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Mudando de cenário: a adaptação de uma protagonista presencial à psicoterapia on-line

Changing scenes: the adaptation of a face-to-face protagonist to online psychotherapy

Cambiando de escenario: la adaptación de una protagonista presencial a la psicoterapia on-line

RESUMO

Com a pandemia do coronavírus, as limitações do isolamento social fizeram da internet a ferramenta principal para a continuidade de nossas atividades. Psicodramatistas e pacientes precisaram ajustar os encontros às novas condições, migrando para o virtual e adaptando-se ao novo estilo de psicoterapia. Esta pesquisa investigou como uma protagonista do psicodrama bipessoal presencial se adaptou ao psicodrama on-line. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e explicativa, realizada por meio de pesquisa-ação, com uma paciente em psicoterapia presencial que apresentou desconforto em migrar para a modalidade on-line. Os resultados apontaram que a protagonista se adaptou ao psicodrama bipessoal on-line, um feito possível graças às inúmeras possibilidades da realidade hipersuplementar e ao ambiente seguro e confortável que seu lar representa para ela.

PALAVRAS-CHAVE
Psicodrama bipessoal; Psicodrama on-line; Psicoterapia on-line; Realidade hipersuplementar

ABSTRACT

With the coronavirus pandemic, the limitations of social isolation have made the internet the primary tool for our activities. Psychodramatists and patients needed to adjust their meetings to the new conditions, migrating to the virtual realm and adapting to this new style of psychotherapy. This research investigated how a protagonist of face-to-face bipersonal psychodrama adapted to online psychodrama. It was a qualitative, exploratory, and explanatory research conducted through action research with a patient in face-to-face psychotherapy who presented discomfort in migrating to the online modality. The results indicated that the protagonist adapted to online bipersonal psychodrama, a feat made possible by the numerous possibilities of the hyper-supplementary reality and the safe and comfortable environment that her home represents for her.

KEYWORDS
Bipersonal psychodrama; Online psychodrama; Online psychotherapy; Hypersupplementary reality

RESUMEN

Con la pandemia del coronavirus, internet se convirtió en la herramienta principal para nuestras actividades. Psicodramatistas y pacientes han tenido que ajustar los encuentros a las nuevas condiciones, migrando al ámbito virtual y adaptándose a este nuevo estilo de psicoterapia. Se investigó cómo una protagonista del psicodrama bipersonal presencial se adaptó al psicodrama on-line. Se trató de una investigación cualitativa, exploratoria y explicativa, realizada a través de investigación-acción con una paciente en psicoterapia presencial que mostró presentó malestar al migrar a la modalidad on-line. Los resultados indicaron que la protagonista se adaptó al psicodrama bipersonal on-line, un logro posible gracias a las numerosas posibilidades de la realidad hipersuplementaria y al ambiente seguro y confortable que el hogar representa para ella.

PALABRAS CLAVE
Psicodrama bipersonal; Psicodrama on-line; Psicoterapia on-line; Realidad hipersuplementaria

INTRODUÇÃO

Em 2020, com a instauração da pandemia do coronavírus, o mundo precisou adaptar-se às condições de isolamento social, contando com a internet como um meio para a continuidade das nossas atividades laborais, acadêmicas e sociais (APM, 2020Associação Paulista de Medicina (APM) (2020). Isolamento e quarentenas: como países estão lidando ao redor do mundo. APM. Recuperado de http://associacaopaulistamedicina.org.br/noticia/isolamento-e-quarentenas-como-paises-estao-lidando-ao-redor-do-mundo
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; Mesquita, 2020Mesquita, N. (2020). Isolamento social traz mudanças no comportamento e no modo de ver as dificuldades. Correio do Estado. Recuperado de https://correiodoestado.com.br/correio-b/isolamento-traz-mudancas-no-modo-de-ver-dificuldades/370566
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). A psicologia já havia permitido o uso da internet para algumas práticas desde 2012, mas a psicoterapia, por exemplo, ainda não estava tão familiarizada com o campo virtual, visto que o atendimento on-line só foi autorizado pelo Conselho Federal de Psicologia em 2018, e casos de urgência, emergência e violência só foram possíveis a partir de 2020 (Conselho Federal de Psicologia, 2018Conselho Federal de Psicologia (2018). Resolução CFP nº 11. Conselho Federal de Psicologia.; 2020Conselho Federal de Psicologia (2020). Resolução CFP nº 4. Conselho Federal de Psicologia.).

