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O "individualismo libertário" no imaginário social dos anos 60

"Libertarian individualism" in the social imagery of the sixties

L"individualisme libertaire" dans pimaginaire social d es années 60

Resumos

Tomando os convulsivos anos 60/70 como recurso analítico, o artigo discorre sobre o que propõe chamar de "individualismo psicologizante-li-bertário", o qual, embora não se esgotando nessas décadas, encontra aí uma forma privilegiada de expressão. Procurando depreender representações concernentes ao indivíduo, à sociedade, bem como à suarelação, o artigo argumenta pelo anúncio de uma ordem moral que, fundada em uma radical recusa a hierarquias e normalizações, assenta-se nos princípios da igualdade, da liberação e da antinormatividade, em nome de uma plena manifestação do sujeito e de seus 'desejos'.


Taking the turbulent sixties and seventies as an analytical expedient, the article addresses what it proposes to call "psychologizing-libertarian individualism", a phenomenon that while not limited to these two decades finds therein a privileged form of expression. The goal is to deduce representations concerning the individual, society, and the relation between the two. It is argued that this period heralded a moral order based on the radical rejection of hierarchies and of standardizations and grounded in the principies of equality, liberty, and anti-normativeness, ali in the name of the unrestricted expression of the subject and his "desires".


Cet article utilise corame recours analytique une époque riche en convul-sions, les années 60 et 70, pour traiter de ce qu'il propose d'appeler l'"In-dividualisme Psychologisant-Libertaire". Celui-ci n'est pas limité à la période en question mais il y trouve une de ses principales formes d'expression. L'auteur s'efforce de dégager des représentations concernant l'individu, la socité et ses relations pour y voir 1'annonce d'un ordre moral qui, au nom d'une pleine manifestation du sujet et de ses "désirs", serait fondé sur un refus radical des hierarchies et autres normalisations et guidé par les príncipes d'égalité, de libération et d'opposition à toute logique normative


O "individualismo libertário" no imaginário social dos anos 60

"Libertarian individualism" in the social imagery of the sixties

L"individualisme libertaire" dans pimaginaire social d es années 60

Tania Salem

Professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Tomando os convulsivos anos 60/70 como recurso analítico, o artigo discorre sobre o que propõe chamar de "individualismo psicologizante-li-bertário", o qual, embora não se esgotando nessas décadas, encontra aí uma forma privilegiada de expressão. Procurando depreender representações concernentes ao indivíduo, à sociedade, bem como à suarelação, o artigo argumenta pelo anúncio de uma ordem moral que, fundada em uma radical recusa a hierarquias e normalizações, assenta-se nos princípios da igualdade, da liberação e da antinormatividade, em nome de uma plena manifestação do sujeito e de seus 'desejos'.

ABSTRACT

Taking the turbulent sixties and seventies as an analytical expedient, the article addresses what it proposes to call "psychologizing-libertarian individualism", a phenomenon that while not limited to these two decades finds therein a privileged form of expression. The goal is to deduce representations concerning the individual, society, and the relation between the two. It is argued that this period heralded a moral order based on the radical rejection of hierarchies and of standardizations and grounded in the principies of equality, liberty, and anti-normativeness, ali in the name of the unrestricted expression of the subject and his "desires".

RESUME

Cet article utilise corame recours analytique une époque riche en convul-sions, les années 60 et 70, pour traiter de ce qu'il propose d'appeler l'"In-dividualisme Psychologisant-Libertaire". Celui-ci n'est pas limité à la période en question mais il y trouve une de ses principales formes d'expression. L'auteur s'efforce de dégager des représentations concernant l'individu, la socité et ses relations pour y voir 1'annonce d'un ordre moral qui, au nom d'une pleine manifestation du sujet et de ses "désirs", serait fondé sur un refus radical des hierarchies et autres normalisations et guidé par les príncipes d'égalité, de libération et d'opposition à toute logique normative.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

1 DURKHEIM E., De la división dei trabajo social. Buenos Aires, Editorial Schapiro, 1967, p. 113.

2 Ver, por exemplo, a análise de Durkheim (De la división dei trabajo social, op. cit.) sobre a solidariedade orgânica e/ou a divisão do trabalho social e seus efeitos sobre a constituição da individualidade.

