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Autorregulação e consumo de substâncias na adolescência

Self-regulation and substance use in adolescence

Resumos

O objetivo deste estudo é avaliar o papel da autorregulação desenvolvimental na adolescência como fator diferenciador do consumo de tabaco e álcool. Para isso, foi utilizada uma amostra de 407 alunos do Ensino Médio, avaliada com o recurso a um conjunto de questões sobre o consumo destas substâncias e ao Inventário de Autorregulação Adolescente (Moilanen, 2007), um instrumento baseado na teoria desenvolvimental sobre a autorregulação. Os resultados sugerem que a autorregulação é um fator diferenciador entre adolescentes que consomem, ou não, substâncias e a intensidade deste consumo. Adolescentes que consomem tendem a apresentar, consistentemente, pontuações mais baixas na autorregulação a curto e longo-prazo. As limitações e implicações dos resultados são apresentadas e discutidas.

Autorregulação; consumo de substâncias; adolescência; estudo correlacional


The purpose of this study is to evaluate the role of developmental self-regulation in adolescence as a differentiating factor of tobacco and alcohol use. It was used a sample of 407 high school students, assessed with a number of questions about such substances use and the Adolescent Self-regulatory Inventory (Moilanen, 2007), a developmentally based measure about self-regulation. Results suggest that self-regulation is a differentiating factor between adolescents who use substances and those who not, and the intensity of consumption. Teenagers who use alcohol and tobacco seem to present consistently lower scores in short and long-term self-regulation. The limitations and implications of the results are presented and discussed.

Self-regulation; substance use; adolescence; correlational study


AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Autorregulação e consumo de substâncias na adolescência

Self-regulation and substance use in adolescence

José A. García del CastilloI; Paulo C. DiasII,III; Paulo Castelar-PerimIV

IUniversidad Miguel Hernández de Elche, Elche, España

IIUniversidade Católica de Braga, Braga, Portugal

IIIInstituto Superior de Ciências Educativas de Felgueiras Felgueiras, Portugal

IVUniversidade Federal do Espirito Santo, Vitória, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos Faculdade de Filosofia Universidade Católica Portuguesa Praça da Faculdade, 1 Braga, Portugal 4710-297 E-mail: pcdias@braga.ucp.pt

RESUMO

O objetivo deste estudo é avaliar o papel da autorregulação desenvolvimental na adolescência como fator diferenciador do consumo de tabaco e álcool. Para isso, foi utilizada uma amostra de 407 alunos do Ensino Médio, avaliada com o recurso a um conjunto de questões sobre o consumo destas substâncias e ao Inventário de Autorregulação Adolescente (Moilanen, 2007), um instrumento baseado na teoria desenvolvimental sobre a autorregulação. Os resultados sugerem que a autorregulação é um fator diferenciador entre adolescentes que consomem, ou não, substâncias e a intensidade deste consumo. Adolescentes que consomem tendem a apresentar, consistentemente, pontuações mais baixas na autorregulação a curto e longo-prazo. As limitações e implicações dos resultados são apresentadas e discutidas.

Palavras-chave: Autorregulação, consumo de substâncias, adolescência, estudo correlacional.

ABSTRACT

The purpose of this study is to evaluate the role of developmental self-regulation in adolescence as a differentiating factor of tobacco and alcohol use. It was used a sample of 407 high school students, assessed with a number of questions about such substances use and the Adolescent Self-regulatory Inventory (Moilanen, 2007), a developmentally based measure about self-regulation. Results suggest that self-regulation is a differentiating factor between adolescents who use substances and those who not, and the intensity of consumption. Teenagers who use alcohol and tobacco seem to present consistently lower scores in short and long-term self-regulation. The limitations and implications of the results are presented and discussed.

Keywords: Self-regulation, substance use, adolescence, correlational study.

Atualmente, o consumo de substâncias entre os jovens é um dos fatores de maior risco para o desenvolvimento de problemas de saúde e de problemas sociais no futuro (ex.: Espada, Mendez, Griffin, & Botvin, 2003; Inglês et al., 2007). Embora se tenha assistido nas últimas décadas a um aumento no investimento em prevenção do consumo exarcebado de certas substâncias, as estatísticas mostram que o quadro se mantém inalterado e as taxas de consumo continuam em níveis bastante preocupantes.