No contexto do psicodrama, falava-se pouco sobre a internet como possibilidade de palco. O psicodramatista estava habituado à ação daquilo que se pode ver e tocar, às salas e aos consultórios repletos de pessoas ou almofadas, com o toque físico entre seres humanos. O cenário virtual era ainda estranho, podendo gerar desconforto ou mesmo objeções por parte dos psicodramatistas a ocupar esse espaço. Segundo Guimarães e Brito (2023)Guimarães, L. & Brito, V. C. A. (2023). O medo precede o ato criativo: o fazer psicodramático virtual em meio à pandemia causada pela Covid-19. Revista Brasileira de Psicodrama, 31, e0223. https://doi.org/10.1590/psicodrama.v31.591
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, no campo emocional e prático, por vezes o medo e reações de defesa e alerta de psicodramatistas e protagonistas fizeram parte da caminhada nessa nova realidade social.

A forma definitiva de algum produto é chamada de conserva cultural e permanecerá inalterada até que necessite de um novo ato espontâneo criador (Menegazzo et al., 1992Menegazzo, C. M., Tomasini, M. A., & Zuretti, M. M. (1992). Dicionário de psicodrama e sociodrama. Ágora.). A conserva cultural do psicodrama por muito tempo foi que ele deveria ser realizado da maneira tradicional, como descrito pelo seu criador, até que em dado momento alguns elementos não foram mais adequados aos psicodramatistas e houve a necessidade de atos criativos.

A transformação faz parte da humanidade e, consequentemente, do psicodrama. Conforme Moreno (1953)Moreno, J. L. (1953). Who shall survive? Foundations of sociometry, group psychotherapy and socio-drama. Mental Health Resources., ao longo das transformações sociais, sobrevive aquele que é capaz de criar. Isso fica evidente ao longo dos anos, quando o psicodrama clássico, que contava com palco e plateia, obteve a vertente do psicodrama bipessoal, por exemplo, no qual apenas diretor e protagonista trocaram os tradicionais egos auxiliares pelos objetos auxiliares, tornando possível uma nova forma de fazer psicodrama (Cukier, 1992Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora.).

Hoje encontramos a internet como mais uma característica comum em meio aos relatos e artigos de psicólogos e psicodramatistas. Pesquisas como a de Fernández-Regueras et al. (2023)Fernández-Regueras, D., Calero-Elvira, A., & Guerrero-Escagedo, M. C. (2023). Comparativa de indicadores clínicos entre terapia presencial y terapia online por videoconferencia: éxito, adherencia al tratamiento y eficiencia. Behavioral Psychology/Psicología Conductual, 31(3), 543-562. https://doi.org/10.51668/bp.8323306s
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já se dedicam a compreender as diferenças de adesão e resultado entre psicoterapia on-line e presencial, dando ênfase à importância da relação terapêutica independentemente da modalidade. Pagung et al. (2023)Pagung, V., Coelho, G. N. V., de Brito, M. L., Pereira Filho, R. P., de Albuquerque, M. W. C., Zanotto Filho, R. L., Dias, G. C., Demenech, L. M., Leite, K. Q., De Souza, J. M., Pereira, N. B. E., Sampaio, N. C. S., Lima, M. F. P. P., Lopes, G. C. G., Ferrari, C., De Carvalho, K. F. S., Cunha, C. O., Barbosa, J. D. M., & Noleto, I. O. B. (2023). Avaliação da eficácia da psicoterapia on-line versus presencial no tratamento de transtornos de humor. Brazilian Journal of Health Review, 6(6), 30330-30345. https://doi.org/10.34119/bjhrv6n6-289
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afirmam que a psicoterapia on-line é mais eficaz do que a forma presencial em transtornos do humor.

