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Fundação Itaú Social, Renaissance 2010, desigualdades e segregação: análise crítica da aplicação do modelo educacional estadunidense no Brasil 1 1 Editor responsável: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim https://orcid.org/0000-0002-0323-9207 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Bruno Avi revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES); e de doutorado-sanduíche financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Fundación Itaú Social, Renaissance 2010, desigualdades y segregación: análisis crítico de la aplicación del modelo educativo estadounidense en Brasil

Resumo

Este artigo realiza uma análise crítica dos projetos defendidos por organizações empresariais que propõem políticas públicas de educação no Brasil (no caso, a Fundação Itaú Social [FIS]). Para tal, o texto apresenta, a partir de documentos assinados pela FIS, como esta instituição defende que medidas implementadas nos Estados Unidos (como o Renaissance 2010 de Chicago) sirvam de modelo para o país. Em seguida, a partir de dados quantitativos e qualitativos, decorrentes de levantamento bibliográfico em fontes primárias e secundárias no Brasil e nos Estados Unidos, o trabalho discute alguns resultados desses projetos em seu local de origem (especialmente Chicago). Assim, será demonstrado como, ao contrário do que indicam seus proponentes, tais diretrizes podem ser relacionadas à manutenção e ao agravamento de problemas sociais, como a segregação racial. Por fim, o artigo mostra que, apesar de essas reformas serem apresentadas como expressão de um consenso social, nos Estados Unidos, as comunidades escolares têm protagonizado intensas mobilizações contra elas. Portanto, considerando tal cenário, o texto reflete como a insistência na manutenção de tais projetos não é justificável por dados, mas pelo interesse político e econômico do capital e suas instituições.

Palavras-chave
Reformas educacionais; Renaissance 2010; Modelo EUA; resistência

Resumen

Este artículo realiza un análisis crítico de los proyectos defendidos por organizaciones empresariales que proponen políticas públicas de educación en Brasil (en este caso, la Fundación Itaú Social). El texto presenta, a partir de documentos firmados por la FIS, cómo esta institución defiende que medidas implementadas en EE.UU. (como el Renaissance 2010 de Chicago) sirven de modelo para el país. A continuación, a partir de datos cuantitativos y cualitativos, derivados de un estudio bibliográfico en fuentes primarias y secundarias de Brasil y EE.UU., el documento discute algunos resultados de estos proyectos en su lugar de origen (especialmente Chicago). Así, se demostra cómo, contrariamente a lo que indican sus defensores, tales directrices pueden estar relacionadas con el mantenimiento y el empeoramiento de problemas sociales, como la segregación racial. Por último, el artículo mostrará que, a pesar de que estas reformas se presentan como la expresión de un consenso social, en EEUU la comunidad escolar ha protagonizado intensas movilizaciones en su contra. Por lo tanto, considerando tal escenario, el artículo refleja cómo la insistencia en mantener estas directrices no se justifica por los datos, sino por el interés político y económico del capital y sus instituciones.

Palabras clave
Reformas educativas; proyectos educativos; resistencia

Abstract

This article performs a critical analysis of the projects advocated by business organizations that propose public education policies in Brazil (in this case, the Itaú Social Foundation). To this end, the article presents, based on documents signed by the FIS, how this institution defends that measures implemented in the U.S. (such as Chicago’s Renaissance 2010) serve as a model for the country. Then, based on quantitative and qualitative data, derived from bibliographic research in primary and secondary sources in Brazil and the USA, the paper discusses results of these projects in their place of origin (especially Chicago). Thus, it is shown how, contrary to what their proponents indicate, such guidelines can be related to the maintenance and worsening of social issues, such as racial segregation. Finally, the paper demonstrates that, despite these reforms being presented as the expression of a social consensus, in the USA, the school community has led intense mobilizations against them. Therefore, considering this scenario, the article reflects how the insistence on maintaining these guidelines is not justified by data, but by the political and economic interest of capital and its institutions.

Keywords
Educational reforms; Renaissance 2010; US Model; resistance

Introdução4 4 Este artigo é parte da tese do autor (Moimaz, 2022), com destaque à pesquisa realizada na Universidade Estadual da Pensilvânia, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (Capes)‑Código de Financiamento 001.

No início de 2023, os debates acerca da Reforma do Ensino Médio (REM) (Lei n° 13.415/2017Lei nº13.415, de 16 de fevereiro de 2017. (2017, 16 de fevereiro). Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Presidência da República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm
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) atingiram amplitude até então inédita no país. Como mostrou Ferretti (2018)Ferretti, C. J. (2018). A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Estudos avançados, 32(93), 25-42. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180028
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, esse modelo de educação já suscitava críticas desde antes de sua aprovação. Porém, os questionamentos sobre a REM foram multiplicados a partir das experiências realizadas nas redes públicas estaduais. Exemplos como a criação de disciplinas de denominação genérica e conteúdos discutíveis sob perspectiva científica, como “O que rola por aí?” (Lima, 2023Lima, L. (2023, 13 de fevereiro). Após reforma do ensino médio, alunos têm aulas de 'O que rola por aí', 'RPG' e 'Brigadeiro caseiro'. O Globo. https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/02/aula-de-rpg-ou-de-cuidados-com-o-pet-professores-e-pais-criticam-disciplinas-inusitadas-do-novo-ensino-medio.ghtml
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), mostraram a necessidade da expansão das discussões sobre o tema.

Apesar da implementação das mudanças ser responsabilidade dos estados, como define a legislação, ela não ocorreu aleatoriamente. Isso, porque, por um lado, os novos currículos foram sendo estruturados a partir da REM e da Base Nacional Comum Curricular ([BNCC], 2018), de âmbito nacional. Por outro, é notável a presença de determinadas entidades empresariais nas instâncias de elaboração e deliberação das políticas educacionais, atuando para garantir a efetivação de um modelo de educação “à imagem e semelhança” do mercado (Krawczyk, 2014Krawczyk, N. R. (2014). Ensino médio: empresários dão as cartas. Educação & Sociedade, 35(126), 21-41.; Laval, 2004Laval, C. (2004). A escola não é uma empresa: O neo-liberalismo em ataque ao ensino público. Planta.).

Essas organizações formulam materiais de formação e propaganda sobre o tema, têm representantes em instâncias de Estado e governo (como em Conselhos Estaduais de Educação e Conselho Nacional de Secretários de Educação), estabelecem parcerias com Secretarias Estaduais de Educação (Seduc), financiam encontros entre agentes do poder público e empresas etc. (Krawczyk, 2016Krawczyk, N. R. (2016). Política educacional dos Estados Unidos e sua influência no Brasil. Relatório científico à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. https://noraunicamp.blogspot.com/p/relatorios-de-pesquisa.html
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).

Portanto, a postura do empresariado nesta matéria não é secundária. As reformas em curso são resultado de suas elaborações, de modo que seus discursos se configuram como importantes objetos de pesquisa.

Na defesa da REM e da BNCC, especialistas5 5 Entende-se a figura do especialista, técnico supostamente neutro, desprovido de posições políticas, como construção ideológica que legitima os interesses do capital (Apple, 1995). argumentam que elas aproximam o modelo escolar brasileiro dos de outros países, com destaque às economias capitalistas centrais. Aqui, os Estados Unidos são citados como uma das principais referências (Krawczyk, 2020Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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).

Dessa forma, este texto tem por objeto a concepção de educação trazida em documentos assinados pela marca Fundação Itaú Social (FIS), que, dentre diversos exemplos, destacam as reformas de Chicago como inspiração para projetos a serem efetivados no Brasil. Nesse sentido, serão apresentados resultados de pesquisas referentes à cidade estadunidense, principalmente a partir da implementação do Renaissance 2010 (Renascença 2010, Ren2010).

Assim, em sua primeira etapa, o artigo retoma documentos publicados com a assinatura da FIS, anteriores à REM e à BNCC, e que trazem elaborações sobre tópicos que estariam, posteriormente, presentes nestas reformas. Estes textos destacam, especialmente, a inspiração de suas ideias nos modelos educacionais dos Estados Unidos.

Em seguida, apresenta como o levantamento bibliográfico, realizado em fontes primárias e secundárias, no Brasil e nos Estados Unidos, mostra que a aplicação dessas diretrizes, em Chicago, não teve o impacto positivo, defendido por suas entidades propositoras, em variáveis como a melhoria de notas de estudantes em testes padronizados. Em sentido oposto, a bibliografia atrela tais medidas à reprodução e agravamento de questões sociais críticas, como a segregação racial.