3 MAUSS M., "Uma categoria do espirito humano: a noção de pessoa, a noção de eu", in Sociologia e Antropologia. São Paulo, EDU/EDUSP, 1974. Partindo da noção de 'personagem' como típica das sociedades tradicionais, o autor acompanha sua progressiva individualização até chegar na concepção moderna de indivíduo como 'sujeito pscológico', ou seja, confundido com a interioridade do 'eu'.

4 SIMMEL G., "Freedom and the individual", in Individuality and social forms. Chicago, The University of Chicago Press, 1971.

5 FOUCAULT M., História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 4a ed.

6 SENNETT R., The fali of public man. Nova Iorque, Random House, 1978.

7 LASCH C., The culture of narcisism. Nova Iorque, Warner Books, 1979.

8 Já tive oportunidade de sistematizar, em outro trabalho, minha leitura acerca das teses dumonsianas (cf. SALEM T., Sobre o 'casalgrávido': incursão em um universo ético. Rio de Janeiro, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ. Tese de Doutorado, 1987, pp. 29-43).

9 Conferir, sobre esses pontos, DUMONT L., "Introduction", in Homo hierarchicus. Paris, Gallimard, 1966; "Religion, politics and society in the individualisúc universe", in Proceed-ings ofRoyal Anthropological Institute of Great Britain and Irelandfor 1970; "La civiliza-tion indienne et nous", in La civilization indienne et nous. Paris, Armand Colin, 1975; e "Une étude comparative de 1'idéologie moderne et de la place en elle de la pensée éco-nomique", in Homo Aequalius. Gallimard. 1977.

10 DUMONT L., "Gênese, I. Do indivíduo-fora-do-mundo ao indivíduo-no-mundo", in O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco, 1985.

11 FOUCAULT M., História da Sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro, Graal, 1984.

12 Merece também destaque a idéia -aqui não trabalhada -de que, também sob um prisma sincrônico, o individualismo, tal como o holismo, comporta variações' nacionais', 'regionais' e 'sociais' (DUMONT L., "Religion,politics and society in the individualistic universe", em Proceedings ofRoyal Anthropological Institute ofGreat Britain and Irelandfor 1970, op. cit., e "Une étude comparative de l'ideologie modeme et de la place en elle de la pensée économique", em Homo Aequalius, op. cit.

13 Já propus, em outro contexto, um contraste entre essa modalidade de individualismo e aética calvinista tal como lida por WEBER M. in A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1967. Ver, a respeito, SALEM T., Sobre o 'casal grávido': incursão em um universo ético, op. cit., pp. 43-47.

14 FERR Y L. e RENAUT A. (Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo. São Paulo, Ensaio, 1988, cap. 2. ) oferecem, aos interessados, um inventário das mais diferentes interpretações -— desde as empíricas até as teóricas (nas versões marxista, tocquevilliana, fenomenológica e weberiana) — para o período em questão.

15 Sustentando um "parentesco de inspiração" entre a "revolta de maio" no contexto francês e a filosofia francesa dos anos 68 (Foucault, Althusser, Derrida, Lacan, Bourdieu etc), Ferry e Renaut [Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo conteporâneo, op. cit.] destacam a importância das teses de Nietzsche e de Heiddegger para a compreensão de ambos os movimentos. O presente artigo não se ocupa, a não ser muito marginalmente, com aprodução filosófica do período. Mas, pautando-me na interpretação dos autores acerca do pensamento filosófico de 68 e contrastando-a com minha leitura dos anos 60/70, observo, entre os fenômenos, alguns pontos fundamentais de não-sintonia. Ferry e Renaut proclamam que a filosofia da época apresenta, como cerne, o 'anti-humanismo' —- isto é, a idéia de que a autonomia do homem é uma ilusão, derivando daí também uma crítica radical da subjetividade como consciência finita. A argumentação aqui proposta sustenta que várias das correntes sociais que se afirmam então fundam-se, ao invés, na promoção radical da individualidade e da subjetividade; a 'ilusão' apontada pela 'filosofia 68' constitui, assim, uma das 'verdades' irredutíveis do imaginário social da época. Por outro lado, como veremos, a antinormatividade, tão decantada nesses anos, coincide com o trabalho crítico realizado pela filosofia francesa com relação às normas e sua pretensão à universalidade.

