Resumo
A violência doméstica contra a mulher é um problema do campo da saúde, que tem na Estratégia Saúde da Família (ESF) importante via de enfrentamento. Este estudo buscou compreender as práticas de cuidado com esse público, elaboradas por trabalhadores e trabalhadoras da ESF e do Núcleo Ampliado de Saúde da Família. A pesquisa foi marcada pelo advento da pandemia do coronavírus, que impossibilitou a presença no campo. Assim, foram utilizadas a entrevista semiestruturada on-line como principal fonte de dados, e a Análise Temática como estratégia de análise. Observa-se que a construção do cuidado se dá principalmente a partir da valorização das tecnologias leves e dos saberes práticos, que se manifestam principalmente por meio do que os participantes denominam “protocolos intuitivos”. O estudo aponta ainda o medo de represálias, a desvinculação de julgamentos morais, a implicação da mulher, o desconhecimento da rede de assistência e a ausência de protocolos como principais desafios a serem superados. Também revela a importância do protagonismo dos saberes elaborados no trabalho vivo em ato para a formulação das estratégias de cuidado, articuladas com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, além da necessidade de novas produções com essa perspectiva.
Palavras-Chave: Violência Doméstica contra a mulher; Estratégia Saúde da Família; Atenção Primária à Saúde
Abstract
Domestic violence against women is a problem in the field of health, which has the Family Health Strategy (ESF) as an important way of coping. This study sought to understand the care practices for this public, elaborated by workers of the ESF and the Expanded Family Health Center. The research was marked by the advent of the coronavirus pandemic, which made it impossible to be present in the field, thus, the online semi-structured interview was used as the main source of data, and the Thematic Analysis as an analysis strategy. It is observed that the construction of care takes place mainly from the appreciation of light technologies and practical knowledge, which are manifested mainly through what the participants call “intuitive protocols”. The study also points out the fear of reprisals, the disengagement of moral judgments, the implication of the woman, the lack of knowledge about the assistance network and the absence of protocols as the main challenges to be overcome. It also reveals the importance of the protagonism of the knowledge elaborated in the live work in action for the formulation of care strategies, articulated with the National Policy of Integral Attention to Women's Health, in addition to the need for new productions with this perspective.
Keywords: Domestic Violence Against Woman; Family Health Strategy; Primary Health Care
Introdução
Este estudo se insere na discussão sobre o cuidado ofertado às mulheres em situação de violência doméstica na Estratégia Saúde da Família (ESF). Entendendo que a assistência se dá no contexto de um processo de trabalho em saúde – que deve ser considerado numa perspectiva sócio-histórica, influenciado e influente na realidade social (Mendes-Gonçalves, 2017) – em que há na dinâmica das relações entre sujeitos, diversas possibilidades de desfechos, questiona-se então, como tais práticas são construídas.1
De acordo com Schraiber et al. (2009), é tardia a compreensão de que a violência doméstica contra a mulher (VDCM) é um problema da saúde, tendo como uma de suas consequências o estranhamento de trabalhadores e trabalhadoras do setor quanto ao reconhecimento de que as práticas voltadas para as questões da violência também devem fazer parte de seu escopo profissional.
Segundo as autoras, a Saúde Coletiva vem buscando referências teóricas para sua base interdisciplinar, e é onde o problema mais se aplica no campo da saúde. Nesse sentido, é necessário desviar-se da abordagem biomédica que predomina na Saúde Coletiva desde a sua consolidação, e que dificulta a visão integralizada da saúde no que tange os danos causados pela violência, suas causas e consequências (Schraiber et al., 2009). Além disso, o desenvolvimento de conhecimento científico que possa resultar em práticas de cuidado e que se configurem enquanto tecnologias que possam promover saberes para a prestação da assistência efetiva no âmbito da violência é demanda evidente e desafiadora para o campo (Schraiber et al., 2009).
Mesmo diante de tais necessidades, a ESF apresenta grande potencialidade no enfrentamento do problema, por meio da detecção, abordagem e acompanhamento das mulheres que sofrem com a violência doméstica, por estar mais próximos delas, suas famílias e comunidade, em constante contato com o território (Cecílio et al., 2012; Porto et al., 2014). No entanto, a literatura nacional tem mostrado que os trabalhadores e trabalhadoras da ESF ainda não se sentem preparados para lidar com casos de VDCM nos serviços. As dificuldades apontadas perpassam desde a identificação e notificação até o acompanhamento adequado dos casos (Brum et al., 2013; Salciedo-Barrientos et al., 2014; Cordeiro et al., 2015; Machado et al., 2017; Costa et al., 2019; Silva et al., 2017; Nascimento et al., 2019).
Estudos internacionais realizados com profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), também trazem resultados semelhantes (Sánchez et al., 2016; Pitt, 2018; Artz et al., 2018), destacando-se práticas norteadas por percepções pessoais, sentimento de impotência e medo de represálias por parte dos agressores.