Nesse sentido, os volumosos recursos (públicos e privados) investidos nessas propostas representariam mais um posicionamento político das organizações do capital em defesa de seu projeto de educação (e sociedade), do que a construção de um modelo educacional comprovadamente positivo (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Por fim, discute como as comunidades escolares têm desenvolvido processos de resistência a tais projetos. Assim, se as reformas são apresentadas, internacionalmente, como resultado de um consenso social em defesa da educação, nos Estados Unidos, docentes, estudantes e suas famílias têm protagonizado contraposições significativas a elas – que têm impactado, inclusive, a conformação da organização sindical do magistério no país.

1. Modelo EUA como norte para reformadores no Brasil

Importantes trabalhos explicam como os modelos estadunidenses são referências para as políticas de educação implementadas no Brasil. Isso não significa que, necessariamente, sejam aplicados projetos idênticos aos experimentados nos Estados Unidos, mas que as políticas de educação brasileiras são elaboradas em um sentido específico, no paradigma estabelecido pelo Modelo EUA (Krawczyk, 2016Krawczyk, N. R. (2016). Política educacional dos Estados Unidos e sua influência no Brasil. Relatório científico à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. https://noraunicamp.blogspot.com/p/relatorios-de-pesquisa.html
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, 2020Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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).

Para Krawczyk (2020)Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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, o Modelo EUA determina que há um padrão único, um conjunto específico de ações e técnicas, definido pelas potências capitalistas e Organismos Internacionais (OI), como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja implementação seria indispensável ao resgate da qualidade da educação. Tal modelo estabelece os Estados Unidos como norte a ser seguido – mesmo que, em exames internacionais, os melhores desempenhos sejam registrados por países que não aplicam esse receituário, como a Finlândia (Krawczyk, 2020Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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).

Ou seja, a definição dessa agenda de educação, mais que relacionada com resultados efetivamente comprovados, está ligada à necessidade dos países centrais, principalmente dos Estados Unidos, de reafirmarem sua posição de potências capitalistas dominantes (Sahlberg, 2016Sahlberg, P. (2016). The Global Education Reform Movement and its impact on schooling. In K. Mundy, A. Green, B. Lingard, & A. Verger (Eds.), The handbook of Global Education Policy (pp. 128-144). John Wiley & Sons. https://doi.org/10.1002/9781118468005.ch7
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).

Assim, como destaca Krawczyk (2020)Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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, essas políticas reproduzem as relações globais de dominação. Porém, sua aplicação não é mecânica: essas diretrizes são apropriadas pelas classes dominantes locais e adaptadas de acordo com os contextos específicos.

Dessa forma, há relações intrínsecas entre os projetos educacionais implementados nos países centrais e na periferia do capitalismo. Nesse sentido, Krawczyk (2020)Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
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frisa a importância de se realizar análises sobre os projetos levados a cabo em ambos os lugares: dessa forma, seria possível desenvolver uma compreensão ampliada sobre tais modelos, seus impactos e contradições.

Destacando o caso do Brasil, a autora explica que o Modelo EUA pode ser visto em diferentes formas de ação do empresariado. Isto é,

há pelo menos três diferentes tipos de atuação empresarial em matéria de política educacional. 1) O modelo Todos pela Educação, movimento que se constitui em ampla coalizão, reunindo empresários e governos, atuando como densa rede de influências e como um think tank . . . . 2) Fundações empresariais que trabalham em diferentes espaços de decisão de política educativa – especialmente junto às Secretarias de Educação dos Estados . . . . 3) Alianças entre corporações nacionais e estrangeiras, . . . no fornecimento de serviços educacionais, como é o caso de formação docente . . . ; bolsas de estudo e formação de lideranças para o Brasil (caso do Centro de Pesquisa Lemann, em Stanford/Califórnia)

(Krawczyk, 2016Krawczyk, N. R. (2016). Política educacional dos Estados Unidos e sua influência no Brasil. Relatório científico à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. https://noraunicamp.blogspot.com/p/relatorios-de-pesquisa.html
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, pp. 40-41).

Assim, a construção do Modelo EUA é impulsionada pela propagação de um discurso que alardeia uma crise profunda na educação pública. Nessa lógica, a solução de tamanha crise deve ser buscada em exemplos internacionais, “casos de sucesso” que poderiam inspirar propostas para o Brasil (Krawczyk, 2016Krawczyk, N. R. (2016). Política educacional dos Estados Unidos e sua influência no Brasil. Relatório científico à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. https://noraunicamp.blogspot.com/p/relatorios-de-pesquisa.html
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).

Essa lógica argumentativa não é uma exclusividade brasileira. Como mostram estudos de Robertson (2012a)Robertson, S. L. (2012a). A estranha não morte da privatização neoliberal na Estratégia 2020 para a educação do Banco Mundial. Revista Brasileira de Educação, 17(50), 283-302., os OI aplicam constantemente essa fórmula para advogar a presença cada vez mais direta de organizações empresariais nas instituições de governo e Estado, participando da elaboração das políticas de educação por dentro das instâncias públicas.

Como exemplos deste processo, articulado em âmbito internacional, nacional e regional, serão analisados os conteúdos de dois documentos: A Reforma Educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil (2009); e Modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco (2010). Ambos foram publicados por uma marca do banco Itaú (Fundação Itaú Social), com coordenação técnica do Instituto Fernand Braudel.

Esses textos, ainda que divulgados anos antes da aprovação da REM e BNCC, chamam a atenção porque, enquanto discurso e propostas, mostram convergências estratégicas com as reformas destacadas. Além disso, esmiúçam recomendações acerca de como os projetos aplicados nos Estados Unidos poderiam embasar propostas no Brasil.

Vale frisar, ainda, que as instituições do banco Itaú têm ocupado espaço de destaque no processo de formulação, aprovação, implementação e fiscalização das reformas educacionais no país (Catini, 2021Catini, C. R. (2021). A educação bancária, “com um Itaú de vantagens”. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 13(1), 90-118. https://doi.org/10.9771/gmed.v13i1.43748
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).

A capilaridade dessas organizações é um tópico de destaque. A FIS, por exemplo, é componente do Movimento Pela Base organização fundamental no processo de aprovação da REM e BNCC, em diversas frentes: desde a organização de agentes sociais e elaboração da proposta, até a efetivação do lobby para sua aprovação (Tarlau & Moeller, 2019Tarlau, R., & Moeller, K. (2019). ‘Philanthropizing’ consent: how a private foundation pushed through national learning standards in Brazil. Journal of Education Policy, 35(3), 337-366. https://doi.org/10.1080/02680939.2018.1560504
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).

A FIS também é parte da Frente de Currículo e Novo Ensino Médio (FCNEM) do Ministério da Educação, órgão composto pelas(os) Secretárias(os) da Educação de todos os estados do país, além de membros de instituições privadas. Dentre suas atribuições, pode-se destacar que a FCNEM formula materiais de apoio para a implementação das mudanças educacionais em todo o país (Goulart & Moimaz, 2021Goulart, D. C., & Moimaz, R. S. (2021). O Currículo Paulista Etapa Ensino Médio: educação pública, interesses empresariais e implicações. Pensata, 10(1), 13-36. https://doi.org/10.34024/pensata.2021.v10.12618
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).

A instituição bancária também atua em esfera estadual. Um exemplo de relevância é sua participação na Associação Parceiros da Educação (APE), uma Organização da Sociedade Civil protagonista na implementação de políticas educacionais pró-mercado no estado de São Paulo.

Dentre elas, pode-se citar o Programa Educação Compromisso de São Paulo, estabelecido em parceria com a Seduc de São Paulo, que abrange desde propostas de mudanças na própria estrutura da Seduc, até a elaboração e implementação de projetos de fôlego, como o Programa de Ensino Integral (PEI), em curso desde 2012 (Gomide, 2019Gomide, D. C. (2019). A política educacional para o Ensino Médio da Secretaria da Educação do estado de São Paulo e o alinhamento com o projeto neoliberal através de ciclos progressivos de adequação (1995-2018) [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. https://hdl.handle.net/20.500.12733/1637698
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)6 6 Ainda acerca do PEI paulista, ele se referencia na experiência do Procentro de Pernambuco, encabeçado pelo Instituto de Corresponsabilidade na Educação (ICE) (Gomide, 2019). É importante frisar que o Itaú BBA é um dos principais financiadores do ICE. .