De todas as substâncias, o tabaco e o álcool são as mais consumidas entre os jovens europeus (Muñoz-Rivas, Andreu, & Gutierrez, 2005), sendo estimado que cerca de 40% abusam habitualmente do álcool e cerca de 30% a 45% fumam cigarros diariamente (European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs [ESPAD], 2009; Muñoz-Rivas, Graña, & Cruzado, 2001). Além de serem as mais utilizadas, sabe-se também que são, frequentemente, substâncias de iniciação para outras drogas mais severas (Espada et al., 2003). Além disso, o seu consumo, cada vez mais precoce, tende a aumentar a probabilidade de uso e abuso de outras substâncias (Griffin, Botvin, Doyle, Diaz, & Epstein, 1999; Medina-Mora, Peña-Corona, Cravioto, Villatoro, & Kuri, 2002).

Este aspecto é particulamente importante na adolescência, seja pelas transformações ao nível do desenvolvimento da identidade, da independência, ou da aquisição de valores pessoais (Sussman, Unger, & Dent, 2004), como também pelas mudanças cerebrais em termos de funcionalidade e maturação, que decorrem nesta fase desenvolvimental (Romeo & McEwen, 2006).

O consumo de substâncias pode ser, por isso, um acontecimento ainda mais arriscado quando ocorre durante adolescência, já por si um período marcado por vulnerabilidades desenvolvimentais (Andersen, 2003; Casey, Giedd, & Thomas, 2000; Giedd, 2004; Romeo & McEwen, 2006).

Atendendo ao papel central da autorregulação no funcionamento humano (Freund & Baltes, 2002; Karoly, Boekaerts, & Maes, 2005), como uma competência moderadora dos comportamentos dos sujeitos (Baltes, Lindenberger & Staudinger, 2006), este estudo pretende explorar o papel da autorregulação desenvolvimental no consumo de substâncias na adolescência.

Autorregulação

Como refere Ridder e Witt (2006), apesar do conhecimento, do valor ou da atitude das pessoas em relação à saúde e aos comportamentos de saúde, a maioria delasmanifesta dificuldade em cumprir os seus objetivos. É nesse contexto que a autorregulação tem, nos últimos anos, assumido um papel importante na explicação destehiato entre a intenção e o comportamento. É entendida, então, como uma competência que permite ao sujeito envolver-se em comportamentos, no sentido de obter um comportamento desejado e manter o esforço por atingir esse objetivo (Baumeister & Vohs, 2004), por vezes enfrentando desafios e impulsos imediatos (Ridder & de Wit, 2006).

Nesse sentido, diversos estudos se têm debruçado sobre o seu papel nos comportamentos de saúde (Ridder & de Wit, 2006), seja na prática de exercício físico (ex. Karoly, Ruehlman, Okun, Lutz, Newton, & Fairholme, 2005; MacDonald & Palfai, 2008; Schneider, 1997), em comportamentos sexuais de risco (ex. Crockett, Raffaelli, & Shen, 2006; Raffaelli & Crockett, 2003) ou no consumo de substâncias (Ex.: Carey, Neal, & Collins, 2004; Neal & Carey, 2005; Wills, Walker, Mendonza, & Ainette, 2006), etc.

Estes estudos têm permitido verificar também uma diversificação de abordagens que, como sugerem Diehl, Semegon e Schwarzer (2006), têm sido agrupadas em dois principais grupos: o dos processos e o disposicional. O primeiro foca essencialmente os componentes e subcomponentes do comportamento humano, como a planificação, regulação da atenção, avaliação dos comportamentos, correção de comportamentos e finalização das ações (Baumeister & Heatherton, 1996; Carver & Scheier, 1998; Karoly, 1993; Schwarzer, 2001). Já o, segundo percebe a autorregulação como uma variável individual, relativamente estável e persistente, que inclui o conhecimento e experiências anteriores necessárias, para responder a determinado objetivo (Koestner, Bernieri, & Zuckerman, 1992; Rothbart & Bates, 1998; Zimmerman, 1995).

