Resumo:
Este artigo aborda os contornos da política de ação pública - “Escola a Tempo Inteiro” (ETI), compreendendo a operacionalização, passados cerca de 15 anos desta implementação, em Portugal Continental, numa interligação à possível igualdade de oportunidades a outras atividades - ensino da música (1.º ciclo Ensino Básico), assinalando o papel articulador do Estado. Metodologicamente, o artigo analisa um conjunto de documentação legislativa/especializada e estudos científicos e procuramos compreender as implicações do ensino musical no enriquecimento curricular (AEC), em articulação com a nossa experiência. Assinalamos a aplicação desta política na Região Autónoma da Madeira, por terem sido os pioneiros, no contexto português e fazemos um paralelo com a Escola a Tempo Integral brasileira, de modo a percecionar diferenças e semelhanças na educação artístico-musical. Concluímos com uma abordagem da transposição da ETI a outros ciclos de estudo questionando o tempo/ludicidade das AEC, aliados a ferramentas de poder das políticas de ação pública.
PALAVRAS-CHAVE:
Escola a Tempo Inteiro; educação artístico-musical; Atividades de Enriquecimento Curricular; lúdico
Abstract:
This article reflects on the contours of the public policy - “Full Time School” (FTS), looking at its operationalization over 15 years of implementation in mainland Portugal. The article considers the interconnection between FTS, equality of opportunities of other activities - teaching of music (Primary Education) and highlights the articulating state’s role. Methodologically, the article analyses a set of legislative/specialized documentation as well as scientific studies to understand the implications of music education in curricular enrichment, in articulation with the author experience. We consider how this policy has been applied in the Autonomous Region of Madeira and we draw a parallel with Brazilian FTS, in order to understand the approach in artistic-musical education. We conclude by outlining how to approach the transposition of the FTS policy to other study cycles, examining the time spent on AEC/its playfulness, allied to the powerful tools of public policy.
KEYWORDS:
Full Time School; artistic-musical education; Activities of Curricular Enrichment; playfulness
1. Introdução
Este artigo surge no âmbito de uma investigação de doutoramento em Educação Artística que se encontra em desenvolvimento e que pretende refletir sobre os objetivos da política de ação pública da “Escola a Tempo Inteiro” (ETI) e analisar a igualdade de oportunidades aí preconizada, permitindo pensar o ensino da música no 1.º ciclo do Ensino Básico, nas Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), numa perspetiva de educação global.
Quando começámos a delinear o objeto de estudo verificámos que para a compreensão das implicações do ensino musical no contexto do enriquecimento curricular em Portugal há que entender os envolvimentos da política pública de “Escola a Tempo Inteiro”. Por isso, centrámo-nos numa recolha e seleção de trabalhos que se focassem nesta problemática (Almeida 2017Almeida, Helena N. 2017. “Escola a tempo inteiro em Portugal: Um analisador da política educativa”. European Journal of Education Studies 3 (9): 470-79.; Cosme e Trindade 2007Cosme, Ariana, e Rui Trindade. 2007. Escola a tempo inteiro: Escola para que te quero? Porto: Profedições.; Pires 2007Pires, Carlos. 2007. “A Construção de Sentidos em Política Educativa: O caso da Escola a Tempo Inteiro”. Sísifo. Revista de Ciências da Educação 04: 77-86., 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 2019Pires, Carlos. 2019. “A escola a tempo inteiro em portugal: As ideias e o “modelo” de implementação da política pública de educação. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação 25: 15-29.; Vasconcelos 2011Vasconcelos, António. 2011. Educação artístico-musical: Cenas, actores e políticas. Tese (Doutoramento em Educação). Lisboa: Universidade de Lisboa.) e procurámos estabelecer uma articulação com o nosso conhecimento empírico enquanto docente e coordenadora de Música nas AEC entre 2007 e 2015.
Pretendemos desvelar aqui o que é entendido como uma política pública e as suas ações aplicadas ao 1.º Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB), mais concretamente com a implementação das AEC, na procura da definição de “política pública”; a ETI e a sua implementação (Pires 2007Pires, Carlos. 2007. “A Construção de Sentidos em Política Educativa: O caso da Escola a Tempo Inteiro”. Sísifo. Revista de Ciências da Educação 04: 77-86., 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores.; Esteireiro et al. 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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) e aspetos comparativos com a “Educação Integral” que existe no Brasil (Cavaliere 2002Cavaliere, Ana M. 2002. “Educação integral: Uma nova identidade para a escola brasileira?”. Educ. Soc. 23 (81): 247-270. http://www.cedes.unicamp.br
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, 2007Cavaliere, Ana M. 2007. “Tempo de escola e qualidade na educação pública”. Educ. Soc. 28 (100- Especial): 1015-1035. http://www.cedes.unicamp.br
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, 2009Cavaliere, Ana M. 2009. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto 22 (80): 51-63. http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2220/2187
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), abordando questões da precariedade dos vínculos laborais dos professores/técnicos destas atividades. Por conseguinte, intencionamos apresentar uma análise documental para demonstrar que a ETI se firma num sentido dualista.
A ETI dissemina uma compensação da educação formal e também proporciona um acréscimo de atividades extracurriculares. É nosso objetivo explanar essa dualidade através de diferentes tópicos associados ao serviço público de educação, que acompanham esta política e que abrangem, por exemplo, a extensão do core curriculum e a ampliação do tempo escolar, numa articulação com a realidade do nosso estudo.
O artigo que aqui apresentamos começa por compreender a cronologia e a operacionalização da política de ETI ao longo dos últimos 15 anos, em Portugal Continental, prosseguindo para uma breve menção ao caso pioneiro da Região Autónoma da Madeira e estabelecendo paralelos com a Escola a Tempo Integral brasileira, com o intuito de descortinar determinadas afinidades e percecionar especificidades. Pretendemos, nas conclusões, expor o nosso ponto de vista no que respeita à possibilidade de transposição da política da ETI a outros ciclos de estudo, questionando o tempo e este modelo de democratização das atividades de enriquecimento curricular, nomeadamente na componente artístico-musical.
2. Aspetos metodológicos
Aquando da definição do objeto da nossa investigação de doutoramento, tropeçámos no conceito de “Escola a Tempo Inteiro”, o qual acabou por se tornar o cartão de embarque da viagem do nosso estudo. Procurámos perceber, numa primeira fase, a generalização do termo, pela consulta de Legislação, entre 2005-20191 1 Embora seja o Despacho n.º 12591 de 2006 a firmar a generalização dos projetos de enriquecimento curricular em Portugal, em 2005 já existe legislação a propósito desta temática, pelo que consideramos essa data no nosso estudo. e rapidamente nos apercebemos da existência de literatura especializada para a compreensão desta política pública, que nos permitiram articular e refletir sobre questões interdisciplinares. O descortinar desta política pública encaminhou-nos para a compreensão de medidas governamentais, no âmbito do papel da Escola Pública em Portugal a partir do Estado Novo. Querendo fazer um paralelo com políticas semelhantes à ETI, não quisemos descurar de “escola integral” existente no Brasil, com as implicações associadas.
