Open-access Reflexão sobre os atentados violentos nas escolas

Precisamos falar sobre os atentados nas escolas, precisamos aprofundar as discussões sobre as violências nas escolas...

Segundo Rezende (2021), a violência e a agressividade constituem abuso de força e poder de um indivíduo mais forte sobre outro em situação de inferioridade com desejo de destruição. No contexto escolar, a violência possui caráter multifacetário, que vai desde palavrões até o surgimento de armas nas escolas.

É preciso também fazer a distinção entre violência contra a escola, violência da escola e violência na escola, que, segundo Ritsum (2023), correspondem, respectivamente, a violência cometida contra a escola como instituição e estrutura; a violência simbólica cometida pela escola contra professores e alunos; e por fim, a violência interna- física, verbal, psicológica, cometida entre alunos, ou entre eles e professores, e com funcionários.

Ferreira, Santos e Oriente (2023) definem violência na escola como atos diversos, violência física, psicológica, ameaças, brigas, bullying e outros, que são praticados e sofridos por alunos, professores e funcionários da escola. Nesse contexto, encontramos diferentes termos sendo utilizados, como violência extremista, school shooting, massacres e atentados armados (Camine; Neitzel, 2023; Guimarães et al., 2022; Ritsum, 2023).

Quanto à definição, ela é um pouco difícil de ser encontrada, mas, segundo Langman (2015), quando se trata de tiroteios nas escolas, geralmente a literatura se restringe aos casos em que um aluno, atual ou recente, da escola ou universidade, pratica o ato violento com o intuito específico de perpetrar um massacre.

A partir disso, com foco nos acontecimentos recentes que têm atemorizado a população brasileira, o presente texto irá considerar como atentados de violência nas escolas os ataques de maior gravidade, que resultam em ataque no contexto coletivo, com tentativa de homicídio, mortes e/ou feridos. Podem ter sido praticados por estudantes, outro sujeito da comunidade escolar ou agente externo; e que tenha como vítima tanto estudantes, quanto funcionários e professores.

Ferreira, Santos e Oriente (2023) destacam que, nos últimos anos, os atos violentos têm se tornado mais graves e mais frequentes. Os autores chamam atenção para o fato de que, entre os anos 2022 e 2023, os ataques violentos em escolas no Brasil superaram o número de ataques desse tipo dos últimos 20 anos anteriores, com invasões, ataques com uso de armas de fogo e outros artefatos, praticados tanto por estudantes como agentes externos.

Esses recentes ataques e ameaças de ações violentas no Brasil atingiram creches, escolas de ensino fundamental, ensino médio, universidades e institutos federais; causaram óbitos de bebês, crianças, adolescentes e professores. Além dos óbitos e feridos, o pânico e medo se estenderam por toda a sociedade, com ameaças de novos ataques violentos em escolas de todo o país (Heck, 2023).

Destaca-se, ainda, que os ataques às escolas são altamente rentáveis para a mídia, pois sua exposição causa comoção e grande audiência; desta forma, esses acontecimentos são usados também pelo comércio de games, música e o cinematográfico (Silva; Coelho; Pirozi, 2019). A reprodução midiática foca demasiadamente nos autores do crime, nos detalhes do acontecido, com objetivo da audiência e atenção do público. Tal posicionamento acaba endeusando os atiradores, trazendo reconhecimento midiático, que é muitas vezes o objetivo desses ataques, e influenciando outros jovens a repetirem esses atos (Guimarães et al., 2022).

Em relação à causa dos massacres, após análise de diversos ataques às escolas dentro e fora do país e da reflexão de diversos autores, Silva, Coelho e Pirozi (2019) afirmam que existem motivos diversos, entre eles: violências anteriormente sofridas por esses agressores, transtornos mentais, ideologias sociais e a influência que os próprios massacres anteriores exercem sobre a ocorrência dos novos.

A exclusão social e o bullying costumam ser indicados como as causas dos atos violentos cometidos pelos jovens, porém, segundo Camine e Neitzel (2023), essa afirmação é superficial. Os autores acreditam que problemas estruturais contribuem para as essas ações de autoafirmação violenta. Gomide (2023) refere que o aumento da violência nas escolas está associado às posturas extremistas, de direita, que disferem ódio às minorias; e às publicações neonazistas em redes sociais. Cita, ainda, a retirada das disciplinas de humanas do currículo escolar e o modelo competitivo adotado pelo ensino.

