o universo cultural dos participantes. A interação entre os saberes populares e científicos, usados pelos profissionais ofertantes de PICS, estabelece um processo contínuo de interação e abertura de escuta ao “outro”, o que possibilita a construção compartilhada de conhecimento na APS (Diniz et al., 2022; Lima; Silva; Tesser, 2014).

Desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais

Segundo os entrevistados, as PICS colaboram para um maior controle do usuário sobre o seu processo saúde-doença-cuidado, potencializando a sua autonomia. Isso é evidenciado na seguinte narrativa:

Elas [usuárias] ficam mais atentas para si mesmas, para o que elas têm, o que precisam melhorar. Acho que ele [o usuário] fica mais disposto a pensar sobre si, a enxergar suas dificuldades e limitações. (P4)

Essa percepção de autonomia está em concordância com os achados de Pereira, Rech e Morini (2021PEREIRA, L. F.; RECH, C. R.; MORINI, S. Autonomia e Práticas Integrativas e Complementares: significados e relações para usuários e profissionais da Atenção Primária à Saúde. Interface. Botucatu, v. 25, e200079, 2021.), que destacam o significado de “governar a si mesmo”. A autonomia tem sido associada ao controle dos desejos por meio da razão, sendo relacionada à felicidade e à capacidade do indivíduo de tomar suas próprias decisões e sumarizada na prescrição “sê senhor de si” (Borges; Rezende; Ferreira, 2021BORGES, A. M. H.; REZENDE, E. F.; FERREIRA, L. L. A. autonomia e esclarecimento em Paulo Freire: Questões necessárias à educação pautada na prática da Liberdade. Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v. 7, n. 3, p. 196-208, 2021.).

Segundo Kant (Trapp, 2019TRAPP, R. V. A autonomia da vontade. Griot: Revista de Filosofia. Cruz das Almas, v. 19, n. 3, p. 197-210, 2019.), a autonomia é a capacidade da vontade humana de se autodeterminar segundo uma legislação moral por ela mesma estabelecida, livre de qualquer fator estranho ou exógeno com uma influência subjugante, tal como uma paixão ou uma inclinação afetiva incoercível. A heteronomia seria a sujeição do indivíduo à vontade de um terceiro ou da coletividade. Essencialmente, o cuidado emancipador (Barros, 2021BARROS, N. F. Cuidado emancipador. Saúde & Sociedade. São Paulo, v. 30, n. 1, e200380, 2021.) é aquele que transfere o poder para o outro ou, no mínimo, equivale o poder entre o profissional e o usuário. É um cuidado que frutifica mais autonomia e menos heteronomia.

As narrativas dos entrevistados revelam outras peças-chave para a PS por meio das PICS: o resgate do autocuidado e a autoestima. Isso permite que o próprio usuário encontre respostas para questões complexas não apenas relacionadas à saúde, mas também à vida em geral. A narrativa de um dos entrevistados destaca:

Eu acho que é importante porque isso vai fortalecer mais a comunidade e aí elas vão aprendendo a enfrentar e a lidar com os seus problemas. Então, acho muito importante isso, para que elas consigam caminhar sozinhas e ajudando também as outras [pessoas]. (P13)

Conforme identificado na literatura (Aguiar; Kanan; Masiero, 2019; Dalmolin; Heidemann, 2019DALMOLIN, I. S.; HEIDEMANN, I. T. S. B.; FREITAG, V. L. Integrative and complementary practices in the Unified Health System: unveiling potentials and limitations. Revista da Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, v. 53, e03506, 2019.; Lima; Silva; Tesser, 2014; RandowRANDOW, R. et al. Lian Gong em 18 terapias como estratégia de promoção da saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. Fortaleza, v. 30, n. 4, 2017. et al., 2017), as PICS implementadas em grupo são consideradas contextos favoráveis para a PS. A Terapia Comunitária, em particular, expressa o significado de autonomia, autocuidado e autoestima, estabelecendo vínculos de suporte mútuo entre os usuários e a comunidade.