O artigo procura assim fazer uma revisão da literatura e análise da aplicação da política de ETI, incidindo em aspetos da educação artístico-musical, dado que um trabalho que envolve o estudo de políticas públicas tem, necessariamente, que passar por uma criteriosa recolha da legislação e outros documentos da administração pública, nomeadamente aqueles relativos às sessões parlamentares da Assembleia da República e da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que se encontram em linha. Outra documentação observada foi a produzida pela Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM), nomeadamente os relatórios desta associação para as AEC, que estão disponíveis no sítio da Direção-Geral da Educação (DGE) e os Relatórios de Acompanhamento da Comissão de Acompanhamento/Coordenadora do Programa. Informações sobre os estabelecimentos de ensino e entidades promotoras de AEC nas escolas públicas, com incidência no concelho de Lisboa, por ser o nosso objeto de estudo no âmbito da investigação de doutoramento, foram obtidas através do sítio em linha da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEste). As Escolas têm, na sua essência administrativa e organizativa, uma grande apetência na produção de documentação, que deve ser cuidadosamente selecionada e analisada e, no contexto da nossa investigação, considerámos necessário verificar também alguma desta documentação, sobretudo a que se coaduna com a temática do nosso trabalho de doutoramento. De referir que os recentes estudos sobre as Atividades de Enriquecimento Curricular, concretizados através de dissertações de mestrado, constituem um corpus relevante para o desenvolvimento e prossecução de investigação nesta área, podendo encontrar-se uma abordagem das AEC numa dimensão geral (Guedes 2013Guedes, Maria Goreti. 2013. As atividades de enriquecimento curricular e a pedagogia do lazer. Dissertação (Mestrado em Administração das Organizações Educativas). Porto: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico do Porto.; Marques 2018Marques, Marta. 2018. A gestão das atividades de enriquecimento curricular no agrupamento aventura: Uma resposta às necessidades da comunidade. Dissertação (Mestrado em Educação e Formação). Aveiro: Universidade de Aveiro.; Rodrigues 2020Rodrigues, Diana. 2020. Atividades de enriquecimento curricular: Perspetivas dos atores sobre a sua importância no 1º CEB - importância das actividades de enriquecimento curricular no ensino. Dissertação (Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico). Lisboa: ISEC.) ou centrada na aplicação e gestão da política de ETI (Castanheira 2012Castanheira, Neuza. 2012. Implementação das AEC: Um estudo qualitativo em três municípios. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação). Aveiro: Universidade de Aveiro.; Costa 2012Costa, A. 2012. Uma medida de política pública : Escola a tempo inteiro : Estudo de caso do agrupamento de escolas de Miraflores. Dissertação (Mestrado em Administração Pública). Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Universidade Técnica de Lisboa.; Pepe 2012Pepe, Dora. 2012. “Actividades de enriquecimento curricular: Que contributo na construção e desenvolvimento de uma política educativa local? Estudo de caso numa autarquia da área metropolitana de Lisboa”. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação). Lisboa: Instituto Superior de Educação e Ciências.; Medeiros 2016Medeiros, Alexandra. 2016. Gestão das atividades de enriquecimento curricular (AEC). Dissertação (Mestrado em estudos profissionais especializados em educação). Porto: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico do Porto.; Videira 2017Videira, Jorge. 2017. Implicações das atividades de enriquecimento curricular (AEC) na organização do trabalho docente e nas práticas de monodocência - representações dos atores organizacionais. Dissertação (Mestrado em Administração Escolar). Lisboa: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Lisboa.; Ramalho 2020Ramalho, Maria Luísa. 2020. Implementação da escola a tempo inteiro e política educativa local - o caso de um município da área metropolitana de Lisboa. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional). Lisboa: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Lisboa.), em questões relacionadas com os docentes (Santos 2017) ou com o papel dos Encarregados de Educação (Silva 2017Silva, Bruno. 2017. A escola a tempo inteiro - uma perspetiva dos pais e encarregados de educação. Dissertação (Mestrado em Ensino dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico). Coimbra: ESEC) e no próprio Ensino da Música. Neste último campo, os trabalhos de investigação não passam exclusivamente pelas AEC, mas também pelo currículo regular - Expressão e Educação Musical (Jardim, 2017Jardim, Sandra. 2017. Da educação e do ensino da educação musical no ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos). Dissertação (Mestrado em Ensino de Educação Musical no Ensino Básico). Coimbra: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra.) no 1.º Ciclo do Ensino Básico (Gil, 2021Gil, Ana. 2021. A expressão musical como recurso de aprendizagem no ensino do 1º CEB. Dissertação (Mestrado em Educação Pré-Escola e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico). Penafiel: Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro.), 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico, com, por exemplo, a abordagem da coadjuvação no Ensino da Expressão Musical no 1.º CEB como uma ferramenta de sucesso para os processos de aprendizagem (Leitão, 2021Leitão, Alexandre. 2021. Contributos para a compreensão da coadjuvação de expressão e educação musical, no 1.º ciclo do ensino básico, num agrupamento de escolas do Algarve. Dissertação (Mestrado em Gestão e Administração Escolar). Faro: Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve.), a utilização de ferramentas criativas no ensino musical (Boraschi 2022Boraschi, Kelly. 2022. Criatividade e tecnologias na educação musical. Dissertação (Mestrado em Artes Musicais). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa.) ou a Educação Artística, nas suas diferentes Expressões (música e práticas culturais - Severino 2018Severino, Ana Cláudia. 2018. Ritmo e percussão como práticas culturais na comunidade juvenil : Estudo de caso do projeto bombrando. Dissertação (Mestrado em Educação Artística). Lisboa: Faculdade de Belas Artes - Universidade de Lisboa.) e nas ligações às estruturas curriculares e políticas (Augusto 2017Augusto, Ana Isabel. 2017. A educação artística em Portugal (2006-2016): Estruturas curriculares e sistemas de apoios como espelhos das políticas educativas. Dissertação (Mestrado em Educação Artística). Lisboa: Escola Superior de Educação de Lisboa.).
Os nossos procedimentos analíticos assentaram, portanto, na reflexividade, orientada por um enquadramento teórico. Executámos também uma análise de conteúdo da documentação recolhida, pois, num sentido interpretativo, é uma técnica de pesquisa que permite categorizar significados/sentidos (Amado 2013Amado, João. 2013. Manual de investigação qualitativa em educação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.). Com esta análise pretendemos não só descrever a política de ETI, mas inferir conteúdos dentro dos contextos (Bardin 1995Bardin, Laurence. 1995. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.) numa relação de interdependência com o poder (político).
3. ETI, a Política Pública
governing people is not a way to force people to do what the governor wants; it is always a versatile equilibrium, with complementarity and conflicts between techniques which impose coercion and processes through which the self is constructed or modified by himself (Foucault 1993Foucault, Michel. 1993. “About the beginning of the hermeneutics of the self: Two lectures at dartmouth”. Political Theory 21 (2): 198-227., 203-204).
O poder tem como capacidade conduzir o conduzido, influenciar os outros, o que se torna paradoxalmente perigoso e maravilhoso. Pode moldar normas, práticas e questões identitárias, muitas vezes de forma não percetível e, na transmissão de conhecimento, o problema é o abuso de poder. A Educação, como prática social e histórica que envolve relações de poder, equaciona-se como “a training exercise in the paradoxes of freedom” (Dussel 2010Dussel, Inés. 2010. “Foucault an education”. In The routledge international handbook of the sociology of education, ed. Michael W. Apple, Sbelag, 27-36. Nova Iorque: Routledge., 30). Assim sendo:
Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (Foucault 1999Foucault, Michel. 1999. A ordem do discurso. São Paulo, Brasil: Edições Loyola., 44).
Uma política pública implica a ação de diferentes agentes, tendo em conta as atividades governamentais e os seus processos (Lascoumes e Le Galés cit. Pires, 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 29). É construída mediante as ações do Estado, podendo não estar definida a priori, sendo “o resultado […] de um processo de negociação relativamente assimétrico entre indivíduos, grupos e forças políticas, económicas, sociais e culturais muitas vezes antagónicas e conflituais” (Vasconcelos 2011Vasconcelos, António. 2011. Educação artístico-musical: Cenas, actores e políticas. Tese (Doutoramento em Educação). Lisboa: Universidade de Lisboa., 6). Neste sentido, estamos perante um “processo dinâmico”, onde se destaca a figura do Estado, o modo de ação e a sua influência na sociedade (Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 29).
No caso das políticas públicas de educação, a sua construção é um ato político e apresenta “o modo como uma sociedade se pensa a ela própria, se afirma e se projeta no futuro. [Exprime] também as relações de força numa sociedade [que] não [dispõe] de uma igual capacidade para formular as procuras de educação e de formação” (Charlot e Beillerot cit. Vasconcelos 2011Vasconcelos, António. 2011. Educação artístico-musical: Cenas, actores e políticas. Tese (Doutoramento em Educação). Lisboa: Universidade de Lisboa., 7). A construção de uma política pública assenta num programa governamental e vai ao encontro da sua ação, com a interferência de diferentes atores, sociais e políticos, para promover as necessidades da sociedade.
As próprias vulnerabilidades sociais, como a crise do Estado Social, alteram prioridades e fazem com que exista um encaminhamento das políticas públicas que “devem preocupar-se apenas com os processos de mercado de modo a que estes funcionem correctamente, e livremente” (Estêvão 2012Estêvão, Carlos. 2012. Políticas e valores em educação - repensar a educação e a escola pública como um direito. Vila Nova de Famalicão: Edições HÚMUS., 18).
Partindo da conceção de Mény e Thoening (cit. Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 46) podemos enunciar diferentes características intrínsecas a uma política pública e essenciais para a sua perceção. Deste modo, uma política pública implica:
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Um conteúdo/recurso;
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A existência de um programa - intervenção do Estado;
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Uma orientação normativa - atos relativos à atividade pública que provocam orientações e que conduzem a objetivos;
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Uma ideia coercitiva - à atividade pública está associado o carácter autoritário, que se manifesta de modo coercivo e por isso o ato público impõe-se.
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Uma competência social - os indivíduos são influenciados pela ação pública.
