A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS

Melo, Eduardo Alves; Gomes, Gustavo Graça; Carvalho, Jacqueline Oliveira de; Pereira, Pedro Henrique Braga; Guabiraba, Kennedy Pereira de Lima

doi:10.1590/S0103-73312021310109

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Sumário

TEMA LIVRE • Physis 31 (01) • 2021 • https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310109 copiar

A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS

Access Regulation to Specialized Outpatient Care and the Primary Health Care in National Policies of SUS

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo

Diferentes formulações têm dado destaque à Atenção Primária à Saúde como porta de entrada preferencial do sistema de saúde, base das redes de atenção e função de coordenação do cuidado. A regulação assistencial (ou do acesso), por sua vez, vem sendo considerada, no Brasil, uma estratégia e tecnologia central de gestão das redes. Este artigo objetivou caracterizar a interface entre atenção primária e regulação assistencial nas formulações e diretrizes nacionais sobre regulação assistencial do SUS, considerando o período de 2002 a 2017. Adotou-se a metodologia da análise documental, utilizando fontes de domínio público, notadamente portarias e manuais técnicos do Ministério da Saúde, organizando os conteúdos extraídos nas dimensões “conceitos de regulação”, “organização e gestão da regulação” e “estratégias e ferramentas de regulação”, dentro das quais se buscou caracterizar o lugar da atenção primária. Observou-se maior destaque para a interface entre regulação assistencial ambulatorial e atenção primária a partir de 2011 com a noção de microrregulação, de modo mais marcante nos documentos e iniciativas relacionados à gestão da atenção primária do que nos específicos da regulação, enfocando a elaboração de dispositivos de regulação a partir da atenção primária, destacando-se o Telessaúde.

Palavras-chave:
regulação do acesso; atenção primária à saúde; políticas de saúde

Documento	Ano de publicação	Elementos centrais
NOAS	2002	Instituída pela Portarias do Ministério da Saúde nº 373/2002 (NOAS-SUS 2002), amplia a atribuição dos municípios na atenção básica, estabelece a regionalização para hierarquização de serviços e maior equidade, cria mecanismos de gestão do SUS e atualiza critérios de habilitação de Estados e Municípios.
Pacto pela saúde	2006	Formalizado pela Portaria GM/MS nº 399/2006 e firmado pelas três esferas de gestão do SUS, anuncia novos processos e instrumentos de gestão visando maior efetividade, eficiência e qualidade das respostas e redefine responsabilidades coletivas, possuindo três dimensões: Pactos Pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão.
Política Nacional de Atenção Básica	2006, 2011 e 2017	Em formato de portaria, possui três versões, que estabelecem e/ou revisam diretrizes e normas para a organização da atenção primária.
Política Nacional de Regulação	2008	Criada pela portaria GM/MS nº 1.559/2008, institui a Política Nacional de Regulação do SUS como instrumento para a assunção plena de responsabilidades sanitárias pelas esferas de governo.
Diretrizes para a implantação de complexos reguladores	2010 (2ª edição)	Manual da série Pactos pela Saúde 2006, publicado pelo Ministério da Saúde em 2010. Orienta os gestores na conformação do processo regulatório, apresentando conceitos e estratégias para a regulação do acesso a ser efetivada com a implantação dos Complexos Reguladores.
Portaria nº 2.554 - Telessaúde	2011	Institui, no Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde, o componente de informatização e Telessaúde Brasil Redes na atenção primária.
Portarias nº 2.859 e 2.860 - Telessaúde	2014	A primeira institui regras relativas ao subsídio mensal destinado aos Núcleos Intermunicipais e Estaduais de Telessaúde Brasil Redes. A segunda define os valores do custeio aos Núcleos de Telessaúde Brasil Redes.
Manual instrutivo Telessaúde	2015	Manual instrutivo lançado pelo Ministério da Saúde, orienta sobre a habilitação dos Núcleos de Telessaúde ao recebimento do custeio mensal, esclarecendo os indicadores a serem monitorados.

