Open-access COMO O SER SE MOVE A OUTRO SER

HOW THE BEING MOVES TO ANOTHER BEING

COMO SE MUEVE EL SER A OTRO SER

RESUMO

Este trabalho visa, por meio de uma revisão bibliográfica sobre cosmos na literatura do Psicodrama, propor uma articulação teórica do conceito de cosmos encontrado com conceitos encontrados no livro de Max Scheler, A posição do homem no cosmos. Espera-se com este escrito ampliar a discussão e reflexão sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE Psicodrama; Conceitos; Filosofia; Max Scheler

ABSTRACT

Through a bibliographic review of cosmos in the Psychodrama literature, this work aims to propose a theoretical articulation of the concept of cosmos found with ideas found in Max Scheler’s book, The Position of man in the cosmos. I hope this writing will broaden the discussion and reflection on the subject.

KEYWORDS Psychodrama; Concepts; Philosophy; Max Scheler

RESUMEN

Este trabajo pretende, a través de una revisión bibliográfica sobre el cosmos en la literatura del Psicodrama, proponer una articulación teórica del concepto de cosmos encontrado con conceptos encontrados en el libro de Max Scheler, The Position del hombre en el cosmos. Se espera con este escrito ampliar la discusión y reflexión sobre el tema.

PALABRAS CLAVE Psicodrama; Conceptos; Filosofía; Max Scheler

INTRODUÇÃO

Entre os vários conceitos presentes na teoria psicodramática, alguns ficaram sem definição explícita, o que de certa forma se torna até normal, pois um autor muitas vezes não consegue, durante sua vida e obra, definir tudo aquilo que escreve e articula. Um destes é o conceito de cosmos. Moreno utilizou essa nomenclatura pela primeira vez no livro Palavras do Pai (1920/1992a) e, mais tarde, com mais especificidade em um artigo escrito com sua esposa Zerka, onde descreve os quatro universais (Moreno & Moreno, 1969/2006). O campo ainda pouco explorado e a dificuldade de propagação do entendimento do conceito muitas vezes causa confusão quando se utiliza o termo articulado com outro, por exemplo homem-cósmico, cosmologia, cosmovisão e outros.

Inferimos, no entanto, que esse conceito é fundamental para o entendimento da postura psicodramática como filosofia de revelação e método. Por entender essa importância, o presente trabalho objetiva ampliar a reflexão do conceito de cosmos por meio de um estudo detalhado do que foi escrito na literatura do psicodrama.

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada em três fases, sendo que na primeira foram efetuadas buscas de artigos científicos nas plataformas Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO), com a relação entre as palavras-chave: “psicodrama”, “cosmo”, “cosmos”, “cósmica”, “cósmico” e “cosmodrama”. A segunda fase ocorreu com a pesquisa na plataforma de buscas Google, objetivando citações e capítulos de livros com a relação entre as mesmas palavras-chave citadas acima. A terceira fase englobou uma rigorosa busca na Revista Brasileira de Psicodrama após sua reformulação, seguindo os critérios anteriores e buscando as palavras “cosmo”, “cosmos”, “cósmica”, “cósmico” e “cosmodrama” nos títulos e subtítulos, resumos, palavras-chave e subtítulos ao longo do corpo do texto.

Visando a ampliação da reflexão e discussão a respeito do tema, propomos uma articulação com o livro A Posição do Homem no Cosmos de Max Scheler (1928/2003), filósofo alemão contemporâneo a Moreno. O autor não era estranho a Moreno. Existem passagens onde Moreno cita Scheler (Moreno, 1934/2008, p. 255; Moreno, 1959/1983, p. 229), mas não se refere ao conceito de cosmos O livro traz uma visão ampla do sentido do cosmos e, de acordo com nossa perspectiva, auxilia no entendimento acerca do referido conceito. Nessa obra, Scheler faz uma explanação acerca das estruturas racionais e morfológicas dos seres vivos, articulando e estabelecendo relações entre plantas, animais e seres humanos. Aprofunda e descreve acerca do espírito humano, relação entre o humano e o divino e engloba, aí também, a natureza.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Revisitando a literatura

Entre o material encontrado com o tema na literatura psicodramática, podemos destacar como principal escrito do próprio J. L. Moreno um texto apresentado no Segundo Congresso Internacional de Psicodrama, em Barcelona na Espanha em 1966, que consta no livro Psicodrama: Teoria de Ação e Princípios da Prática (1969/2006). Esse texto se encontra também no livro O essencial de Moreno de Jonathan Fox (1987/2002) e mais resumido no livro Psicodrama, de Pierre Weil (1967).