Por meio dessas constatações, pode-se perceber como organizações do empresariado apresentam significativo nível de articulação, seja participando da elaboração de políticas educacionais em instâncias públicas, seja fazendo parte dos conselhos administrativos e de financiamento umas das outras – como analisado por Fontes (2020)Fontes, V. (2020). Capitalismo filantrópico? – múltiplos papéis dos aparelhos privados de hegemonia empresariais. Marx e o Marxismo, 8(14), 15-35. https://doi.org/10.62782/2318-9657.2020.351
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.

Esses fatos reforçam a discussão proposta por este artigo. Isto é, tais exemplos indicam o enorme grau de coordenação entre agentes privados, além da concentração e controle do processo de deliberação de políticas públicas por suas instituições. São nestes marcos, de capacidade de articulação e deliberação, que os documentos serão analisados.

O primeiro texto, publicado em 2009, A Reforma Educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil, assinado por Gall e Guedes, explicita seu objetivo desde o título: elaborar um modelo de educação, no Brasil, que se espelhe no aplicado em Nova York. Ainda assim, o documento afirma que não busca apenas importar projetos, mas “avaliar e discutir possíveis propostas para questões educacionais presentes na agenda de todo gestor público” (Gall & Guedes, 2009Gall, N., & Guedes, P. M. (2009). A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social., p. 5).

Dentre elementos que merecem destaque, o material frisa a importância da relação entre responsabilização e os resultados das escolas em avaliações externas. Em outras palavras, Gall e Guedes (2009)Gall, N., & Guedes, P. M. (2009). A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social. enfatizam como as medidas da gestão Michael Bloomberg (iniciadas em 2002), fundamentadas no No Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para Trás, NCLB)7 7 Lei aprovada no governo de George W. Bush, em 2002, com apoio de Democratas e Republicanos, que estabeleceu a aplicação de testes padronizados, com responsabilização de escolas e docentes pelos desempenhos, implementou bonificação por resultados, ampliou incentivos à participação privada na educação, como por meio das escolas charter e do sistema de voucher etc. (Krawczyk, 2016). , seriam essenciais à melhoria do desempenho de escolas e estudantes em exames externos, com destaque ao fechamento de escolas que não atingissem as metas pré-determinadas e à implementação das charter schools (escolas charter)8 8 As charter schools são escolas administradas pela gestão privada, com financiamento público. Dentre suas principais características, pode-se destacar “que carecem de regulamentação quanto à forma de admissão/seleção dos alunos, às condições de trabalho dos professores, ao que ensinar com quais métodos, ao uso do dinheiro público e quanto à gestão. . . . [Destaca-se, também,] o lobby de escolas charter nos âmbitos legislativos e, também porque esse movimento faz parte da plataforma política de alguns governos . . .; ou porque utilizam a “doutrina do choque” para implementar a gestão privada nas escolas públicas” (Krawczyk, 2020, p. 10). .

Ou seja, a responsabilização prevista pelo documento pode ser entendida como identificação de culpados e punição. Isto é, como afirmam as autoras, o “problema central do desempenho escolar é que a maioria dos professores e administradores literalmente não sabe o que fazer para melhorar o trabalho acadêmico dos alunos” (Gall & Guedes, 2009Gall, N., & Guedes, P. M. (2009). A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social., p. 11). E acrescentam: no Brasil, as redes públicas de ensino funcionariam mais para atender o interesse de “funcionários e políticos do que de suas crianças e famílias” (Gall & Guedes, 2009Gall, N., & Guedes, P. M. (2009). A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social., p. 128). Assim, argumentam, dessa vez com base no projeto implementado em Chicago, que a quebra desses interesses “corporativistas” seria essencial à melhoria da qualidade da educação. Mais detalhes do exemplo de Chicago serão expostos no tópico seguinte.

Outro aspecto importante do texto é a ideia de que o desempenho insatisfatório obtido nos testes padronizados pode ser revertido por medidas técnicas. Para Gall e Guedes (2009)Gall, N., & Guedes, P. M. (2009). A reforma educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social., o Brasil teria condições sociais mais favoráveis à implementação dessas inovações que os Estados Unidos porque, no Brasil, as escolas não estariam submetidas às mesmas tensões raciais e étnicas que as estadunidenses, que viveriam em um estado de conflito étnico-racial constante.

Esta é uma leitura passível de questionamentos. Por exemplo, ao desconsiderar quase quatro séculos de escravização negra como ponto chave da estrutura social brasileira, o texto promove uma espécie de renovação da ideologia da democracia racial, adaptada em favor do projeto de educação (e sociedade) de suas instituições proponentes.

Em outras palavras, essa argumentação pressupõe a negação da questão racial como eixo da cisão social brasileira. Assim, não havendo um elemento histórico fundamental na definição de quais seriam as parcelas da população submetidas à violência e extermínio aplicados por capital e Estado, a resolução das questões sociais seria simples: no caso da educação, sua melhoria passaria pela aplicação de determinadas técnicas, implementadas em cases de sucesso – sendo esta evolução mensurável por melhores notas em testes.

Porém, como será apontado adiante, a história não se restringe ao que fantasiam os discursos: os impactos reais dessas reformas têm evidentes aspectos raciais.

Outra frente enfaticamente defendida no texto é a ampliação da participação do setor privado nas instâncias de decisão públicas. O documento afirma que o engajamento direto do empresariado permitiria a formação de coalizões que, representando diferentes setores da sociedade, movidos pelo interesse comum de promover uma educação de qualidade, seriam determinantes em sua transformação. Como analisado em relevante bibliografia (Fontes, 2020Fontes, V. (2020). Capitalismo filantrópico? – múltiplos papéis dos aparelhos privados de hegemonia empresariais. Marx e o Marxismo, 8(14), 15-35. https://doi.org/10.62782/2318-9657.2020.351
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; Tarlau & Moeller, 2019Tarlau, R., & Moeller, K. (2019). ‘Philanthropizing’ consent: how a private foundation pushed through national learning standards in Brazil. Journal of Education Policy, 35(3), 337-366. https://doi.org/10.1080/02680939.2018.1560504
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; Catini, 2021Catini, C. R. (2021). A educação bancária, “com um Itaú de vantagens”. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 13(1), 90-118. https://doi.org/10.9771/gmed.v13i1.43748
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), nesse ideário, o empresariado é o representante da sociedade civil, de seus interesses comuns.

Nesse sentido, sob inspiração do processo estadunidense, o documento defende a oferta de vagas em escolas especializadas, a serem escolhidas pelas famílias. Estas escolas seriam as charter, que, para os autores, ainda estavam em estágio inicial no Brasil.

O exemplo mais destacado pelo texto é o do Programa de Desenvolvimento de Centros de Ensino Experimental (Procentro), de Pernambuco. Tamanho foco nesta experiência resultou em um documento próprio, o segundo analisado aqui: Modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco, de 2010, assinado por Dias e Guedes.

Esse material afirma buscar “contribuir com a reflexão sobre as parcerias público-privadas na educação” (Dias & Guedes, 2010Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social., p. 7), enfatizando a experiência do Procentro, entre 2005 e 2007, como exemplo de parceria entre setor privado e Seduc de Pernambuco.

Em tal formulação, à exemplo das experiências estadunidenses (e em consonância com os OI), é defendido que as escolas sejam administradas não apenas pelo setor público, mas também pelo setor privado, por lideranças da sociedade civil (mais especificamente, do empresariado).

Nesse sentido, Dias e Guedes (2010)Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social. destacam que as charter schools são referências importantes, pois têm mais liberdade que as escolas públicas regulares – isto é, menor regulamentação sobre aspectos como os contratos de trabalho, de funcionamento interno e do uso das verbas investidas. Inclusive, destaca o texto, a gestão das escolas poderia ser feita por instituições com ou sem fins lucrativos.

Acerca do cotidiano escolar, as autoras explicam como seriam os processos de seleção daquelas(es) que frequentariam essas escolas (trabalhadoras/es e estudantes): a permanência ou substituição do pessoal seria efetivado a partir de critérios subjetivos, como “comprometimento escolar” e “perfil” desejado – de improvável mensuração objetiva, mas suficientes para justificar demissões ou expulsões.

