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Letramentos (no plural) para multiplicar sentidos 1 1 Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Andreza Silva (Tikinet) - revisao@tikinet.com.br

Literacies (in plural) to multiply meanings

Kalantzis, M; Cope, B; Pinheiro, P. 2020. Letramentos. Editora Unicamp

Letramentos (2020) surge como uma versão brasileira da obra Literacies (2012), propondo-se a ser um guia para a discussão teórica e prática sobre uma pedagogia voltada aos multiletramentos, cada vez mais necessários em um mundo globalizado, feito de experiências multi (e inter) culturais mediadas pela tecnologia.

A adaptação para o público brasileiro levou em consideração as orientações, recomendações e referências veiculadas na Base Nacional Comum Curricular (2018) acerca dos multiletramentos, e conta com a autoria de Petrilson Pinheiro, professor no departamento de Linguística Aplicada do Instituto da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de Mary Kalantzis e Bill CopeKalantzis, M., Cope, B., Chan, E., & Dalley-Trim, L. (2012). Literacies. Cambridge University Press., professores da Universidade de Illinois nos Estados Unidos e membros do New London Group, que em 1996 foi responsável pela criação e defesa do termo “multiletramento”.

Este conceito surge junto à expansão do acesso ao mundo digital e se deve a multiplicidade de referências culturais, linguísticas e midiáticas nele disponíveis. Para os autores, a variedade e a hibridação de linguagens que se somam ao multiculturalismo exigem um ensino para além da decodificação das letras em palavras. Sendo assim, a prática escolar passa a se debruçar também sobre a leitura multissemiótica, de modo a formar alunos leitores e, mais do que isso, designers, isto é, indivíduos que criam e trafegam pelos multiletramentos.

Mais do que uma tradução, Letramentos se utiliza de expressões e experiências próprias das relações culturais brasileiras. Destacam-se trechos de literatura escrita por autores nacionais, como Ana Maria Machado, Cecília Meireles e Manuel Bandeira; imagens de cartilhas de alfabetização; práticas comunicativas interculturais de alunos indígenas; e registros de aula de professores da educação básica.

A ideia de multimodalidade foi densamente apropriada pela edição brasileira, uma vez que a multiplicidade dos modos de comunicação funciona como um recurso vital para o entendimento e para a potencialização da leitura da obra. Neste contexto, além das inúmeras figuras, quadros e gráficos, se destaca a presença de QR codes como elementos otimizadores dos sentidos construídos pelo texto, convidando o leitor a explorar novos mundos e (re)significar as temáticas discutidas.

Na medida em que navega por textos, imagens, vídeos e outros tipos de conteúdos complementares, o leitor tem a sua disposição um material de referência vasto que ultrapassa as fronteiras físicas que limitam a composição escrita, levando-a para a liberdade do universo digital.

Sendo fiel a edição original em língua inglesa, a tecnologia aqui continua ocupando um papel central e dicotômico: nem vilã, nem heroína das práticas pedagógicas, de modo que a mesma tecnologia utilizada para desinformar e confundir um usuário menos experiente é também aquela que abre as portas para o mundo.

Durante a leitura, a câmera do celular e o acesso à internet funcionam como passaportes para encurtar distâncias e permitir que qualquer leitor possa se deparar com “retratos linguísticos” produzidos por estudantes indígenas do curso de Educação Intercultural na Universidade Federal de Goiás, conforme a orientação trazida pelos autores na seção Diferenças simbólicas na aprendizagem dos letramentos em um contexto comunicativo intercultural (pp. 348-350).

É importante salientar que, embora a tecnologia como cenário dos multiletramentos exija uma análise complexa de diferentes ângulos, a obra consegue, através de uma linguagem simples, apresentar essas vertentes, por vezes melindrosas, de forma didática, contribuindo para que o material seja acessível não só ao público acostumado com o linguajar acadêmico.

A organização de Letramentos colabora com a pluralidade da construção de significações e sentidos. Em um primeiro momento, a obra parte da argumentação teórica através de três eixos principais: a capacitação pessoal, a participação cívica e a equidade social. Depois, combina o compartilhamento de experiência de professores com a sugestão de atividades a serem realizadas no contexto escolar, formando um verdadeiro cardápio propositivo para se ensinar leitura e escrita em uma perspectiva multimodal e de multiletramentos.