Com o psicodrama on-line não foi diferente. A cada dia, novas pesquisas vêm mostrando que o ambiente virtual é apenas uma forma de se fazer psicodrama. Tarashoeva (2022)Tarashoeva, G. (2022). Interferência das diferentes realidades quando se trabalha com psicodrama online e seu efeito sobre o protagonista e o grupo. Revista Brasileira de Psicodrama, 30, e0622. https://doi.org/10.1590/psicodrama.v30.507
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explica que o psicodrama on-line oferece possibilidades para um processo psicoterapêutico tão completo quanto o presencial.

Foi necessária uma adaptação intensa não apenas dos psicodramatistas, porém também de seus protagonistas, para que as técnicas e o manejo psicodramático fossem adequados à realidade suplementar virtual e se tornassem novas conservas culturais. Entretanto, com a naturalização do on-line, a forma como psicodramatistas e protagonistas se adaptaram ao psicodrama virtual foi pouco documentada. Tudo o que hoje é naturalizado já foi em algum momento objeto de estranhamento e apreensão, assim como tudo aquilo que se apresenta como novo um dia.

A psicoterapeuta que realizou esta pesquisa apresentou desconforto diante da mudança de trabalho. Um desconforto não apenas emocional, mas físico também. Em adaptação às chamadas de vídeo no espaço da sua casa, a poltrona do consultório foi substituída pela cadeira de jantar, a cama e até o chão. Aos poucos, buscar conforto por meio das adaptações foi tornando-se natural, assim como trabalhar de pantufas passou a ser muito prazeroso.

Os protagonistas com quem a pesquisadora se encontrou virtualmente descobriram juntamente com ela o quanto pode ser confortável falar do seu íntimo em um espaço igualmente tão íntimo quanto o seu lar, com o corpo livre nas roupas de ficar em casa, aconchegados em suas camas, abraçados a seus bichinhos de estimação. Estranhamente, o afastamento do virtual permitiu formas ainda mais próximas de relação entre psicoterapeuta e paciente, diretora e protagonista.

Mas como foi possível que chegássemos a esse conforto com o psicodrama on-line? Quais foram os capítulos e nuanças que fizeram parte da transformação do que era conhecido como psicoterapia com psicodrama? Quais cenas compuseram as primeiras dramatizações no novo cenário e contexto? Para que lembremos o que um dia já foi novo e estranho, faz-se necessário o registro desses processos com um olhar sensível e acolhedor àqueles que fizeram parte da jornada de um novo momento do psicodrama.

Portanto, esta pesquisa busca relatar como foi o processo de adaptação de uma protagonista do psicodrama bipessoal presencial ao psicodrama on-line durante a pandemia do coronavírus, em 2020.

METODOLOGIA

Esta pesquisa configura-se como qualitativa, exploratória e explicativa, realizada por meio de pesquisa-ação. Sua abordagem qualitativa deve-se ao objetivo de compreender o fenômeno estudado (Silveira & Córdova, 2009Silveira, D. T., & Córdova, F. P. (2009). Unidade 2 – A pesquisa científica. Métodos de pesquisa, 31-42.). Propõe-se explorar o tema da psicoterapia on-line com o psicodrama, proporcionando maior familiaridade e compreensão com relação ao assunto abordado, o que se caracteriza como uma pesquisa exploratória. A pesquisa também pode ser considerada explicativa, pois busca identificar fatores que contribuem com os fenômenos estudados, nesse caso o desenvolvimento da espontaneidade e criatividade pela psicoterapia psicodramática on-line (Gil, 2007Gil, A. C. (2007). Como elaborar projetos de pesquisa (4ª ed.). Atlas.). Os procedimentos adotados são os de pesquisa-ação, porque a pesquisadora observa, identifica o conflito e planeja a intervenção com base no conteúdo coletado na primeira etapa (Silveira & Córdova, 2009Silveira, D. T., & Córdova, F. P. (2009). Unidade 2 – A pesquisa científica. Métodos de pesquisa, 31-42.).

