Acessibilidade / Reportar erro

Polímeros conjugados como camada ativa de diodos emissores de luz e fotodetectores

Conjugated polymers as active layers in light-emitting diodes and photodetectors

Resumos

Neste artigo é apresentada uma introdução aos polímeros conjugados, evidenciando-os como materiais portadores de um conjunto de propriedades que os torna altamente promissores para o uso em diodos emissores de luz e fotodetectores orgânicos. Inicialmente faz-se uma breve descrição das características físicas dessa classe de polímeros, justificando sua potencialidade na construção de dispositivos. Em seguida, apresenta-se um breve histórico do desenvolvimento de dispositivos orgânicos e uma descrição do estágio de desenvolvimento atingido. As dificuldades inerentes à construção de dispositivos que utilizam polímeros conjugados são discutidas, ressaltando os problemas a serem solucionados para que se tornem mais eficientes.

Diodos emissores de luz orgânicos; fotodetectores orgânicos; polímeros conjugados


In this paper we present an introduction to conjugated polymers as materials with a set of promising properties for applications in organic light emitting diodes and in organic photodetectors. We start with a short description of the physical properties of conjugated polymers, emphasising its potential for device construction. The difficulties inherent to the construction of conjugated polymer-based devices are discussed and the problems that limit device efficiency are listed.

Organic light-emitting diodes; organic photodetectors; conjugated polymers


ARTIGO DE REVISÃO

Polímeros conjugados como camada ativa de diodos emissores de luz e fotodetectores.

Ivo A. Hümmelgen, Lucimara S. Roman e Joaquim R. de Lima

RESUMO: Neste artigo é apresentada uma introdução aos polímeros conjugados, evidenciando-os como materiais portadores de um conjunto de propriedades que os torna altamente promissores para o uso em diodos emissores de luz e fotodetectores orgânicos. Inicialmente faz-se uma breve descrição das características físicas dessa classe de polímeros, justificando sua potencialidade na construção de dispositivos. Em seguida, apresenta-se um breve histórico do desenvolvimento de dispositivos orgânicos e uma descrição do estágio de desenvolvimento atingido. As dificuldades inerentes à construção de dispositivos que utilizam polímeros conjugados são discutidas, ressaltando os problemas a serem solucionados para que se tornem mais eficientes.

Palavras-chave: Diodos emissores de luz orgânicos, fotodetectores orgânicos, polímeros conjugados.

Conjugated polymers as active layers in light-emitting diodes and photodetectors 55

ABSTRACT: In this paper we present an introduction to conjugated polymers as materials with a set of promising properties for applications in organic light emitting diodes and in organic photodetectors. We start with a short description of the physical properties of conjugated polymers, emphasising its potential for device construction. The difficulties inherent to the construction of conjugated polymer-based devices are discussed and the problems that limit device efficiency are listed.

Keywords: Organic light-emitting diodes, organic photodetectors, conjugated polymers.

Introdução

Materiais poliméricos em muitos casos apresentam propriedades mecânicas muito interessantes, como flexibilidade, além de poderem ser processados com relativa facilidade utilizando processos pouco dispendiosos tecnologicamente. Essas características associadas à demonstração de que polímeros podem se tornar condutores elétricos1 e mais recentemente, de que polímeros conjugados podem constituir a camada ativa de diodos emissores de luz (LEDs)2, desencadeou uma atividade de pesquisa muito intensa nessa classe de materiais, objeto do presente artigo. Diversos tipos de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos utilizando polímeros conjugados já foram demonstrados, incluindo além de LEDs2 também transistores3, optoacopladores4, fotodiodos5, triodos6, reguladores de voltagem7 e até mesmo lasers8.