16 Dispus-me, na minha tese de doutorado, a buscar compreender os anos 60 como forma de conferir inteligibilidade às diferenças que separam a retórica obstétrica vanguardista nos anos 50 — consubstanciada no 'parto sem dor' que tem, como importantes mentores, Leboyer, Odent, Kitzinger etc. Pois, se bem que o lapso de tempo que separa as duas correntes seja pequeno, pude observar, ao contrastá-las, inflexões discursivas altamente instigantes. Muito resumidamente: ao lado do acirramento da postura que se propugna desmedicalizante (desembocando na contestação, por parte dos próprios obstetras vanguardistas, do 'poder médico') e de uma notável psicologização da retórica, observa-se o deslocamento de um discurso que busca legitimar-se postulando um conjunto de regras convenientes e universalmente aplicáveis para um outro cuja legitimidade se ancora precisamente no repúdio a qualquer tipo de normatividade. Argumento, no trabalho citado, que o período que separa as duas correntes obstétricas se vê revestido de uma importância sociológica considerável, em virtude do impacto dos anos 60, os quais, conforme veremos, colocam na ordem do dia uma radical contestação às instâncias hierárquicas e às normalizações, em nome de uma plena manifestação do sujeito e de suas idiossincrasias. Não buscava estipular uma relação causal entre os anos 60 e as teses do 'pós-parto sem dor', mas sim estabelecer entre eles relações de sentido e nexos significativos. (Cf. SALEM T., Sobre o 'casal grávido '; incursão em um universo ético, op. cit., cap. I.)

17 WEBER M., "L' objectivité de laconnaissance dans les sciences et la politique sociales", em Essais sur la théorie de la science. Paris, Plon, 1965.

18 A respeito do modelo de communitas, ver TURNER V., O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis, Vozes, 1974.

19 NEILL A.S., Liberdade sem medo. São Paulo, Ibrasa, 18a ed. 1979, p. 277 e p. 107.

20 LAING R.D. e ESTERSON A., L'équilibre mental, la folie et lafamille. Paris, Françoise M áspero, 1975.

21 COOPER D., The death ofthefamily. Middlesex, Penguin Books, 1974, p. 8.

22 COOPER D., The grammar of living. Londres, Allen Lane, 1974, pp. 54 e ss.

23 Essa proposta de interpretação quanto à qualificação do social valorizado/rechaçado pode elucidar o 'paradoxo' apontado por alguns diante do fato de que, embora declaradamente preocupado com a respublica, o ideário dos anos 60 acaba por "privatizar a existência" (cf. FERRY L., e RENAUT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo conteporâneo, op. cit., pp. 72-73). Não obstante, se identificarmos "privatização da existência" com o isolamento do sujeito vis-à-vis a sociedade, apatia política e atomização do social, é possível concluir que, do ponto de vista dos atores envolvidos, a 'acusação' não procede. No lugar do aludido 'paradoxo', o que parece efetivamente estar em jogo são definições conflitantes, e mesmo contraditórias, acerca do que deva ser a sociedade, do que é politicamente relevante etc. O investimento no social e até na respublica inegavelmente existe, mas está, nas décadas que nos ocupam, informado pelos preceitos da igualdade, da psicologicidade e da antinormatividade — redundando na percepção da sociedade como redutível a um somatório de indivíduos, da revolução social como fundada em revoluções 'subjetivas' e na utopia de converter a sociedade em uma grande comunidade. Retomo essas idéias adiante.

24 Criticando o "refrão da cançoneta anti-repressiva", Foucault, numa entrevista publicada em LeNouvel Observateurem 1977, sublinha que vinga nesses anos a convicção de que "o poder é mau, é feio, pobre, estéril, monótono, morto", e que "aquilo sobre o que o poder se exerce é positivo, é bom, é rico" (apud FERRY L.e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 98/99).

25 Na única passagem do livro na qual se refere explicitamente a Reich, Foucault o aponta como um dos principais mentores da "crítica histórico-política da repressão sexual" ou da "hipótese repressiva da sexualidade" [FOUCAULT M., História da sexualidade 1: a vontade de saber, op. cit., p. 123]. Entretanto numa entrevista concedida ao Le Monde em 1976, o autor invoca tambémMarcuse: "Devemos livrar-nos dos 'marcusismos' e dos 'reichianismos' que querem nos fazer crer que a sexualidade é, de todas as coisas do mundo, a mais obstinadamente 'reprimida' e 'super-reprimida' por nossa sociedade 'burguesa', 'capitalista' e 'vitoriana' (apud FERRY L. e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 125).