D’Oliveira et al. (2020) apontam que a insegurança de profissionais na abordagem; o pouco conhecimento técnico-científico e distanciamento do tema; a concentração das responsabilidades nas psicólogas, assistentes sociais e agentes comunitários/as; a subnotificação; assim como a escassez de protocolos de atendimento, e treinamentos são problemas predominantes diante da prática assistencial no que tange a VDCM na APS.
Nesse sentido, é importante compreender que a dinâmica de processo de trabalho em saúde, inserida no modelo de sociedade capitalista “compartilha características comuns com outros setores da economia, por estar marcado por uma direcionalidade técnica e envolver o uso de instrumentos e força de trabalho” (Malta; Merhy, 2003, p. 62). Assim, os trabalhadores de saúde que estruturalmente se alocam no setor terciário da economia, desenvolvem suas atividades seguindo a lógica do avanço das tecnologias de ponta, condições contratuais de emprego diversas e valorização da especialização (Pires, 2000), o que torna desafiador construir espaços de reflexão e aprofundamento das práticas, especialmente acerca da VDCM.
Segundo Mendes-Gonçalves (2017), o trabalho em saúde se desenvolve como forma de controlar a doença e recuperar força de trabalho. Por isso, é necessário que ele seja elaborado de modo crítico e político, dialogando com a realidade sócio-histórica na qual se insere, para que não caia num local de práticas burocráticas e estéreis.
Todavia, apesar das problemáticas tecnológicas e das implicações geradas pelo modelo de produção capitalista, esses trabalhadores e trabalhadoras estão nos serviços da APS, prestando, de algum modo, assistência às mulheres do seu território. Destarte, o presente estudo busca aprofundar a compreensão dos saberes práticos elaborados na ação em saúde, local onde se estabelecem relações singulares e complexas entre sujeitos.
Na sua micropolítica, o processo de trabalho em saúde se apresenta em uma dinâmica de disputa entre o que é instituído – a representação do trabalho morto – e o trabalho onde se desenvolvem novos processos, com diferentes possibilidades – o trabalho vivo em ato (Malta; Merhy, 2003). No encontro entre trabalhadores/as e usuárias, se formam os espaços intercessores, que são produzidos em ato, na relação entre os dois sujeitos, e onde acontece o encontro, enquanto forças instituintes são postas e podem se apresentar de maneira conflituosa ou não (Mala; Merhy, 2003; Merhy, 1997).
É nessa relação estabelecida que surge a possibilidade de mudança, de desenvolvimento da criatividade, e geram-se processos que “fogem” do instituído, criando novas formas de transformação em saúde: os “ruídos”, a manifestação do trabalho vivo em ato na sua potência (Malta; Merhy, 2003).
Nesse momento, desenvolvem-se novos saberes práticos, elaborados diante das subjetividades e peculiaridades entre os envolvidos, capazes de constituir saberes operantes, em articulação com o saber técnico-científico (Schraiber, 1996). Por isso, na busca da superação das dificuldades visualizadas por profissionais da APS, a identificação de práticas que revelem o potencial criador do trabalho vivo em saúde faz-se urgente, ao tempo em que estas sejam fortalecidas com a consolidação dos saberes técnicos.
Metodologia
Este estudo foi realizado em Salvador (BA), junto a trabalhadores e trabalhadoras de uma Unidade de Saúde da Família (USF), denominada ficticiamente de “Riachinho”. Esta acompanha, em média, 16 mil indivíduos e conta com quatro Equipes de Saúde da Família (EqSF) e um Núcleo Ampliado em Saúde da Família (NASF).
O território onde o serviço está localizado apresenta uma rotina marcada por problemas sociais, com destaque para a violência urbana. Boa parte da população é assistida por programas sociais, e tem no comércio da região a sua principal fonte de renda, desta forma, muitas pessoas trabalham em shoppings, clínicas e empresas, bem como em casas de família e como vendedores ambulantes.
A produção dos dados deste estudo aconteceu entre outubro e dezembro de 2020. Em decorrência da pandemia do coronavírus SARS-COV-2, foi necessária uma readequação do processo inicialmente pensado, assim, visitas presencias à unidade aconteceram pontualmente e a entrevista semiestruturada realizada de maneira remota foi definida como principal fonte de dados.
Participaram do estudo: 6 agentes comunitários/as de saúde (ACS), 4 enfermeiros/as, 2 cirurgiãos/ãs-dentistas e 1 auxiliar de saúde bucal (ASB) integrantes das 4 EqSF e 1 psicóloga, 1 assistente social e 1 fisioterapeuta do NASF. Uma dificuldade encontrada foi a adesão de médicos/as das EqSF ao estudo, única categoria da equipe mínima que não foi entrevistada.