Observando o caso das AEC encontramos alguns paralelos, nomeadamente a existência de um conteúdo; programa/orientações programáticas e permitindo a política da Escola a Tempo Inteiro encontrar solução para um problema social, funciona no sentido da competência social. ETI, política de ação pública, quer-se como influenciadora e penetrante na sociedade, sobretudo na Escola Pública, pela intervenção do Estado. A ETI é assim “garante da educação global, contemplando a educação integral da criança (em todas as dimensões) e contrapondo-se a uma abordagem de separação (e até de oposição) entre instrução e educação, uma das missões do Estado” (Almeida 2017Almeida, Helena N. 2017. “Escola a tempo inteiro em Portugal: Um analisador da política educativa”. European Journal of Education Studies 3 (9): 470-79., 475).
Não obstante, o papel regulador do Estado poderá estar além do expetável, devido à constante delegação de poderes dentro do processo que envolve o enriquecimento curricular. De acordo com Pires (2007Pires, Carlos. 2007. “A Construção de Sentidos em Política Educativa: O caso da Escola a Tempo Inteiro”. Sísifo. Revista de Ciências da Educação 04: 77-86., 78-79), por existir a necessidade de se melhorarem resultados e de se oferecerem as mesmas oportunidades a todos os alunos:
[...] o Ministério da Educação (ME) ancora-se em medidas que (...) procuram garantir uma cobertura de horário a tempo inteiro, no contexto de escolas modernizadas, oferecendo aos alunos novas oportunidades de aprendizagem que passam pela implementação de AEC, permitindo, assim, a centralização e rentabilização, ao máximo, do tempo lectivo dedicado à Língua Portuguesa, à Matemática e ao Estudo do Meio (em particular ao Ensino Experimental das Ciências), requerendo mais competências profissionais dos professores e focalizando a sua formação nessas áreas.
A Direção-Geral da Educação tem vindo a apresentar, desde a implementação da política de ETI, relatórios de acompanhamento das AEC e até por área disciplinar. No interesse deste artigo salientamos os Estudos de Caso 2008/2009: Actividades de Enriquecimento Curricular: casos de Inovação e Boas práticas, com coordenação de Pedro Abrantes (2009Abrantes, Pedro. 2009. Actividades de enriquecimento curricular: Casos de inovação e boas práticas. Lisboa: CIES-ISCTE.). Neste relatório aparece-nos a ideia de Escola Inclusiva, como “projecto integrado e integrador, aberto a todos/as que formam a comunidade educativa e local” (Abrantes 2009Abrantes, Pedro. 2009. Actividades de enriquecimento curricular: Casos de inovação e boas práticas. Lisboa: CIES-ISCTE.). É esta “Escola Inclusiva” que a política de ETI preconiza, embora nos pareça que o percurso não tem sido linear e a sua criação perpetue aspetos algo utópicos, nomeadamente a igualdade de oportunidades de acesso, por exemplo, à componente artística, como é o caso da Música, com diminutos recursos, humanos e físicos. Na óptica de Matthews et al. (2009Matthews, Peter, Elisabeth Klaver, Judith Lannert, Gearóid Ó. Conluian, e Alexandre Ventura. 2009. Políticas de valorização do primeiro ciclo do ensino básico em portugal (Avaliação internacional). Lisboa: Gabinete de Estatística e planeamento da Educação (GEPE).), a falta de equidade é um problema, “uma vez que as AEC não são obrigatórias. Se forem vistas como programas de enriquecimento, ou se se sobrepuserem às actividades curriculares, ocorrerão naturalmente diferenças entre os alunos” (60).
Em 2016Direção Geral da Educação. 2016. Recomendações no âmbito das atividades de enriquecimento curricular (AEC). Disponível em: Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/AEC/oficio_circular_aec_recomendacoes.pdf Acesso em: 02 jan 2019.
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e 2017Direção Geral da Educação. 2017. Atividade enriquecimento curricular. Disponível em: <Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/AEC/aec_junho_2017.pdf > Acesso em: 02 jan 2019.
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foram lançadas duas circulares, pela Direção-Geral da Educação com foco nas AEC; a primeira com recomendações no âmbito do desenvolvimento e aplicação destas atividades e a segunda apelando à sua essência lúdica. Estas comunicações permitem constatar que existe consciência das dificuldades deste percurso da integração e da “Escola Inclusiva”; o facto de os alunos terem uma carga de presença na escola de mais de 35 horas semanais e a não distinção, em termos de desenvolvimento de atividades, entre o período curricular e o das AEC. O caráter lúdico das AEC, no sentido de explorar o sentido criativo dos alunos é apontado como essencial, nestas comunicações, havendo a indicação para se privilegiarem metodologias de projeto, não podendo a Escola esquecer que brincar é um Direito Universal na Convenção dos Direitos da Criança.
4. Implementação da ETI
Independentemente dos problemas que lhes estão adjacentes, a ETI preconiza-se como uma política dualista que tem um elo em comum: os alunos passarem mais tempo na escola. Por um lado, temos os que defendem a ETI como forma de suprimir algumas lacunas no currículo, “extensão da educação formal”, e por outro lado há a “outra escola” com atividades que não as da “escola normal”, que se esperam mais lúdicas e também a ocupação dos tempos livres (Barroso cit. Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 8).
Sendo uma política educativa, a ETI surge a partir do pressuposto de um problema político - 1.º Ciclo do Ensino Básico - e é apontada como a sua solução. O Estado pretende acompanhar a evolução da representação da Escola Pública (prestação de serviços públicos ao nível da educação). Não obstante, a ETI não é uma solução técnica, mas política, pois representa um serviço público de educação (Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 14).
Associado à ETI temos os seguintes tópicos:
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A “(re)configuração da rede de escolas”, num chamado horário normal, que abrange o período da manhã e da tarde, com distribuição do almoço (Pires 2019Pires, Carlos. 2019. “A escola a tempo inteiro em portugal: As ideias e o “modelo” de implementação da política pública de educação. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação 25: 15-29., 16);
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A compensação do core curriculum, mais concretamente nas áreas disciplinares de português de matemática;
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A ideia de ampliação do tempo escolar, com redução dos “tempos livres” dos alunos, oferta de atividades de enriquecimento curricular, “ a funcionarem após (e, pontualmente, antes ou entre) as atividades letivas curriculares, desenvolvidas com os alunos por professores(as)/técnicos(as) contratados(as) diretamente por “entidades promotoras” ou por outras entidades com as quais aquelas estabelecem parceria” (Pires 2019Pires, Carlos. 2019. “A escola a tempo inteiro em portugal: As ideias e o “modelo” de implementação da política pública de educação. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação 25: 15-29., 17) e uma
[...] igualdade de oportunidades no acesso a atividades paraescolares (desportivas, culturais, etc.). A concretização destes objetivos permit[e] o reforço do serviço público de educação, com a consequente integração social das crianças, através do aumento do tempo de exposição ao meio escolar e aos seus processos de socialização (Barroso cit. Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 9).
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A oferta de uma “componente de apoio à família” (CAF), que funciona antes e após as atividades letivas e também nas interrupções letivas, permitindo assegurar um apoio contínuo numa permanência da escola que vá ao encontro dos horários laborais dos encarregados de educação, mediante uma comparticipação financeira diretamente relacionada com o escalão de subsídio escolar de cada família.
De acordo com Pires (2019Pires, Carlos. 2019. “A escola a tempo inteiro em portugal: As ideias e o “modelo” de implementação da política pública de educação. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação 25: 15-29., 17), há indicação de que, a nível de valores estatísticos, da Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência, no ano letivo 2017/2018, 85,9% dos alunos do 1.º CEB frequentavam as AEC. Não obstante, nas 41,3% de escolas públicas com oferta de CAF, apenas 20% dos alunos optavam por esse sistema.
O 1.º Ciclo do Ensino Básico, torna-se, portanto, desde a concretização da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/96. D.R. n.º 237, Série I de 1986-10-14, em 1986, uma presença assídua da agenda política do país.
Numa tentativa de estabelecer uma cronologia do Enriquecimento Curricular em Portugal, começamos por referir que a generalização, em Portugal Continental, da política de ETI, deu-se no ano letivo 2006/2007, com o Despacho n.º 12591/2006Despacho n.º 12591/2006, de 16 de junho, de 16 de Junho, na sequência das medidas do XVII Governo Constitucional (2005-2009), cujo programa previa a qualificação do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os alunos passariam assim a ter acesso a um “conjunto diferenciado de aprendizagens enriquecedoras do currículo e à articulação entre o funcionamento da Escola e as necessidades das famílias, uma vez que torna[va] o horário dos estabelecimentos de ensino compatível com o horário de trabalho dos pais” (Ribeiro 2012, 12Ribeiro, Márcia. 2012. O ensino da música nas atividades de enriquecimento curricular o desempenho escolar dos alunos ao nível musical: Um estudo na transição do 1.º para o 2.º ciclo do ensino básico. Dissertação (Mestrado). Viseu: Instituto Politécnico de Viseu.). A publicação do Ministério da Educação, Educação e Formação em Portugal (2007Ministério da Educação. 2007. Educação e Formação em Portugal. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.) vem reforçar as medidas de valorização do 1.º CEB, pela necessidade de
dar prioridade à reorganização e requalificação da rede de escolas do 1.º ciclo, identificando, num trabalho de proximidade com as autarquias (...) e à generalização da escola a tempo inteiro, com o prolongamento do horário, permitindo a oferta a todos os alunos de actividades de enriquecimento curricular, incluindo obrigatoriamente o inglês, o apoio ao estudo e ainda outras actividades como o desporto ou a música, possibilitando um horário escolar compatível com as necessidades das famílias (4).