24 Ver, por exemplo, REICH W., A função do orgasmo. São Paulo, Brasiliense, 1975.

26 MARCUSE H., Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 1967; e Eros e civilização. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.

27 Cooper, dentre inúmeros outros, endossa a tese: "para a ordem social burguesa e repressiva, a antipsiquiatria é política e subversiva por sua própria natureza; não apenas porque ratifica certas formas altamente não conformistas de comportamento, mas também pGrque deixa o legado de uma radical liberação sexual." [COOPER D., The death ofthe family, op. cit., p. 57]. Daí a pertinência das palvras de FOUCAULT: "o queme parece essencial é a existência em nossa época de um discurso onde o sexo, a revelação da verdade, a inversão da lei do mundo, o anúncio de um novo dia e a promessa de uma certa felicidade estão ligados entre si... O projeto revolucionário [foi] nas sociedades industriais e ocidentais, transferido, pelo menos em boa parte, para o sexo" [FOUCAULT M., Hist6ria da sexualidade I: a vontade de saber, op. cit., p. 13].25 Cf., sobre este ponto, GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira—Cohen-Bendit. Rio de Janeiro, Rocco, 1985, pp. 21-23.

28 Ver, por exemplo, REICH W., Afunção do orgasmo. São Paulo, Brasiliense, 1975.

29 Cf., sobre este ponto, GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira-Cohen-8endit. Rio de Janeiro, Rocco, 1985, pp. 21-23.

30 Daniel Bell interpreta o nascimento dos movimentos 'pós-modernos' como assentados fundamentalmente numa 'cultura hedonista', em nítido contraste com o ascetismo do protocapitalismo. O autor atrela essa 'revolução' ao nascimento do crédito nos anos 30: "O maior instrumento de destruição da ética protestante foi a invenção do crédito. Antes, para comprar, era preciso economizar previamente. Mas agora, com um cartão de crédito, pode-se imediatamente satisfazer seus desejos." (Apud FERRY L. e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 74.)

31 ln GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira-Cohen-Bendit, op. cit, p. 48.

32 CASTEL R., La gestion des risques: de l 'anti-psychiatrie à l 'après-psychanalyse. Paris, Les Editions de Minuit, 1981, p. 9.

33 Ver, a propósito, FRANCHETTO B. CAVALCANTI M.L. e HEILBORN M.L., "Antropologia e feminismo", in Perspectivas antropológicas da mulher, n°; 1. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp. 41-42.

34 SOUZA H., "Masculino-feminino", in DA POIAN (org.), Homem-mulher: abordagens sociais e psicanalíticas. Rio de Janeiro, Taurus, 1987, p. 43.

35 SIMMEL G., "Freedom and the individual", in Individuality and social forms, op. cit.

36 SALEM T., Sobre o 'casal grávido': incursão em um universo ético, op. cit.; e "O casal igualitário: princípios e impasses", in Revista Brasileira de Ciências Sociais, n° 9, vol. 3, 1989.

37 COOPER D., The grammar of living, op. cit.

38 GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira—Cohen-Bendit, op. cit., pp. 26-27.

39 BADINTER E., "Entre a rejeição e a androginia: o masculino em busca de modelo", em Mulherio, n° 6, n. 24, 1986, p. 11.

40 LASCH C., The culture of narcisism, op. cit., 1979.

41 Foucault destaca que nos anos que precederam a Segunda Guerra, mas estendendo-se para muito além dessa época, a filosofia ocidental foi dominadapela "filosofia do sujeito": "Quero dizer que a filosofia considera a sua tarefa par excellence estabelecer que todo o conhecimento e o princípio de toda a significação emanam do sujeito significativo." (FOUCAULTM. e SENNETT R., "Sexuality and solitude" emLondonReviewBooks, maio, 1981. ) O autor, tal como Lasche no livro citado, vislumbra na conjuntura política do período —- marcada pelas guerras e pela iminência de uma catástrofe atômica — um estímulo para buscar no próprio indivíduo a razão última de sua existência.