A pesquisa foi realizada utilizando como amostra uma paciente já atendida em psicoterapia presencial com psicodrama bipessoal que não se sentiu confortável com a migração para a modalidade on-line durante a pandemia e preferiu realizar uma pausa voluntária nas sessões, mas que em um segundo momento sentiu necessidade de voltar à psicoterapia e a procurou no modo on-line.

Os instrumentos utilizados foram aparelho celular com bom acesso à internet, fones de ouvido, ambiente sigiloso e o aplicativo WhatsApp, para a realização de chamada de vídeo. Além disso, como instrumentos do psicodrama, estavam presentes o papel de diretora, representada pela pesquisadora, bem como a protagonista, ou seja, a paciente em questão, e os egos auxiliares, desempenhados pela diretora e objetos intermediários presentes nos cenários da protagonista e da diretora. Não houve plateia, estando condizente com o psicodrama bipessoal, e o palco foram as telas dos celulares da diretora e da protagonista, que ofereceram acesso aos seus cenários físicos (Rodrigues, 2007Rodrigues, R. (2007). Quadros de referência para intervenções grupais: Psico-Sociodramáticas. DPSedes.; Vidal & Castro, 2020Vidal, G. P. & Castro, A. (2020). O psicodrama clínico on-line: uma conexão possível. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(1), 54-64. https://doi.org/10.15329/2318-0498.20196
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).

A participação da protagonista foi anônima e voluntária, após apresentação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi submetida ao conselho do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e aprovada, sob o parecer número 4.612.033. O nome da participante permaneceu em sigilo, sendo substituído por um nome fictício, assim como qualquer informação que pudesse expor sua identidade.

O período da pesquisa foi composto de seis atendimentos, realizados de maneira on-line, com frequência semanal e duração de 50 minutos, entre os meses de maio e julho de 2020. A estratégia de pesquisa-ação utilizada foi o psicodrama bipessoal, considerando as etapas de aquecimento (específico e inespecífico), dramatização e compartilhamento.

INTERVENÇÃO E ANÁLISE

O paciente da psicoterapia com psicodrama é chamado de protagonista. O termo é adequado à amplitude de representações que esse papel pode ter no contexto psicodramático. Aquele que protagoniza é quem se oferece à ação. Ele escolhe a cena, expõe o seu drama, a dor interior e propõe-se a atuar diante do que está no palco. Portanto, um paciente ativo em seus dramas e nas ações é senão um protagonista do psicodrama (Menegazzo et al., 1992Menegazzo, C. M., Tomasini, M. A., & Zuretti, M. M. (1992). Dicionário de psicodrama e sociodrama. Ágora.).

A protagonista em questão se chamava Dália (nome fictício escolhido por conta da flor). A paciente, de 24 anos, havia procurado a psicoterapia por conta de sintomas de ansiedade, crises de pânico e alguns sintomas depressivos. Queixava-se de crises de pânico, dores no peito, tremores, medo da morte e choro constante quando ficava longe da esposa ou fora de casa. Além disso, relatava sentimentos de angústia e vazio, tristeza, autoestima baixa e desejo de sua própria morte acidental. Ela havia desistido da medicação psiquiátrica em função dos efeitos colaterais, pediu demissão do estágio e desistiu do magistério, contava com a fé como ferramenta para amenizar a sua dor. Em casa relatava dificuldade de realizar tarefas diárias de autocuidado e higiene, movimentando-se apenas para comer alimentos prontos e industrializados em grandes quantidades, já que não tinha ânimo para preparar nada.