Aqui, mais uma vez, é destacado o exemplo de Chicago na implementação dessas diretrizes, tanto pelo pioneirismo quanto pela amplitude da iniciativa. Dias e Guedes (2010)Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social. localizam as gestões de Barack Obama, na presidência dos Estados Unidos, como centrais na implementação das escolas charter. Em 2009, Obama nomeou Arne Duncan, o Diretor Executivo da Chicago Public Schools (Escolas Públicas de Chicago)9 9 Instituição que determina o funcionamento da educação pública na cidade. , para a Secretaria de Educação Federal. Este foi um momento de expansão, em todo o país, do modelo charter.

Duncan é uma figura emblemática. Além de ter encabeçado as reformas educacionais em Chicago e assumido a Secretaria da Educação dos Estados Unidos, destacou-se por declarações como a dada acerca do Furacão Katrina, de 2005, que devastou Nova Orleans. Para Duncan, o furacão teria sido “a melhor coisa que aconteceu”10 10 "I think the best thing that happened to the education system in New Orleans was Hurricane Katrina". (Hinton, 2010). para a educação local, pois sua reconstrução foi concretizada nos moldes pró-mercado.

Para defender o modelo charter, o texto retoma o exemplo de Pernambuco, no qual o ICE, instituição privada sem fins lucrativos, firmou uma parceria com as Secretarias da Educação, Planejamento, Casa Civil, e Fazenda. Tal acordo consistia em: o governo se mobilizaria para garantir as alterações legais necessárias à iniciativa, enquanto o ICE angariaria recursos com outras empresas para abrir dez escolas. O órgão executor, Procentro, seria sediado na Seduc-PE (Dias & Guedes, 2010Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social.).

O documento destaca a parceria estabelecida entre 2004 e 2007 como exemplo de relação entre gestão pública e privada, lamentando que, a partir de 2008, o governo estadual assumiu o protagonismo do projeto. Cabe destacar, conforme descrito por Nazareth (2019)Nazareth. H. D. G. (2019). Charter schools e contratos de gestão na educação: debatendo sobre limites e possibilidades para a educação brasileira. In W. D. Guilherme (Org.), Avaliação, políticas e expansão da Educação Brasileira 10 (pp. 47-56). Atena., que, já em 2007, 95% dos gastos da iniciativa eram custeados pelo estado.

No texto, são destacados alguns aspectos do funcionamento das escolas do Procentro, dentre os quais vale frisar os instrumentos de controle e punição de trabalhadoras/es das escolas. Comparando as escolas públicas regulares e as sob parceria, Dias e Guedes (2010)Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social. afirmam que as jornadas de trabalho de docentes do Procentro eram mais intensas e extensas, e requeriam maior dedicação, tanto no contato com estudantes quanto nas atribuições burocráticas. Além disso, a presença de superiores hierárquicos (coordenações e direções) em sala de aula, para fiscalização das aulas, aparece como prática recorrente e recomendável.

Conforme afirma o documento, essas medidas eram justificadas por uma noção de vocação, na qual professoras(es) entendiam que esse projeto não “é para qualquer um”, e que, portanto, fariam parte de uma camada seleta de educadoras(es), capazes não apenas de implementar a proposta da instituição, mas, além disso, de suportar as condições de trabalho (Dias & Guedes, 2010Dias, M. C., & Guedes, P. M. (2010). O modelo de escola charter: a experiência de Pernambuco. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial & Fundação Itaú Social.).

Há outros pontos, nos documentos em questão, que devem ser debatidos. Porém, os trechos já expostos são suficientes para mostrar como instituições como a FIS, diretamente envolvidas na formulação de políticas públicas de educação no Brasil, defendem o modelo estadunidense como referência em suas intervenções.

Cabe, ao próximo tópico, apresentar dados específicos sobre um dos casos mais referenciados pelos textos: Chicago. A seguir, serão destacadas algumas de suas características e impactos.

2. Modelo EUA na prática: o caso de Chicago

Como demonstrado no tópico anterior, instituições que têm participação de destaque na formulação de políticas educacionais do Brasil apresentam, na fundamentação de suas proposições, a defesa de modelos implementados em outros países, como os Estados Unidos.

Porém, cabe indagar se esses argumentos refletem, de fato, os resultados de tais experiências, ou se, ao contrário, essas ideias são mobilizadas com intuito de justificar a efetivação de uma concepção de educação (e sociedade), mesmo que os dados não confirmem as conclusões apresentadas. Para contribuir com o debate, serão mobilizados, a seguir, dados quantitativos e qualitativos sobre esses processos.

Neste tópico, será analisado o caso de Chicago. Isto porque, além de Chicago representar o terceiro maior sistema educacional dos Estados Unidos, foi onde ocorreu a primeira implementação do programa de charter schools em larga escala no país: o programa Ren2010 (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Chicago é foco deste estudo, também, por outro motivo: foi um dos principais centros de resistência a tais reformas. Lá, foi gerada uma oposição radical a elas, envolvendo docentes, estudantes e comunidade escolar (tema do próximo item).

Realizando uma breve retomada histórica, em Chicago, o funcionamento das charter schools é autorizado desde 1996. Porém, foi a partir de 2004, sob o mandato do prefeito Richard Daley (Partido Democrata), e das ações de Arne Duncan, que a iniciativa foi impulsionada como política educacional de destaque. O Ren2010 contou, ainda, com o apoio de importantes organizações privadas, especialmente as filantrópicas: por exemplo, a Gates Foundation investiu, à época, US$ 90 milhões (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

O programa consistia no estímulo e ampliação das charter schools, que deveriam assumir o lugar de escolas públicas tradicionais. Isto é, a partir de critérios como o desempenho de escolas e estudantes em avaliações externas, ou as taxas de matrículas, seria decidido quais destas escolas deveriam ser fechadas, e substituídas pelas charter schools. Ou seja, as unidades que registrassem números insatisfatórios eram caracterizadas como as que falhavam, e eram encerradas. A maioria dos fechamentos, 88% do total, ocorreu em bairros de maioria populacional afro-americana (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
https://doi.org/10.1080/01596306.2011.56...
).

A expectativa do programa era a abertura, nestes termos, de 100 escolas charter. Os discursos em defesa deste projeto afirmavam que estas escolas seriam “laboratórios de aprendizado”, cujas boas práticas poderiam servir de exemplo para outras redes de ensino (inclusive a pública tradicional), o que resultaria em uma melhoria em geral da educação (Karp, 2010Karp, S. (2010, 13 de agosto). Many Chicago Charter Schools Run Deficits, Data Shows. New York Times. https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13cnccharters.html
https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13...
; Kunichoff, 2020Kunichoff, Y. (2020, 13 de janeiro). Chicago is clamping down on charter growth. But some are still finding a way. Chalkbeat Chicago. chicago.chalkbeat.org/2020/1/13/21121736/chicago-is-clamping-down-on-charter-growth-but-some-are-still-finding-a-way.).

Em outras palavras, compreende-se, nesse discurso, que a competição de mercado exerceria uma “pressão positiva” nos demais sistemas educacionais, que ofereceriam melhores serviços, sob risco de perderem “clientes”.

O programa, alçado a nível nacional, envolveu cifras que merecem atenção: entre 2020 e 2021, por exemplo, foram atendidos mais de 3,4 milhões de estudantes, em cerca de 7.700 escolas estadunidenses (White & Hieronimus, 2022White, J., & Hieronimus, M. (2022, 06 de dezembro). How many charter schools and students are there? National Alliance for Public Charter Schools. https://data.publiccharters.org/digest/charter-school-datadigest/how-many-charter-schools-and-students-are-there/.
https://data.publiccharters.org/digest/c...
).

Porém, estudos (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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; Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.) apontam que, ainda que o Ren2010 fosse justificado pela suposta necessidade de fechamento das failing schools (escolas que falham) como passo essencial à melhoria da educação, na prática, mostrou-se um projeto relacionado à privatização e gentrificação. Isto é, também foram fechadas escolas que tinham índices suficientes para se manterem abertas e com quantidade de matrículas satisfatória – indícios que mostram que os fechamentos eram motivados por questões que ultrapassavam os parâmetros “técnicos”.