Documento	Ano de publicação	Principais noções e conceitos de regulação	Lugar da APS no conceito identificado
NOAS	2002	Indica a regulação da assistência como alternativa assistencial mais adequada à necessidade do cidadão, de forma equânime, ordenada, oportuna e qualificada.	Define como responsabilidade e ação estratégica mínimas da APS o acesso à referência hospitalar e ambulatorial especializada quando necessária, com ênfase especial na assistência à saúde infantil.
Pacto pela saúde	2006	Regulação do acesso à saúde definida como um conjunto de saberes, tecnologias e ações nas relações entre demanda dos usuários e o seu acesso à saúde.	Orienta a organização e a pactuação da rede pelas necessidades da APS, através da integração e articulação dos serviços de atenção básica com os demais níveis do sistema.
PNAB 2006	2006	Não apresenta noções e conceitos de regulação, embora indique necessidade de organização do fluxo de usuários para a garantia das referências a serviços e ações de saúde fora da APS pelos municípios.	Especifica o encaminhamento de usuários a serviços de maior complexidade pelo profissional médico da equipe de Saúde da Família, mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento terapêutico do usuário.
Política Nacional de Regulação	2008	Diferencia regulação em 3 tipos: do sistema, da atenção e do acesso/assistencial. A última com foco no controle, organização, no gerenciamento e na priorização do acesso.	Orienta a regulação do acesso a partir da APS, provendo capacitação, ordenação de fluxo, aplicação de protocolos e informatização.
Diretrizes para a implantação de complexos reguladores	2010	Apresenta a regulação como instrumento para qualificar o acesso e otimizar recursos pelo uso de protocolos e da estratificação de riscos. Utiliza termos como demanda real, demanda artificial, oferta potencial e oferta existente.	Aponta que todos os municípios devem organizar uma APS resolutiva que faça solicitações padronizadas pelos protocolos aos demais níveis de complexidade.
PNAB 2011	2011	Utiliza a noção de “microrregulação” como práticas de regulação exercidas pelos profissionais da APS, além dos processos de regulação executados pelas centrais.	Orienta a articulação das práticas de regulação realizadas na atenção básica com os processos regulatórios realizados em outros espaços da rede, de modo a permitir a qualidade da microrregulação e o acesso a outros pontos de atenção.
Portaria nº 2.554 - Telessaúde	2011	Não apresenta noções e conceitos de regulação.	Indica o desenvolvimento de ações de telessaúde, o apoio matricial, a formação e a educação permanente de forma integrada com outros pontos da Rede de Atenção à Saúde para qualificação das ações e serviços ofertados pela APS.
Portarias nº 2.859 e 2.860 - Telessaúde	2014	Não apresentam noções e conceitos novos ou diferentes de regulação.	Não apresentam noções e conceitos novos ou diferentes de regulação.
Manual Instrutivo Telessaúde	2015	Considera a regulação como tecnologia de gestão com função de ordenar o acesso às ações e serviços de saúde, para um atendimento com indicação e no tempo certo, priorizando casos a partir de fatores como risco, necessidade e vulnerabilidade	Aponta o Telessaúde como estratégia para a ampliar e facilitar o acesso a determinadas ações de saúde, aumentar a resolutividade na Atenção Básica, realizar matriciamento e ser uma ferramenta de educação permanente.
PNAB	2017	Apresenta como objetivo da regulação a organização do acesso, induzindo ao uso racional de recursos em saúde, impedindo deslocamentos desnecessários e trazendo maior eficiência e equidade à gestão das listas de espera.	Recomenda o aumento da capacidade clínica das equipes e fortalecimento das práticas de microrregulação. Inclui como atribuição do ACS no acompanhamento das necessidades dos usuários no que diz respeito a agendamentos ou desistências de consultas e exames solicitados