No âmbito da saúde, a maioria das investigações tende a seguir uma perspectiva disposicional, baseada nos trabalhos de Bandura (1977, 1986) que deram uma nova perspectiva ao papel dos processos cognitivos na aprendizagem, motivação e comportamento humano. Assim, subjacente aos comportamentos dos indívíduos estaria a sua motivação e a expectativa de obtenção de um reforço, que o levam a estabelecer objetivos e autoavaliar os progressos (Bandura, 1977). Seria com base nestes pressupostos que se começariam a construir as bases das representações simbólicas de objetivos e monitorização do comportamento na persecução dos objetivos (Ridder & de Wit, 2006). De acordo com Bandura (1986), a autorregulação poderia ser considerada como um processo cognitivo comportamental, multifásico, que envolveria a autocriação e adaptação dos pensamentos, emoções, motivação e comportamentos para alcançar os objetivos pessoais.

Autorregulação e Consumo de Substâncias na Adolescência

Considerando o fato do consumo de substâncias ser a segunda maior causa de morte e o quarto fator de risco mais comum de doenças em todo o mundo (World Health Organization [WHO], 2007), parece ser importante que se possa estudar o papel da autorregulação, enquanto competência desenvolvimental, que permita compreender um pouco mais esse tipo de comportamento, especialmente na adolescência.

Alguns estudos têm explorado as relações entre competências de autorregulação e o consumo de substâncias, onde podemos encontrar resultados que apontam o fato de Indivíduos com menor autorregulação tenderem a ser consumidores recorrentes de álcool, a consumirem maiores quantidades, com maior frequência e com consequências mais negativas (Brown, W. R. Miller, & Lewandowski, 1999; Wills & Dishion, 2004; Wills et al., 2006). Contudo, nem sempre estes resultados são lineares. Num estudo realizado no contexto português, recorrendo a uma amostra de adolescentes, apesar de se encontrarem correlações fortes entre autorrregulação e resiliência, ressaltou-se a falta de relação significativa entre autorregulação e a experiência no consumo de substâncias – tabaco, álcool, marijuana, crack e outras drogas (García del Castillo & Dias, 2007). Estes resultados parecem ir de encontro a outros que sugerem que a autorregulação é um processo importante, apenas em situação de consumo intensivo (Carey et al., 2004; Neal & Carey, 2005).

Estes dados reforçam a necessidade de estudos que compreendam esta competência, de acordo com as características específicas desta etapa desenvolvimental (Williams, Holmbeck, & Greenley, 2002). Na verdade, grande parte dos estudos tem sido efetuada com o recurso de amostras constituídas por jovens adultos e adultos, com a utilização de instrumentos e modelos teóricos formulados junto destas populações, o que tem suscitado dúvidas e inconsistências na sua aplicação junto à população adolescente (Brandtstädter, 1998; Gibbons, Gerrard, Reimer, & Pomery, 2006). Pouquissímos são os estudos que se referem à forma como estes processos ocorrem junto à população adolescente, que ignoram questões desenvolvimentais importantes nesta faixa etária, ou admitem como os comportamentos podem mudar ao longo do tempo (Fergus & Zimmerman, 2005; Moilanen, 2007; Williams et al., 2002).

Tendo em conta os desafios desenvolvimentais que o adolescente enfrenta, sejam eles pessoais, do contexto físico, social ou histórico (Brandtstädter, 1998; Demetriou, 2000; Gestsdottir & Lerner, 2007, 2008), há que considerar o impacto das características específicas desta faixa etária, na investigação científica. Assim, é importante que novos estudos sobre a autorregulação considerem os Assim, é importante que novos estudos sobre a autorregulação considerem os avanços das teorias e conhecimentos desenvolvimentais (Williams, Holmbeck & Greenley, 2002).