Desse modo, as reuniões em grupo permitem as construções coletivas, com discussões sobre a saúde e a vida comunitária (Ribeiro; Marcondes, 2021RIBEIRO, L. G.; MARCONDES, D. A interface entre a atenção primária à saúde e práticas integrativas e complementares no sistema único de saúde: formas de promover as práticas na APS. APS em Revista. [S. L.], v. 3, n. 2, p. 102-109, 2021.). Esses encontros possibilitam ainda bem-estar, pois os usuários encontram um tempo para si mesmos, refletem sobre a sua própria saúde e, ao mesmo tempo, se relacionam com o meio social. Essa integração e envolvimento nas atividades coletivas resultam em um sentimento de pertencimento e aproximam o usuário da equipe de saúde (Ruela et al., 2019).

Nessa perspectiva, a Arteterapia, realizada em grupo, permitem que os usuários conheçam novas pessoas, conversem e discutem sobre diversos assuntos, formando uma rede social de apoio. Nas narrativas, é evidente o impacto positivo desses momentos na vida das pessoas:

Como disse uma senhora que frequenta nosso grupo, ela falou assim: ‘a melhor parte da minha semana é segunda-feira que eu venho encontrar meus amigos’ (P6)”. “Umas procuram porque quer sair de casa na realidade. Para espairecer um pouquinho. Tem umas [usuárias] que falam, ‘minha alegria é quarta-feira’[...]”. (P13)

Podemos dizer que esses processos de produção de redes sociais de apoio são mais comuns nas práticas grupais, mesmo que operem condições precárias e fora do ambiente da UBS. Geralmente, os salões de igreja são os locais mais frequentemente utilizados para sua implementação. Por essas razões, as práticas grupais proporcionam menos excesso de intervencionismo médico sobre os corpos ou a vida das pessoas, ou seja, não se baseiam na medicalização social. Esse achado corrobora com outros estudos (Antunes, 2019ANTUNES, P. C. Práticas corporais integrativas: experiências de contracultura na atenção básica e emergência de um conceito para o campo da saúde. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2019.; Galvanese; Barros; D’Oliveira, 2017GALVANESE, A. T. C.; BARROS, N. F.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Contribuições e desafios das práticas corporais e meditativas à promoção da saúde na rede pública de atenção primária do Município de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 33, e00122016, 2017.). Pesquisas mostram que tais práticas proporcionam um autorrefereciamento para a APS, ampliando o espaço de liberdade para experimentar, conhecer e realizar ações, sem chantagem ou coerção emocional (Tesser; Dallegrave, 2020TESSER, C.D.; DALLEGRAVE, D. Práticas Complementares e medicalização social: indefinições, riscos e potências na atenção primária à saúde. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 36, n. 9, e00231519, 2020.).

Curiosamente, esse cenário precário favorece a construção de parcerias com outros setores das prefeituras dos municípios onde as PICS estão presentes na APS. Para que a PS ocorra plenamente, é essencial que não se restrinja ao setor saúde, sendo necessária uma abordagem intersetorial. Conforme narra uma das entrevistadas,

A gente busca muito o CRAS, que é o Centro de Referência Assistente Social, que tem próximo aqui da Unidade [de Saúde]. Então lá também tem essas atividades e tem profissionais da prefeitura que ensinam isso. Então, muitas vezes, quando a gente quer alguma coisa a mais, a gente procura o CRAS, que é uma parceria enorme que a gente tem e eles estão sempre lá auxiliando a gente. (P4)

As ações intersetoriais são mais evidentes e consolidadas em países como Canadá e Suíça, onde “a Saúde em todas as políticas” é importante para a reorganização do modelo de atenção de saúde (MattigMATTIG, T. et al. HIA in Switzerland: Strategies for achieving Health in All Policies. Health Promotion International. Oxford, v. 32, n. 1, p. 149-156, 2017. et al., 2017; Mendonça; Lanza, 2021MENDONÇA, E. M.; LANZA, F. M. Conceito de saúde e intersetorialidade: implicações no cotidiano da atenção primária à saúde. Revista Psicologia & Saúde. Campo Grande, v. 13, n. 2, p. 155-164, 2021.; ShankardassSHANKARDASS, K. et al. The implementation of health in all policies initiatives: A systems framework for government action. Health Research Policy and Systems. London, v. 16, n. 1, p. 26, 2018. et al., 2018). Nossos achados revelam a presença da oferta das PICS como componente-chave para a articulação com outros setores nos municípios da RMG. Mesmo que de modo improvisado, a intersetorialidade emerge por meio da integração e a complementaridade dos serviços de saúde, por meio da capacitação dos profissionais ou da disponibilidade de espaço para o desenvolvimento das PICS.