Dália já estava em psicoterapia por sete meses na modalidade do psicodrama bipessoal presencial quando se instaurou a pandemia do coronavírus, em março de 2020. Ao longo do processo psicoterapêutico presencial, o desenvolvimento do vínculo entre a protagonista e a psicoterapeuta foi constante. Foram empregadas técnicas que facilitavam o autoconhecimento de Dália, de modo que ela começou a identificar seus próprios desejos e sonhos, estabelecendo medidas de autocuidado e planejamento de vida e carreira.

Até o momento do início da pandemia, Dália realizava atividades de higiene pessoal diariamente, cozinhava algumas vezes por semana, começou um curso de manicure e passou a trabalhar na área. Ela já não tinha crises de pânico, não se referia mais aos sentimentos de vazio e tristeza constantes e parou de desejar sua própria morte. Tinha esperança em seu próprio futuro, um plano de crescimento na carreira e na vida. Nesse momento, sua queixa era mais focada nos relacionamentos interpessoais e na manutenção do autocuidado. A psicoterapia do modo como Dália conhecia possibilitou verdadeiras transformações em sua vida, gerando uma conserva cultural de que “psicoterapia se faz dessa forma, e essa forma funciona para mim”.

Com o isolamento social, a psicoterapeuta optou por não realizar atendimentos presenciais, oferecendo a possibilidade de atendimento virtual. No primeiro momento, a paciente ofereceu recusa imediata, alegou não ter um bom local para realizar a psicoterapia e dificuldade financeira decorrente da pandemia, já que seu volume de trabalho fora drasticamente diminuído. Assim, afirmou que aguardaria as coisas voltarem ao normal para retomar as sessões presencialmente, ou seja, no formato que ela já conhecia e sabia que funcionava para ela.

Passaram-se dois meses, e a realidade social era a de uma pandemia prolongada e da internet como único meio de realização de muitas atividades, incluindo a psicoterapia. Dália procurou a psicoterapeuta para “tentar” a psicoterapia on-line, segundo ela.

A primeira sessão foi marcada pelo aquecimento no novo cenário, afinal a partir dali a psicoterapia aconteceria no local que Dália afirmava não ser bom para isso. Após os cumprimentos, a protagonista percebeu que o sinal de internet não estava funcionando bem na sala de sua casa. Foi para o quarto, fechou a janela, para bloquear os ruídos da rua, mostrou rapidamente o seu quarto, as prateleiras, os livros, a arara de roupas, sentou-se na cama e cobriu-se. “Meu Deus, estou falando contigo de pijamas”, exclamou, em meio a risadas. “Então somos duas!”, respondeu a diretora, complementando que o uniforme da psicóloga on-line incluía calça de pijama e pantufas também. Assim começou a nova etapa da psicoterapia de Dália, ela na casa dela, a diretora na sua, com adaptações por conta do ambiente físico e do sinal da internet e duas pessoas dispostas a estarem presentes, da maneira que fosse.

De acordo com Rodrigues (2020)Rodrigues, C. (2020). Psicoterapia presencial e on-line: caminhos diferentes que se encontram. Dialética., momentos íntimos e a intimidade do ambiente familiar podem funcionar como elementos de construção do vínculo entre psicoterapeuta e paciente. No caso de Dália, a intimidade começou com o estranhamento – “Meu Deus” –, mas foi seguida de risos e do alívio de saber que esse elemento de conforto também era compartilhado com a psicoterapeuta. Conforme afirmam Vidal e Ferracini (2024)Vidal, G. P., & Ferracini, L. G. (2024). O eu em nós: marcas e aproximações de uma diretora no processo psicoterápico. Revista Brasileira de Psicodrama, 32, e0224. https://doi.org/10.1590/psicodrama.v32.634
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, diretor e protagonista compartilham humanidade.

Definitivamente, a nova etapa do processo psicoterapêutico de Dália já se iniciava compartilhando a humanidade dos dois lados e aumentando ainda mais o vínculo já existente.