Num trabalho recente, Moilanen (2007) efetua uma revisão crítica sobre o estado da arte do estudo da autorregulação na adolescência e apresenta um modelo que distingue autorregulação a curto e longo-prazo. A autorregulação a curto-prazo poderia ser verificada, por exemplo, quando uma criança ou adolescente pode ter um objetivo momentâneo de recordar um número de telefone, utilizando uma estratégia como a repetição, reprimir um comportamento ou emoção, etc. Já a autorregulação a longo-prazo envolveria o controle de impulsos ou direção do esforço por um período de tempo maior, entre várias semanas, meses ou anos. Tal poderia ser verificado, por exemplo, quando um adolescente guarda as suas poupanças de um trabalho extra, semanas ou meses para comprar algo que deseja, ou poupa a fim de investir nos seus estudos.

Embora a perspectiva temporal tenha sido negligenciada na compreensão dos comportamentos (Husman & Lens, 1999; Kauffman & Husman, 2004; Miller & Brickman, 2004), alguns estudos a relacionam com comportamentos de risco, por exemplo, o consumo de substâncias (Zimbardo & Boyd, 1999). Também no estudo da autorregulação, a investigação centraliza-se apenas na duração para objetivos a curto prazo, embora existam algumas evidências da importância dos objetivos nas motivações e comportamentos dos adolescentes (Husman & Lens, 1999; Oyserman, Terry, & Bybee, 2002).

Além da perspectiva temporal, este modelo defende a integração dos componentes (monitorização, ativação, adaptação, perseverança e inibição) e domínios autorregulatórios – emocional, comportamental, da atenção e cognitivo (Moilanen, 2007). Se considerarmos uma situação em que é pedido a um adolescente para cumprir uma tarefa pedida pelos pais, em vez de se ir divertir com os amigos, este deve ser capaz de acalmar a tensão entre os seus desejos e os dos pais (regulação emocional), focar a atenção na preparação da tarefa (regulação da atenção) e utilizar estratégias comportamentais para evitar a tentação (regulação comportamental).

Mais do que focar nos componentes ou domínios, a autorregulação é percebida nesta perspectiva de uma forma abrangente e integradora (Gestsdottir & Lerner, 2008;Moilanen, 2007). É compreendida como a capacidade de, de uma forma flexível, ativar, monitorizar, inibir e adaptar os comportamentos, a atenção, as emoções e as estratégias cognitivas face a estímulos internos, ambientais ou ao feedback dos outros, e atingir os objetivos desejados (Barkley, 1997; Demetriou, 2000; Novak & Clayton, 2001). Assim, os indivíduos são percebidos como ativos na construção do seu destino (Ridder & de Wit, 2006) e com capacidade de mudar os seus comportamentos, sentimentos e emoções para reagir e se adaptar aos contextos onde se inserem (Gestsdottir & Lerner, 2008; Shonkoff & Phillips, 2000), em função de objetivos a curto e longo-prazo (Moilanen, 2007).

Esta pesquisa pretendeu então explorar o papel da autorregulação, utilizando uma perspectiva desenvolvimental, no comportamento de consumo de tabaco e álcool de adolescentes. Como se trata de uma perspectiva recente na literatura, são abordadas as diferenças de gênero e idade; e explorado o papel da autorregulação a curto e longo prazo nos consumos.

Método

Amostra

A amostra é constituída por 407 alunos que frequentavam cursos do ensino secundário, 48,9% do 10º ano (n=199), 39,3% do 11º ano (n=160) e 11,8% do 12º ano de escolaridade (n=48). Os sujeitos, maioritariamente do sexo feminino (56,4%, n = 228, para 43,6% do sexo masculino, n = 176), tinham idades compreendidas entre os 14 e os 19 anos (M = 16,10, DP = 1,01).

Instrumentos

Para a avaliação da autorregulação, foi utilizado o Inventário de Autorregulação na Adolescência (Moilanen, 2007), um instrumento constituído por 42 itens, respondidos com uma escala Likert de 5 pontos (desde 1– Nada verdadeiro para mim; a 5 – Mesmo verdadeiro para mim) que permite diferenciar entre Autorregulação a curto prazo e Autorregulação a longo prazo. A escala de avaliação da autorregulação a curto prazo avalia a competência para controlar impulsos ou o envolvimento em comportamentos mais imediatos verificados (ex.: "eu perco coisas se não as arrumo imediatamente depois de usá-las" ou "consigo resistir a fazer uma coisa quando sei que não o devo fazer"). Na escala relativa à autorregulação a longo prazo, pretende-se avaliar o controle de impulsos ou direção do esforço por um período de tempo maior, entre várias semanas, meses ou anos (ex.: "quando tenho um grande projecto, consigo manter-me a trabalhar nele" ou "nunca sei quanto trabalho mais tenho que fazer"). Quanto maior a pontuação nas escalas, maior a autorregulação do adolescente.