Nesse texto, Moreno aborda os chamados Quatro Universais: tempo, espaço, realidade e cosmos, descrevendo-os em relação ao processo psicoterapêutico, no qual o objetivo principal do psicodrama era construir suas bases terapêuticas observando as modalidades da própria vida, como dito por Moreno mesmo, composta dos universais “tempo, espaço, realidade e cosmos” (Moreno & Moreno, 1969/2006, p. 18). Moreno (Fox, 1987/2002) descreve o homem não apenas como ser individual ou social, mas cósmico. Relata também que os fenômenos cósmicos devem ser integrados no processo terapêutico e que um método que não tem essa visão não pode ser considerado como tal. O método psicodramático, segundo ele, permite que os pacientes vivam diferentes situações dentro do setting terapêutico, pois a vida e a morte não existem, bem como a diferença entre sexos. “É, portanto, pela fé que o homem tem criatividade infinita no cosmo que o que ele incorpora no mundo psicodramático pode um dia tornar-se concretamente verdadeiro” (Fox, 1987/2002, p. 43), o que nos diz da importância das possibilidades que o cosmo trás para qualquer empreitada psicodramática.

Para Moreno,

[...] o lado cósmico do ser humano … não é, portanto, sua coincidência tanto mais perfeita ou tanto mais completa com uma Totalidade Divina, mas sua capacidade de se lançar nesse movimento de autossuperação infinito, esse sem-fim que é o próprio Deus moreniano (p. 88)

(Naffah Neto, citado por Gonçalves & Peres, 2012, p. 77).

Gonçalves e Peres (2012, p. 89) relatam ainda que a:

[...] herança de sua fase mística, a antropologia moreniana é marcada fundamentalmente por sua reflexão expressa na cosmodinâmica. Nela, o que salta, o que transcende o contexto, micro e macro histórico, indivíduo/ sociedade, ou seja, a dimensão cósmica, é o movimento contínuo, e dele depreende-se a criação e a transformação constantes.

Silva (2002, p. 77) descreve que “numa visão moreniana, há uma identificação com o universo, com discriminação. Moreno não dizia que o homem tem fome cósmica de identidade com o mundo?” Ela complementa nos dizendo que temos um cluster cósmico, que se movimenta por entre os demais clusters.

Ora, se possuímos um cacho de papéis cósmicos, em quais outras dimensões de nossa vida esse aspecto se explicita? Sprague (1998) relata que a sobrevivência humana não deve se modular num comportamento individual. Apela para que também:

[...] nos visualizemos em funcionamento responsável em três dimensões: a pessoal, a social e a cósmica. Não há nada de místico nisso; ele está apenas dizendo: vamos manter os pés solidamente plantados no chão, tentando resolver os problemas referentes a ele, mesmo quando tentamos alcançar as estrelas: tudo se encontra ligado. (p. 29)

Falando de outra forma, Lindqvist (1998) aborda a questão da vida e a descreve como palco cósmico. A possibilidade nos dada nesse palco, de atingirmos uma relação Eu-Tu, é o que nos permitirá restabelecer, em lampejos, a ligação cósmica (Fonseca Filho, 1980). A ligação cósmica é para Buber a relação de um Eu com o Tu eterno. A perspectiva desse Eu-Tu eterno, porém, mostra-se em cada Eu-Tu particular (Buber, 1923/2013).

Fonseca Filho reforça a ideia anterior quando diz que: “Encontro seria restabelecer as ligações cósmicas. Do cosmos veio o homem e no cosmos se encontrará. A origem da palavra-princípio Eu-Tu e do homem moreniano é a mesma — o homem é um ser cósmico” (2008, p. 82).

Corroborando com essa visão e articulando-a com o sentido de Deus fora da teodiceia, Mello (2012, p. 7) relata que “a concepção dessa divindade não institucional, que se irradia em centelhas, revoluciona a hierarquia da relação entre humano e divino e, a partir daí, revoluciona todas as relações”. Sobre essas centelhas, Fonseca Filho (2008, p. 83) diz que “seriam latências cósmicas à espera de liberação. O homem ensaiaria iluminar-se no viver instantâneo de suas heranças cósmicas”.