Cabe destacar, ainda, que, a princípio, as maiores entidades de representação do magistério no país – a American Federation of Teachers (Federação Americana de Professores, AFT) e a National Education Association (Associação Nacional de Educação, NEA) – não se posicionaram contrariamente às charter schools, nem ao Ren2010. Inicialmente, sua compreensão era a de que, de fato, a educação pública precisava de reformas, e que tais projetos deveriam ser disputados “por dentro”, com participação dessas organizações, a fim de influenciarem a definição do modelo final (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Vale frisar que, tendo em vista o pioneirismo e intensidade do investimento público nessas reformas educacionais em Chicago, suas médias de estudantes atendidos pelas charter schools são maiores que as nacionais (em 2020, 14% dos 355.000 estudantes frequentavam estas escolas, contra 9% em 2010). Ainda assim, desde 2015, o programa vem contando com leve queda de matrículas (quando englobava 15% do total), o que tem sido explicado por fatores como a ampliação de questionamentos legais às charter schools e a seus administradores e crises fiscais nos governos, que diminuem o montante de verba para o programa (Kunichoff, 2020Kunichoff, Y. (2020, 13 de janeiro). Chicago is clamping down on charter growth. But some are still finding a way. Chalkbeat Chicago. chicago.chalkbeat.org/2020/1/13/21121736/chicago-is-clamping-down-on-charter-growth-but-some-are-still-finding-a-way.).

Destacando aspectos que não se restringem a questões orçamentárias, chega-se a constatações relevantes sobre comparações entre escolas públicas regulares e charter schools.

Como analisado pela bibliografia, a escola pública tem sido foco, ao longo dos anos 2000, de campanhas de difamação impulsionadas por grandes conglomerados midiáticos. Por um lado, constrói-se a ideia de que a escola pública é marcada por corrupção, violência, problemas administrativos e ineficácia com investimentos públicos. Por outro, a gestão privada seria apresentada como única salvação possível (Robertson, 2012aRobertson, S. L. (2012a). A estranha não morte da privatização neoliberal na Estratégia 2020 para a educação do Banco Mundial. Revista Brasileira de Educação, 17(50), 283-302., 2012b). Porém, após mais de uma década da implementação do Ren2010, indícios concretos permitem o questionamento dessas presunções.

Por exemplo, no recorte registrado por Chenoweth (2021)Chenoweth, K. (2021, 26 de agosto). In Chicago, public schools are often called a mess. Truth is, they’ve improved — a lot. The Washington Post. https://www.washingtonpost.com/opinions/2021/08/26/chicago-public-schools-dysfunction-success-data-media/
https://www.washingtonpost.com/opinions/...
, entre 2007 e 2019, a rede pública regular de Chicago apresentou avanços significativos em: porcentagem de estudantes que finalizaram a High School (de 60% para 62%); que ingressaram em universidades diretamente após o término da High School (de 50% para 63%); além de melhores notas em avaliações externas (como o National Assessment of Educational Progress [Avaliação Nacional de Progresso Educacional]).

A autora destaca, ainda, que importantes grupos de charter schools não atingiram índices nem avanços similares. Enfatizando as redes Frazier Preparatory Charter (FPC) e Chicago Virtual Charter (CVC), um levantamento realizado pelo periódico Chicago Sun Times (“Charter schools”, 2019) mostrou que, apesar de estas empresas terem experiência no setor (desde 2006 e 2007, respectivamente), os desempenhos referentes ao ano de 2019 foram considerados “muito insatisfatórios”: ao término da High School, 14% de estudantes da FPC haviam atingido os padrões nacionais de leitura e 15% em matemática; e, sobre o CVC, cerca de 50% de discentes ingressavam imediatamente no ensino superior, percentual significativamente inferior ao das escolas públicas regulares.

Trazendo dados que aprofundam esta caracterização, o relatório Charter Schools in Chicago: No Model for Education Reform (Escolas Charter em Chicago: Nenhum modelo de reforma educacional), de 2014, publicado pelo Instituto sobre Oportunidades Metropolitanas da Faculdade de Direito da Universidade de Minnesota (Institute on Metropolitan Opportunity da University of Minnesota Law School [IMO]), apresenta balanços importantes sobre a implementação das charter schools em Chicago, no período de 2000 a 2013.

De acordo com o documento, mais que não acarretar melhorias no sistema educacional da cidade, o programa representou seu enfraquecimento, mesmo considerando os critérios de qualidade propostos pelas reformas (como desempenho de estudantes em avaliações externas, com destaque à matemática e leitura; taxas de conclusão de curso etc.). Em outras palavras, afirma o relatório, a aplicação longeva deste modelo não seria justificável pelos dados registrados (IMO, 2014).

Destacando diferentes modelos de administração escolar11 11 A seleção não inclui outras formas de gestão escolar, como as selective, as gifted, e as magnet schools, cujas questões estão para além dos limites definidos deste artigo. , o relatório apresenta informações que envolvem quantidade e porcentagem de estudantes matriculados por tipo de escola; além de como estes dados se expressam nos marcadores de raça/etnia e renda. Nos distritos escolares que compõem Chicago, à época do levantamento (2012-2013), das 395.198 matrículas existentes, 300.523 (76%) estavam nas escolas públicas tradicionais, e 48.707 (12%), nas charter (IMO, 2014Institute on Metropolitan Opportunity. (2014). Charter Schools in Chicago: No Model for Education Reform. University of Minnesota Law School.).

Destaca-se, aqui, as comparações entre os desempenhos entre charter schools e escolas públicas tradicionais, a partir das taxas de aprovação de estudantes em Leitura e Matemática em cada série, separados por critérios étnico-raciais e de renda (Tabela 1, item A); a aprovação nestas mesmas áreas do conhecimento, utilizando médias das escolas (sem divisão por séries), separados por critérios étnico-raciais e de renda (Tabela 1, item B); e as médias das escolas, considerando outros resultados, sem especificação de marcadores de renda e étnico-raciais (Tabela 1, item C).

Tabela 1
Desempenho das charter schools em comparação ao das escolas tradicionais, em pontos percentuais, entre 2012 e 2013

Como afirma o relatório (IMO, 2014Institute on Metropolitan Opportunity. (2014). Charter Schools in Chicago: No Model for Education Reform. University of Minnesota Law School.), de acordo com a tabela, comparando as escolas tradicionais e charter, entre os anos de 2012 e 2013 (portanto, no marco de quase uma década de implementação do Ren2010), nestas, as pontuações obtidas foram menores em Leitura e Matemática, tanto por ano escolar quanto na média geral de estudantes; e, principalmente, entre estudantes negras(os), de baixa renda, e latinas(os) (à exceção da média escolar em Matemática para estudantes latinas/os, 0,5 p.p. maior, o que é caracterizado pelo relatório como “sem relevância estatística”).

O desempenho das charter também foi inferior nas taxas de evolução em Leitura e Matemática, bem como nos percentuais de finalização do ciclo escolar de quatro e de cinco anos. Seus dados foram superiores apenas nos resultados das ACT12 12 American College Test (Teste Universitário Americano), avaliação utilizada para a admissão em universidades nos Estados Unidos. em Ciências, Matemática e Inglês (destas, apenas em Matemática a diferença superou 0,5 p.p.).

O documento destaca, também, a marca do punitivismo registrado nas charter schools de Chicago. Por meio da diretriz denominada no excuses (sem desculpas), estas escolas adotam menos medidas como “suspensão” de estudantes, optando pela exclusão direta: no período analisado, elas expulsaram estudantes em uma taxa dez vezes superior à das escolas públicas tradicionais (IMO, 2014Institute on Metropolitan Opportunity. (2014). Charter Schools in Chicago: No Model for Education Reform. University of Minnesota Law School.).

Tal constatação permite adiantar um tópico acerca do caráter universal da escola pública. As expulsões aplicadas pelas charter schools são justificadas por critérios subjetivos (dificilmente mensuráveis objetivamente), com denominações genéricas, como “aspectos disciplinares”. Assim, estudos afirmam que a diretriz de no excuses exclui aquelas/es com desempenho escolar insatisfatório em avaliações, cuja permanência impactaria nas verbas destinadas à escola (Solari, 2014Solari, K. (2014, 17 de outubro). Charters Schools Aren’t Improving Student Achievement in Chicago. In These Times. https://inthesetimes.com/article/chicago-charter-schools-report
https://inthesetimes.com/article/chicago...
).