Não obstante, já em 1995, a Região Autónoma da Madeira aplicava a política da ETI, como veremos mais à frente. Portanto, a primeira grande medida, no âmbito das Atividades de Enriquecimento Curricular ocorreu com o Programa de Generalização do Ensino do Inglês nos 3.º e 4.º anos do 1.º CEB, abrangido pelo Despacho n.º 14753/2005Despacho n.º 14753/2005, de 24 de junho, de 24 de junho, que referia que “o sistema educativo português necessita[va] recuperar algum do seu atraso, promovendo a elevação do nível de formação e qualificação das futuras gerações, pela aquisição de competências fundamentais através da aposta no desenvolvimento do ensino básico, nomeadamente na generalização do ensino do inglês desde o 1.º ciclo do ensino básico” assumindo “o objectivo de promoção de igualdade de oportunidades perante o sistema educativo”. Os alunos usufruíam também da atividade de Apoio ao Estudo e os estabelecimentos de ensino passaram a estar abertos até às 17h30, assegurando
[...] as condições para responder às necessidades das famílias para assegurar o acompanhamento dos seus educandos, muitas vezes sem capacidade financeira para estes frequentarem os Centros de Atividades de Tempos Livres, uma vez que os acordos entre as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPPS) e o Estado cessaram, como tal, as referidas instituições viram-se assim impossibilitadas de prestarem o serviço que prestavam, nomeadamente no que diz respeito aos custos suportados pelas famílias (Ramalho 2020Ramalho, Maria Luísa. 2020. Implementação da escola a tempo inteiro e política educativa local - o caso de um município da área metropolitana de Lisboa. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional). Lisboa: Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Lisboa., 14).
Se observarmos o período entre 2006 e 2011 encontram-se vários dispositivos legais que regulamentam as AEC. O Despacho 12591/2006Despacho n.º 12591/2006, de 16 de junho, de 16 de Junho, estabelece o Ensino do Inglês (3.º / 4.º anos) e o Apoio Estudo como atividades de enriquecimento curricular que devem ser obrigatoriamente implementadas e incluídas nos Planos de Atividades dos Agrupamentos de Escolas. Por outro lado, o mesmo Despacho vem clarificar a outra dimensão dos projetos de enriquecimento curricular ao:
Considera[rem]-se actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico as que incidam nos domínios desportivo, artístico, científico, tecnológico e das tecnologias de informação e comunicação, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia da educação, nomeadamente:
(...)
e) Ensino da Música
Chamam-lhe Ensino da Música e não Educação Musical, mas tanto num caso como no outro estamos perante a “música na educação”, ligada ao “ensino regular, alegando-se a existência de valores intrínsecos e instrumentais que potenciam a formação as crianças” [em oposição à] “educação para a música” que pressupõe uma “formação especializada de preparação de futuros artistas” (Vasconcelos 2011Vasconcelos, António. 2011. Educação artístico-musical: Cenas, actores e políticas. Tese (Doutoramento em Educação). Lisboa: Universidade de Lisboa., 2).
Para fazer face a esta necessidade de regulamentação, criam-se, entre 2005 e 2007 diferentes orientações programáticas que “pretendiam ser instrumentos de trabalho para os professores das diferentes AEC, nomeadamente, para a Atividade Física e Desportiva, o Ensino da Música [Vasconcelos, 2006] e o Ensino do Inglês” (Marques 2018Marques, Marta. 2018. A gestão das atividades de enriquecimento curricular no agrupamento aventura: Uma resposta às necessidades da comunidade. Dissertação (Mestrado em Educação e Formação). Aveiro: Universidade de Aveiro., 12). Compreende-se a escolha destas três atividades, pois, tendo em conta o Anexo “Regulamento de acesso ao financiamento do programa de generalização do ensino do inglês nos 3.º e 4.º anos e de outras actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico” do Despacho 12591/2006Despacho n.º 12591/2006, de 16 de junho, a comparticipação financeira concedida, por aluno, pelo Ministério da Educação às entidades promotoras, tem o seu montante mais elevado (250€) no caso da escolha de Ensino da Música e Atividade Física e Desportiva, aliadas ao Ensino do Inglês.
O Despacho n.º 14460/2008Despacho n.º 14460/2008 de 15 de maio, de 15 de maio é o “regulamento que define o regime de acesso ao apoio financeiro no âmbito do programa das actividades de enriquecimento curricular” e, no que se refere ao Ensino da Música estabelecia que:
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Para a execução da actividade ensino da música, as entidades promotoras dev[iam] preferencialmente celebrar acordos de colaboração com escolas do ensino especializado da música públicas, profissionais ou do ensino particular e cooperativo, de forma a assegurar a leccionação, a coordenação pedagógica das actividades e a possibilitar o acesso, por parte dos alunos, à utilização dos equipamentos necessários.
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Onde não fo[sse] possível celebrar os acordos de colaboração referidos no número anterior, as entidades promotoras pod[eriam] celebrar acordos com outras instituições vocacionadas para o ensino da música, após análise e parecer pela CAP dos projectos apresentados.
Estas indicações têm como intuito a promoção da melhoria da qualidade das aulas de Música, no sentido de fazer chegar às Escolas do 1.º CEB, recursos musicais pedagógicos especializados.
Chegando a 2011, o Despacho n.º 8683/2011Despacho n.º 8683/2011 de 28 de junho, de 28 de junho vem alterar o Despacho n.º 14460/2008Despacho n.º 14460/2008 de 15 de maio, introduzindo algo que será significativo para o nosso objeto de estudo. Acrescentam-se, em coexistência com outras atividades, as atividades lúdico-expressivas que “devem integrar uma ou mais formas de expressão artística, nomeadamente: a expressão plástica e visual, a expressão musical, o movimento e drama/teatro, a dança, multimédia, percursos culturais e de exploração do meio, actividades lúdicas e de animação”. As AEC passam a ter um período mínimo diário de 90 minutos. No que respeita à promoção destas mesmas atividades, importante referir que os Agrupamentos de Escolas “deveriam planificar as atividades e celebrar acordos de colaboração, assim como disponibilizar os seus espaços escolares” (Marques 2018Marques, Marta. 2018. A gestão das atividades de enriquecimento curricular no agrupamento aventura: Uma resposta às necessidades da comunidade. Dissertação (Mestrado em Educação e Formação). Aveiro: Universidade de Aveiro., 12). Há, portanto, a ideia de articulação entre as AEC e as restantes atividades curriculares.
Em 2013, o Despacho n.º 9265-B/2013Despacho n.º 9265-B/2013 de 15 de julho, 15 de julho, “define as normas a observar no período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino público nos quais funcionem a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico, bem como na oferta das atividades de animação e de apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC)” e podem destacar-se a redução do tempo das AEC (5 a 7 horas semanais) e a responsabilização das escolas, com o planeamento, acompanhamento e avaliação das atividades. No decorrer do nosso estudo pudemos verificar que determinados agrupamentos de escola abandonaram o Ensino da Música a partir do ano letivo 2013/2014, pois com o Despacho referido “caso o agrupamento de escolas ou escola não agrupada seja a entidade promotora das AEC e disp[usesse] de recursos docentes de quadro para as implementar, após cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Despacho Normativo 7/2013Despacho Normativo 7/2013, de 11 de junho, de 11 de junho, afeta[ria] obrigatoriamente esses recursos às AEC que promov[ia]”. Ora, observámos pelo menos um caso em que o Agrupamento de Escolas tinha docentes de Educação Musical, à data, no quadro, que poderiam lecionar estas aulas, mas optaram por terminar a atividade Música, numa espécie de antevisão para o que acabou por concretizar-se em 2015.
A Portaria n.º 644-A/2015Portaria n.º 644-A/2015 de 24 de agosto, de 24 de Agosto regulamenta o Programa das Atividades de Enriquecimento Curricular no 1.º Ciclo do Ensino Básico e com ela pode começar-se a perceber o abandono do Ensino da Música e o idealismo do lúdico, que analisarei no âmbito desta investigação, mais à frente. Deixa de existir Ensino da Música, por si só, estando camuflado nas Atividades Lúdico-Expressivas:
As atividades previstas na presente portaria devem garantir a qualidade que se pretende para todo o sistema educativo, pelo que caberá às escolas, em articulação com outras entidades, a sua planificação, acompanhamento e avaliação, tendo como referência preferencial a Norma NP 4510:2015Norma NP 4510:2015 - Atividades de enriquecimento curricular e de apoio à família - Atividades de enriquecimento curricular e de apoio à família.