Os polímeros conjugados apresentam alternância de ligações químicas simples () e duplas (e ) ao longo de sua cadeia, sendo que a ligação é responsável pelas propriedades que tornam esses materiais candidatos potenciais para aplicações em optoeletrônica. Quando um polímero conjugado apresenta uma cadeia bastante longa os orbitais (ligante) * (anti-ligante) dão origem a bandas de energia, sendo que a primeira delas possui todos os estados eletrônicos ocupados e a segunda, todos os estados eletrônicos desocupados. Na linguagem da física do estado sólido, estas bandas são chamadas, respectivamente, de banda de valência e de banda de condução. Mais comum aos químicos é a terminologia HOMO (highest occupied molecular orbital) e LUMO (lowest unoccupied molecular orbital) que correspondem aos limites das bandas de valência e de condução (Figura 1), de forma muito semelhante ao observado em um semicondutor inorgânico. A diferença entre a energia de nível LUMO e a energia de nível HOMO é chamada de lacuna de energia ("gap") do semicondutor (Eg).


Quando luz constituída de fótons de energia maior que Eg incide sobre um material semicondutor, elétrons são retirados da banda de valência e promovidos à banda de condução, caracterizando a absorção desse fóton. Já um elétron na banda de condução, pode retornar à banda de valência (desde que haja um estado desocupado) através da emissão de um fóton de energia igual a Eg. No caso de muitos polímeros conjugados, essa energia Eg é tal que corresponde a fótons de luz visível, ou seja, esses polímeros têm a capacidade de absorver ou emitir luz visível e despertando por isso mesmo grande interesse para aplicações em optoeletrônica.

O comportamento de polímeros conjugados é entretanto, em alguns pontos, bastante diferente daquele observado em semicondutores inorgânicos. Em polímeros conjugados, a absorção de um fóton transfere um elétron da banda de valência para a banda de condução e na seqüência, como isso implica numa redistribuição da densidade eletrônica, ocorre uma relaxação elástica da cadeia (ou segmento de cadeia) polimérica, que corresponde a um forte acoplamento elétron-fônon. Como conseqüência, se o elétron retornar à banda de valência, o fará de um nível energeticamente mais baixo e emitirá um fóton de energia menor que a daquele absorvido. Por essa razão, picos do espectro de fotoluminescência de polímeros conjugados normalmente são deslocados para maiores comprimentos de onda (menores energias), quando comparados aos do espectro de absorbância. Essa peculiaridade vem fazendo com que se investigue a aplicação desses materiais na construção de lasers, pois implica que um fóton emitido na cavidade do laser não seja reabsorvido, viabilizando assim a chamada inversão de população, que é responsável pelo fenômeno de emissão estimulada.

Controle de cor de emissão e processabilidade

Diversos polímeros conjugados têm sido utilizados na construção de dispositivos eletroluminescentes9 .

Um dos polímeros conjugados mais estudados em relação às propriedades e aplicações acima descritas é o PPV poli(p-fenileno vinileno)10, que apresenta uma emissão verde-amarelada11. Já alguns polímeros derivados do PPV, cujas estruturas químicas são exemplificadas na Figura 2, produzem emissão luminosa centrada em comprimentos de onda ligeiramente deslocados daquela observada no PPV12. Isso permite a construção de dispositivos emitindo em diferentes cores, pela simples modificação química por meio da introdução de grupos laterais. A modificação do comprimento de onda de emissão também pode ser conseguida modificando-se o comprimento da cadeia polimérica mais especificamente, do comprimento de conjugação. Em oligômeros, por exemplo, observa-se que o comprimento de onda da luz emitida cresce (deslocamento do azul para o vermelho) à medida que cresce o massa molar13 (Figura 3). Efeito semelhante pode ser obtido através da utilização de copolímeros em bloco, onde se utilizam segmentos conjugados intercalados por "separadores"14