A escola pública regular, por sua vez, segue recebendo todas(os) as(os) estudantes.

Como afirma Lipman (2011)Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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, as diferentes formas de regulamentação do ingresso escolar alteram as dinâmicas sociais dos bairros, pois, se, em lugares como Chicago, na rede pública regular, as escolas públicas devem matricular estudantes que vivem na proximidade das escolas; as charter schools, ao contrário, recebem estudantes a partir de um processo de loteria, na qual discentes são sorteados, o que implica que nem sempre as famílias que vivem nas proximidades das escolas serão atendidas.

Tal condição causou o deslocamento compulsório de centenas de famílias, sendo elemento decisivo no processo de gentrificação destas comunidades. Para Lipman (2011)Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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, a transferência forçada de estudantes para outras regiões é parte do movimento de expulsão das pessoas que vivem na região, uma vez que as escolas são instituições decisivas na construção da identidade dos bairros, na permanência de seus moradores, majoritariamente negras(os).

Ainda acerca do aspecto de restrição do acesso universal à escola, há outro elemento que deve ser destacado, sobre a democracia das instâncias de decisão.

Se, para as escolas públicas regulares, a legislação vigente em Chicago (e em outras regiões do país) estabelece um School Board (Conselho Escolar) que deve deliberar sobre as regras de funcionamento destas unidades, para as charter schools, estas determinações não seriam obrigatórias (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Esse elemento é significativo porque, em Chicago, o School Board é eleito pela comunidade escolar – o que implica a presença de um instrumento democrático de regulamentação das escolas públicas. As charter schools, ao não se submeterem ao School Board, não seguem uma instância democrática, mas apenas a investidores e seus interesses (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

As diferenças nos funcionamentos dos modelos atingem, também, as relações de trabalho. Isto é, considerando que as charter schools têm maior “flexibilidade” para contratações de docentes em relação às escolas públicas regulares, elas podem empregar professoras(es) com critérios “menos restritivos”. Ou seja, nelas, docentes têm maiores jornadas de trabalho, com menor remuneração média, maior presença de mecanismos como bonificação por resultados, contratos de trabalho com menor duração, salas de aula mais lotadas etc. (Karp, 2010Karp, S. (2010, 13 de agosto). Many Chicago Charter Schools Run Deficits, Data Shows. New York Times. https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13cnccharters.html
https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13...
).

Nesse sentido, as diretrizes punitivistas atingem não apenas estudantes: nas charter, as taxas de sindicalização docente são inferiores; há a implementação de mais mecanismos de vigia e controle do trabalho; e a rotatividade atinge porcentagens que chamam a atenção: 50% de docentes das charter schools, em 2010, deixaram suas escolas (Karp, 2010Karp, S. (2010, 13 de agosto). Many Chicago Charter Schools Run Deficits, Data Shows. New York Times. https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13cnccharters.html
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; Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.). Cabe destacar que, para defensoras(es) deste modelo, este dado não indicaria um aspecto negativo por si, pois incluiria o afastamento de “maus profissionais” (Karp, 2010Karp, S. (2010, 13 de agosto). Many Chicago Charter Schools Run Deficits, Data Shows. New York Times. https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13cnccharters.html
https://www.nytimes.com/2010/08/13/us/13...
).

Apesar desse conjunto de dados, que permite o questionamento acerca do discurso de sucesso que permeia tais reformas educacionais e da insistência em sua aplicação, cabe, ainda, trazer à discussão, outro aspecto fundamental: a implementação desse modelo foi feita a partir de volumosos investimentos públicos.

Para analisar este aspecto, cabe trazer outro relatório, Broken Promises: An Analysis of Charter School Closures from 1999-2017 (Promessas Quebradas: Uma análise dos fechamentos de escolas Charter de 1999-2017), elaborado pela organização Network for Public Education (Rede Pela Educação Pública) (Burris & Pfleger, 2020Burris, C., & Pfleger, R. (2020). Broken promises: an analysis of charter school closures from 1999-2017. Network for Public Education. https://networkforpubliceducation.org/wp-content/uploads/2020/08/Broken-Promises-PDF.pdf
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).

De acordo com o documento, entre 1999 e 2017, nos Estados Unidos, foram gastos, pelo Departamento de Educação, aproximadamente, US$ 4 bilhões no programa de charter schools, sendo que, destes, cerca de US$ 1 bilhão foi destinado para escolas que fecharam em curtíssimo período. Como afirma o levantamento, 27% das charter, na Elementary School, encerraram atividades com menos de cinco anos (Burris & Pfleger, 2020Burris, C., & Pfleger, R. (2020). Broken promises: an analysis of charter school closures from 1999-2017. Network for Public Education. https://networkforpubliceducation.org/wp-content/uploads/2020/08/Broken-Promises-PDF.pdf
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).

Assim, o parecer do relatório é incisivo: esta é uma política educacional marcada por fraudes, falhas de gestão e ausência de transparência, que têm consequências graves como a ampliação das desigualdades sociais e raciais (Burris & Pfleger, 2020Burris, C., & Pfleger, R. (2020). Broken promises: an analysis of charter school closures from 1999-2017. Network for Public Education. https://networkforpubliceducation.org/wp-content/uploads/2020/08/Broken-Promises-PDF.pdf
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).

Estas conclusões, por sua vez, podem ser mais bem escrutinadas a partir de análises que enfocam aspectos qualitativos do processo de consumação das charter schools como diretriz educacional.

Analisando os dados concernentes ao Ren2010, Lipman (2011)Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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reflete sobre o processo de urbanização da cidade, relacionando segregação racial e neoliberalismo.

A autora frisa que a implementação das charter schools não foi feita sem justificativa. Inclusive, contou com certo apoio da comunidade escolar. Em outras palavras, a implementação de reformas como estas, pró-mercado, requerem mobilização daquelas/es que frequentam as escolas.

Para Lipman (2011)Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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, isso teria se dado por conta da definição da educação pública no país. Em outras palavras, o discurso que afirma que a escola pública é falha tem base concreta: historicamente, a educação ofertada às populações não-brancas nos Estados Unidos foi excludente e de péssima qualidade. Assim, a noção de que as charter schools representavam uma saída possível decorreria não de um apoio ideológico das populações às privatizações, mas da necessidade de alternativas que fossem distintas das vividas até então.

Dessa forma, para a autora, o empresariado buscou aproximar ideias como bem público e interesses de mercado, em um processo de disputa pela redefinição do espaço urbano, no qual as políticas educacionais ocupam importante espaço (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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).

Os efeitos de tal processo podem ser observados, principalmente em bairros ocupados por maioria afro-americana, no fechamento de dezenas de escolas por “baixo rendimento”, enquanto, em regiões de maioria branca, unidades escolares com desempenhos similares não foram encerradas (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
https://doi.org/10.1080/01596306.2011.56...
).

Como afirmado acima, ao serem substituídas por charter schools, as escolas passavam a selecionar estudantes de outros bairros, de famílias mais brancas e de maior renda. Estes movimentos faziam parte do processo de inviabilização da vida das populações que então viviam nos bairros, visando, por fim, sua remoção (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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). Ou seja, para a autora, é perceptível uma espacialização racial das desigualdades.

Para Lipman (2011)Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
https://doi.org/10.1080/01596306.2011.56...
, a argumentação mobilizada por estes projetos define que as áreas atingidas pelos projetos educacionais referidos só poderiam ser recuperadas a partir da substituição dos “maus” sujeitos pelos “bons”, sendo as bad neighborhoods (comunidades ruins) justamente aquelas ocupadas por maioria populacional negra e latina, que viriam a ser substituídas pela classe média branca.

Essa diretriz seria condizente com um processo histórico de desinvestimento nos serviços públicos nas mesmas comunidades, uma política racializada em implementação há décadas (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
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) e que busca atrelar, em discurso e política, o “fracasso” ao público, à população negra, ao velho que precisa ser superado e o “sucesso” ao privado, ao empreendedor, ao branco, ao novo.