A oferta das AEC deve ser adaptada ao contexto da escola com o objetivo de atingir o equilíbrio entre os interesses dos alunos, a formação e perfil dos profissionais que as asseguram e os recursos materiais e imateriais de cada território.
Cabe, portanto, aos Agrupamentos de Escolas a escolha da oferta de AEC conforme o que dispõem (ou não...). A dificuldade em encontrar professores de música que correspondam às expectativas é apontado como uma das razões para o abandono do Ensino da Música. Não obstante, a própria precariedade do vínculo laboral a que os professores/técnicos estão sujeitos e a diminuta carga horária não permite encontrar uma estabilidade na contratação dos Recursos Humanos. Segundo Matthews et al. 2009Matthews, Peter, Elisabeth Klaver, Judith Lannert, Gearóid Ó. Conluian, e Alexandre Ventura. 2009. Políticas de valorização do primeiro ciclo do ensino básico em portugal (Avaliação internacional). Lisboa: Gabinete de Estatística e planeamento da Educação (GEPE). (59), os professores das AEC
têm um estatuto inferior. O seu salário é mais baixo; o seu contrato é a termo fixo, normalmente com a duração que varia de um mês a um ano, e, muitas vezes, são alvo de constrangimentos burocráticos, como atrasos no pagamento dos salários. A maioria do pessoal docente das AEC é composta por professores novos ou relativamente inexperientes. (...) apesar da sua relativa inexperiência - (...) mostraram [-se] confiantes, animados e entusiasmados e com uma boa relação com os alunos. São contratados directamente pelos municípios (ou por empresas privadas pagas pelos municípios), por associações de pais e pelas IPSS.
Torna-se mais fácil ter como opção Atividades Lúdico-Expressivas, pois não existe obrigatoriedade de uma área, podendo os constrangimentos que surgem ao longo do ano letivo, como saída de professores/técnicos, serem mais facilmente colmatados. De salientar que esta dificuldade na fixação de recursos humanos se prende, entre outros aspetos, com a precariedade e fragilidade dos vínculos laborais. Por outro lado, os próprios espaços onde são lecionadas as AEC apresentam carências para um bom desenvolvimento das mesmas; o facto de os alunos terem as aulas das AEC nos mesmos locais onde lidam com o currículo regular, com uma mesma disposição das secretárias, não promove um ambiente de ludicidade.
O Relatório de Acompanhamento da Comissão Coordenadora das AEC de 2015/2016Comissão Coordenadora das AEC. 2015. Relatório anual de Avaliação 2014/2015. Disponível em: Disponível em: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/AEC/aec_relatorio_2014_2015.pdf Acesso em: 02 jan 2019.
https://www.dge.mec.pt/sites/default/fil...
aborda a questão da contratação de profissionais como um dos pontos fracos da AEC devido à constante mobilidade e substituição, fruto do que lhes é oferecido não ser suficientemente apelativo. É precisamente em 2015 que deixam de existir atividades pré-definidas, ficando a decisão da tipologia de oferta de atividades na mão dos agrupamentos em consenso com entidades promotoras e/ou executoras. Em muitas escolas a solução encontrada foi a adoção das Atividades Lúdico-Expressivas, que por si só já contemplam no seu nome o chavão apregoado, abrangendo o que mais conveniente for para cada agrupamento de escolas:
As AEC continuam a registar algumas fragilidades no que refere ao comportamento e disciplina dos alunos, bem como à adequação de instalações. A identificação das causas destes valores é um processo que deve ser implementado pelas diferentes unidades orgânicas. Sem prejuízo de razões próprias a cada situação devem ser observados alguns princípios base, nomeadamente:
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O reforço do carácter lúdico das AEC;
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A seleção criteriosa das atividades a oferecer em função da idade dos alunos e do contexto local;
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A gestão flexível dos espaços permitindo uma adequação da planificação e implementação das atividades, potenciando o seu aspeto lúdico e a escolha por parte dos alunos.
As Atividades de Enriquecimento Curricular são reconhecidas como potenciadoras do reforço das aprendizagens, da melhoria das competências sociais e da autonomia dos alunos (25).
Depois de percorrermos a cronologia das AEC, apoiada na documentação legislativa, verificamos que as estruturas governamentais foram introduzindo alterações necessárias, resultantes dos resultados das análises efetuadas pelas Comissões de Acompanhamento que assinalavam os pontos fortes e fracos destas mesmas atividades. Destacamos a maior articulação que se promoveu entre as AEC e o currículo “normal”, pesem embora as diferenças observadas nos diferentes Agrupamentos de Escolas.
Fazendo uma pequena comparação com outras realidades internacionais, que já aplicavam a ETI, pelo menos há 20 anos, como é o caso dos Estados Unidos da América e Alemanha, compreendemos, ao lermos o trabalho de Martins et al. (2015Martins, Jorge, Ana Vale, e Ana Mouraz. 2015. “All-day schooling: Improving social and educational portuguese policies”. International Electronic Journal of Elementary Education 7 (2): 199-216.), que é uma preocupação generalizada, nas sociedades contemporâneas, arranjar solução para o período horário pós core curriculum, auxiliando famílias, sobretudo aquelas com mais tendência a serem negligenciadas. De acordo com os mesmos autores (2015, 200):
[…] the creation of “all-day schooling” programmes was a strategy to avoid the low levels of performance of the students that had been disclosed by the Programme for International Student Assessment (PISA) in 2000”. Those low levels were seen as a negative result of the fact that a remarkable number of children and adolescents were left to their own devices, i.e., were left without adult supervision in the period between the end of school and the end of their parent(s)’ day at work.
O facto de existir uma supervisão no período pós-aulas, ou seja, uma generalização da ETI, poderá evitar uma série de situações problemáticas (drogas; delinquência) que poderão pôr em causa o desenvolvimento emocional e comportamental dos alunos. São estas vulnerabilidades sociais que impulsionam a implementação de políticas públicas que se devem preocupar com o bem-estar dos cidadãos.
Carlos Pires (2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 52-53) apresenta um modelo de operacionalização da política de ETI, que interrelaciona três componentes:
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Atividade Educativa - oferta de atividades de enriquecimento curricular, gratuitas, mas facultativas;
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Tempo e Espaço - alargamento do horário de funcionamento dos estabelecimentos de ensino;
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Condições Estruturantes - responsabilidade das instituições promotoras (IPSS; Autarquias).
Com este modelo os diferentes atores envolvidos na operacionalização da política manifestam a ação do Governo. Contudo, analisando sobretudo o caso do ensino da música, denota-se que existem lacunas no currículo disciplinar (Expressão e Educação Musical) e as atividades de enriquecimento curricular poderiam colmatar ou diminuir este problema.
A ETI implica uma maior permanência dos alunos na escola (8h00 às 17h30 -19h00)2 2 Horário comum da componente regular de um estabelecimento público de ensino: 9h00-16h00/30/45 , permitindo oferecer às famílias a possibilidade de responderem às suas necessidades, no que respeita a uma maior articulação com os atuais horários laborais.
A ideia deste “novo modelo educativo” pressupõe o reforço do “núcleo duro” do currículo e a oferta de atividades que enriquecem este mesmo currículo, sujeitando o aluno a uma “ocupação integral do tempo escolar” (Pires 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores., 64).
No entanto, há claramente um conjunto de efeitos negativos que surgem desta relação dos alunos com a escola:
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Fadiga e desinteresse dos alunos, devido ao excesso de horas de escolarização;
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Redução do tempo para trabalho individual/criativo do aluno (tempo de brincadeira) (Mouraz et al. 2012Mouraz, Ana, Ana Vale, e Jorge Martins. 2012. Atividades de enriquecimento curricular: O difícil equilíbrio entre a resposta social e a qualidade educativa. Configurações [Online] 10: 123-136.).
O Relatório de Avaliação Políticas de valorização do primeiro ciclo do ensino básico em Portugal (Matthews et al. 2009Matthews, Peter, Elisabeth Klaver, Judith Lannert, Gearóid Ó. Conluian, e Alexandre Ventura. 2009. Políticas de valorização do primeiro ciclo do ensino básico em portugal (Avaliação internacional). Lisboa: Gabinete de Estatística e planeamento da Educação (GEPE).) considera que pelo facto de na maior parte das escolas as AEC ocorrerem nos mesmos espaços do currículo nuclear, o “efeito é o de alongar o currículo nuclear através do acréscimo de disciplinas suplementares, tornando o dia escolar muito longo para as crianças” (18).