Em conjunto, a aquisição de habilidades pessoais e sociais é uma consequência promissora das PICS aplicadas em grupo. A Arteterapia e a Terapia Comunitária proporcionam um ambiente propício para o desenvolvimento de habilidades interpessoais, como empatia e respeito mútuo. A interação social nesses contextos promove a construção de redes de apoio e fortalece a sensação de pertencimento. Esses benefícios são obtidos não apenas por meio da prática individual, mas especialmente quando as intervenções são realizadas em grupo. As PICS aplicadas em grupo evidenciam a essência da PS na APS.

Estilos de vida saudáveis

A APS e a PS são estratégias complementares que se beneficiam mutuamente, criando um contexto favorável para a oferta das PICS (HabimoradHABIMORAD, P. H. L. et al. Potencialidades e fragilidades de implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 395-405, 2020. et al., 2020). Além de contribuírem para prevenir o agravamento das doenças e reduzir os gastos com saúde (MoraesMORAES, M. A. et al. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde se destacando no cenário de Promoção da Saúde no Estado de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista. São Paulo, v. 18, n. 215, p. 57-68, 2021. et al., 2021), as narrativas dos participantes enfatizaram a redução do consumo de medicamentos e procedimentos médicos utilizados pelos usuários em seus processos de adoecimento:

Eu acredito que essa Prática [Integrativa] venha a complementar mesmo o tratamento medicamentoso. Às vezes também diminuir [o uso] do medicamento, sendo o nosso propósito aqui também. Se a pessoa toma cinco remédios passa a ir diminuindo essa quantidade. (P1)

Essa perspectiva aponta para a possibilidade de um cuidado com uma abordagem de vida mais natural e menos medicalização social. Dessa forma, as PICS atendem ao propósito inicial estabelecido pela PNPIC, que é reduzir o uso de medicamentos pelos usuários. Essa descoberta está em concordância com os estudos de Carnevale (2018CARNEVALE, R. C. Fronteiras da implantação e implementação da farmácia viva no Brasil. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil, 2018.), Dalmolin e Heidemann (2020DALMOLIN, I. S.; HEIDEMANN, I. T. S. B. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Revista Latino-Americana de Enfermagem. [S. L.], v. 28, p. e3277, 2020.) e Matos et al. (2018MATOS, P. C. et al. Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde. Cogitare Enfermagem. Curitiba, v. 23, n. 2, e54781, 2018.). Consequentemente, a redução do uso de medicamentos pode representar uma diminuição nos custos de saúde, evitando assim a escassez de medicamentos na rede. Isso pode modificar uma possível relação de dependência em relação aos serviços de saúde e ajudar a aliviar a sobrecarga na APS. Entretanto, os dados desta pesquisa devem ser vistos com cautela, pois não permitem afirmar se o consumo de medicamentos e os gastos de saúde diminuem de fato com a implementação das PICS.

As PICS promovem um cuidado centrado no usuário, deslocando o foco do profissional. Essa abordagem coloca o usuário no centro do cuidado e busca fortalecer sua autoestima, autonomia e qualidade de vida. As PICS incentivam a realização dos serviços de APS em torno das pessoas, reconhecendo os usuários como coparticipantes e corresponsáveis pelo sucesso terapêutico. A partir das narrativas dos entrevistados, os usuários das PICS deixam de ser meros espectadores e consumidores dos serviços de saúde para assumirem um papel mais ativo e autônomo na busca pela recuperação e continuidade das suas vidas (Matos et al., 2018; Damolin; Heidemann, 2020). No entanto, é importante interpretar esses achados com cuidado, uma vez que não houve uma abordagem direta dos usuários.