Sobre a forma de atuação psicodramática, Mello (2012, p. 1) ressalta que “a atenção dada à cosmogonia moreniana se justifica porque é ela que ajuda a compreender o caráter das intervenções psicodramáticas — às vezes poético, às vezes próximo a uma atmosfera que sugere magia — e fundamenta sua teoria”. Dessa forma, a própria relação entre terapeuta e paciente, ou entre os próprios pacientes, quando bem estabelecida, propiciaria a ligação cósmica, pois o próprio método favoreceria a isso, associado ao que Fox (1987/2002) nomeia de realidade suplementar, parte integrante da cosmodinâmica.

Entendemos que a cosmovisão de Moreno está presente de forma simbólica primeiramente em Palavras do Pai (1920/1992a), já que o faz de forma poética. A posição cientificista contemporânea tem, por natureza, a tendência em desvalorizar aquilo que não se adequa à sua linguagem, o que causa, por vezes, conflitos com posições primariamente artísticas: como a poética. Não pensamos que essa deva ser a norma, pois a arte se faz presente na cultura humana tanto ou mais tempo que a ciência, e por isso, não deve se tornar antiquada ou desvalorizada.

Em Palavras do Pai, explicita-se como uma das principais características do homem cósmico moreniano o conceito de responsabilidade, pois “a responsabilidade é o elo que nos une e nos liga ao cosmos” (Moreno, 1992a, p. 14). Assim como os indivíduos são ligados ao cosmos, Moreno entende que Deus está ali, pois “o Deus-cósmico veio primeiro …” (p. 13).

Sabemos, portanto, que o homem nasce com a potencialidade cósmica, mas através das conservas culturais perdem o contato com essa.

Quando a criança está no ventre materno, não repousa somente no útero da mãe, mas possui uma ligação muito mais profunda, uma ligação cósmica. No seio materno, o homem é iniciado no TUDO. Dele se esquece ao nascer, porém esta ligação persiste no seu interior

(Fonseca Filho, 1980, p. 38).

O que se busca, na verdade é um “religare, ligar, é o princípio de ‘tudo reunir’, de ligar em conjunto, a imaginação de um universalismo cósmico” (Moreno, 1959/1974, p. 21, grifo nosso), a busca então é nos afinarmos com esta consciência.

Quem traz uma definição bastante consciente desta busca é Moysés Aguiar (1988, p. 51):

[...] o conceito de cosmos refere-se ao todo maior, o mais amplo sistema imaginável, que inclui tudo o que existe. Dada a sua amplitude, o máximo que podemos conseguir é compreendê-lo intuitivamente e inefavelmente, ou com o auxílio de categorias lógicas da metafísica.

Ele não para por aí, reforça a atuação psicodramática e fala que:

[...] o contexto cósmico diz respeito, primeiro, a essa consciência globalizante e à opção epistemológica sistêmica …. Em segundo lugar, implica uma visão etológica, que considera o comportamento humano, em todas as suas modalidades individuais e coletivas, como indissociável do ambiente imediato e mediato com o qual se entrosa.

(Aguiar, 1988, p. 51)

Essa é uma clarificação que abre as portas para a articulação teórica que propomos a seguir.

Ad Infinitum 1

Nunca houve um momento em que tenha sido tão urgente indicar a todos os credos beligerantes e às ideologias, às nações e às raças em guerra que existe um princípio superior ao qual todos estamos submissos.

Moreno, 1920/1992a, p. 32

Se o pensamento e o agir do homem cósmico, segundo Moreno (1920/1992a), é o da corresponsabilidade pelo todo, esse aspecto deve pautar a conduta dos indivíduos e o ato criador deve estar em concordância com essa proposição. Aliado ao que podemos ver na maioria dos escritos a respeito do cosmos, que falam particularmente do aspecto relatado acima, onde se explicita também como foco principal a relação humana. Ademais o ser humano cósmico se reduz à relação com outros seres humanos? Scheler (1928/2003) infere que o pensamento cósmico deve englobar também a natureza e todas as formas de vida. A ação do homem cósmico deve estar de acordo com o meio em que vive, pois as soluções para tempos de crise não devem estar dissociadas de um olhar para a relação do homem com seus pares, mas também com a natureza, os seres vivos e o planeta como um todo, ou seja, com o cosmos. Parece, no entanto, que a humanidade sempre deixa esse aspecto em segundo plano, e o que se vê nos filmes de ficção científica parece estar cada vez mais perto de acontecer. Ou seja, o homem se propõe a ser espontâneo-criativo em várias atividades, papéis e até na própria tecnologia, mas muitas vezes se esquece de pensar que a natureza é essencial para sua sobrevivência, e que sua ação tem influência no todo.