42 MARCUSE H., Eros e civilização, op.cit., p. 19.

43 Idem, p. 23.

44 FOUCAULT M., História da sexualidade I: a vontade de saber, op. cit.

  • 1 DURKHEIM E., De la división dei trabajo social. Buenos Aires, Editorial Schapiro, 1967, p. 113.
  • 2 Ver, por exemplo, a análise de Durkheim (De la división dei trabajo social, op. cit.) sobre a solidariedade orgânica e/ou a divisão do trabalho social e seus efeitos sobre a constituição da individualidade. 3 MAUSS M., "Uma categoria do espirito humano: a noção de pessoa, a noção de eu", in Sociologia e Antropologia. São Paulo, EDU/EDUSP, 1974.
  • Partindo da noção de 'personagem' como típica das sociedades tradicionais, o autor acompanha sua progressiva individualização até chegar na concepção moderna de indivíduo como 'sujeito pscológico', ou seja, confundido com a interioridade do 'eu'. 4 SIMMEL G., "Freedom and the individual", in Individuality and social forms. Chicago, The University of Chicago Press, 1971.
  • 5 FOUCAULT M., História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Graal, 4a ed.
  • 6 SENNETT R., The fali of public man. Nova Iorque, Random House, 1978.
  • 7 LASCH C., The culture of narcisism. Nova Iorque, Warner Books, 1979.
  • 8 Já tive oportunidade de sistematizar, em outro trabalho, minha leitura acerca das teses dumonsianas (cf. SALEM T., Sobre o 'casalgrávido': incursão em um universo ético. Rio de Janeiro, PPGAS/Museu Nacional/UFRJ. Tese de Doutorado, 1987, pp. 29-43).
  • 9 Conferir, sobre esses pontos, DUMONT L., "Introduction", in Homo hierarchicus. Paris, Gallimard, 1966;
  • Religion, politics and society in the individualisúc universe, in Proceed-ings ofRoyal Anthropological Institute of Great Britain and Irelandfor 1970;
  • La civiliza-tion indienne et nous, in La civilization indienne et nous. Paris, Armand Colin, 1975;
  • e "Une étude comparative de 1'idéologie moderne et de la place en elle de la pensée éco-nomique", in Homo Aequalius. Gallimard. 1977.
  • 10 DUMONT L., "Gênese, I. Do indivíduo-fora-do-mundo ao indivíduo-no-mundo", in O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco, 1985. 11 FOUCAULT M., História da Sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro, Graal, 1984. 12 Merece também destaque a idéia -aqui não trabalhada -de que, também sob um prisma sincrônico, o individualismo, tal como o holismo, comporta variações' nacionais', 'regionais' e 'sociais' (DUMONT L., "Religion,politics and society in the individualistic universe", em Proceedings ofRoyal Anthropological Institute ofGreat Britain and Irelandfor 1970, op. cit., e "Une étude comparative de l'ideologie modeme et de la place en elle de la pensée économique", em Homo Aequalius, op. cit. 13 Já propus, em outro contexto, um contraste entre essa modalidade de individualismo e aética calvinista tal como lida por WEBER M. in A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1967.
  • Ver, a respeito, SALEM T., Sobre o 'casal grávido': incursão em um universo ético, op. cit., pp. 43-47. 14 FERR Y L. e RENAUT A. (Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo. São Paulo, Ensaio, 1988, cap. 2.
  • ) oferecem, aos interessados, um inventário das mais diferentes interpretações - desde as empíricas até as teóricas (nas versões marxista, tocquevilliana, fenomenológica e weberiana) para o período em questão. 15 Sustentando um "parentesco de inspiração" entre a "revolta de maio" no contexto francês e a filosofia francesa dos anos 68 (Foucault, Althusser, Derrida, Lacan, Bourdieu etc), Ferry e Renaut [Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo conteporâneo, op. cit.] destacam a importância das teses de Nietzsche e de Heiddegger para a compreensão de ambos os movimentos. O presente artigo não se ocupa, a não ser muito marginalmente, com aprodução filosófica do período. Mas, pautando-me na interpretação dos autores acerca do pensamento filosófico de 68 e contrastando-a com minha leitura dos anos 60/70, observo, entre os fenômenos, alguns pontos fundamentais de não-sintonia. Ferry e Renaut proclamam que a filosofia da época apresenta, como cerne, o 'anti-humanismo' - isto é, a idéia de que a autonomia do homem é uma ilusão, derivando daí também uma crítica radical da subjetividade como consciência finita. A argumentação aqui proposta sustenta que várias das correntes sociais que se afirmam então fundam-se, ao invés, na promoção radical da individualidade e da subjetividade; a 'ilusão' apontada pela 'filosofia 68' constitui, assim, uma das 'verdades' irredutíveis do imaginário social da época. Por outro lado, como veremos, a antinormatividade, tão decantada nesses anos, coincide com o trabalho crítico realizado pela filosofia francesa com relação às normas e sua pretensão à universalidade. 