Documento	Ano de publicação	Principais formulações sobre organização e gestão da regulação	Lugar da APS na organização e gestão da regulação
NOAS	2002	Apresenta a delegação ao médico regulador, pelo gestor competente, de autoridade sanitária, para que exerça responsabilidade sobre a regulação da assistência.	Amplia formalmente as responsabilidades dos municípios na APS e busca constituir o processo de regionalização como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde e de busca por maior equidade.
Pacto pela saúde	2006	Encarrega os municípios de executar o controle do acesso ambulatorial do seu munícipio, que pode ser feito por meio de centrais de regulação. Também ficam responsáveis por operar o complexo regulador dos serviços presentes no seu território, realizando a cogestão com o Estado e outros municípios das referências intermunicipais.	Municipaliza organização e pactuação do acesso a ações e serviços especializados a partir da APS, pela integração e articulação entre os níveis do sistema com base na Programação Pactuada Integrada (PPI).
PNAB	2006	Não apresenta elementos sobre a organização e gestão geral da regulação.	Coloca-se, entre as ações necessárias da atenção primária, a garantia de fluxos de referência e contrarreferência aos serviços especializados.
Política Nacional de Regulação	2008	Define os modelos de estrutura e abrangência dos complexos reguladores estaduais, regionais e municipais, que devem ser pactuados entre os gestores, além das atividades a serem exercidas pelo Ministério da Saúde.	Poucas menções ao lugar da atenção primária na organização e gestão da regulação. Municipaliza a responsabilidade de viabilizar o processo de regulação do acesso a partir da Atenção Básica, provendo capacitação, ordenação de fluxo, aplicação de protocolos e informatização.
Diretrizes para a implantação de complexos reguladores	2010	Detalha a estruturação do complexo regulador, especificando desde seu quadro profissional até detalhes da infraestrutura mínima necessária para implantação e funcionamento adequado.	Defende organizar uma atenção primária resolutiva pelos municípios, que faça solicitações padronizadas pelos protocolos aos outros níveis de complexidade.
PNAB	2011	Concebe práticas de regulação realizadas na APS, articuladas com os processos regulatórios realizados em outros espaços da rede, sem detalhar elementos organizativos e de gestão para isso.	Aponta a atenção primária como coordenadora do cuidado e ordenadora das redes, atuando como centro de comunicação entre os pontos de atenção.
Portaria nº 2.554 - Telessaúde	2011	Prevê genericamente a articulação do Telessaúde com a rede e com a Regulaçao do acesso aos serviços	Busca pelo aumento da capacidade resolutiva da APS por meio de diferentes ações de Telessaúde.
Portarias nº 2.859 e 2.860 - Telessaúde	2014	Preveem foco parcial do Telessaúde em especialidades e linhas de cuidado prioritárias, e indicam a necessidade de os Núcleos de Telessaúde pactuarem protocolos de encaminhamento com as Centrais de Regulaçao .	Definem números de referência para teleconsultoria segundo equipes de APS, com indução indireta à realização de teleconsultorias relacionadas a linhas de cuidado ou especialidades prioritárias.
Manual Instrutivo Telessaúde	2015	Defende a integração dos NTS (Núcleos Técnicos de Telessaúde) aos processos regulatórios para qualificar o acesso à Atenção Especializada. Apresenta vários desenhos para a discussão e a operacionalização da integração do Telessaúde e da Regulação.	Defende a integração entre Telessaúde e regulação como potencial nova interface entre APS e processos regulatórios, mediada por componentes pedagógicos e técnicos com implicação assistencial.
PNAB	2017	Atribui funções na regulação a todos os profissionais das equipes da atenção primária. Coloca como responsabilidade da APS: a ordenação dos fluxos nos demais pontos de atenção da RAS, a gestão da referência e contrarreferência, o estabelecimento de relação com os especialistas que cuidam das pessoas do seu território.	Afirma que a gestão municipal deve criar condições para que o acesso aos serviços especializados ambulatoriais ocorra preferencialmente pela atenção primária.