Além disso, o modelo hegemônico de saúde ainda se baseia principalmente em explicações biológicas e busca soluções por meio do uso de medicamentos, o que reforça as questões biologicistas do processo saúde-doença-cuidado. Nossos achados, em consonância com os de Diniz et al. (2022DINIZ, F. R. et al. Práticas integrativas e complementares na atenção primária à saúde. Ciência, Cuidado e Saúde. [S. L.], v. 22, e60462, 2022.), Dalmolin e Heidemann (2020DALMOLIN, I. S.; HEIDEMANN, I. T. S. B. Integrative and complementary practices in Primary Care: unveiling health promotion. Revista Latino-Americana de Enfermagem. [S. L.], v. 28, p. e3277, 2020.) e Côrrea et al. (2022CÔRREA, C. S. P. et al. Integrative and Complementary Health Practices in the Unified Health System and the use of Medicines in the Rural Population of Municipalities in Rio Grande do Sul. International Journal of Advanced Engineering Research and Science. [S. L.], v. 9, n. 9, p. 395-402, 2022.), sugerem que as PICS podem ajudar a reduzir a polimedicação e os efeitos adversos dos medicamentos, além de melhorar o cuidado prestado e reduzir os danos causados pelo uso excessivo de remédios artificiais.

Na Figura 1, apresentamos uma nuvem com base nas entrevistas concedidas pelos profissionais que implementam as PICS na APS. Nessa nuvem, as palavras mais frequentes no campo científico estudado são exibidas em tamanho maior. Destacamos as palavras “gente” e “saúde”, cuja alta frequência valida sua centralidade tanto na nuvem de palavras quanto no trabalho desses profissionais na APS.

Figura 1
Nuvem com as mil palavras mais eloquentes nas falas dos profissionais que ofertam Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde entre os meses de janeiro e agosto de 2018

A análise das palavras “gente” e “saúde” destacadas na nuvem de palavras indica conexões significativas com o tema central da pesquisa. A palavra “gente” pode ser interpretada como uma referência aos usuários dos serviços de saúde na APS. A presença proeminente dessa palavra pode indicar a ênfase dada pelos profissionais à importância de colocar as pessoas no centro das ações de cuidado. Isso está alinhado com a abordagem centrada no paciente que é uma característica essencial da APS, onde se procura entender as necessidades e expectativas individuais dos pacientes.

Por outro lado, a palavra “saúde” é o elemento central do estudo e reflete a ênfase na PS como objetivo principal das PICS na APS. A presença destacada dessa palavra enfatiza a importância da saúde como o resultado desejado das intervenções em saúde. Isso sugere que os profissionais de saúde reconhecem a relevância das PICS no contexto da PS e na abordagem de problemas de saúde de forma integral.

Dessa forma, as possibilidades de escolhas mais saudáveis pelos usuários se revelam com maior importância e podem ser facilitadas mediante a oferta das PICS na APS. Nas narrativas dos entrevistados, as PICS estimulam mudanças de hábitos de vida e comportamentos:

Eu falei para elas [usuárias] que vai ter uma penalidade: quem faltar duas caminhadas não vai ter mais a assistência de Auriculoterapia. [...] Porque muitas, às vezes, querem vir só colocar os pontinhos [da Auriculoterapia], não querem fazer o resto, não quer caminhar, não faz a dieta. Quando não perdeu peso, eu brigo. Quando perdeu, eu as parabenizo. E fico falando que tem que ter atividade física, porque a Auriculoterapia, ela veio para complementar. (P14)

Ao mesmo tempo, as PICS estão ligadas às práticas tradicionais, muitas vezes impondo um modelo rígido para o sucesso terapêutico e promovendo vigilância nos estilos de vida saudáveis. Embora ações de mudança de hábitos sejam essenciais na PS, é crucial uma abordagem que envolva políticas públicas abrangentes que considerem o ambiente físico, social, político, econômico e cultural, visando melhorar as condições de vida de forma holística (Prado; Santos, 2018PRADO, N. M. B. L.; SANTOS, A. M. Promoção da saúde na Atenção Primária à Saúde: sistematização de desafios e estratégias intersetoriais. Saúde em Debate. [S. L.], v.42, n. esp. 1, p. 379-395, 2018.).