16 Dispus-me, na minha tese de doutorado, a buscar compreender os anos 60 como forma de conferir inteligibilidade às diferenças que separam a retórica obstétrica vanguardista nos anos 50 consubstanciada no 'parto sem dor' que tem, como importantes mentores, Leboyer, Odent, Kitzinger etc. Pois, se bem que o lapso de tempo que separa as duas correntes seja pequeno, pude observar, ao contrastá-las, inflexões discursivas altamente instigantes. Muito resumidamente: ao lado do acirramento da postura que se propugna desmedicalizante (desembocando na contestação, por parte dos próprios obstetras vanguardistas, do 'poder médico') e de uma notável psicologização da retórica, observa-se o deslocamento de um discurso que busca legitimar-se postulando um conjunto de regras convenientes e universalmente aplicáveis para um outro cuja legitimidade se ancora precisamente no repúdio a qualquer tipo de normatividade. Argumento, no trabalho citado, que o período que separa as duas correntes obstétricas se vê revestido de uma importância sociológica considerável, em virtude do impacto dos anos 60, os quais, conforme veremos, colocam na ordem do dia uma radical contestação às instâncias hierárquicas e às normalizações, em nome de uma plena manifestação do sujeito e de suas idiossincrasias. Não buscava estipular uma relação causal entre os anos 60 e as teses do 'pós-parto sem dor', mas sim estabelecer entre eles relações de sentido e nexos significativos. (Cf. SALEM T., Sobre o 'casal grávido '; incursão em um universo ético, op. cit., cap. I.) 17 WEBER M., "L' objectivité de laconnaissance dans les sciences et la politique sociales", em Essais sur la théorie de la science. Paris, Plon, 1965. 18 A respeito do modelo de communitas, ver TURNER V., O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis, Vozes, 1974.
  • 19 NEILL A.S., Liberdade sem medo. São Paulo, Ibrasa, 18a ed. 1979, p. 277 e p. 107.
  • 20 LAING R.D. e ESTERSON A., L'équilibre mental, la folie et lafamille. Paris, Françoise M áspero, 1975.
  • 21 COOPER D., The death ofthefamily. Middlesex, Penguin Books, 1974, p. 8. 22 COOPER D., The grammar of living. Londres, Allen Lane, 1974, pp. 54 e ss.
  • 23 Essa proposta de interpretação quanto à qualificação do social valorizado/rechaçado pode elucidar o 'paradoxo' apontado por alguns diante do fato de que, embora declaradamente preocupado com a respublica, o ideário dos anos 60 acaba por "privatizar a existência" (cf. FERRY L., e RENAUT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo conteporâneo, op. cit., pp. 72-73). Não obstante, se identificarmos "privatização da existência" com o isolamento do sujeito vis-à-vis a sociedade, apatia política e atomização do social, é possível concluir que, do ponto de vista dos atores envolvidos, a 'acusação' não procede. No lugar do aludido 'paradoxo', o que parece efetivamente estar em jogo são definições conflitantes, e mesmo contraditórias, acerca do que deva ser a sociedade, do que é politicamente relevante etc. O investimento no social e até na respublica inegavelmente existe, mas está, nas décadas que nos ocupam, informado pelos preceitos da igualdade, da psicologicidade e da antinormatividade redundando na percepção da sociedade como redutível a um somatório de indivíduos, da revolução social como fundada em revoluções 'subjetivas' e na utopia de converter a sociedade em uma grande comunidade. Retomo essas idéias adiante. 24 Criticando o "refrão da cançoneta anti-repressiva", Foucault, numa entrevista publicada em LeNouvel Observateurem 1977, sublinha que vinga nesses anos a convicção de que "o poder é mau, é feio, pobre, estéril, monótono, morto", e que "aquilo sobre o que o poder se exerce é positivo, é bom, é rico" (apud FERRY L.e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 98/99). 