Para a recolha de dados sobre o consumo de álcool e tabaco, e, com base em outros instrumentos de avaliação de consumos – como o Youth Risk Behavior Survey (National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, 2007) ou o Wisconsin Youth Risk Behavior Survey (U.S. Centers for Disease Control and Prevention, 2005) –, foi construido um questionário em que se perguntava ao adolescente: se atualmente consome álcool ou tabaco (sim/não); quantos cigarros fumou por dia durante o último mês (0; 1; 2 a 5; 6 a 10; 11 a 20; mais de 20 cigarros por dia); quantas bebidas alcoólicas consumiu no último mês (0; 1 a 5; 6 ou mais bebidas); e quantas vezes, aproximadamente, se tinha embebedado (nunca; uma; duas ou mais; já perderam a conta).

Foram ainda recolhidos dados demográficos, nomeadamente: sexo, idade e escolaridade.

Procedimento

Os instrumentos foram aplicados em contexto de sala de aula, durante o horário letivo normal, em tempos cedidos pelos professores para o efeito. Foi garantido o caráter anônimo e confidencial dos dados. As respostas dos alunos foram codificadas e analisadas no programa de tratamento estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 15.

Resultados

Autorregulação, Consumos e Variáveis Demográficas

Num primeiro momento, tentou-se efetuar uma análise diferencial da autorregulação em função do sexo e idade. Pelos dados recolhidos foi possível perceber uma maior autorregulação a longo prazo nas meninas e com diferenças estatisticamente significativas [M=88,72, DP=9,49 para M=81,91, DP=11,11 dos rapazes, t(361)=-6,297,p<0,01]. Utilizando o teste d de Cohen para estudo do tamanho do efeito, percebe-se uma magnitude de efeito médio (d=0,66). Na análise da autorregulação em função da idade não foi encontrada uma relação entre as variáveis.

Analisando os consumos em função do sexo, para avaliar a independência dos grupos, foi possível encontrar valores de X2 (1)=4,476, p=0,034 relativamente ao consumo de tabaco e X2 (1)=24,163, p<0,01 relativamente ao consumo de álcool, pelo que as variáveis não são independentes. Também em função da idade não se verifica a independência entre os grupos, uma vez que os resultados apontam para r=-205, p<0,01 no tabaco e r=199, p<0,01 no álcool.

Autorregulação e Consumo de Álcool

Da amostra, 7,3% dos sujeitos refere consumir regularmente tabaco (n=29) e 20,5% consome álcool (n=83). Foi possível verificar diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos que não consumem tabaco ou álcool, em relação aos que consomem.Os adolescentes que consomem atualmente tabaco, apresentam menor autorregulação do que os sujeitos que não consomem, tanto a curto [t(344)=-2,83, p=0,01] como a longo prazo [t(358)=-4,11, p<0,01]. Recorrendo ao teste de Cohen, para avaliação do tamanho do efeito, verifica-se um valor baixo na autorregulação a curto prazo (d=0,46) e médio a longo prazo (d=0,63) (Tabela 1).

Também os que consomem álcool atualmente apresentam menor autorregulação a longo prazo com diferenças estatisticamente significativas em relação aos que não consomem [t(363)=-3,66, p<0,01]. Como se apresenta na tabela seguinte (Tabela 2), o recurso ao teste de Cohen permitiu verificar um tamanho de efeito baixo na autorregulação a longo prazo (d=0,48) .