A Análise Temática (Braun; Clarke, 2006) foi escolhida como o método de análise dos dados desse estudo, seguindo uma perspectiva teórica de análise e identificação dos temas no nível semântico. A partir da leitura do material, extratos dos relatos foram agrupados em códigos (Braun; Clarke, 2006) e estes foram abordados em um grande tema, utilizado na elaboração do artigo, conforme o Quadro 1.
O estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa de uma unidade da UFBA, sob o parecer nº 4.312.300, e todos/as os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados e Discussão
Construção dos saberes e a notificação dos casos
Ao considerar o conhecimento técnico que os trabalhadores e trabalhadoras desse serviço recebem para lidar com os casos de violência que podem chegar até eles, a maioria traz que não sente segurança para prestar assistência às mulheres:
A gente não tem muito preparo pra receber essas demandas lá não, a gente fica meio perdido, a gente pensa que sabe, mas quando chega né, a gente fica assim meio perdido...” (Cirurgião-dentista).
Nesse sentido, a educação permanente para os profissionais foi uma questão levantada. Diante das narrativas, fica evidente que existem espaços de discussão ofertados pela gestão municipal sobre violências, mas nada específico sobre a VDCM. Esses momentos são chamados pelas pessoas entrevistadas de “capacitações”,2 que são feitas de maneira pontual, sem que haja um planejamento de frequência para sua realização, além de não incluir todas as categorias profissionais.
Os relatos apontam a necessidade dos/das participantes de serem “capacitados” no que se refere ao modo de agir diante da VDCM, pois é preciso “um olhar treinado” para se perceber casos dentro de uma rotina de trabalho que muitas vezes exige agilidade na lida. Por isso, muitas vezes o conhecimento é adquirido na prática, “na vivência do dia a dia” (Enfermeira), construindo-se assim novos saberes.
O problema identificado não é estranho às Equipes de Saúde da Família (EqSF), visto que na literatura brasileira, a educação permanente é um elemento frequente nos estudos acerca da prática profissional de trabalhadores da ESF na APS. Gomes (2013) traz a necessidade urgente de que a educação permanente para a abordagem à mulher em situação de violência seja estabelecida para as equipes. Esse dado corrobora com outros estudos (Brum et al., 2013; Cordeiro et al., 2015; Nascimento et al., 2019; Silva et al., 2017; Machado et al., 2017) que trazem como demanda de profissionais da ESF a necessidade de qualificação técnica para lidar com as situações de VDCM, bem como o reconhecimento da subnotificação dos casos nos serviços, em decorrência da dificuldade na detecção dos possíveis casos.
Todavia, em diálogo com alguns estudos internacionais, D’Oliveira et al. (2020) ponderam que, apesar de serem imediatamente apontadas como solução, as chamadas “capacitações” e treinamentos podem contribuir para modificar as percepções diante do problema da VDCM, mas são insuficientes em repercussões efetivas no momento do atendimento, sendo necessárias reflexões mais profundas acerca das questões de gênero e o fortalecimento das políticas já conquistadas.
Em Riachinho, mesmo acontecendo de maneira escassa, é a partir dos conhecimentos adquiridos nos momentos de “capacitação” – através de cursos e palestras – e dos saberes construídos na prática que as equipes conseguem abordar a violência doméstica com as mulheres do território. ACS e enfermeiras compreendem que para trazer o tema para dentro de uma conversa, é necessário que isso seja feito de maneira sutil e cuidadosa, para que as mulheres não se afastem.
Por isso, é importante que se pense em estratégias de aproximação. Como no caso em que um agente comunitário relata que, para abordar o assunto com uma mulher estava sendo agredida fisicamente pelo marido, usou uma notícia que havia visto no jornal. Ele traz que se utilizou desse recurso para destacar que muitas mulheres temem denunciar, mas que existem serviços que podem prestar assistência.
A consulta do pré-natal e planejamento familiar são os momentos em que esse tema pode surgir com mais frequência, por ser parte do roteiro de atendimento. As enfermeiras questionam se há algum desconforto no ato sexual, ou se aquela mulher possui uma boa relação com o companheiro, por exemplo. Segundo elas, nunca se deve questionar diretamente se há violência doméstica, mas manter um olhar atento e observador para então conseguirem perceber algum sinal, e caso a mulher esteja com o parceiro e for perceptível que ela está mais retraída, é importante marcar um atendimento individualizado.
Para abordar a VDCM coletivamente (geralmente em salas de espera), os relatos apontam que também é importante não trazer o tema à tona, por isso, ele é inserido em discussões mais abrangentes, como a saúde da mulher: “[...] Saúde da mulher junta com a violência contra a mulher senão já choca elas né, elas já não vêm...” (ACS).
Os/as entrevistados/as fazem uma crítica ao próprio serviço pelo fato da discussão em torno da VDCM ser evidenciada em apenas algumas datas ou momentos isolados, e entendem a importância de uma abordagem contínua.