O PPV, assim como vários outros polímeros conjugados, apresenta algumas dificuldades de processamento oriundas do fato de não ser solúvel, que dificultam ou até mesmo impedem a sua utilização direta para construção de dispositivos. Este fato é contornado fazendo uso, basicamente, de duas estratégias. A primeira delas consiste em acrescentar à cadeia do PPV grupos laterais que tornem o polímero derivado do PPV, solúvel, como no caso do poli(2-metoxi-5-(2'-etil-hexiloxi)-1,4-fenileno vinileno), conhecido como MEH-PPV. Este procedimento pode entretanto trazer conseqüências indesejadas sobre as características emissivas do material. A segunda estratégia, se baseia na produção de um precursor que seja solúvel e possa ser processado por "casting" ou "spin-coating" a fim de produzir filmes finos usados em dispositivos. O filme de PPV é nesse caso, obtido pela conversão térmica do precursor, conforme mostrado na Figura 4. Recentemente, foi demonstrada ainda a possibilidade de produzir filmes de PPV por CVD ("chemical vapour deposition": deposição por vapor químico)15. Essa técnica é potencialmente mais adequada à produção de filmes finos de PPV de grande área superficial e espessura uniforme, que são necessários caso se deseje construir dispositivos eletroluminescentes de grande área ativa, nicho onde os polímeros não enfrentariam a concorrência de similares entre os dispositivos produzidos com base em semicondutores inorgânicos.


Geração e absorção de luz

Para se construir um dispositivo que converta energia elétrica em luminosa (Figura 5), é necessário introduzir elétrons na banda de condução do polímero conjugado e concomitantemente produzir estados desocupados na banda de valência (drenar elétrons, o que é denominado de injeção de buracos), de forma a permitir que elétrons decaiam da banda de condução para a banda de valência emitindo um fóton, conforme exemplificado na Figura 6. Esse processo é denominado de eletroluminescência. Observa-se que o espectro de emissão por eletroluminescência é muito parecido com o espectro de fotoluminescência, o que indica que o processo que origina a emissão luminosa é qualitativamente o mesmo para ambos os casos, decaimento de éxciton no estado singlete.



Já no caso de dispositivos detectores de luz o interesse consiste em converter energia luminosa em corrente elétrica (fotocorrente). Os processos de geração de fotocorrente em polímeros conjugados ainda não são bem claros até o presente momento, porém, pela versão mais aceita, quando um fóton de luz é absorvido pelo polímero um elétron da banda de valência (HOMO) passa para a banda de condução (LUMO) do polímero, criando um par elétron-buraco sujeito à força de Coulomb, isto é, um éxciton. Para que haja a produção de corrente elétrica se faz necessário dissociar esses éxcitons criados, isto é, separar as cargas positivas das negativas e fazer a coleta desses portadores, separadamente, por meio de eletrodos. Devido à diferença de afinidade eletrônica dos materiais dos eletrodos, a dissociação dos éxcitons ocorre principalmente na interface metal/polímero, onde uma barreira de potencial é criada e onde o campo elétrico é mais intenso, tornando possível a dissociação dos éxcitons (Figura 7). E é justamente esse fator que determina um problema geral observado em fotodetectores poliméricos e que limita a eficiência desses dispositivos: Apesar de polímeros possuírem um alto coeficiente de absorção, a profundidade da absorção é geralmente maior que o comprimento de difusão dos éxcitons criados por esse processo (2-10 nm). Considerando que o tempo de vida médio de um éxciton é da ordem de nanosecundos, apenas uma pequena fração dos éxcitons gerados chegará até a interface metal/polímero, onde serão dissociados e passarão a contribuir para a fotocorrente.


As informações sobre os mecanismos de geração de corrente elétrica por meio de energia luminosa são obtidas em estudos da dependência espectral da fotocorrente, o que também é conhecido como espectro dinâmico. Iluminando-se a camada polimérica através de diferentes eletrodos, pode-se saber em qual das interfaces os éxcitons são dissociados, obtendo-se informações sobre o comprimento de difusão dos éxcitons. Através do espectro dinâmico pode-se calcular a eficiência do dispositivo para diferentes comprimentos de onda.