A Escola a Tempo Inteiro e a generalização das Atividades de Enriquecimento Curricular impulsionou uma nova dimensão na administração pública. Neto Mendes (cit. Pires, 2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores.) revela a existência de uma “nova fase”, uma “nova dinâmica” impulsionada pelo poder central que atribui novas competências ao poder local - Autarquias.
É certo que as AEC implicam uma nova empregabilidade e as Autarquias são chamadas a entrar neste processo de contratação de técnicos/professores que possam dar resposta a esta necessidade emergente. De acordo com Pires (2014Pires, Carlos. 2014. A escola a tempo inteiro - contributos para a análise de uma política pública de educação. Santo Tirso: De facto Editores.), a implementação da política de ETI vai para além da capacidade que o Estado tem em validar a oferta educativa da escola pública e, por essa razão, há a necessidade de se recorrer ao poder local, seja diretamente pelas Câmaras Municipais ou com acordos celebrados entre as Câmaras e outras instituições (públicas e privadas). Ainda no seguimento desta ideia, Pires refere que “delegando na administração local a mediação dos processos desse serviço público, o Estado ganha legitimidade” (89). Não obstante, esta municipalização desvaloriza a aplicação da política de ETI, tornando-a uma política menor, com princípios e meios desiguais. Formosinho (cit. por Castanheira e Gonçalves 2016Castanheira, Neusa, e Manuela Gonçalves. 2016. “Os municípios e as AEC: Tendências descentralizadoras da política educativa em Portugal”. Revista Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación 14, (1): 65-81. https://doi.org/10.15366/reice2016.14.1.004
https://doi.org/https://doi.org/10.15366...
, 16) refere que esta descentralização da educação, na ideia de autonomia dos municípios, pode ser considerada uma “falsa autonomia”, pois não pode ser efetivamente exercida, pela escassez de recursos.
Podemos dizer que as Atividades de Enriquecimento Curricular funcionam por “subempreitada”, sendo que a articulação e supervisão do(s) órgão(s) gestor(es) máximo(s) (Câmara Municipal e Governo Central) poderá ficar aquém do expectável. Entidades promotoras e depois entidades executoras que efetivamente trabalham com os alunos e contratam professores, tornam este sistema alvo de constante (re)delegação, quase não deixando margem real às Autarquias em assumirem um papel verdadeiramente ativo no enriquecimento curricular
A ideia de igualdade de oportunidades - democratização do ensino - fez com que houvesse uma necessidade crescente dos sistemas educativos se basearem em modelos de uniformização. A avaliação enquadra-se neste movimento e muito se discute a este propósito, sendo uma necessidade dos sistemas educativos. No caso da política de ETI, uma avaliação conveniente terá que ir ao encontro das alterações, exigências da sociedade atual e da verdadeira aplicação do enriquecimento curricular no ensino público, não descurando o papel do Poder Local.
5. Caso da Região Autónoma da Madeira
Consideramos relevante referir o caso da Região Autónoma da Madeira por ter sido precursora na implementação da política de Escola a Tempo Inteiro em 1995, precisamente 10 anos antes da sua concretização em Portugal Continental (2005).
Em 1980, depois de um período de experiências, no pós 25 de Abril, relativamente à Educação Artística, realiza-se um projeto piloto, “Expressão Musical”, em duas escolas do 1.º ciclo do ensino básico, em tempo curricular, e que alguns anos depois se propaga a todas as escolas da Região. Segundo Esteireiro et al. (2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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):
Este projeto foi pioneiro em Portugal, atendendo que só em 1986, com a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) - Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro - é assumido oficialmente, e pela primeira vez de modo claro e evidente, que a arte é um contributo importante na formação integral do ser humano e, como tal, deve fazer parte integrante do sistema educativo (39).
O projeto inicial, implementado em 1980, muda de nome dois anos mais tarde passando a chamar-se “Expressão Musical e Dramática”. A propagação do projeto acarretou consigo a criação de grupos de canto coral e prática instrumental (método Orff), implicando também performances públicas, em contexto escolar ou fora dele). O dinamismo das apresentações públicas permitia uma interação entre docentes, alunos e a comunidade, tendo o apoio das Câmaras Municipais, com organização da Secretaria Regional de Educação (Esteireiro et al 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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, 39-40). Por se ter verificado que os grupos criados estavam a ter sucesso entre os alunos, criou-se também o “Núcleo de Cordofones Madeirenses”, numa tentativa de preservação da arte de tanger aqueles cordofones considerados tradicionalmente madeirenses - braguinha, rajão e viola de arame. De acordo com dados recentes, em 2016 cerca de 1580 crianças tocavam estes cordofones, o que demonstra o sucesso do projeto (Esteireiro et al 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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, 39-41).
Observando-se que os projetos musicais, implementados em tempo curricular, nos anos 80, superaram expectativas, em 1995, a Administração Educativa Regional introduz a política de Escola a Tempo Inteiro, no 1.º ciclo do ensino básico, para dar resposta às necessidades das famílias madeirenses, permitindo que os alunos passem mais tempo na escola. Com a política de ETI criam-se as Atividades de Enriquecimento Curricular, com 5 possibilidades de atividades (dança; expressão dramática; grupos corais; grupos instrumentais; cordofones tradicionais madeirenses) (Esteireiro et al 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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, 42). Este enriquecimento curricular:
pressupõe que as Actividades de Complemento Curricular e Extra Curricular se realizem em dois períodos diários, em regime de alternância. Ou seja, metade do número de turmas da escola funciona com Actividades Curriculares no turno da manhã e Actividades de Complemento Curricular e Extra Curricular à tarde e vice-versa. As actividades de Ocupação de Tempos Livres foram ainda incluídas, com intuito de evitar tempos sem ocupação (Mendonça e Bento 2009Mendonça, Alice, e António Bento. 2009. “As escolas a tempo inteiro na região autónoma da madeira: O redesenhar do ensino no 1º ciclo através de um novo modelo educativo”. In Atas do X Congresso da SPCE (cd-rom). Bragança: SPCE e ESE/IPB., 4).
Um aspeto que nos parece importante salientar tem que ver com os professores destas “áreas artísticas”, que passaram a ser designados de “professores de apoio às áreas artísticas” e que usufruem do apoio da Secretaria Regional da Educação, através da oferta de uma formação contínua.
Também a própria infraestrutura basilar escolar se procurou adaptar ao modelo da ETI, com a reestruturação da rede dos estabelecimentos escolares; fornecimento de refeições nas escolas e criação de um sistema de transporte escolar (Mendonça e Bento 2009Mendonça, Alice, e António Bento. 2009. “As escolas a tempo inteiro na região autónoma da madeira: O redesenhar do ensino no 1º ciclo através de um novo modelo educativo”. In Atas do X Congresso da SPCE (cd-rom). Bragança: SPCE e ESE/IPB., 4-5).
Já no ano de 2002, o Gabinete Coordenador de Educação Artística, que hoje se chama Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, considerou que o projeto de Educação Artística não se deveria cingir ao 1.º ciclo do ensino básico e por isso criou-se o projeto de “Modalidades Artísticas no Ensino Básico: 1.º, 2.º e 3.º ciclos (Esteireiro et al 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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, 43). O facto de este projeto dispor de um acompanhamento pedagógico (Coordenador) para cada modalidade; uma oferta formativa para docentes; um documento orientador para os docentes, denota a existência de uma supervisão do projeto, por parte da entidade gestora - Secretaria Regional da Educação. Mais uma vez a Região Autónoma da Madeira está um passo à frente da realidade de Portugal Continental, no campo da generalização da política da ETI. É sabido que uma realidade insular não é a mesma que se observa no continente, mas as mais-valias da implementação deste Programa são constantemente descritas e valorizadas, havendo uma componente científica que lhe está adstrita e que valida determinadas considerações.
Relativamente à Administração, salienta-se que, desde 2007, passou a existir um Coordenador Regional das Modalidades Artísticas, com funções que se traduzem no acompanhamento das atividades, através de observação direta e reuniões; no tratamento de documentação (planificação); coordenação de espetáculos (eventos regionais); orientação de formação para os docentes e avaliação do projeto. O modelo de modalidades artísticas aplicado na Região Autónoma da Madeira revela que existe um cuidado com a validade do projeto, havendo uma supervisão definida, sendo um claro exemplo do bom funcionamento desta política de ETI. É certo que, tal como já referimos, não se podem comparar ambientes insulares a continentais, mas é facto de que “estamos perante um modelo inovador e único no panorama do ensino artístico em Portugal (...)” (Esteireiro et al 2017Esteireiro, Paulo, Carlos Gonçalves, e Natalina Santos. 2017. “Modalidades artísticas na Região Autónoma da Madeira (Portugal): Das primeiras atividades de enriquecimento curricular à definição do atual modelo de política educativa (1985-2016)”. Revista da ABEM 24 (37): 35-52. http://abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/643
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, 51).