Documento	Ano de publicação	Principais estratégias e ferramentas	Lugar da APS em interface com a ferramenta e/ou estratégia citada
NOAS	2002	Define que a regulação deverá ser efetivada por meio de complexos reguladores.	Não apresenta elementos acerca do lugar da APS em interface com os complexos reguladores.
Pacto pela saúde	2006	Apresenta os complexos reguladores como uma das principais estratégias de regulação e cita outras estruturas e níveis de atenção com os quais o complexo deve se articular. Orienta sobre sua implementação, monitoramento e o grau de abrangência estes devem ter, considerando as três esferas de gestão do SUS.	Não apresenta elementos acerca do lugar da APS em interface com os complexos reguladores.
PNAB	2006	Não apresenta ferramentas de regulação.	Define a atenção básica estrategicamente como porta de entrada preferencial do sistema e como coordenadora do cuidado.
Política Nacional de Regulação	2008	Aponta que a regulação do acesso será estabelecida mediante Complexos Reguladores, formados por centrais de regulação, preferencialmente, descentralizadas e com um nível central de coordenação e integração.	Responsabiliza os municípios na viabilização do processo de regulação do acesso a partir da APS, provendo capacitação, ordenação do fluxo, aplicação de protocolos e informatização.
Diretrizes para a implantação de complexos reguladores	2010	Apresenta os complexos reguladores como estratégia para absorver o fluxo da assistência na rede, adequando a oferta à demanda. Fundamenta a ação regulatória em protocolos clínicos e de encaminhamento. O SISREG é abordado como um instrumento estratégico.	Define os complexos reguladores como estruturas compostas por centrais e redes redes de serviços de saúde organizados a partir da APS
PNAB	2011	Destaca para a organização do fluxo dos usuários: gestão das listas de espera; prontuário eletrônico em rede; protocolos de atenção organizados sob a lógica de linhas de cuidado; discussão e análise de casos traçadores, eventos sentinela e incidentes críticos; o Telessaúde, entre outros.	Aposta-se na capacidade resolutiva da APS e na qualidade da microrregulação realizada pelos seus profissionais.
Portaria nº 2.554 - Telessaúde	2011	Propõe a informatização das unidades básicas de saúde. Orienta a elaboração de fluxograma e de protocolos clínicos que incluam a segunda opinião formativa e/ou teleconsultoria antes do encaminhamento ou da solicitação para a central de regulação.	Objetiva ampliar a resolutividade da APS e promover sua integração com o conjunto da RAS.
Portarias nº 2.859 e 2.860	2014	Condiciona o valor do componente de financiamento variável à pactuação de linhas de cuidado e/ou especialidades prioritárias e seus respectivos protocolos de encaminhamento, bem como à produção de teleconsultorias no mês por equipe.	Define-se a diferença entre os portes de Telessaúde, que está relacionada ao número de equipes de APS participantes.
Manual Instrutivo Telessaúde	2015	Apresenta protocolos de regulação do acesso ou protocolos de encaminhamento. Aponta o programa Telessaúde como uma estratégia para a melhoria da regulação, qualificando equipes através de teleconsultorias e tele-educação, apoiando a tomada de decisão clínica e gerencial no SUS.	Orienta que se evitem encaminhamentos de casos que poderiam ser resolvidos na APS, apostando no seu potencial resolutivo.
PNAB	2017	Destacam-se ferramentas de Telessaúde articuladas às decisões clínicas e aos processos de regulação do acesso, além da utilização de protocolos de encaminhamentos. Também prevê fortalecimento de práticas de microrregulação nas UBS, gestão de filas de espera, exames e consultas descentralizados, apoio matricial presencial e/ou a distância, dentre outros.	Recomenda a articulação e implementação de processos que aumentem a capacidade resolutiva da APS, bem como sua comunicação com centrais de regulação e serviços especializados.

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E. A. Melo e G. G. Gomes: concepção, planejamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final do manuscrito. J. O. de Carvalho, P. H. B. Pereira e K. P. L. Guabiraba: elaboração do rascunho, revisão crítica do conteúdo; aprovação da versão final do manuscrito.