Diodos emissores de luz

O comportamento eletroluminescente de muitos polímeros conjugados permite a construção de dispositivos eletroluminescentes. O primeiro deles foi demonstrado em 19902 por um grupo da Universidade de Cambridge e consiste basicamente em um filme de PPV localizado entre um eletrodo de ITO ("Indium Tin Oxide") e um eletrodo de alumínio (Figura 5). O sanduíche ITO/PPV/Al é montado sobre substrato de vidro para fornecer sustentação mecânica. O ITO, além de ser condutor elétrico é transparente, permitindo a saída da luz produzida na camada polimérica. Nesse dispositivo, o alumínio atua como contato injetor de elétrons, enquanto que o ITO atua como contato injetor de buracos (Figura 6).

Esse primeiro dispositivo, apesar de pouco eficiente, despertou o interesse de diferentes grupos de pesquisa básica e aplicada, que passaram a atuar no desenvolvimento de LEDs ("light emitting diodes") orgânicos de eficiência cada vez maior. Atualmente pode-se contar com dispositivos emissores de luz baseados em MEH-PPV que funcionam ininterruptamente durante 10 000 horas com a mesma eficiência16.

Para que possam vir a ser largamente utilizados comercialmente, os LEDs orgânicos têm, entretanto, que suportar longos períodos de operação ininterrupta e simultaneamente, atingir níveis de eficiência no processo de conversão de energia elétrica em luminosa compatíveis com as aplicações desejadas e comparáveis àqueles conseguidos em outros dispositivos comercialmente já consagrados. Para atingir tal objetivo é necessário entender detalhadamente o processo de injeção de carga e de emissão eletroluminescente, para que se possa controlar os parâmetros relevantes aos processos.

A eficiência de um LED orgânico é inicialmente limitada pela razão entre éxcitons (pares elétron-buraco ligados) no estado singlete e éxcitons no estado triplete (1/4), dentre os éxcitons formados pelos portadores de carga (elétrons e buracos) injetados. Havendo desbalanceamento na injeção de portadores, o números de éxcitons formados é determinado pelo tipo de portador em menor número. A limitação seguinte é imposta pelo conjunto de índices de refração das diversas camadas que compõe um dispositivo, que levam a uma limitação da quantidade de luz emitida para fora do dispositivo por processo de reflexão nas diversas interfaces que o compõe. Essa limitação entretanto, pode ser minimizada adequando-se apropriadamente as espessuras das camadas, ou ainda, pode ser contornada pela modificação da geometria dos dispositivos, como é o caso de estruturas planares interdigitadas ou estruturas de pontes.

Outro problema sério, mas também passível de solução, vem da interação indesejada dos polímeros com a molécula de água. No caso do PPV, onde esse estudo foi profundamente desenvolvido17, mostra-se que a eletroluminescência do PPV diminui drasticamente em ambiente de laboratório, quando comparada a estudos feitos nos mesmos dispositivos em vácuo. Observou-se que são necessários apenas dez minutos, em ambiente normal, para haver a contaminação do PPV. Isso torna claro que a síntese de polímeros resistentes ao contato com oxigênio ou umidade do ar seria muito útil para dispositivos eletroluminescentes. Os dispositivos que atualmente detém recordes de operação ou estão na fase final de testes para a comercialização são encapsulados, visando protegê-los de umidade e gases.

Por outro lado essa característica dos polímeros, de sofrer mudanças nas propriedades elétricas quando em presença de umidade ou de diferentes gases, permite a construção de sensores orgânicos.18

O processo de injeção de carga em interfaces eletrodo ¾ polímero na forma pristina

Como o balanceamento de portadores de carga impõe limitações à eficiência máxima de um dispositivo, é premente a compreensão do processo de injeção de cargas em interfaces eletrodo/polímero, para que essa injeção possa ser controlada, simultaneamente para elétrons e buracos, atingindo o seu balanceamento.