6. Comparação entre ETI e “Escola Integral”
Este artigo não faria sentido se não houvesse uma alusão ao modelo brasileiro de “Escola Integral”. A Educação em Tempo Integral está patente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e funciona como uma política pública:
[...] a proposta da educação integral/em tempo integral procura se consolidar como uma política pública, respaldada pela LDB e por programas institucionais destinados à sua implantação, como o Programa Mais Educação, que “tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral” (Penna 2011Penna, Maura. 2011. “Educação musical e educação integral: A música no programa mais educação". Revista da ABEM 19 (25): 141-52., 144).
Quer-se como uma escola justa, democrática e com um papel socializador. Implica o acesso a experiências diferentes, articulando saberes numa óptica de inclusão social (Guará 2009Guará, Isa M. 2009. “Educação e desenvolvimento integral: Articulando saberes na escola além da escola”. Em Aberto 22 (80): 65-81.).
O Programa Mais Educação procura combater desigualdades sociais, contribuir para uma melhoria do desempenho académico e promover a cidadania (Penna 2011Penna, Maura. 2011. “Educação musical e educação integral: A música no programa mais educação". Revista da ABEM 19 (25): 141-52., 145). Neste sentido fica a ideia de articulação das áreas curriculares com a componente sócio-cultural - educação integral.
Analisando o estudo de caso de Maura Penna (2011Penna, Maura. 2011. “Educação musical e educação integral: A música no programa mais educação". Revista da ABEM 19 (25): 141-52.), nas escolas da rede municipal João Pessoa, as atividades de música escolhidas, no âmbito do Programa Mais Educação, foram: banda fanfarra; canto coral; percussão e flauta doce que “fazem parte do macrocampo Cultura e artes, que oferece ainda as seguintes atividades: hip hop, leitura, danças, teatro, pintura, grafite, desenho, escultura, capoeira, cineclube, práticas circenses, mosaico” (146-147). Uma das questões que nos chamou a atenção, nomeadamente por haver paralelos com o caso português foi, em certa medida, a desvalorização da formação pedagógica, pois estas atividades são, na sua maioria acompanhadas por “monitores voluntários”, não implicando o pagamento de salário, mas sim de ajudas de custo. Esta situação é vista como um contrassenso dado que o Programa Mais Educação fornece condições materiais superiores às do core curriculum, mas desprestigiando a classe docente. Cremos ser relevante replicar aqui o desabafo de uma professora de música da rede:
Com esses projetos, se esquece de um simples fato, a estrutura física das próprias escolas e dos professores, sua valorização, até mesmo em relação a “salário”. O Mais Educação tem sala, instrumentos, materiais e eu não tenho nada disso para minhas aulas! [...] Eu como PS [prestadora de serviços] ganho em torno de 400 reais por mês, trabalhando 20 horas semanais. Agora, como oficineira do ME, receberia 240 por 8 horas semanais. Olha o absurdo!... O ME recebe materiais e até salas; na minha escola foram construídas 2 salas para o projeto. No entanto, eu, como professora de música, fico perambulando pela escola, “lutando” por um lugar onde possa realizar as atividades, muitas vezes “disputando” espaço com a professora de Educação Física. (Monitora de canto coral) (Penna 2011Penna, Maura. 2011. “Educação musical e educação integral: A música no programa mais educação". Revista da ABEM 19 (25): 141-52., 150).
Como se pode constatar, a precariedade ligada à classe docente destas atividades, promovidas pela Escola a Tempo Integral e Escola a Tempo Inteiro, é transversal e carece de um acompanhamento político eficaz que minimize estas discrepâncias.
À semelhança do que acontece em Portugal o prolongamento do horário escolar, no Brasil, pode justificar-se pelos seguintes aspetos:
-
Um meio para se obterem melhores resultados escolares, pela maior exposição à prática escolar;
-
Uma forma de corresponder às necessidades das famílias;
-
Uma tentativa de integrar a mudança da própria conceção de educação escolar (Cavaliere 2007Cavaliere, Ana M. 2007. “Tempo de escola e qualidade na educação pública”. Educ. Soc. 28 (100- Especial): 1015-1035. http://www.cedes.unicamp.br
http://www.cedes.unicamp.br... , 1016).
A implementação da escola a tempo integral também se operacionalizou num modelo que tem duas vertentes:
-
Alteração das unidades escolares para permitir condições para a presença de alunos e professores a tempo integral;
-
Articulação com instituições e projetos da sociedade envolvente, que possam oferecer alternativas aos alunos, mesmo que não seja no recinto escolar (Cavaliere 2009Cavaliere, Ana M. 2009. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto 22 (80): 51-63. http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2220/2187
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/em... ).
Foi no Estado do Rio de Janeiro que, nos anos 80, se implementou o Programa dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). As escolas permitiam que as crianças lá estivessem todo o dia, com acesso a alimentação, sendo uma maneira de apoiar as famílias, numa articulação com os seus horários laborais. No Estado de São Paulo, por essa mesma altura, temos o aparecimento do Programa de Formação Integral da Criança (Profic), que permitia a extensão do tempo do escolar com apoio a atividades dentro ou fora da escola (Cavaliere 2009Cavaliere, Ana M. 2009. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto 22 (80): 51-63. http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2220/2187
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/em...
, 52).
Compreende-se que a escola pública no Brasil é tida como “parte da sociedade”. Tendo em conta que estamos perante uma “sociedade que tem como principal desafio a diminuição das desigualdades e o aperfeiçoamento da democracia, [a escola terá] um papel contraditório” (Cavaliere 2009Cavaliere, Ana M. 2009. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto 22 (80): 51-63. http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2220/2187
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/em...
, 61).
Destacamos que esta educação integral considera o indivíduo como um todo e que esta aceção só é possível
Através de linguagens diversas, em variadas atividades e circunstâncias. A criança desenvolve seus aspectos afetivo, cognitivo, físico, social e outros conjuntamente. Não há hierarquia do aspecto cognitivo, por exemplo, sobre o afetivo ou social. Por isso, as atividades a que é exposta devem envolver multiplicidade de aspectos para benefício de seu desenvolvimento (Maurício 2009Maurício, Lúcia. 2009. “Escritos, representações e pressupostos da escola pública de horário integral" Em Aberto 22 (80): 15-31., 26).
As parcerias com instituições sociais, embora possam contribuir para o enriquecimento escolar, pelo facto de os alunos poderem ter acesso a uma educação em tempo integral fora do recinto convencional, também poderão conduzir a uma “precarização da educação” (Cavaliere 2009Cavaliere, Ana M. 2009. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto 22 (80): 51-63. http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2220/2187
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/em...
, 61). Além disso, segundo Coelho (2009Coelho, Lígia. 2009. “História(s) da educação integral”. Em Aberto 22 (80): 83-96., 94) muitas das parcerias desenrolam-se fora da escola, através de instituições das comunidades envolventes e os professores das atividades curriculares não têm conhecimento do que os alunos realizam com estas parcerias, não existindo uma articulação com as práticas educativas.
Tal como se observa no caso português, também no Brasil a dificuldade de administração supervisão por parte do Poder Central poderá levar a uma desfragmentação da política ao invés da sua congregação. Existem também outras condicionantes, apontadas por Maurício (2009Maurício, Lúcia. 2009. “Escritos, representações e pressupostos da escola pública de horário integral" Em Aberto 22 (80): 15-31., 27), que passamos a referir:
-
No modelo da Escola a Tempo Integral a criança tem de se sentir motivada a gostar da escola, caso contrário será difícil existir uma efetiva integração;
-
A escola deve ser vista como um laboratório de soluções, em que os alunos e professores formam uma simbiose;
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Este modelo poderá pressupor uma não reprovação, devido ao tempo que o aluno passa na escola;
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Sendo uma política governamental está sujeita a oscilações;
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É uma política “obrigatoriamente paulatina”, que requer etapas e uma análise constante.
7. ETI no 2.º ciclo do Ensino Básico - Uma solução
De acordo com informações publicadas nos media, no início de 20203
3
vide https://expresso.pt/sociedade/2020-01-17-Governo-avanca-com-projeto-piloto-de-Escola-a-Tempo-Inteiro-para-alunos-do-2.-ciclo
, havia o objetivo de generalizar a política de ETI ao 2.º CEB em 2022, sendo que o Governo terá implementado uma experiência piloto em 10 Agrupamentos de Escolas, no ano letivo 2021/2022. Não é nosso objetivo aprofundar aqui a questão, contudo consideramos que é relevante assinalá-la por ir ao encontro do que temos vindo a preconizar nestas reflexões e articulações com a política da ETI e as AEC, quer pelos pontos fortes, como pelos pontos fracos. Um estudo de Moura et al. (2014Moura, Márcia, Marta Martins, e Daniela Coimbra. 2014. “Contributo das atividades de complemento curricular (clube de música) no desempenho académico de estudantes do ensino básico”. Educação, Sociedade E Culturas 41: 69-89. https://doi.org/https://doi.org/10.34626/esc.vi41.292
https://doi.org/https://doi.org/https://...