Em Função da Intensidade do Consumo

A grande maioria dos sujeitos da amostra, 90%, refere não ter consumido qualquer cigarro no último mês (n=351), sendo que 6,9% diz ter consumido 1 a 5 cigarros (n=27) e 3,1% consumiu mais de 6 cigarros (n=12). Na análise da relação entre o número de cigarros consumidos no último mês e os níveis de autorregulação, verificou-se que sujeitos que não consomem apresentam maior autorregulação do que os restantes e diferenças significativas na escala a curto (F(5.22)=0,01) e longo prazo(F(11.91)=0,00). Com o recurso aos testes Post Hoc de Scheffe, foi possível constatar que essas diferenças na autorregulação a curto prazo se verificam entre os sujeitos que não consumiram e os que consumiram entre 1 e 5 cigarros (p=0,03), e na autorregulação a longo prazo entre os que não consumiram nenhum e os restantes grupos (p<0,01).

Quanto ao consumo de bebidas alcoólicas no último mês, 57,7% dos sujeitos refere não ter consumido qualquer bebida (n=229), 29,7% consumiu 1 a 5 bebidas alcoólicas (n=118) e 12,6% refere ter consumido mais de 6 bebidas (n=50). No estudo da relação entre o número de dias em que consumiu álcool no último mês e o nível de autorregulação, verificou-se maior autorregulação a longo prazo, com diferenças estatisticamente significativas entre os que nunca consumiram em relação aos restantes (F(7.30)=0,00). Com o recurso aos testes Post Hoc de Scheffe, foi possível verificar que essas diferenças se verificam entre os que não consumiram e os adolescentes que consumiram mais de 6 bebidas (p=0,01), entre os que consumiram 1 a 5 e os que consumiram mais de 6 bebidas no ultimo mês (p<0,01).

No que diz respeito ao relato de número de vezes em que se embebedaram, 70,9% dos sujeitos referiram nunca se ter embebedado (n=287), 13,3% referem uma bebedeira (n=54), 12,1% embebedaram-se mais de duas vezes (n=49) e 3,7% referem já ter perdido a conta (n=15). Na análise da relação entre as variáveis, verificou-se uma diminuição progressiva da autorregulação em função do número de bebedeiras, existindo uma diferença estatísticamente significativa a curto (F(4.51)=0,00) e longo prazo (F(14.33)=0,00). Com o recurso aos testes Post Hoc de Scheffe, foi possível observar que as diferenças na autorregulação a curto prazo se verificam entre os sujeitos que nunca se embebedaram ou se embebedaram 2 a 6 vezes (p=0,03); e na autorregulação a longo prazo entre os que nunca se embebedaram e os que se embebedaram 2 a 6 vezes (p<0,01) e os que já perderam a conta (p<0,01), entre os que se embebedaram uma vez os que se embebedaram 2 a 6 vezes (p=0,02) e os que já perderam a conta (p<0,01).

Discussão

Este estudo pretendia apresentar um primeiro contributo para a exploração do papel da autorregulação desenvolvimental na adolescência no consumo de tabaco e álcool. Sabe-se que, dentre os comportamentos de risco, um dos que mais tem suscitado interesse em termos de pesquisa e de intervenção é o consumo de substâncias, dado o seu impacto negativo em diversas áreas do funcionamento dos sujeitos (e.g. Delgado et al., 2005; Gruber, DiClemente, Anderson, & Lodico, 1996; Inglês et al., 2007). Este interesse é ainda maior na adolescência, porque se trata de uma etapa importante no desenvolvimento físico, psicológico e social (Espada et al., 2003; Sussman et al., 2004) e na iniciação de atividades ocupacionais importantes para o estabelecimento de estilos de vida (Bandura, 2005). Uma vez que se trata de uma faixa etária com características muito específicas, importa considerar estas particularidades na compreensão e explicação dos diferentes comportamentos dos adolescentes.

Adotando uma perspectiva desenvolvimental no estudo da autorregulação (Moilanen, 2007), pretende-se conceitualizar a autorregulação de uma forma abrangente e integradora (Gestsdottir & Lerner, 2008; Moilanen, 2007). Tal não significa que se perceba os componentes da emoção, atenção e comportamento da mesma forma. Pelo contrário. Embora exista uma distinção teórica, estes componentes só poderão ser entendidos de forma intimamente relacionada (Moilanen, 2007). O fator que parece mais diferenciar a capacidade de autorregulação dos adolescentes, a forma como estruturam, regulam e avaliam as suas vidas, é o temporal (Bandura, 2005). Nesse sentido, tentou-se explorar eventuais diferenças ao nível da autorregulação a curto e longo prazo entre adolescentes que consumem ou não álcool ou tabaco.