Em interfaces metal/polímero na forma pristina, tem sido observado que a dependência entre a densidade de corrente injetada no polímero e a intensidade de campo elétrico na camada polimérica pode ser adequadamente descrita pelo mecanismo de tunelamento no regime de altos campos, como observado para interfaces metal/MEH-PPV19, metal/PPV20,21 e metal/PPI (poly-(1,4-fenilenometilidinonitrilo-1,4-fenilenonitrilometilidino) 22.Recentemente conseguiu-se obter uma expressão da corrente de tunelamento introduzindo correções devidas à temperatura23, permitindo que discrepâncias anteriormente observadas entre dados experimentais e previsões teóricas fossem esclarecidas. Mesmo em interfaces semicondutor/polímero, como no caso de ITO/MEH-PPV19 e TO/PPV24 (ITO: "indium tin oxide"; TO: "tin oxide") e em interfaces PAni-CSA/PMMA/PPV25 (PAni-CSA/PMMA: blenda condutora de polianilina dopada com ácido cânforsulfônico e poli(metacrilato de metila)) a dependência entre a corrente e a tensão aplicada entre os eletrodos pode ser descrita por esse mesmo mecanismo. Permanece entretanto uma dificuldade, que se oriunda da discrepância entre os valores da corrente de injeção obtidos de modelos teóricos e os experimentalmente observados.

Ocorrendo tunelamento pela barreira de potencial triangular na interface (Figura 8), a corrente de tunelamento (I) tem a seguinte dependência:

sendo que k é dado por

onde C é uma constante que depende da área do dispositivo, F é a intensidade de campo elétrico, m* é a massa efetiva do portador de carga, q é a carga eletrônica, h é a constante de Planck e é a altura de barreira . Naturalmente, caso a barreira de potencial seja muito pequena ou a temperatura muito alta, o processo dominante será o de emissão termiônica. Caso haja uma alta densidade de estados localizados, devidos por exemplo a impurezas na camada polimérica, outros mecanismos podem se tornar importantes, como por exemplo a formação de barreira Schottky.


Para que o processo limitante da densidade de corrente elétrica através da camada polimérica seja o de tunelamento na interface, é necessário que a contribuição da carga espacial formada na camada polimérica seja desprezível, o que somente ocorre em polímeros em que a mobilidade dos portadores de carga não é muito baixa. Mesmo nesses materiais, sob campos elétricos baixos ocorre o acúmulo de carga na camada polimérica, causando uma modificação na barreira de potencial e na dependência da corrente com a tensão aplicada.

Nos casos em que o processo de injeção de portadores é o mecanismo de tunelamento pela barreira formada na interface, espera-se que que a dependência da grandeza ln (I F -2) com F -1 , seja linear, pelo menos a baixas temperaturas23, pois

Essa expressão mostra, que se as massas efetivas dos portadores positivos e negativos for igual, o balanceamento de cargas injetadas, independentemente do valor de tensão aplicada, é conseguido através da escolha de materiais que forneçam o mesmo valor de barreira de potencial para as interfaces eletrodo/polímero, tanto para o eletrodo injetor de elétrons como para o eletrodo injetor de buracos, independentemente da polaridade de tensão aplicado ao dispositivo.

Essa condição é difícil de ser conseguida experimentalmente. Normalmente, há diferença entre as alturas de barreira das interfaces e como conseqüência, o balanceamento somente ocorre para um valor determinado de tensão (tal situação é exemplificada na Figura 9). Isso faz com que o controle da tensão sobre o dispositivo se torne crítico, pois para valores de tensão deslocados do ideal, grande parte dos portadores majoritários somente contribuirá para a geração de calor, acelerando o processo de degradação do dispositivo.