25 Na única passagem do livro na qual se refere explicitamente a Reich, Foucault o aponta como um dos principais mentores da "crítica histórico-política da repressão sexual" ou da "hipótese repressiva da sexualidade" [FOUCAULT M., História da sexualidade 1: a vontade de saber, op. cit., p. 123]. Entretanto numa entrevista concedida ao Le Monde em 1976, o autor invoca tambémMarcuse: "Devemos livrar-nos dos 'marcusismos' e dos 'reichianismos' que querem nos fazer crer que a sexualidade é, de todas as coisas do mundo, a mais obstinadamente 'reprimida' e 'super-reprimida' por nossa sociedade 'burguesa', 'capitalista' e 'vitoriana' (apud FERRY L. e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 125). 24 Ver, por exemplo, REICH W., A função do orgasmo. São Paulo, Brasiliense, 1975. 26 MARCUSE H., Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 1967; e Eros e civilização. Rio de Janeiro, Zahar, 1968. 27 Cooper, dentre inúmeros outros, endossa a tese: "para a ordem social burguesa e repressiva, a antipsiquiatria é política e subversiva por sua própria natureza; não apenas porque ratifica certas formas altamente não conformistas de comportamento, mas também pGrque deixa o legado de uma radical liberação sexual." [COOPER D., The death ofthe family, op. cit., p. 57]. Daí a pertinência das palvras de FOUCAULT: "o queme parece essencial é a existência em nossa época de um discurso onde o sexo, a revelação da verdade, a inversão da lei do mundo, o anúncio de um novo dia e a promessa de uma certa felicidade estão ligados entre si... O projeto revolucionário [foi] nas sociedades industriais e ocidentais, transferido, pelo menos em boa parte, para o sexo" [FOUCAULT M., Hist6ria da sexualidade I: a vontade de saber, op. cit., p. 13].25 Cf., sobre este ponto, GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo GabeiraCohen-Bendit. Rio de Janeiro, Rocco, 1985, pp. 21-23.
  • 28 Ver, por exemplo, REICH W., Afunção do orgasmo. São Paulo, Brasiliense, 1975. 29 Cf., sobre este ponto, GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira-Cohen-8endit. Rio de Janeiro, Rocco, 1985, pp. 21-23. 30 Daniel Bell interpreta o nascimento dos movimentos 'pós-modernos' como assentados fundamentalmente numa 'cultura hedonista', em nítido contraste com o ascetismo do protocapitalismo. O autor atrela essa 'revolução' ao nascimento do crédito nos anos 30: "O maior instrumento de destruição da ética protestante foi a invenção do crédito. Antes, para comprar, era preciso economizar previamente. Mas agora, com um cartão de crédito, pode-se imediatamente satisfazer seus desejos." (Apud FERRY L. e RENAULT A., Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo, op. cit., p. 74.) 31 ln GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira-Cohen-Bendit, op. cit, p. 48. 32 CASTEL R., La gestion des risques: de l 'anti-psychiatrie à l 'après-psychanalyse. Paris, Les Editions de Minuit, 1981, p. 9.
  • 33 Ver, a propósito, FRANCHETTO B. CAVALCANTI M.L. e HEILBORN M.L., "Antropologia e feminismo", in Perspectivas antropológicas da mulher, n°; 1. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp. 41-42.
  • 34 SOUZA H., "Masculino-feminino", in DA POIAN (org.), Homem-mulher: abordagens sociais e psicanalíticas. Rio de Janeiro, Taurus, 1987, p. 43.
  • 35 SIMMEL G., "Freedom and the individual", in Individuality and social forms, op. cit. 36 SALEM T., Sobre o 'casal grávido': incursão em um universo ético, op. cit.; e "O casal igualitário: princípios e impasses", in Revista Brasileira de Ciências Sociais, n° 9, vol. 3, 1989.
  • 37 COOPER D., The grammar of living, op. cit. 38 GABEIRA F., Nós que amávamos tanto a revolução: diálogo GabeiraCohen-Bendit, op. cit., pp. 26-27. 39 BADINTER E., "Entre a rejeição e a androginia: o masculino em busca de modelo", em Mulherio, n° 6, n. 24, 1986, p. 11.
  • 40 LASCH C., The culture of narcisism, op. cit., 1979. 41 Foucault destaca que nos anos que precederam a Segunda Guerra, mas estendendo-se para muito além dessa época, a filosofia ocidental foi dominadapela "filosofia do sujeito": "Quero dizer que a filosofia considera a sua tarefa par excellence estabelecer que todo o conhecimento e o princípio de toda a significação emanam do sujeito significativo." (FOUCAULTM. e SENNETT R., "Sexuality and solitude" emLondonReviewBooks, maio, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2011
  • Data do Fascículo
    1991
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