Os resultados apresentados permitem perceber diferenças de gênero na autorregulação, sendo mais elevada a autorregulação a longo prazo das meninas. Se bem que alguma revisão da literatura não refere diferenças entre os gêneros (Colman, Hardy, Albert, Raffaeli, & Crockett, 2006; García del Castillo & Dias, 2007), outras referem maior autorregulação das meninas (Buckner, Mezzacappa, & Baerdslee, 2009; García del Castillo & Dias, 2009; Meece & Painter, 2008). Os nossos resultados vão de encontro a esses estudos, que verificam uma maior dificuldade dos rapazes nas suas competências de regulação emocional e comportamental desde tenras idades (Kochanska, Murray, & Coy, 1997; Kochanska, Murray, & Harlan, 2000; McCabe & Brooks-Gunn, 2007; Weinberg, Tronick, Cohn, & Olson, 1999). Pelas práticas parentais, as meninas são mais incentivadas a adiar gratificações do que os rapazes e são colocadas perante um maior controlo comportamental. Já aos rapazes, pelas representações sociais sobre a masculinidade, são permitidos comportamentos mais hedonistas, mais focados em problemas mais imediatos, o que pode ajudar a compreender estas diferenças.

Tabela 3

No que diz respeito à idade, os dados vão de encontro à literatura, que refere que a autorregulação tende a ser estável ao longo do tempo (Ayduk et al., 2000; Buckner et al., 2009; García del Castilo & Dias, 2007; Kochanska et al., 2000; Mishel, Shoda, & Peake, 1988; Shoda, Mishel, & Peake, 1990). Contudo, na análise destes dados temos que considerar que não existe uma independência entre os grupos, tanto no sexo como na idade, o que constitui uma séria dificuldade na interpretação dos dados. Assim, próximos estudos com grupos independentes ou com o recurso a procedimentos que controlem esta variável devem permitir corroborar ou não estes dados.

Os dados analisados sobre o consumo de substâncias parecem ir de encontro ao que apresentam Zimbardo e Boyd (1999), que sustentam diferenças em função de variáveis temporais. De fato, os resultados deste estudo permitiram perceber o papel diferenciador da autorregulação, tanto a curto como a longo prazo no consumo de tabaco e da autorregulação a longo prazo no consumo do álcool, embora as diferenças apresentem um tamanho do efeito baixo ou médio (Cohen, 1992). Parece, portanto, que o nível de autorregulação dos adolescentes pode ser encarado como um fator diferenciador do consumo destas substâncias, sendo maior a autorregulação dos que não consomem, o que sugere que esta competência pode ser protectora (Griffin, Botvin, & Scheier, 2006). Para além disso, a autorregulação parece diferenciar ainda os consumos dos sujeitos, em função da sua intensidade. Indivíduos mais autorregulados a curto e longo prazo parecem consumir menos tabaco, menos álcool (em número de dias em que consomem e intensidade, avaliada em número de bebedeiras no último mês). Estes dados poderão permitir inferir que, para além do controle de impulsos mais imediatos, também os objetivos a longo prazo podem ser importantes para o evitar das experiências de consumos de substâncias e/ou diminuir a intensidade dos consumos.

Estes dados acrescentam novos contributos para a discussão sobre autorregulação e consumos. De fato, embora existam na literatura referências que apontam que os consumidores de substâncias apresentram menor autorregulação (Brown et al., 1999; Novak & Clayton, 2001; Wills & Dishion, 2004; Wills, Sandy, & Yaeger, 2002; Wills et al., 2006), estudos anteriores, utilizando outros instrumentos e enquadramento teórico, apenas permitiram encontrar diferenças em função da intensidade do consumo (Carey et al., 2004; García del Castillo & Dias, 2007; Neal & Carey, 2005). Embora se possa considerar a existência de diferenças na amostra, essas podem dever-se também ao enquadramento teórico que sustenta o estudo.