Em Riachinho, não há implementação de um protocolo de atendimento para a VDCM, no entanto, a notificação é compreendida pela maioria como uma etapa importante a ser realizada. Essa notificação é feita através da Ficha de Notificação Individual do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação),3 é específica para violências interpessoais ou autoprovocadas4 e tem caráter compulsório (Brasil, 2015). Nesse sentido, profissionais do NASF, da enfermagem e da odontologia mencionam que diante de qualquer caso, a notificação deve ser feita: “A gente é obrigado a notificar, o paciente não tem que escolher se a gente vai notificar ou não, a gente tem que notificar, é compulsório...” (Cirurgião-dentista).
No entanto, nem todos/as tem conhecimento da obrigatoriedade da notificação nos casos de VDCM, destarte, relatos trazem que a notificação deve ser feita apenas se a mulher aceitar. Especificamente entre as ACS, uma afirma ter conhecimento de uma ficha que deve ser preenchida de maneira anônima, já as demais não mencionam a notificação enquanto um dos elementos importantes no processo de assistência.
O desencontro de informações acerca da notificação também leva à resistência de alguns profissionais em realizá-la, por receio de que aquele documento tenha caráter judicial. Nesse sentido, uma enfermeira relata: “[...] O agente comunitário não se sente responsável pela notificação... E aí não quer que notifique, mesmo a gente tendo feito treinamentos, mostrando que a notificação é pra saúde, não é uma denúncia policial...”.
O desconhecimento ou as informações incompletas acerca da ficha do SINAN expressa a importância da educação permanente sobre a VDCM que são desejadas por esses trabalhadores e trabalhadoras, enquanto um passo inicial e necessário a ser dado. Todavia, é importante que se observe como esse saber é compartilhado, de que forma ele é recebido e posto em prática, partindo do entendimento de que o conhecimento deve ser construído em coletivo, e não por meio de relações verticalizadas.
“Protocolo intuitivo” e acolhimento
As pessoas participantes da pesquisa relatam ausência de um protocolo para conduzir o processo de trabalho diante dos casos de VDCM. Segundo Vieira et al. (2016), os protocolos são instrumentos organizativos e orientadores que visam garantir a ordenação e continuidade das ações em saúde. Ainda segundo as autoras, os protocolos são elaborados a partir dos conhecimentos técnico e cotidiano, e compostos por um conjunto de padrões, especificações e regras, que devem ser adequadas àquela realidade.
Neste estudo, emerge a expressão êmica5 “protocolo intuitivo”, para se referir aos processos desenvolvidos pelas EqSF e pelo NASF: quando algum caso de violência doméstica chega ao conhecimento do/da profissional da equipe, geralmente através dos/das ACS, ele é levado até o enfermeiro ou enfermeira, e discutido em reunião. Comumente, a mulher é então chamada para um atendimento médico, e o caso é também encaminhado para a assistente social e a psicóloga do NASF, identificadas como importantes referências no serviço.
No entanto, esse processo é dinâmico e depende das demandas de cada situação. Uma ACS relata no caso em que uma mulher da área pediu sua ajuda, pois vinha sofrendo agressões físicas do esposo. A agente comunitária então levou o caso até a equipe e, junto com a enfermeira e a médica, convidaram a mulher para um atendimento na unidade; esta, em conversa com as profissionais, disse que não queria denunciar o agressor, mas pediu que conversassem com ele.
Assim, as profissionais, junto com a psicóloga e a assistente social do NASF, fizeram um aconselhamento a toda família, individual e coletivamente. A ACS relata que a partir daí, passou a acompanhar mais de perto essa família, tendo relatos da esposa de uma melhora no convívio entre eles, considerando que é uma situação na qual se vem conseguindo manter um monitoramento, pois apesar de não haver mais queixas, não há garantias de que a agressão tenha deixado de existir ou que volte a acontecer.
É possível pensar que nesta situação alcançou-se o que Ayres (2001, 2007) compreende como um sucesso prático, partindo da compreensão de que a manutenção do relacionamento com o esposo é parte do projeto de felicidade elaborado por essa mulher. Na medida em que, mesmo não respondendo judicialmente pelos seus atos, o agressor expressa uma contribuição positiva, constrói-se um novo projeto, que conta agora com a supervisão e compromisso constante da equipe em prol da segurança daquela mulher, e onde todos os sujeitos envolvidos são ativos na cena.
O caso expressa na prática como os valores subjetivos, morais e éticos podem se manifestar na tomada de decisões diante do encontro, causando tensões de diversas ordens (Schraiber, 1999). Por isso, o processo reflexivo na prática profissional é tão delicado, pois envolve não apenas aquilo que se entende enquanto o ideal a ser alcançado, mas também quais são os desejos e aspirações envolvidos.