Nessa primeira sessão, a protagonista começou desabafando sobre os desafios de estar distante da família em momentos de pandemia, preocupando-se com a saúde dos seus familiares e a dinâmica pouco saudável das relações entre eles. A paciente relatava muita indignação e vontade de falar para eles o que eles precisavam ouvir.

Como aquecimento específico, a diretora pediu para que Dália pensasse um pouco sobre quem precisava ouvir algo dela e escolhesse objetos disponíveis no seu cenário para representar cada uma dessas pessoas. A materialização de um conteúdo do protagonista é chamada de concretização (Cukier, 1992Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora.). Conforme Guimarães (2020)Guimarães, L. A. (2020). Imagodrama: uso de bonecos e objetos-auxiliares em psicodrama individual e on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(2), 106-117. Recuperado de https://doi.org/10.15329/2318-0498.20039
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, os egos auxiliares tradicionais do psicodrama podem ser substituídos na modalidade on-line por objetos auxiliares pequenos e que caibam no cenário que é mostrado na câmera em uma chamada de vídeo. Dessa maneira, para a concretização, Dália escolheu como objetos auxiliares um furador de papel, uma tesoura, um livro e um marca-página, os quais alinhou lado a lado em cima da cama, mostrando os objetos à diretora com a câmera apontada para baixo.

A tomada de papel, técnica na qual o protagonista reproduz o papel de alguma relação importante (Cukier, 1992Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora.), era uma atividade comum para Dália enquanto estava ainda na psicoterapia presencial, de modo que ela apresentava facilidade desde as primeiras sessões, aquecendo-se bem rapidamente nos papéis que desempenhava no palco. Então a diretora pediu para que ela voltasse a câmera para o seu rosto e se apresentasse como um dos objetos, aquele que mais chamava a sua atenção. Dália tomou o papel do furador, que representava o avô, afirmando que ele furava as pessoas com suas palavras de ordem carregadas de ódio. Em seguida, apresentou-se em primeira pessoa como cada um dos objetos. Deu ênfase ao livro, que representava sua mãe, com muito orgulho das páginas cheias de história, mas com muito pesar de terem sido escritas por qualquer um que quisesse escrevê-las, já que o livro não conseguia se escrever sozinho.

Dália, assim como no atendimento presencial, teve facilidade de encontrar objetos que representassem as figuras de conflito, já sabendo como funcionava a tomada de papel e fazendo o possível para que a diretora, pela câmera do celular, participasse do seu cenário também.

De volta ao próprio papel e diante dos objetos intermediários que representavam as quatro pessoas da família, Dália teve a chance de falar para todos esses objetos o que eles precisavam ouvir, segundo ela. Aos avós, enquanto furador de papel e tesoura, ela pediu que deixassem a mãe em paz e prestassem mais atenção na saúde dela também. Para a mãe, reforçou que ela precisava fazer as próprias escolhas e saber dizer não. Para o marcador de páginas, que representava o irmão, ela só disse que precisava estar informada sobre o que acontecia lá e que isso era tudo o que ele poderia fazer.

Segundo Nery (2021)Nery, M. P. (2021). Psicodrama e métodos de ação on-line: teorias e práticas. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(2), 107-116. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00442_PT
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, chama-se realidade suplementar aquilo que é produzido no contexto dramático com base na realidade social e nos papéis imaginários do protagonista. À realidade suplementar no contexto on-line, a autora chama de realidade hipersuplementar, pois integra o imaginário, a realidade social e o vínculo terapêutico que ocorre no ambiente virtual. A realidade hipersuplementar possibilitou que Dália ressignificasse suas relações e expusesse suas necessidades, tornando os conteúdos da realidade social mais coconscientes, o que Moreno (2016)Moreno, J. L. (2016). Psicodrama. Cultrix. explica ser a função da realidade suplementar.