A ação humana no planeta Terra se torna tão grande que não nos damos conta que milhões de pessoas passam fome, morrem sem condições mínimas de dignidade e de subsistência. Pensando dessa forma, a premissa do precursor do pensamento psicodramático de que: “um procedimento verdadeiramente terapêutico deve abranger toda a espécie humana” (Moreno, 1934/1992b, p. 216), não está sendo cumprido. Ou seja, estamos sendo responsáveis pelas nossas ações e em nosso cotidiano?

Para Max Scheler (1928/2003) o ambiente tem função intrínseca no desenvolvimento do ser humano enquanto é aquele ao qual são dirigidas as nossas esferas vitais e pulsionais. Assim como os animais, respondemos ao nosso ambiente atravessados por essas, e através delas é possível uma participação nas mudanças do ambiente. “poderes que não provêm da esfera pulsional e vital do homem — costumam forçosamente se ‘tornar risíveis’ na história do mundo” (p. 65, grifo do autor), dirá o filósofo. Para o autor, as denominações fisiológico e psicológico “são apenas dois lados da consideração de um e mesmo evento vital … [e] … só são diversos fenomenalmente” (p. 72, grifos do autor), pensando-se ontologicamente. Mas, para Scheler o ser humano é aquele que alcança o plano da espiritualidade e por conta da “força de seu espírito, pode se comportar em princípio asceticamente em relação à sua vida, à vida que o faz estremecer violentamente — subjugando e reprimindo os próprios impulsos pulsionais, isto é, recusando-lhes alimento através das imagens perceptivas e das representações” (Scheler, 1928/2003, p. 52-53, grifos do autor). O que está sendo dito aqui é que o homem não necessariamente precisa responder à realidade como ela é e pode, ao ser o asceta da vida questionar e protestar eternamente contra a primeira. Uma ferramenta fundamental para a mudança do mundo e integração a ele.

Um dos pensamentos que Scheler nos traz e que corrobora com a visão cósmica proposta por Moreno se dá na sua observação de que:

Tudo que é anímico é passível de objetivação — mas não o ato espiritual, a intentio, o que olha ainda os processos anímicos mesmos. Nós só podemos nos reunir ao ser de nossa pessoa, nos concentrar em sua direção — mas não podemos objetivá-lo. Como pessoas não podemos objetivar nem mesmo outras pessoas.

(Scheler, 1928/2003, p. 45, grifo do autor)

O que Scheler parece propor é um completo desgosto pela visão de transformar outra pessoa em objeto, em conserva-la a ponto de cristaliza-la. De fato, o ato espiritual da intentio, nos recorda aqui a posição espontânea apontada por Moreno. Ademais, pontua Scheler (1928/2003, p. 11) que “a essência espiritual do homem faz com que ele habite o âmbito sagrado da transcendência e se veja incessantemente ligado ao divino”.

Estar ligado ao divino é, para Moreno (1920/1992a), estar ligado ao cosmos, e estar ligado ao cosmos é estar em conexão com todos os que vieram antes, os que são e os que ainda virão. Uma posição de pura (co)responsabilidade, como já dito. Novamente Scheler (1928/2003, p. 46, grifos do autor) traduz palavras semelhantes enquanto diz que:

[...] só conseguimos conquistar uma participação nas pessoas se acompanharmos a realização e co-realizarmos seus atos livres. Isto só pode ser alcançado através do que é expresso pela mísera palavra “sequaz” ou através daquela “compreensão” que só é possível em meio à postura do amor espiritual.

Em nosso entendimento, o religare cósmico é aquele que nos possibilita acessar a espontaneidade, e esta soa, como já dito, semelhante à postura espiritual scheleriana. Ele diz mais sobre essa posição de compreensão colocando que essa é “por sua vez, o oposto mais extremo de toda objetivação” (1928/2003, p. 46).