Discutindo o cuidado na perspectiva de Ayres, Lilia Schraiber (2011) aponta a possibilidade de se ofertar a assistência pensando que esta pode ser compreendida a partir da conquista de sucessos práticos, para além do êxito técnico, o que presume um agir interativo, crítico e reflexivo por parte do ou da trabalhadora de saúde.
Tal processo reflexivo não pode se desvincular do gênero enquanto importante categoria a ser considerada, já que é a partir das relações estabelecidas no meio social, baseadas no gênero, que desejos e projetos de felicidade são formulados. Deste modo, a manutenção da família e consequente não desvinculação do agressor estão perpassadas por uma concepção ideal de modo de viver que foi socialmente elaborada. Por isso, como parte dos sucessos práticos a serem alcançados, também deve haver um movimento de fortalecimento dessa mulher, apresentando-lhe possibilidades de mudanças, e reconhecimento de si enquanto sujeito capaz de construir novos projetos de felicidade. Além disso, o trabalho com esse agressor, que tenha um potencial transformador e possa gerar uma reflexão acerca de suas ações, também deve ser objetivado.
Desse modo, o projeto de felicidade dessa mulher, que pressupõe a manutenção do relacionamento com o seu agressor, pode ser reconstruindo na tentativa de desvincular-se de premissas projetadas por um tipo de sociedade patriarcal e machista.
Na situação apresentada, também é possível observar de modo concreto como o trabalho vivo opera nos espaços intercessores por meio das tecnologias leves, trazidas por Merhy (1997) como as formas essenciais de expressão do trabalho vivo em ato. Assim como nesse caso, as tecnologias das relações também são apontadas pelos/as participantes enquanto elementos imprescindíveis para ofertar cuidado às mulheres.
A acolhida, a escuta qualificada e a conversa que possibilita a construção de vínculos são as principais vias de aproximação e fortalecimento da relação entre profissionais e mulheres assistidas, refletindo o valor que o diálogo tem na oferta do cuidado defendido por Ricardo Ayres (2001).
Muitas vezes as mulheres que sofrem violência, elas procuram os serviços de saúde às vezes pra escuta, ela não tem absolutamente nada relacionado à saúde física [...], muitas vezes é questão do desabafo [...]. E se a gente não tiver né uma sensibilidade de uma escuta qualificada é... A gente pode ‘tá’ deixando passar batido e ser corresponsável por cada ato de violência que são cometidos com essas mulheres... (Enfermeira)
Aqui cabe retomar o acolhimento enquanto uma diretriz operacional da Política Nacional de Humanização, que visa em seus princípios à resolubilidade do problema daquela mulher, de modo que seja oferecida a ela a acolhida, a escuta e uma resposta positiva diante de sua necessidade; bem como elemento reorganizador do processo de trabalho e qualificador do encontro entre trabalhadores/as e usuárias, capaz de estabelecer relações de solidariedade (Franco; Bueno; Merhy, 1999).
Oferecer acolhimento é uma atitude individual e coletiva que se faz presente nas narrativas na relação com a VDCM, sendo consenso que dentro do processo de trabalho em Riachinho ele possui papel central, apesar de também ser um ponto importante de questões entre profissionais quando pensado enquanto diretriz normativa.
Um “protocolo intuitivo” no cuidado com Iara
Dentre as diversas vivências de trabalho relacionadas à VDCM, um caso específico chamou a atenção nas narrativas. A situação foi marcante para o serviço, ilustrando como o processo de trabalho se desenvolveu em Riachinho naquele momento, envolvendo muitos profissionais e levantando diversas reflexões importantes. Por isso, é interessante descrevê-lo, trazendo as diferentes visões acerca de um mesmo evento.
E, para contar essa história, chamaremos a principal personagem de Iara.
Em um fim de tarde, Iara adentrou no serviço, acompanhada da irmã e uma amiga, a jovem aparentava ter 18 anos, possuía dois filhos e era casada com um homem que estava envolvido com o tráfico de drogas na região. O enfermeiro que estava no acolhimento relatou que foi informado que os dentes da moça haviam se soltado, mas não como aquilo havia ocorrido. Já uma ACS que também estava presente na recepção da USF naquele momento, relatou que uma das acompanhantes da jovem a conhecia e lhe disse que ela havia levado um soco na face, proferido pelo marido, e que a força do impacto arrancou-lhe os dentes. Imediatamente, ela foi encaminhada para a cirurgiã-dentista da unidade:
Já ia dar 5 horas da tarde, já tava pronta pra sair, me chega toda ensanguentada, né, só queria falar com uma dentista mulher, não queria falar com um dentista homem, eu que já fui logo recebendo ela, fui pra sala, ela tinha recebido um murro, tava toda violentada do marido, tinha avulsionado os dentes, ela me chegou com os dentes na mão [...] assim extremamente abalada... (Cirurgiã-dentista).