Após despedir-se dos objetos e voltar para o próprio papel, Dália relatou sentir-se aliviada por ter falado para sua família o que precisava, mas que de fato não iria falar essas coisas na realidade, pois não adiantaria nada. De acordo com Zerka Moreno (2001)Moreno, Z. T. (2001). Realidade suplementar e a arte de curar. Summus., o insight sozinho não é capaz de curar. A cura vem da mudança de comportamento que ele proporciona quando somado à espontaneidade e à criatividade. No caso de Dália, ela descobriu suas necessidades, mas faltou espontaneidade e criatividade para transformar o conhecimento em ação.

Nas sessões seguintes, pouco a pouco Dália foi sentindo-se mais à vontade com o psicodrama em sua casa, o que ocorreu à medida que a diretora a convidava a incorporar nas dramatizações os objetos auxiliares ao seu alcance. A fim de proporcionar um reconhecimento do eu, a diretora propôs uma técnica de videoteipe com a protagonista, definida por Fonseca (1999)Fonseca, J. S. (1999). Psicoterapia da relação: elementos de psicodrama contemporâneo. Ágora. como a revivência de algo ocorrido no passado do protagonista por meio da visualização de imagens internas. Além disso, propôs uma projeção de futuro, para visualizar e elaborar com a protagonista caminhos possíveis a partir desse novo momento da psicoterapia (Cukier, 1992Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora.).

Dessa forma, a protagonista foi guiada em um relaxamento progressivo, seguido de uma viagem no tempo, na qual ela poderia se enxergar novamente como a Dália que procurou a psicoterapia pela primeira vez. Depois, foi-lhe solicitado que observasse a si mesma nos meses seguintes, até o presente momento, de modo que pudesse se observar e identificar as suas qualidades e preocupações no momento atual. Em seguida, foi orientado que ela se observasse no futuro, vendo-se depois de algum tempo de psicoterapia, com as mudanças que haviam ocorrido, e como ela se sentia nesse momento.

Após o videoteipe, a diretora pediu para que a protagonista observasse os objetos ao seu redor e escolhesse um objeto intermediário para representar e concretizar seu eu do passado, aquele que procurou a psicoterapia pela primeira vez. Dália escolheu uma correia de moto que é usada como enfeite na parede da sala. Nomeando-se como correia quebrada, dizia estar muito enrolada em si mesma e presa nessa enrolação. Além disso, estava num canto da parede e ninguém a via. Ela mesma era a única que poderia tirá-la dessa enrolação e estava começando a se ajudar pedindo ajuda.

Quando a diretora pediu que Dália escolhesse um objeto para representá-la no presente, ela de pronto escolheu um vaso com uma orquídea que ficava na cozinha. Rapidamente entrou no papel, sentindo-se empolgada. Apresentava-se como uma orquídea muito bonita e florida, dizendo que florescera muito nos últimos meses. A diretora questionou-a como era cuidada para florescer tanto assim, e a protagonista respondeu que era artificial, muito bonita para quem vê, mas que não iria florescer mais do que aquilo. Continuando o diálogo, deu-se conta de que uma flor real poderia crescer muito mais, mas também murchar e morrer. Aos risos, afirmou que a orquídea falsa estava acumulando pó e dejetos de mosca.

Quando questionada sobre qual objeto poderia representar bem a Dália do futuro, ela escolheu um brinquedo da afilhada que estava em sua casa e pegou-o na mão com carinho. Mostrou na câmera frontal uma girafa de plástico, com rodinhas e alguns buracos em formas geométricas para encaixar peças correspondentes. No papel de girafa, a protagonista relatou ter um pescoço longo para olhar bem alto e bem longe, as rodas levavam-na aonde sua visão alcançava, não importava quão distante fosse, e sua cor era amarela, bastante vibrante e feliz. Os buracos pelo corpo eram coisas que faltavam em si e que ela foi preenchendo na psicoterapia.

No compartilhamento, ao voltar para o próprio papel, Dália refletiu sobre a orquídea artificial, notando-se paralisada diante dos conflitos que vivia. Ela escolhia não falar a respeito de suas indignações para evitar conflitos, porém isso vinha desestabilizando-a por dentro e ela precisava ter menos medo de falar o que pensava para poder evoluir. A protagonista percebeu que a conserva cultural de manter-se estática diante das situações já não era mais funcional, de maneira que ela necessitava desenvolver sua espontaneidade para criar respostas diferentes a essas situações.