Mais uma vez, os profissionais ofertantes de Auriculoterapia se mostraram influenciados pela biomedicina para prescreverem normas e regras aos usuários, pois foram formados pela medicina contemporânea ocidental e, naturalmente, trarão a sua essência para a oferta das PICS. Porém, ainda tendo papel contraditório e reducionista, o casamento entre PS-APS-PICS desvela o intuito de transformação das práticas assistenciais oferecidas por esses trabalhadores. A adoção de estilos de vida mais saudáveis, indubitavelmente, é um dos alicerces da PS, de modo que tais ações são imprescindíveis para que esses profissionais se aproximem do cumprimento dos princípios da APS e do SUS.

Considerações finais

Com base na análise das respostas dos profissionais da APS da RMG, podemos concluir que as PICS, especialmente aquelas que envolvem práticas grupais, têm o potencial de promover a saúde. Essas práticas proporcionam um espaço propício para a prevenção, educação e PS, além de favorecer o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais nos usuários. Outrossim, as PICS estimulam a adoção de estilos de vida mais saudáveis por parte dos usuários. Essas conclusões destacam a relevância das PICS como uma abordagem integrativa na PS na APS na RMG.

Os resultados obtidos indicam que as PICS têm o poder de resgatar a essência do usuário como sujeito ativo. Durante a oferta dessas práticas, os usuários são envolvidos no processo saúde-doença-cuidado, contribuindo com pensamentos e propostas. Em outras palavras, as PICS estimulam uma reflexão consciente sobre a vida e as experiências de adoecimento, cuidado e cura, bem como amplia a compreensão dos profissionais em relação aos profissionais aos princípios fundamentais do SUS, como a integralidade.

Nessa lógica, as PICS se revelam como um incentivo para que os serviços de APS se voltem para as pessoas, e não a objetos, baseadas numa inter-relação na qual os usuários são coparticipantes no sucesso terapêutico. Dessa forma, o usuário deixa de ser mero espectador e consumidor dos atos em saúde para assumir sua condição de ser autônomo, que participa de atos cuidadores para recuperar seus modos de ser e viver.

Nesse contexto, as atividades exercidas em grupo se mostraram entendidas em contextos mais favoráveis à produção de saúde, compartilhamento e participação social, bem como deixam a relação horizontal usuário-serviço mais evidente. Por outro lado, os profissionais ofertantes de Auriculoterapia e Acupuntura associam a PS com o âmbito da clínica e identificam as PICS como instrumentos redutores e minimizadores dos agravos à saúde. Não que isso seja menos importante, mas acaba por domesticar essas práticas terapêuticas ao conjunto normatizador da biomedicina.

No que diz respeito às limitações do estudo, vale ressaltar que os resultados apresentados neste estudo devem ser interpretados com atenção, pois os entrevistados pertencem a uma única região metropolitana do Brasil, se concentra exclusivamente na APS, não inclui as percepções dos usuários e não avalia o custo-efetividade das PICS na redução dos custos em saúde. Esses aspectos devem ser considerados ao interpretar os resultados deste estudo.

Embora valiosos, os insights sobre PICS são limitados devido à disponibilidade restrita desses serviços. Diferentes contextos de atendimento, como Centros de Atenção Psicossocial e hospitais, têm desafios variados na implementação das PICS. Portanto, os resultados se aplicam principalmente à APS e podem não ser generalizáveis para outros cenários de saúde.

Recomendam-se estudos adicionais com várias abordagens, incluindo observação participante, para compreender as visões de profissionais e usuários sobre PICS. Além disso, é importante conduzir pesquisas de custo-efetividade para avaliar o impacto financeiro das PICS na assistência à saúde em diferentes contextos, como saúde mental, hospitais e atendimento ambulatorial.

Como implicação para a prática, os achados deste estudo, além de fornecerem subsídios para monitorar a implementação das PICS no ciclo das políticas públicas, podem contribuir para melhorias na oferta dessas práticas na APS local e regional.

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Editor responsável: Rondineli Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2022
  • Aceito
    29 Set 2023
  • Revisado
    20 Set 2023
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