Os resultados permitem perceber, ainda, diferenças na autorregulação em função da substância consumida. Se, no caso do tabaco, parece associado a défices na autorregulação a curto e longo prazo, adolescentes que consomem álcool apresentam défices apenas na autorregulação a longo prazo, apresentam menor capacidade, ou maior dificuldade, em estabelecer e envolver-se em objectivos com maior distância temporal. Estes adolescentes podem, portanto, ver no consumo do álcool a realização de comportamentos mais hedonistas, centrados no momento presente (Zimbardo & Boyd, 1999). Contudo, os dados existentes não permitem explicar ainda sustentadamente estas diferenças, que devem ser melhor estudadas em futuros estudos.

Limitações

Apesar dos contributos do estudo, merece-nos atenção o fato de não ter sido considerado o efeito de variáveis socioeconômicas e culturais, nomeadamente a influência do nível socioeconômico dos pais, das suas práticas educativas, interações familiares, etc.

De fato, um dos factores de risco e protecção encontrados na literatura, um dos mais referidos é relativo ao contexto familiar. Diversos autores sugerem que os factores familiares são um dos maiores preditores do consumo (Jacob & Johnson, 1999). Consistentes evidências têm apontado para os efeitos dos consumos dos pais e início do consumo de substâncias entre adolescentes, seja por efeito da modelagem (e.g. Andrews, Hops, & Duncan, 1997; Spijkerman, van den Eijnden, & Huiberts, 2008; White, Johnson, & Buyske, 2000) seja pelo exercício de práticas desajustadas, sejam menos apoiantes ou agressivas (Engels, Vermulst, Dubas, Bot, & Gerris, 2005) ou pela maior permissividade (Van Zundert, Van Der Vorst, Vermulst, & Engels, 2006).

Para além disso, essas variáveis aparecem na literatura como tendo um papel importante no treino e fortalecimento das competências de autorregulação (Colman et al., 2006), assim como na mediação da suscetibilidade para a influência dos pares (Grolnick & Farkas, 2002). Assim, próximos estudos deverão considerar a inclusão destas variáveis para uma compreensão mais abrangente da dinâmica entre as características da família, autorregulação e consumos de substâncias.

Conclusões

O estudo da autorregulação tem sido alvo de diversas abordagens e perspectivas, dado o seu papel determinante na resiliência e ajustamento, especialmente na adolescência (Fergus & Zimmerman, 2005; Gardner, Dishion, & Connell, 2008; Moilanen, 2007). O presente estudo pretendeu explorar o papel nesta competência, numa perspectiva desenvolvimental (Moilanen, 2007), no consumo de substâncias. Genericamente, parece perceber-se o seu papel diferenciador na experiência e intensidade dos consumos. Tendo em conta estes dados, e a importância desta competência importa promover estudos que permitam compreender os fatores responsáveis por estas diferenças. Particularmente pertinente para a compreensão destes processos serão as práticas e competências parentais, para além de características socioeconômicas e culturais da família. Será ainda de explorar outras interações e modelos significativos, nomeadamente, o grupo de pares e os processos interacionais que ocorrem no seu seio, as práticas e comportamentos dos professores e de outras figuras significativas. Para uma visão mais holística do desenvolvimento nesta faixa etária, devem ser ainda consideradas outras variáveis que têm sido apontadas como importantes para a compreensão da autorregulação no comportamento humano, nomeadamente a autoeficácia e o coping (Bandura, 1997; Diehl et al., 2006; Greenglass, 2002; Luszczynska, Diehl, Gutiérrez Doña, Kuusinen, & Schwarzer, 2004). Deve ser considerada, ainda, a utilização de outros métodos estatísticos que permitam perceber uma relação mais próxima entre as variáveis, o estudo das relações entre múltiplas variáveis simultaneamente, sejam elas observadas diretamente ou não, como os modelos de equações estruturais (Byrne, 2001; Pilati & Laros, 2007).

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Recebido: 10/12/2009

1ª revisão: 12/07/2010

2ª revisão: 07/02/2011

3ª revisão: 21/03/2011

Aceite final: 29/03/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2009
    • Aceito
      29 Mar 2011
    • Revisado
      21 Mar 2011
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