Outro possível ponto de convergência, levantado em conta nossas reflexões é o da espontaneidade-criatividade moreniana e da necessidade de correspondência da esfera pulsional-vital com a esfera espiritual scheleriana. Para Moreno (1934/2008), a espontaneidade e a criatividade são transformadoras quando estão intrinsicamente associadas. O espontâneo que não é criativo é chamado de idiota, e o criativo sem espontaneidade é um criador sem braços. Da mesma forma, Scheler (1928/2003) acentua, como já dito acima que, para não cairmos no “perigo” de tornar nossa ação no mundo risível, não devemos relegar à espera pulsional-vital. Esta parece ter a conotação de mudança palpável no mundo, e deve ser “guiada” pela esfera espiritual para provocar tais mudanças. Inclusive, o autor (1928/2003, p. 54, grifos do autor) diz:

De acordo com a minha convicção, o ser do espírito não é absolutamente condicionado por aquela atividade negativa, por aquele “não” à realidade efetiva, por aquela rejeição e desativação dos centros pulsionais que dão sustentação ao acontecimento de realidade e imagem. Ao contrário, uma tal atividade não condiciona senão o seu fornecimento de energia, e, com isto, a sua capacidade de manifestação.

Moreno não nega as conservas culturais, mas põe em primazia a necessidade de nos mostrar espontâneos e criativos, independente delas.

Moreno e Scheler trarão então uma perspectiva de cocriação e de codependência de mundo, incluindo neste todas as formas de seres vivos e o ambiente em que se encontram. Enquanto Moreno nos fala da capacidade de sermos espontâneos enquanto estamos ligados ao cosmos, a tudo, Scheler aponta a imprescindível necessidade da atuação pulsional e vital, além da atuação espiritual, colocando o humano em contato direto com o mundo circundante e não elencando, assim, ao contrário de muitos outros pensadores, graus de importância aos que ali estão. Tudo, no pensamento desses autores, parece (ainda que qualitativamente diferentes), de alguma forma, permear tudo.

Entretanto os ciclos têm uma sequência natural de desenvolvimento e todas as partículas cósmicas se encontram interdependentes e, de certa forma, representando o Uno. “Como Deus é inseparável do Universo e o Universo é inseparável de cada homem que vive nele, necessariamente cada homem também é inseparável” (Moreno, 1992, p. 24), Se somos inseparáveis do Universo, somos também da natureza e de toda forma de vida menos complexa (Scheler, 1928/2003), e “quanto mais complexo o ser, mais consciente ele se torna, e mais se relaciona e se religa com todas as coisas” (Mello, 2012, p. 21).

Fonseca Filho (1980, p. 49). diz que “a divindade está na terra, no homem, entre os homens”. O que se vê, na verdade, hoje, é uma luta pelos recursos naturais, sua extração como instrumento, como objeto, que desvela guerras onde os povos se digladiam e se esvaem na sua desumanidade. Moreno e Scheler não estão sozinhos, outros colocam o pensamento de que

num sistema saudável — um indivíduo, uma sociedade ou um ecossistema — existe um equilíbrio entre integração e auto-afirmação. Esse equilíbrio não é estático, mas consiste numa interação dinâmica entre duas tendências complementares, o que torna todo sistema flexível e aberto à mudança. (Capra citado em Mello, 2012, p. 40)

A mudança, como visto, ocorre pela espontaneidade-criatividade moreniana e pelo ascetismo scheleriano. Ambos no mundo.

Sobre essa contemporaneidade da criação e até da ideação com o mundo, Scheler (1928/2003, p. 43) diz que “as ideias não são ‘antes’, não são ‘em’ e não são ‘depois’ das coisas, mas juntamente com elas: as ideias só são geradas no ato da constante concretização do mundo (criatio continua) no espírito eterno”. Essa colocação nos remete à citação de Moreno (1992,p. 153-154) de que “a espontaneidade pode estar presente numa pessoa quando ela está pensando, sentindo, descansando, trabalhando, etc...”, e que nos faz cogitar que para sermos espontâneos, o que precisamos de fato é estar no mundo, conectados ao espírito eterno que nasce d’Ele, conectados ao cosmo. Sobre a leitura do humano: “… um ser cósmico, responsável por todo o universo, por todas as formas do ser e por todos os valores. Moreno propôs que ‘o cosmos em devir é a primeira e última existência, sendo o valor supremo’ (Moreno, 1974, p. 22)” (Landini, 1998, p. 21).