Após uma breve introdução, que reforça os fundamentos e contexto da aprendizagem a partir da compreensão dos múltiplos tipos e formas de letramentos associados ao processo de ensino, o livro se divide em 16 capítulos agrupados em quatro partes:

Na Parte A – O “porquê” dos letramentos, traça-se um panorama histórico da escrita através das mudanças sociais, desde o surgimento das primeiras línguas até a contemporaneidade e sua intersecção com as tecnologias digitais. Desse modo, a escrita é entendida como “uma ‘tecnologia’ ou ‘artefato’, desenvolvida para modos específicos de pensar e de estar no mundo, que permeia diferentes culturas, de diferentes maneiras” (pp. 35).

Ao dialogar com o presente, chama-se atenção para a globalização e a diversidade sociocultural como pontos que exercem influência sobre as formas de comunicação e interação. A multimodalidade e a participação cívica, necessidades estas expressas pela Base Nacional Comum Curricular, também são aqui analisadas pelos autores.

Visando definir atividades que contribuem para uma pedagogia dos letramentos, a Parte B – Abordagens para os letramentos propõe a divisão dos “processos de conhecimento”, entendidos como aquilo que se pode fazer para conhecer algo.

Para isso, os capítulos traçam alguns paradigmas ancorados nas abordagens didática, autêntica, funcional e crítica, que nortearam (e continuam a nortear) noções de letramentos. Entre elas, destaca-se a abordagem didática, que surge no século XIX junto à ideia de acesso universal à educação e que continua permeando muitos contextos educacionais, na medida em que se associa à “forma correta de escrita” e a concepção de que “o currículo determina o que deve ser ensinado; assim, o professor segue o material didático, que, por sua vez, segue o currículo” (pp. 83).

Já a Parte C – O “o quê” dos letramentos, que reúne o maior número de capítulos, se debruça sobre os processos de construção de significados a partir dos multiletramentos e por meio do design multimodal, da leitura e da escrita — visual, espacial, tátil e gestual. Entre as significações produzidas se destacam aquelas que fazem uso da sinestesia, completando-se e mesclando-se.

A Parte D – O “como” dos letramentos, que fecha o livro, utiliza as informações trazidas nos capítulos anteriores para enfatizar a pluralidade presente nos letramentos, perpassando as fronteiras do ensino exclusivo da leitura e escrita e se firmando como um elemento dialógico e interdisciplinar. Assim, o último capítulo explora os parâmetros para uma organização curricular, considerando formatos diferentes de avaliação e ambientes de aprendizagem por meio de/para novas mídias.

A atualidade das questões discutidas em conjunto à precisão e cuidado da edição brasileira faz com que Letramentos carregue consigo um papel transformador das práticas escolares. Ao percorrer as páginas, o olhar do leitor se depara com o caráter complementar assumido pelo novo e pelo antigo; pelo tradicional e inovador; e pelo analógico e tecnológico. Esta visão, quando transposta para a sala de aula, é responsável por possibilitar aos alunos a produção de sentidos para além da escola, desenvolvendo suas habilidades rumo à participação plena na sociedade como cidadãos globais.

Por mais que a temática seja densa, a leitura é fluída, fazendo com que o texto e as propostas ali apresentadas encantem e motivem tentativas de mudanças de práticas pedagógicas já enraizadas. Desta forma, tanto o arcabouço teórico reunido quanto a coletânea de exemplos práticos servem como fortes alicerces para novas pesquisas dos mais diversos segmentos, sendo de grande importância para programas de formação continuada de professores.

A combinação entre a ode à interatividade dada pelo caráter multimodal, a adaptação feita para o contexto brasileiro e a forma didática como as ideias são apresentadas ao longo dos capítulos, faz com que o livro transponha os muros da academia e se firme como uma referência da pedagogia dos letramentos a ser consultada também por professores que estão no chão da sala de aula, além de graduandos, pós-graduandos e demais interessados, principalmente, mas não somente, por aqueles vinculados às áreas da Linguagem e Educação.

Referências

  • Kalantzis, M., Cope, B., Chan, E., & Dalley-Trim, L. (2012). Literacies Cambridge University Press.
  • Kalantzis, M., Cope, B., & Pinheiro, P. (2020). Letramentos Editora Unicamp.
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Editor responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Revisado
    14 Mar 2021
  • Aceito
    22 Jul 2021
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