Inicialmente, Iara seria encaminhada para o cirurgião-dentista de referência da equipe que cobria a área onde ela morava, mas a mesma não aceitou ser atendida por um homem:
Ela sabia que era minha paciente, eu já fazia o atendimento, mas ela não queria ser atendida por mim! Porque eu era homem! Entendeu? (Cirurgião-dentista).
Nessa situação é possível observar como as questões de gênero se colocam de maneira prática na assistência em saúde, a ponto da mulher que necessita do cuidado, não aceitar o atendimento de um profissional homem, mesmo numa situação extrema. Parece que o significado da masculinidade na figura do homem não pôde ser capaz de transmitir a possibilidade de cuidado dentro de uma vivência onde as relações entre os gêneros se deram de maneira violenta.
Segundo os relatos, quando chegou à USF, Iara não queria denunciar o agressor, mas a irmã e a amiga diziam que queriam levá-la a uma delegacia. Diante daquela situação, a cirurgiã-dentista relata que precisou chamar o apoio policial do serviço para lhe orientar:
Eu nunca peguei um caso assim, e chegou pra mim, né? Então assim, eu pedi, conversei com ela, coloquei os dentes direitinho armazenado, né... Pedi pro policial ir lá pra poder me dar uma orientação [...] Eu falei com ela, eu falei com ele: ‘esses dentes a gente precisa reimplantar eles agora’, eu sei que precisa de um exame médico legal, mas eu preciso fazer isso agora, aí ele, ‘você faça, e você vai fazer um relatório e aí ela vai na delegacia com esse relatório de que você mexeu nos dentes... E foi assim que fiz. (Cirurgiã-dentista)
Após esse atendimento, a mulher chegou a ir até a delegacia e prestou queixa contra seu agressor.
O caso mobilizou todas as pessoas que estavam na unidade naquele momento, exigindo que cada um pusesse em prática o seu saber, em sintonia com o saber do outro. Nesse sentido, a assistente social do NASF foi acionada para ajudar na orientação de como proceder com aquele caso, e segundo a cirurgiã-dentista, após o episódio, a mulher esteve no serviço para retirada dos pontos e nesse dia, foi encaminhada ao acompanhamento com a psicóloga, porém não retornou ao serviço, pois foi embora de Salvador com os filhos.
A gente nunca tinha tido nenhum tipo de conversa [...]. Eu acompanhei o pré-natal dela e o puerpério, acompanhei a filha dela nos primeiros dois anos de idade e eu nunca tinha sequer percebido qualquer indício que essa mulher sofria violência... Porque eu tenho certeza que esse não foi o primeiro episódio, ela já sofria, mesmo que não fosse violência física, ela já sofria qualquer outro tipo de violência e aí depois eu fiquei naquela crise existencial né, poxa, será que eu podia ter feito alguma coisa? (Enfermeira).
Nessa fala, a enfermeira traz que aquele caso lhe gerou uma reflexão sobre a sua prática e da equipe, pois até então, ninguém sabia do que vinha acontecendo com ela, reforçando a importância de manter-se um olhar sempre atento a cada mulher que adentra no serviço.
Diante do caso, fica evidente a necessidade de um protocolo para que os profissionais não se sintam desorientados, bem como para que a privacidade da mulher seja preservada, visto que sua presença na unidade gerou grande comoção logo na entrada do serviço, mobilizando várias pessoas, e consequentemente a expondo.
Outro ponto a ser destacado é que apesar da ausência do protocolo de atendimento, os/as profissionais de saúde conseguiram a partir da articulação dos seus saberes, formular um “protocolo intuitivo” para aquele caso, ofertando um cuidado, que apesar de possuir pontos frágeis, foi resolutivo para Iara. Essa é uma expressão do trabalho vivo em ato, numa atitude de “trabalhadores e trabalhadoras coletivos”, como trazido por Merhy (1997), construindo pontes entre si e com aquela mulher.
Desafios da prática para a oferta de um cuidado resolutivo
Os trabalhadores e trabalhadoras de Riachinho trouxeram alguns elementos a serem superados. Um deles é o medo de sofrer represálias, especialmente pelo território da USF ser intensamente marcado pela violência: “Às vezes a gente quer ajudar e é assim, a gente trabalha numa comunidade que a gente não sabe com quem a gente tá lidando, pensa aí chega aqui, mulher de um traficante...” (ASB).
Uma ACS relata que estava conversando sobre violência doméstica com uma mulher em uma visita domiciliar, pois desconfiava que a mesma era agredida, até perceber que o marido dela ouvia tudo: “Depois que eu saí de lá daquela casa, eu não consegui fazer mais nada, eu não consegui mais fazer visita nenhuma, que eu fiquei com medo, né?”.