) cujo objetivo foi o de analisar a relação entre a frequência de atividades de complemento curricular - clube de música - e o desempenho académico de estudantes do 2.º ciclo do ensino básico, poderá, desde já, apontar algumas características e tecer considerações sobre o aspeto extracurricular neste ciclo de estudos, mais concretamente na componente artística, como é o caso da Música. As autoras abordaram as atividades de complemento curricular (ACC) sob uma perspetiva da sua ludicidade, apoiadas pelo Despacho n.º 141/ME/90Despacho n.º 141/ME/90, que menciona a dimensão lúdica, cultural e formativa das ACC (art.º 2.º, alínea 1) e consideram que estas mesmas atividades permitem “vivenciar experiências diferentes das atividades curriculares, num ambiente lúdico e motivante” (70-71). Na investigação em questão, as atividades musicais analisadas são aquelas que funcionam nas escolas no formato de clubes - coros; orquestra Orff; grupos de bombos, por exemplo. De referir que as autoras assinalam, no estado da arte do trabalho apresentado, uma série de estudos que associam as práticas musicais e o desempenho académico, sendo que em certos casos há a perceção da existência de uma relação:
Relativamente à associação entre a prática de música e o desempenho académico, Gouzouasis et al. (2007) realizaram um estudo com 184.565 estudantes e concluíram que a participação em música estava associada, de forma geral, a um elevado desempenho académico. As notas do 11.º ano permitiram predizer o desempenho no 12.º ano e ainda que o tempo dedicado ao estudo musical não inibia, antes acompanhava ou ultrapassava, o desempenho em disciplinas «estruturantes» (77).
Moura et al. (2014Moura, Márcia, Marta Martins, e Daniela Coimbra. 2014. “Contributo das atividades de complemento curricular (clube de música) no desempenho académico de estudantes do ensino básico”. Educação, Sociedade E Culturas 41: 69-89. https://doi.org/https://doi.org/10.34626/esc.vi41.292
https://doi.org/https://doi.org/https://...
) confirmaram as hipóteses a que se propuseram pela “existência de uma relação positiva entre a frequência de clube de música e os resultados escolares ao nível não só da Educação Musical, mas também da Língua Portuguesa e da Matemática” (86). Neste aspeto, esta ligação vem confirmar o idealismo da educação integral promovida pela ETI, pelo que nos resta aguardar pelos resultados aplicação da política nas escolas públicas do 2.º CEB para poder compreender e analisar uma possível relação da componente artística com o sucesso dos alunos em diferentes áreas curriculares.
Carlos Pires (2019Pires, Carlos. 2019. “A escola a tempo inteiro em portugal: As ideias e o “modelo” de implementação da política pública de educação. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação 25: 15-29., 20) considera que há uma certa “rentabilidade política” nesta generalização, pois “esta mobilização utilitarista do conceito de ETI toma-o com solução sem se perceber ou conhecer qual é o problema e qual a “prova de pertinência” que justifique a sua inscrição na agenda política”. Por conseguinte, ainda na ótica do mesmo autor, o 2.º CEB tem características diferentes do 1.º CEB, como a carga horária; a idade dos estudantes, a pluridocência. Além disso, as despesas com esta generalização ficarão por conta do Estado ou terão uma comparticipação das famílias, consoante o escalão social? E será efetuada uma articulação entre os mecanismos da ETI e as estruturas que atualmente funcionam para solução para as famílias (salas de estudo; centros de tempos livres; etc.)? Estas e outras questões poderão vir a ser respondidas no âmbito de outra investigação, que permita compreender as especificidades da ETI no 2.º ciclo, com enfoque nas semelhanças e diferenças em comparação com o 1.º CEB.
7. Conclusões
Neste artigo apurámos que uma política pública é um ato governamental e que deve ser desconstruída para que a sua aplicação não se deixe contaminar por discursos antecipados. Por conseguinte, uma política de ação pública acarreta diferentes poderes, quer sejam eles de ordem social, económica ou cultural. No caso da temática que aqui apresentámos, observamos que a Escola a Tempo Inteiro (ETI) pressupõe-se como uma política que se apropriou de um problema político, que diz respeito ao 1.º Ciclo do Ensino Básico, numa visão de prestação de serviços públicos ao nível da educação e é tida como a solução deste problema. Traz consigo, portanto, um “discurso” do que está errado. Estes discursos tipificados que acompanham as políticas públicas condicionam e até normativizam realidades. Estaremos corretos ao incorporar na sociedade soluções tipificadas? Ou estaremos a modelar o sistema perante necessidades? Observando a política de ETI, consideramos que a sua estrutura está bem pensada, pois há que encontrar soluções para uma sociedade em que os horários laborais não permitem que as famílias consigam flexibilizar o seu “tempo” de modo a usufruírem dos filhos com “tempo” …
A ETI preconiza uma Escola Inclusiva, mas ao mesmo tempo depara-se com dificuldades inerentes ao próprio sistema, como é o caso da falta de recursos humanos e físicos que possam responder ao grande chavão da igualdade de oportunidades de acesso à componente artística, como é o caso da Música. Verificámos que, através da cronologia da aplicação da política de ETI, esta falta de recursos acabou por retirar a atividade Música das AEC e criar a opção Atividades Lúdico-Expressivas, como um grande chapéu, não existindo obrigatoriedade de uma área. Deste modo, há determinados problemas, observados em diferentes Agrupamentos de Escolas, como a dificuldade na contratação de professores/técnicos especializados; a falta de espaços com condições necessárias ao desenvolvimento da atividade Música e a carência de materiais didáticos/pedagógicos, que podem ser mais facilmente ultrapassados.
Atestámos também que o 1.º Ciclo do Ensino Básico é uma presença assídua da agenda política do país e que neste seguimento, a ETI se apresenta em duas vertentes, nomeadamente a extensão da educação formal (reforço de aprendizagens) e a “outra escola” (competências pessoais e artísticas), que se quer, por recomendação dos órgãos governamentais, mais lúdica.
Consideramos relevante a alusão ao caso da Região Autónoma da Madeira, por ter sido precursora na implementação da política de ETI em 1995 e pelo facto de promover a valorização dos professores das “áreas artísticas” (apoio da Secretaria Regional da Educação, através da oferta de uma formação contínua). Também a menção à “Escola Integral” no Brasil, que revela os mesmos princípios da ETI de uma escola democrática, que articula saberes e promove a redução de desigualdades nos fizeram percecionar outras semelhanças, que se prendem com a precariedade dos docentes e uma falta de acompanhamento político nesta situação.
A Escola a Tempo Inteiro, apresenta o “tempo” e está a “vender” o “tempo” que as famílias procuram e sua extensão a outros ciclos de estudos é um aspeto que merece um tratamento e análise adequados. Não obstante, este “Tempo” que se anseia é demasiado curto para se implementarem políticas de enriquecimento curricular…
A este “tempo”, das chamadas AEC, está implicitamente associada a ideia de lúdico e terminamos, em tom provocatório, dizendo que no decurso do trabalho de investigação em curso, concretizámos que para muitos a música, o Ensino Musical não é lúdico. Será este um discurso prévio ligado ao elitismo que tem acompanhado o Ensino Musical?
Legislação
- Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei n.º 46/96. D.R. n.º 237, Série I de 1986-10-14
- Despacho n.º 141/ME/90
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- Despacho n.º 8683/2011 de 28 de junho
- Despacho n.º 9265-B/2013 de 15 de julho
- Despacho Normativo 7/2013, de 11 de junho
- Portaria n.º 644-A/2015 de 24 de agosto
- Norma NP 4510:2015 - Atividades de enriquecimento curricular e de apoio à família
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-
1
Embora seja o Despacho n.º 12591 de 2006Despacho n.º 12591/2006, de 16 de junho a firmar a generalização dos projetos de enriquecimento curricular em Portugal, em 2005 já existe legislação a propósito desta temática, pelo que consideramos essa data no nosso estudo.
-
2
Horário comum da componente regular de um estabelecimento público de ensino: 9h00-16h00/30/45
-
3
vide https://expresso.pt/sociedade/2020-01-17-Governo-avanca-com-projeto-piloto-de-Escola-a-Tempo-Inteiro-para-alunos-do-2.-ciclo
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Section Editor:
Fernando Chaib -
Layout Editor:
Fernando Chaib
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Abr 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
11 Ago 2023 -
Aceito
02 Fev 2024 -
Publicado
22 Mar 2024