Assim, ela conclui: “Este é um projeto de classe que também é profundamente racializado e possibilitado pela história e ideologia supremacista branca”13 13 “This is a class project that is also deeply racialized and enabled by white supremacist history and ideology”. (Lipman, 2011Lipman, P. (2011). Contesting the city: neoliberal urbanism and the cultural politics of education reform in Chicago. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 32(2), 217-234. https://doi.org/10.1080/01596306.2011.562667
https://doi.org/10.1080/01596306.2011.56...
, p. 225).

Porém, apesar dos investimentos bilionários neste modelo, as desigualdades geradas e reproduzidas por tais projetos não passaram despercebidas. Ao contrário, foram enfrentadas por docentes e comunidade escolar, como será apresentado na parte seguinte deste artigo.

3. A escola pública como espaço de conflitos

Como citado anteriormente, políticas educacionais como o Ren2010 não enfrentaram, inicialmente, oposição direta das principais entidades sindicais do magistério estadunidense. O Sindicato dos Professores de Chicago (CTU), terceiro maior sindicato docente do país, implementou, inclusive, uma política de participação no projeto (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Porém, as experiências concretas com tal reforma, os impactos sentidos pelo conjunto da comunidade escolar, causaram insatisfações que, com o passar dos anos, transformaram-se em mobilizações, encabeçadas por famílias, estudantes e docentes.

Dentre os principais exemplos deste processo, pode-se destacar a fundação do Caucus of Rank-and-File Educators (Grupo de Educadores de Base, CORE), uma organização de trabalhadoras/es da educação fundada em 2001, a partir da fusão de outros grupos, composta por ativistas que não eram parte da direção sindical (e que, ao mesmo tempo, não renunciavam à entidade) (Stark, 2019Stark, L. W. (2019). "We're trying to create a different world": educator organizing in social justice caucuses [Doctoral dissertation, University of Virginia]. Online Archive of University of Virginia Scholarship. https://doi.org/10.18130/v3-z4wy-gb48
https://doi.org/10.18130/v3-z4wy-gb48...
).

Desde o início da implementação do Ren2010, em 2004, o CORE, divergindo das diretrizes sindicais, buscou realizar mobilizações de docentes em unidade com a comunidade escolar em diversas frentes, como por encontros para debates e formação nas unidades escolares, discussões nos organismos do sindicato, grupos de estudo, dentre outros (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Estas ações, implementadas em diferentes escolas e regiões da cidade, potencializaram o alcance das ações do CORE, que, em 2008, já era a principal força política a convocar mobilizações contra as reformas. As mobilizações foram ampliadas em dimensão e intensidade, com participação e apoio da comunidade escolar.

Este processo surtiu efeitos profundos em poucos anos: em 2010, o CORE venceu as eleições sindicais, sendo a principal força dirigente do sindicato até hoje, 2023 (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.; Ashby & Bruno, 2016Ashby, S., & Bruno, R. (2016). A Fight for the Soul of Public Education: The Story of the Chicago Teachers Strike. Cornell University Press.).

A vitória do CORE nas eleições marcou um momento histórico para o sindicalismo estadunidense. A mudança de direção em um dos principais sindicatos do país, após 30 anos de predomínio de uma força política alinhada ao partido Democrata, foi um marco que estimulou novos movimentos. O êxito de uma organização que se posicionava politicamente à esquerda da então direção sindical, que se organizava de modo independente desta direção, com recursos desproporcionalmente menores, fundada em mobilizações nas bases das escolas, e que não negava o sindicato como entidade de organização e mobilização da classe trabalhadora, impulsionou outros processos de luta nos Estados Unidos (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.; Ashby & Bruno, 2016Ashby, S., & Bruno, R. (2016). A Fight for the Soul of Public Education: The Story of the Chicago Teachers Strike. Cornell University Press.; McAlevey, 2016McAlevey, J. F. (2016). No Shortcuts: Organizing for Power in the New Gilded Age. Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780190624712.001.0001
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
).

Um dos principais fatores que explicam o impacto das ações do CORE foi sua capacidade de aliança com a comunidade escolar. Isto é, se o Ren2010 era apresentado, por seus proponentes, como política consensual de defesa da educação, organizações como o CORE, a partir da intervenção nas unidades escolares, potencializaram a insatisfação popular decorrentes de tal modelo. Esta proposta de sindicalismo, de organização e construção das pautas de reivindicação em conjunto com a comunidade escolar, vem sendo denominada de social movement unionism, social justice unionism, ou common good unionism (sindicalismo de movimento social, sindicalismo de justiça social, ou sindicalismo de bem comum) (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

Em estudos sobre o tema, afirma-se, inclusive, que a radicalidade das mobilizações se deu pela manutenção dos laços com a comunidade escolar. Ou seja, as primeiras ações diretas, como manifestações e fechamentos de vias, partiram das comunidades atingidas, e foram acompanhadas pelas organizações docentes (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.).

A vitória eleitoral do CORE e a consequente reorientação sindical no sentido de enfrentamento das reformas educacionais colocaram o sindicato em rota de colisão com o governo municipal. Como parte destes enfrentamentos, foram implementadas políticas de combate ao sindicato, como, em 2010, a aprovação de leis que obrigavam a elevação do quórum para reconhecimento da votação de greve (para 75% de filiadas/os). Ainda assim, já em 2012, com o acirramento dos conflitos entre sindicato e poder municipal, no mesmo contexto de movimentos como o Occupy Chicago (em 2011), 94% dos docentes votaram pela greve, a primeira desde 1980 (Uetricht, 2014Uetricht, M. (2014) Strike for America: Chicago teachers against austerity. Verso.; Ashby & Bruno, 2016Ashby, S., & Bruno, R. (2016). A Fight for the Soul of Public Education: The Story of the Chicago Teachers Strike. Cornell University Press.).

A greve foi realizada entre 11 e 19 de setembro de 2012, com o lema “The School Students Deserve” (A Escola que as/os Estudantes Merecem), e foi marcada pela realização de ações por toda a cidade, descentralizadas, muitas delas sem controle direto do sindicato (com piquetes, manifestações de rua, marchas à casa do prefeito etc.).

Suas pautas envolviam não apenas demandas por aumento salarial de docentes, mas redução do tamanho de turmas, presença de enfermeiras(os) nas escolas, equiparação de fundos para escolas que recebiam majoritariamente estudantes negra(os) e latinas(os), reversão das políticas de privatização das escolas etc. Dentre seus principais resultados, estão o aumento salarial parcelado de 16%, a prioridade na recontratação de docentes demitidas/os em decorrência das reformas e a diminuição do peso dos testes padronizados na avaliação das escolas (Jaffe, 2019Jaffe, S. (2019, 16 de novembro). The Chicago Teachers Strike Was a Lesson in 21st-Century Organizing. The Nation. https://www.thenation.com/article/archive/chicago-ctu-strike-win/
https://www.thenation.com/article/archiv...
).

Além disso, há outro saldo das mobilizações, de difícil quantificação: a demonstração das possibilidades concretas de organização de resistência contra políticas neoliberais e de construção de um sindicalismo independente, radical e democrático.

Nesse sentido, fala-se de um “modelo Chicago” de organização sindical, que impulsionou tanto novas lutas em Chicago, quanto organizações em outras regiões do país. Dentre diversos exemplos, pode-se citar a vitória sindical do Union Power Caucus (Grupo Poder Sindical) nas eleições sindicais de 2014, em Los Angeles, como organização que já se articulava com o CORE. Outros casos importantes, que mostram a dimensão deste processo, foram a vitória do grupo BMORE em Baltimore, em 2019; do PODER, em San Antonio; além da proliferação de outros grupos de oposição sindical por todos o país.

Por fim, é importante frisar que estas organizações mantiveram contato por intermédio de uma rede denominada UCORE (United Caucus of Rank-and-File Educators [Grupo Unido de Educadores de Base]), que reúne tanto grupos com experiência de organização, luta e vitórias sindicais quanto aqueles que estão começando seu projeto de mobilização (Stark, 2019Stark, L. W. (2019). "We're trying to create a different world": educator organizing in social justice caucuses [Doctoral dissertation, University of Virginia]. Online Archive of University of Virginia Scholarship. https://doi.org/10.18130/v3-z4wy-gb48
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). Este processo foi importante no movimento de lutas ocorridas em estados nos quais as greves são, ainda, ilegais – mas que ocorreram mesmo assim, como em Virgínia Ocidental, Oklahoma, Arizona, Kentucky (Blanc, 2019Blanc, E. (2019). Red State Revolt: The Teachers' Strike Wave and Working-Class Politics. Verso.).