Outro desafio é a desvinculação de julgamentos morais para conseguir identificar e cuidar de mulheres em situações de violência, assim, uma enfermeira ressalta: “Eu acho que exige muita sensibilidade na percepção do profissional de saúde e isso às vezes é muito difícil, perpassa também por julgamentos morais do próprio profissional...”.
Neste estudo, a maioria dos/das profissionais trouxe a compreensão de que a VDCM está diretamente relacionada ao machismo e ao patriarcado que atravessam as relações de gênero, estabelecendo relações desiguais de poder entre homens e mulheres (Bandeira, 2017). Predomina ainda, a compreensão de que a violência doméstica contra a mulher pode estar presente em qualquer classe social e atingir mulheres de qualquer raça/cor, porém, as mulheres pobres e negras estão ainda mais vulnerabilizadas, percepção que dialoga com alguns estudos nacionais (Gomes, 2015; Carrijo; Martins, 2020).
Porém, ainda se manifestaram discursos isolados de culpabilização da mulher: “Assim... uma parte da violência, as responsáveis somos nós mesmas mulheres que permitimos...”, traz uma participante. Nesse sentido, de acordo com alguns relatos, mulheres que possuem rede de apoio familiar, bem como independência financeira, mas preferem permanecer com o agressor, também passam a carregar a sua parcela de culpa.
A implicação da mulher que sofreu violência também é um ponto levantado, pois, segundo os/as entrevistados/as, muitas vezes as mulheres recuam no processo de enfrentamento daquela violência, o que gera frustração. Na percepção de algumas pessoas entrevistadas, geralmente essas mulheres acabam não retornando ao serviço porque temem que seu caso seja divulgado, ou saem do território por vergonha ou medo do agressor, e por isso o acompanhamento fica comprometido.
Em Riachinho, apesar da compreensão de que existem diversos fatores desfavoráveis àquela mulher – principalmente o medo e a dependência financeira e emocional – para que ela consiga sair daquela relação violenta, o sentimento de impotência se faz presente diante das desistências dessas mulheres no acompanhamento (Nascimento, 2019). Além disso, as equipes observam uma dificuldade de articulação no campo da saúde em seus diversos níveis e apontam o desconhecimento de alguma organização em rede de referência e contrarreferência construída e divulgada no que tange a VDCM, apesar desta existir em Salvador.
De acordo com os relatos, para que a mulher em situação de violência possa percorrer os serviços de saúde e de outros setores de maneira resolutiva, o processo de orientação e articulação acaba sendo individualizado, dependendo muito mais dos conhecimentos que o profissional que está prestando aquela assistência possui, do que de um processo institucionalizado, pensado e executado de maneira coletiva.
A gente tem alguns locais que a gente encaminha alguns casos, e a maioria são identificados por profissionais que tem essa orientação porque trabalhou em outro setor, trabalhou em outro local e conheceu aquele setor, já teve uma vivência pra lá e encaminhou alguém pra esse local e aí assim, não tem ainda um protocolo. (Enfermeiro).
Esse problema perpassa a necessidade de estabelecimento de um protocolo de atendimento já apontado anteriormente, que auxilie na condução do cuidado tanto dentro da USF quanto fora.
No entanto, é importante destacar que a existência de protocolos não garante a execução deste, muito menos a efetividade na assistência. Branco et al. (2020) apontam, em estudo realizado em serviços que ofertam assistência às mulheres que foram vítimas de violência sexual, que apesar da presença de fluxos e protocolos, estes não são postos em prática, revelando distanciamento e desinteresse dos/das profissionais sobre o tema.
Nesse sentido, a assistente social do NASF de Riachinho destaca a importância da construção de um conhecimento coletivo e institucionalização de práticas acerca do problema, pois a dependência de um ou outro profissional enfraquece o serviço.
Considerações finais
A partir da discussão apresentada, fica evidente que a construção do cuidado se dá principalmente a partir da construção de saberes práticos (Schraiber, 1999) que se manifestam também por meio dos “protocolos intuitivos”, revelando uma potência criativa que se manifesta no trabalho vivo em ato (Mehry, 1997). Valorizam-se as tecnologias leves como instrumentos de trabalho que possibilitam a construção de encontros mais acolhedores e potencialmente efetivos entre agentes do trabalho em saúde e as mulheres que demandam o cuidado.
Porém, quando esses saberes práticos não estão alinhados ao conhecimento técnico-científico – o que inclui o conhecimento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM (Brasil, 2004), da rede assistencial, dos mecanismos de notificação e não se organizam de modo coeso dentro do processo de trabalho – as conquistas tornam-se pontuais e não se avança na construção de um serviço onde estejam organizadas práticas de cuidado consolidadas e eficazes.