Segundo Scheler (1928/2003, p. 89) “a gênese do homem e a gênese de Deus estão co-referidas reciprocamente”, mas para isso enfrenta dificuldades e empecilhos, “é por isto que é também perfeitamente compreensível o fato de o homem só chegar àquela consciência de sua cruzada conjunta, de sua co-obtenção da divindade, no curso de seu desenvolvimento e de seu autoconhecimento” (p. 90). Moreno (2008, p. 54) conversa novamente com esse autor quando fala quea luta contra as conservas culturais é uma característica marcante de toda nossa cultura. Ela expressa-se nas várias maneiras de se tentar escapar das conservas. O esforço para fugir do mundo conservado aparece como uma tentativa de voltar ao paraíso perdido, ao primeiro universo do homem.

Ele também pareceu entender essa dificuldade em resgatar o que foi relegado (Marineau, 1992), e, por conta disso, edificou cada vez mais sua filosofia e criou um método que visiona o resgate da espontaneidade, o contato com o infinito, com o cosmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento tecnológico permitiu ao homem estar conectado com o mundo através, dentre outras coisas, de uma tela de computador. Nossa ação espontânea deve acompanhar as novas formas de relacionamentos para que possamos ampliar essa ação e fomentar a revolução criadora. É expandindo o pensamento e a ação que temos possibilidade de reformular constantemente nossa civilização de acordo com o pensamento cósmico: “Eu sou responsável por todas as coisas que acontecerão no futuro e por todas as coisas que aconteceram no passado e, mesmo que eu não tenha qualquer ajuda para fazer as coisas, para remover a razão de ser do sofrimento ou para fazer qualquer outra coisa, eu tenho agora, uma aliança operacional com o mundo inteiro” (Moreno, 1992, p. 14). Moreno nos dá a entender que não devemos ficar apenas na imaginação ou no pensamento para a mudança da nossa realidade. Mesmo que não tenhamos ajuda de outros indivíduos para fazer aquilo que consideramos ético, para aquilo que denominamos corresponsabilidade e atuação do homem cósmico, devemos fazê-lo, pois nossa conduta não pode fugir disso. Aquele que possui conhecimento e não o aplica, não pode dizer realmente que o possui, pois de nada adianta conhecer e não aplicar.

Estar ligado ao cosmos implica em uma atitude coletiva e nunca individual. Dessa forma devemos afirmar que as atitudes humanas que não visam a harmonia e o agir espontâneo global não podem ser chamadas de atitudes cósmicas. Ou seja, ou pensamos também no todo, ou podemos agir contrário a ele. Não estamos aqui querendo suprimir o indivíduo, suas intenções e desejos, mas sim fazer com que a reflexão individualista e egocêntrica de indivíduos e, porque não, de governos e instituições sejam no mínimo repensadas para um agir global. Moreno (1923/1984) já anunciava a necessidade do homem de voltar ao plano sagrado, em busca do equilíbrio, não relegando o método do cientista moderno, mas integrando-o ao método do santo.

As colocações de Scheler também nos alertam para um necessário repensar de nossa posição cósmica, enquanto seres humanos. Nossa posição de ascetas nos possibilita e responsabiliza pelas direções, mudanças e desenvolvimentos que se dão no mundo, e nossas ações têm repercussão universal, afinal, para ele a “consciência do mundo, do si próprio e de Deus formam uma unidade estrutural ilacerável” (Scheler, 1928/2003, p. 86).

Entendemos que a conversa desses dois autores nos dá algo como que um Deus-eu-cósmico-espiritual, um ente que está em contato intrínseco com o mundo e assume seu status divino e sua possibilidade criadora neste contato. Fonseca Filho (1980, p. 42), para nós, finaliza: “Uma pessoa une-se a Deus, através do mundo e das criaturas”.

  • 1
    O termo ad infinitum vem do latim e significa “infinito”, “sem fim” etc. “The concept of infinite plays an important role in arguments for the existence of God” (“O conceito do infinito tem um papel importante nos argumentos da existência de Deus” em tradução livre). (Taliaferro & Marty., 2010, p. 6).

AGRADECIMENTOS

Não aplicável.

  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
    Não aplicável.
  • FINANCIAMENTO
    Não aplicável.

REFERÊNCIAS

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  • Buber, M. (2013). Eu e Tu Centauro. (Obra original publicada em 1923)
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Editado por

  • Editor de Seção: Fernando Cordovio

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2022
  • Aceito
    05 Jul 2022
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