Considerações finais

Os exemplos de mobilização foram elencados não para a realização de relações mecânicas entre os movimentos sociais no Brasil e nos Estados Unidos, nem para propor previsões de futuro, como se os processos de revolta contra as políticas educacionais estadunidenses indicassem como consequência necessária, no Brasil, a eclosão de lutas pelo país.

Porém, como destacado anteriormente, não se pode ignorar a ocorrência em escala internacional de tais políticas conforme diretrizes implementadas globalmente. E não se deve considerar convergências dessa espécie como casuais. Concretamente, e retomando o debate desenvolvido neste artigo, é significativa a presença de representantes ligados a fundações privadas em espaços como o Conselho Nacional de Educação – entidade relevante no que diz respeito à produção de pareceres acerca da educação do país, e que, em tese, garantiria participação autônoma e democrática nestes debates14 14 Para mais discussões, ver Tarlau e Moeller (2019), Fontes (2020), Krawczyk (2020). Recomenda-se, também, a leitura da composição do Conselho Nacional de Educação (Ministério da Educação, 2023). .

Refletindo sobre as consequências da implementação das reformas neoliberais e as semelhanças que podem ser observadas com o processo estadunidense, estudos como os da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) já indicam como a aplicação das reformas educacionais, no contexto brasileiro, afeta mais direta e gravemente a população negra (Rede Escola Pública e Universidade, 2021Rede Escola Pública e Universidade. (2021). Nota Técnica sobre o Programa Ensino Integral (PEI) (2nd ed.). REPU. https://www.repu.com.br/notas-tecnicas
https://www.repu.com.br/notas-tecnicas...
). Os resultados, quantitativos e qualitativos, das políticas educacionais referidas no caso de Chicago – um dos principais exemplos citados para o Brasil – permitem indagar se este tem sido, de fato, um modelo exitoso, como afirmam seus proponentes. Estes dados, somados ao enfrentamento protagonizado por movimentos sociais e comunidades, indicam que não.

Mas, mesmo assim, o projeto segue em implementação.

Uma hipótese para a compreensão deste movimento é que a aplicação de tais diretrizes são políticas conscientes e definidas. Portanto, sua justificação independe dos resultados atingidos. Em outras palavras, a cada fracasso registrado pelos dados, a resposta dos proponentes da agenda neoliberal é a aplicação de novas rodadas da mesma política, com culpabilização de escolas, docentes, e comunidades pelo não atingimento das metas (Robertson, 2012a).

Entretanto, como observado no caso de Chicago, não se pode dizer que há consenso em torno de tais diretrizes. Ao contrário, os processos de enfrentamento levados a cabo, nos Estados Unidos, pelos sujeitos que vivem, de fato, a realidade da educação pública, mostram que as contradições desses projetos seguem irresolutas e que seus efeitos no cotidiano escolar devem ser observados e analisados com atenção.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Bruno Avi revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES); e de doutorado-sanduíche financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 4
    Este artigo é parte da tese do autor (Moimaz, 2022Moimaz, R. S. (2022). O trabalho docente na rede pública de ensino do estado de São Paulo: reformas neoliberais, consentimento e resistência [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. https://hdl.handle.net/20.500.12733/6745
    https://hdl.handle.net/20.500.12733/6745...
    ), com destaque à pesquisa realizada na Universidade Estadual da Pensilvânia, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (Capes)‑Código de Financiamento 001.
  • 5
    Entende-se a figura do especialista, técnico supostamente neutro, desprovido de posições políticas, como construção ideológica que legitima os interesses do capital (Apple, 1995Apple, M. W. (1995). Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Artes Médicas.).
  • 6
    Ainda acerca do PEI paulista, ele se referencia na experiência do Procentro de Pernambuco, encabeçado pelo Instituto de Corresponsabilidade na Educação (ICE) (Gomide, 2019Gomide, D. C. (2019). A política educacional para o Ensino Médio da Secretaria da Educação do estado de São Paulo e o alinhamento com o projeto neoliberal através de ciclos progressivos de adequação (1995-2018) [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. https://hdl.handle.net/20.500.12733/1637698
    https://hdl.handle.net/20.500.12733/1637...
    ). É importante frisar que o Itaú BBA é um dos principais financiadores do ICE.
  • 7
    Lei aprovada no governo de George W. Bush, em 2002, com apoio de Democratas e Republicanos, que estabeleceu a aplicação de testes padronizados, com responsabilização de escolas e docentes pelos desempenhos, implementou bonificação por resultados, ampliou incentivos à participação privada na educação, como por meio das escolas charter e do sistema de voucher etc. (Krawczyk, 2016Krawczyk, N. R. (2016). Política educacional dos Estados Unidos e sua influência no Brasil. Relatório científico à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. https://noraunicamp.blogspot.com/p/relatorios-de-pesquisa.html
    https://noraunicamp.blogspot.com/p/relat...
    ).
  • 8
    As charter schoolsCharter schools that fail to teach deserve to be shut down. (2019, 10 de dezembro). Chicago Sun Times. https://www.chicago.suntimes.com/2019/12/10/21004950/chicago-charter-schools-closures-board-education-editorial-virtual-charter-frazier-preparatory
    https://www.chicago.suntimes.com/2019/12...
    são escolas administradas pela gestão privada, com financiamento público. Dentre suas principais características, pode-se destacar “que carecem de regulamentação quanto à forma de admissão/seleção dos alunos, às condições de trabalho dos professores, ao que ensinar com quais métodos, ao uso do dinheiro público e quanto à gestão. . . . [Destaca-se, também,] o lobby de escolas charter nos âmbitos legislativos e, também porque esse movimento faz parte da plataforma política de alguns governos . . .; ou porque utilizam a “doutrina do choque” para implementar a gestão privada nas escolas públicas” (Krawczyk, 2020Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
    https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573...
    , p. 10).
  • 9
    Instituição que determina o funcionamento da educação pública na cidade.
  • 10
    "I think the best thing that happened to the education system in New Orleans was Hurricane Katrina". (Hinton, 2010Hinton, M. (2010, 30 de janeiro). Education secretary says Katrina helped New Orleans schools, TV show to report. Nola.com. https://www.nola.com/news/education/article_2ddb3567-9856-5bf5-a891-795d3f357e28.html.
    https://www.nola.com/news/education/arti...
    ).
  • 11
    A seleção não inclui outras formas de gestão escolar, como as selective, as gifted, e as magnet schools, cujas questões estão para além dos limites definidos deste artigo.
  • 12
    American College Test (Teste Universitário Americano), avaliação utilizada para a admissão em universidades nos Estados Unidos.
  • 13
    This is a class project that is also deeply racialized and enabled by white supremacist history and ideology”.
  • 14
    Para mais discussões, ver Tarlau e Moeller (2019)Tarlau, R., & Moeller, K. (2019). ‘Philanthropizing’ consent: how a private foundation pushed through national learning standards in Brazil. Journal of Education Policy, 35(3), 337-366. https://doi.org/10.1080/02680939.2018.1560504
    https://doi.org/10.1080/02680939.2018.15...
    , Fontes (2020)Fontes, V. (2020). Capitalismo filantrópico? – múltiplos papéis dos aparelhos privados de hegemonia empresariais. Marx e o Marxismo, 8(14), 15-35. https://doi.org/10.62782/2318-9657.2020.351
    https://doi.org/10.62782/2318-9657.2020....
    , Krawczyk (2020)Krawczyk, N. R. (2020). EUA – Brasil: uma cooperação deletéria na educação – da cartilha neoliberal ao fundamentalismo religioso. Jornal de Políticas Educacionais, 14(54), 1-26. https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573
    https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.77573...
    . Recomenda-se, também, a leitura da composição do Conselho Nacional de Educação (Ministério da Educação, 2023Ministério da Educação. (2023, 27 de setembro). Quem é quem? Conselho Nacional de Educação. http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/cne-quem-e-quem.
    http://portal.mec.gov.br/conselho-nacion...
    ).

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Editor responsável: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim https://orcid.org/0000-0002-0323-9207

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2023
  • Revisado
    12 Nov 2023
  • Aceito
    03 Jan 2024
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