Fotodiodos

O uso de polímeros conjugados em dispositivos para detecção de luz é, analogamente ao caso dos diodos emissores de luz, atrativo principalmente pela possibilidade de se fabricar fotodiodos com extensa área ativa, já que eles apresentam boa estabilidade estrutural e resistência à cristalização. Os dispositivos fotodiodos orgânicos são construídos em estrutura sanduíche semelhante aos diodos emissores de luz (Figura 5). O polímero fica localizado entre dois eletrodos com diferentes funções trabalho, a fim de que se crie um campo elétrico dentro do material e assim, seja possível fazer a coleta das cargas geradas pela absorção de fótons. Um dos eletrodos deve ser transparente para permitir a entrada da luz no polímero.

Vários grupos de pesquisa têm descrito a fabricação de dispositivos fotodiodos baseados em polímeros, em alguns casos com sensibilidade comparável a de fotodiodos inorgânicos, como é o caso do dispositivo reportado por G.Yu et al5. Nele, os autores usaram uma única camada de P3OT poli(3-octil tiofeno) com espessura de 3000Å entre dois eletrodos, Ouro e ITO, em estrutura sanduíche semelhante à da Fig.5. A sensibilidade em UV-visível atingida por esse fotodiodo é maior que 0.3 A/W sob 15 V de tensão reversa, um pouco maior que a sensibilidade encontrada em fotodiodos comerciais de silício que operam na região espectral UV-visível.

Sob condições de baixa, ou nenhuma tensão reversa aplicada, o que seria útil para o uso de polímeros em câmeras fotodetectoras26, o comportamento fotovoltáico desse e da maioria dos dispositivos fotodiodos baseados em polímeros é muito pobre, principalmente pelas limitações inerentes ao mecanismo de formação da fotocorrente: é necessário arrastar os éxcitons gerados na camada polimérica até a interface polímero/metal, onde ocorre a sua dissociação e contribuição para a fotocorrente, já na forma de cargas livres. Seguindo este raciocínio, poder-se-ia aumentar a dissociação de éxcitons dentro do polímero caso houvessem regiões dentro do material (interior da camada polimérica) que se comportassem como a interface metal/polímero. Com essa motivação foram desenvolvidas as blendas polímero:C6027-29 e MeH-PPV:CN-PPV29 CN-PPV: Poli(2-ciano-p-fenileno vinileno) que permitiram demonstrar um acréscimo considerável no valor da fotocorrente sob baixa ou nenhuma tensão reversa aplicada, chamando a atenção para possíveis aplicações em fotocondutores ou células solares.

Nestas blendas existe uma diferença considerável no valor da eletroafinidade de um material em relação ao outro, formando uma rede interna de interfaces distribuídas em todo o filme. Neste sistema, um material é doador de elétrons e o outro receptor. Isto permite que logo após a dissociação do éxciton nessa rede interna de interfaces as cargas sejam transportadas por diferentes materiais e posteriormente, coletadas pelos respectivos eletrodos. Na Fig. 10 é apresentada a estrutura química dos materiais que compõe uma blenda em que dois polímeros PTOPT (poli(3-(4-octilfenil)-2,2'-bitiofeno) e POMeOPT (poli(3-(2'-metoxi-5'-octilfenil)tiofeno) trabalham como doadores enquanto que a molécula C60 atua como receptora de elétrons.


Para o sistema de blendas, o estudo da morfologia e da compatibilidade dos materiais é muito importante. Assumindo que os éxcitons possam difundir apenas alguns nanometros antes de decair, uma acentuada separação de fases, muito comum em polímeros e geralmente na escala de micrometros30,31, poderia impor sérios limites ao processo de drenagem dos portadores de carga até os eletrodos. A blenda da Figura 1028, por exemplo, apresenta ótima compatibilidade, não sendo possível perceber a separação de fases em escala de 50 nm. Essa propriedade permitiu a fabricação de um fotodiodo que, sem tensão aplicada, apresenta uma eficiência de conversão de fótons (sob luz incidente de (l=500 nm) em portadores de carga elétrica igual a 15%. Sob tensão de 2V, essa eficiência sobe para 60%. Um diagrama simplificado dos níveis de energia desse dispositivo é apresentado na Figura 11.