Além de todas as causas acima discutidas, é preciso atentar também à saúde mental desses jovens que praticam os ataques, muitos dos quais sofrem de depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos (Ferraz, 2023).

Haeney, Ash e Galletly (2018) apontam que os jovens que cometem essas violências podem sofrer com bullying, ataques de pânico, ansiedade social, depressão, ideação suicida. Psiquiatras, psicólogos e a comunidade próxima devem estar atentos a possíveis sinais de alerta, comportamentos violentos, ameaças e outros. Os autores relatam também que o ambiente escolar que contribui para o isolamento, anonimato, privação, marginalização e repressão pode promover ou intensificar comportamentos violentos.

Da mesma forma, a saúde mental das vítimas deve ser considerada, na medida em que há referência de que tanto a participação ou testemunho de atos violentos nas escolas, quanto a percepção de segurança na escola prejudicam o psicológico dos adolescentes. Apontam para uma maior incidência de sintomas de ansiedade generalizada e transtorno do pânico entre os estudantes que apresentaram níveis mais elevados de preocupação com os tiroteios e com a violência escolar, além da associação com o transtorno depressivo, maior entre os adolescentes negros do que em outras raças (Riehm et al., 2021).

Qualquer tipo de violência sofrida no ambiente escolar pode desencadear sofrimento psicológico e impactos para a saúde mental no longo prazo, além de criar insegurança, medo e prejudicar o rendimento escolar (Ferrara et al., 2019). Duru e Balkis (2018) também trazem como consequência para as vítimas de violência na escola prejuízos para a saúde física e mental, como: sintomas psicossomáticos, dor de cabeça, dor nas costas, stress, ansiedade e depressão. Enfatizam a importância do apoio familiar, da escola, dos pares e colegas, que minimizam os efeitos negativos da violência e funcionam como fator de proteção para a saúde mental.

Diante do exposto, é necessário pensar medidas de prevenção e combate aos atentados. Segundo Cézar (2019), nossas atitudes e decisões são motivados pelos sentimentos e emoções; a falta de autoconhecimento e a repressão desses acabam causando os atos de violência, intolerância ao outro, bullying e resultando nos ataques mais extremos. Com isso, a adoção da educação para a paz e de espaços para expressar e trabalhar sentimentos e emoções no ambiente escolar possibilitam o combate desses atos violentos.

As escolas devem também introduzir o debate sobre a violência e os próprios massacres, a fim de desenvolver empatia, respeito ao outro e gerar conhecimento para toda comunidade escolar de como agir diante de uma situação como essa (Guimarães et al., 2022).

O Ministério da Educação (Brasil, 2023) propôs medidas para prevenir e combater ataques nas escolas, que incluem: enfrentamento dos grupos de ódio e extremistas; controle do porte e venda de armas; responsabilizar redes sociais, mídia e pessoas pela divulgação de conteúdos de ódio e informações dos ataques; combater crimes de ódio, bullying e violência nas escolas; promover espaços de socialização, inclusão, políticas de saúde mental e melhoria da condições de trabalho nas escolas; aperfeiçoar setor de inteligência e elaborar orientações para atuação pós-ataques.

As medidas apresentadas devem ser consideradas também pelos estados e municípios, no sentido de mitigar causas relacionadas com ataques extremistas. Chama-se atenção também para a gestão escolar e professores, para que envolvam as comunidades de maneira efetiva em uma cultura de paz.1

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de Iniciação Cientifica (IC) da discente, e à Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

Referências

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    » https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/grupos-de-trabalho/prevencao-e-enfrentamento-da-violencia-nas-escolas/resultados/relatorio-ataque-escolas-brasil.pdf
  • CAMINE, L. A.; NEITZEL, O. Violência extremista na escola: o “school shooting” como fenômeno no Brasil. In: I Seminário de Pesquisa do PPGE. Anais... Universidade Federal da Fronteira Sul. Disponível em: https://portaleventos.uffs.edu.br/index.php/SEPEQPPGE/article/view/18175/12426 Acesso em: 21 nov. 2023.
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  • 1
    A. C. Morais e M. A. Carneiro: concepção e projeto, redação do texto, aprovação final da versão a ser publicada e é responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra.
  • Editora responsável:
    Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Fev 2024
  • Revisado
    10 Maio 2024
  • Aceito
    21 Maio 2024
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