Nesse sentido, os trabalhadores e trabalhadoras apresentam a educação permanente como maior demanda, todavia, no contexto do processo de trabalho em saúde, a proposta de “capacitar” pessoas para a oferta do cuidado a mulheres, assume uma postura verticalizada, já consequente da dinâmica estabelecida entre gestão e serviços. Além disso, em que pese as considerações acerca das reflexões sobre gênero, é consenso na literatura a necessidade da educação em saúde enquanto um caminho para se alcançar esse objetivo.
Ao nos aproximarmos do fazer prático, e do desejo das equipes de Saúde da Família de também serem ouvidos e considerados no planejamento do trabalho, entende-se que um bom caminho pode ser encontrado em um movimento inverso ao que se tem proposto predominantemente.
Desta forma, consideram-se os saberes práticos e sua manifestação no trabalho vivo em ato como um ponto de partida para a consolidação de protocolos e modos de trabalho em que se articulem tais elaborações da prática dos sujeitos com as proposições da PNAISM (2004) e também da última edição do Plano Nacional de Políticas para Mulheres 2013-2015, que já consideram a perspectiva de gênero no enfrentamento da VDCM. Assim, tal construção, para além de coletiva, deve ter em voga a dinâmica do processo de trabalho em saúde a qual os/as agentes do trabalho se inserem, valorizando seu potencial criador.
Observa-se ainda, diante de tantos desafios e dificuldades relatados nesse e em outros estudos, que apesar de a temática ser compreendida enquanto uma questão da saúde, ela ainda permanece secundarizada diante de outras demandas, que por já possuírem protocolos estabelecidos para o manejo, garantindo segurança na atuação profissional, são priorizadas. Por isso, é imprescindível a elaboração de estratégias que garantam práticas de saúde compromissadas com a integralidade do cuidado às mulheres, e para isso, escutar quem está nos serviços torna-se essencial, pois, como aqui mostrado, é no fazer onde possibilidades são criadas.
É importante salientar o atravessamento da pandemia na realização dessa pesquisa, influenciando o contexto do trabalho em saúde e a execução do estudo. Este ainda, se limita à sua realização com profissionais de apenas uma USF, obtendo resultados específicos que não devem ser generalizados, mas que dialogam com a literatura e revelam-se importantes.
Destaca-se, ainda, a ausência de participação de médicas e médicos. Nesse sentido, os achados na literatura indicam a predominância do campo da enfermagem nos estudos empíricos, porém, existe uma relevante participação de profissionais da medicina, não havendo diferentes resultados em comparação com os estudos onde a categoria médica não participa. Ainda assim, há a necessidade de investigações mais aprofundadas acerca do envolvimento desta categoria profissional com a questão da VDCM, tendo em vista seu lugar na equipe mínima da ESF, em parceria com a enfermagem, que tem se debruçado mais sobre o tema.
A principal contribuição deste estudo se expressa na imersão que é feita no fazer dos e das agentes de trabalho, apontando para caminhos possíveis de intervenção, considerando a perspectiva de quem está implicado (a) no trabalho. Assim, há a necessidade de novas produções que possam se aprofundar nas práticas de cuidado elaboradas por mais equipes, bem como estudos que intervenham nos processos de trabalho a partir dos saberes produzidos, em articulação com o conhecimento técnico, gerando mudanças efetivas.
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Este estudo é desdobramento de uma dissertação de mestrado em Saúde Coletiva, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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O termo ainda é utilizado por profissionais de saúde neste, e em outros estudos (D’Oliveira et al., 2020). Todavia, torna-se necessária a apropriação da educação permanente enquanto processos de aprendizagem e atualização que devem ser construídos coletivamente, capazes de promover a transformação das práticas de saúde, numa perspectiva multiprofissional e interdisciplinar (Ferreira et al., 2019).
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A notificação de violências foi inserida no Sinan em 2009. A ficha “deve ser preenchida em duas vias: uma via fica na unidade notificadora, e a outra deve ser encaminhada ao setor municipal responsável pela Vigilância Epidemiológica ou Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis” (Brasil, 2015, p. 15).
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Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas contra mulheres e homens. No caso de violência extrafamiliar/comunitária, serão notificadas as violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoa com deficiência, indígenas e população LGBT (Brasil, 2015, p. 17).
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Derivada da antropologia, a abordagem êmica busca a compreensão de determinada cultura através dos seus próprios referenciais (Rosa; Orey, 2012), nesse sentido, uma de suas características é a “necessidade de atenção às palavras empregadas pelos interlocutores de pesquisa” (Ahlert, 2022, p.3). Assim, compreende-se a importância de validar o termo “protocolos intuitivos”, enquanto expressão êmica nesse estudo, visto que parte da fala de participantes do mesmo, para referir-se aos manejos e estratégias de cuidado nos casos de VDCM.
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Editora responsável: Tatiana Wargas
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
27 Jan 2022 -
Aceito
14 Ago 2023 -
Revisado
06 Abr 2023