Um procedimento experimental importante que permite avaliar o potencial de uma blenda como bom material para fotodiodo, é baseado em estudos de fotoluminescência. Para uma blenda possuir potencial para uso em fotodiodos, deve apresentar a supressão do comportamento fotoluminescente observado nos materiais que a compõe, quando investigados isoladamente. Esta supressão geralmente indica que há transferência de portadores de carga de um material para o outro, ou seja, ocorre a dissociação dos éxcitons nas interfaces internas. Esse fato é exemplificado na Figura 12, onde é apresentado o espectro de fotoluminescência para as blendas PTOPT:POMeOPT (1:1) e PTOPT:POMeOPT:C60 (1:1:2).


Conclusão

A utilização de polímeros conjugados como materiais componentes da camada ativa em dispositivos optoeletrônicos orgânicos vem constituindo uma área de intensa atividade interdisciplinar de pesquisa básica e aplicada.

Apesar do enorme progresso obtido no entendimento dos processos fundamentais envolvidos nos fenômenos de conversão de energia elétrica em luminosa (e vice-versa) em polímeros ou oligômeros conjugados, vários problemas ainda constituem entrave a uma ampla utilização dos mesmos. Essas dificuldades se relacionam basicamente à eficiência e à durabilidade desses dispositivos.

A solução desses problemas passa pelo controle do processo de injeção e drenagem de portadores, adequação de parâmetros físico-químicos de polímeros e eletrodos, desenvolvimento de processos de preparo de filmes poliméricos e dispositivos entre outros, constituindo campo fértil de atividades de pesquisa para equipes interdisciplinares.

O esforço dispendido no desenvolvimento de dispositivos orgânicos se justifica pelas vantagens potenciais desses dispositivos, como baixo custo, tecnologia de produção relativamente simples, boas propriedades mecânicas dos materiais poliméricos, operação a pequenas tensões, possibilidade de cobertura de toda a faixa espectral visível e principalmente pelo fato de que existe a perspectiva de se construir dispositivos de grande área ativa.

Agradecimentos

Os autores gostariam de expressar seu agradecimento ao PADCT, CNPq e FINEP pelo suporte financeiro ao projeto, e ao Dr. M. A. A. da Silva por suas sugestões.

Recebido: 06/11/97

Aprovado: 20/07/98

Ivo A. Hümmelgen, e Joaquim R. de Lima,Departamento de Física, Universidade Federal do Paraná, Caixa Postal 19081, 81531-990 Curitiba, PR, Lucimara S. Roman, Department of Physics and Measurement Technology, University of Linköping, S-581 83 Linköping, Sweden.

  • 1. Mattoso, L. H. C. - Polímeros:Ciência e Tecnologia, 3,6 (1996).
  • 2. Burroughes, J. H.; Bradley, D. D. C.; Brown, A. R.; Q. N. Marks, K. Mackay, R. H. Friend, P. L. Burns e A. B. Holmes - Nature 34,539(1990).
  • 3. Garnier, F.; Hajlaoui, R.; Yassar Yassar, A.and Srivastava, P. - Science, 265, 1684 (1994).
  • 4. Yu, G.; Pakbaz, K. and Heeger, A. J. - J. Electron. Mater., 23,925 (1994).
  • 5. Yu, G.; Parkbaz, K. and Heeger, A.J.Appl. Phys. Lett., 64, 3422(1994).
  • 6. Heeger, A. J. Trends in Polymer Science, 3,39 (1995).
  • 7. Arias, A. C.; Hümmelgen, I. A.; Meneguzzi, A. e Ferreira, C. A. - Adv. Mat., 9,972 (1997).
  • 8. Berggren, M.; Dodabalapur, A.; Slusher, R. E. and Bao, Z. - Nature, 389, 466 (1997).
  • 9. Friend, R. H. e Greenham, N. C. - Physical Properties of Polymers Handbook, editor: J. E. Mark, AIP Press, Woodbury (NY), p. 479, (1996).
  • 10. Bradley, D. D. C. - J. Phys. D: Appl. Phys. 20,1389(1987).
  • 11. Herold; M.; Gmeiner, J. e Schwoerer, M. - Acta Pol. 45,392(1994).
  • 12. Brédas, J. L. e Heeger, A. J. - Chem. Phys. Lett. 217,507(1994).
  • 13. Noda, T.; Ogawa, H.; Noma, N. e Shirota, Y. - Adv. Mat., 9,720(1997).
  • 14. Yang, Z.; Hu, B. and Karasz, F. E. - Macromolecules, 28,6151(1995)
  • 15. Vaeth, K. M. e Jensen, K. F.-Adv.Mat., 9, 490 (1997).
  • 16. Strite, T. and Riess, W. -Compound Semiconductor Magazine, no prelo.
  • 17. Xing, K. Z.; Fahlman, M.; Lögdlund, M.; Santos, D. A.; Parenté, V.; Lazzaroni, R.; Brédas, J.-L.; Gymer, R. W. and Salaneck, W. R. - Adv. Mat. 8 971, (1996).
  • 18. Barker, P. S.; Monkman, A. P.; Petty, M. C. e Pride, R. - IEE Proc.-Circuits Devices Syst. 144,111(1997).
  • 19. Parker, I. D. - J. Appl. Phys., 75,1656(1994).
  • 20. Hümmelgen, I. A.; Roman, L. S. e F. Nart, C. - Appl. Phys. Lett., 68,3194(1996).
  • 21. Roman, L. S.; Hümmelgen, I. A.; Nart, F. C.; Péres, L. O.e Sá, E. L. - J. Chem. Phys. 105, 10614 (1996).
  • 22. Nart, F. C.; Péres, L. O.; Sá, E. L.; Roman, L. S.; Hümmelgen, I. A.; Gruber, J. e Li, R. W. C. - Synth. Met., 90,147(1997).
  • 23. Koehler, M. e Hümmelgen, I. A. - Appl. Phys. Lett. 70,3254(1997)
  • 24. Arias, A. C.; Lima, J. R. e Hümmelgen, I. A. - Adv. Mat.10,392(1998).
  • 25. Lima, J. R.; Schreiner, C.; Hümmelgen, I. A.; Fornari Jr., C. C. M. e Ferreira, C. A. - J. Appl. Phys. 84,1445(1998).
  • 26. Pede, D.; Smela, E.; Johansson, T.; Johansson, M. and Inganäs, O. - Adv. Mat., no prelo.
  • 27. Yu, G.; Gao, J.; Hummelen, J. C.; Wudl, F. and Heeger, A. J. - Science, 270, 1789 (1995).
  • 28. Roman, L. S., Andersson, M. R., Yohannes, T., and Inganäs, O. - Adv. Mat., 9,1164(1997).
  • 29. Halls, J. J. M., Walsh, C. A., Greenham, N. C., E. Marseglia,A., Friend, R. H., Moratti, S. C., and Holmes, A. B. - Nature, 376, 498(1995)
  • 30. Granström, M.; Berggren, M.; Pede, D.; Inganäs, O.; Andersson. M. R.; Hjertberg, T. and Wennerström, O. - Supramol. Science, 4, 27 (1997).
  • 31. Berggren, M.; Inganäs, O.; Gustafsson, G.; Rasmusson, J.; Andersson, M. R.; Hjertberg, T.; Wennerström, O., Nature, 362, 444 (1994)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    1998

Histórico

  • Aceito
    20 Jul 1998
  • Recebido
    06 Nov 1997
Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
E-mail: revista@abpol.org.br