A dramatização com objetos auxiliares realizada em um contexto de familiaridade para a protagonista pôde oferecer uma camada a mais de conforto. Os objetos eram conhecidos por Dália e tinham significado afetivo, permitindo que fossem explorados com maior intimidade.

Na terceira sessão foi explorado um psicodrama que não contou com o uso de objetos auxiliares. Foi aplicada a técnica da tomada de papel, por meio da qual a protagonista deu voz à própria esposa para ilustrar um conflito vivenciado pelo casal. Quando o sujeito desempenha um papel na realidade suplementar, é facilitada a percepção adequada do seu contrapapel, o que facilita também a percepção do seu próprio papel (Fonseca, 2008Fonseca, J. S. (2008). Psicodrama da loucura: correlações entre Bulber e Moreno. Ágora.). Na dramatização, a esposa falava não entender exatamente o que incomodava Dália, pois ela não se comunicava. Dália voltou ao próprio papel para defender-se, dizendo que a sogra se intrometia demais, coisa que nem sua própria mãe fazia. Nesse momento, a diretora utilizou a técnica de duplos, interpretando aquilo a que o protagonista não consegue dar voz (Moreno & Moreno, 2006Moreno, J. L., & Moreno, Z. T. (2006). Psicodrama: teoria da ação & princípios na prática. Daimon.): “Eu queria que minha mãe estivesse aqui para fazer o mesmo por mim”, o que abriu espaço para que a protagonista dissesse que, quanto mais próxima se faz a sogra, mais ela se lembra da distância da mãe.

Com autorização de Dália, a diretora fez mais duplos, afirmando: “O que me incomoda na verdade não são as pessoas; é a maneira como eu lido com elas e a minha dificuldade em colocar limites”. Ela concordou, dizendo que não sabia fazer diferente, e foi convidada a um novo videoteipe para encontrar o momento em que precisou aprender a ser assim.

De olhos fechados, Dália descreveu uma cena de bullying na infância em primeira pessoa, na qual sentia necessidade de um colo, e optou por dar a essa cena um fim em que ela mesma, adulta, a acolhia, a abraçava e lhe dizia que tudo ficaria bem. Ainda nesse abraço, a diretora pediu para que ela acolhesse sua criança e a guardasse dentro do peito. Tratando-se de uma cena de reconciliação com a criança interna e com o tempo escasso (pois se tratava do fim da sessão), a técnica escolhida possibilitou que a imaginação fizesse seu serviço sem precisar contar com elementos físicos no palco ou aquecimentos de uma cena aberta mais detalhada. Segundo Cukier (1998)Cukier, R. (1998). Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. Ágora., o primeiro passo para o protagonista cuidar de sua criança interna é aceitando-a e acolhendo-a, para que depois possa repará-la.

Ficou evidente, por meio desse encontro, que o cenário e os objetos à disposição pouco importam perante uma protagonista bem aquecida, um ambiente acolhedor e um bom vínculo com a diretora. Conforme Perazzo (2019)Perazzo, S. (2019). Ainda e sempre psicodrama (2ª ed.). Ágora., o vínculo entre diretor e protagonista também passa a ser um elemento de manutenção não apenas do aquecimento, mas da própria dramatização em uma sessão psicodramática. Pieta e Gomes (2014)Pieta, M. A. M., & Gomes, W. B. (2014). Psicoterapia pela internet: viável ou inviável? Psicologia: Ciência e Profissão, 34(1), 18-31. https://doi.org/10.1590/S1414-98932014000100003
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já afirmavam que não há diferenças significativas na vinculação entre psicoterapeuta e paciente na psicoterapia on-line ou presencial. Logo, o vínculo que existia entre as duas permaneceu, mesmo com o encontro sendo virtual.

Na quarta sessão, em um aquecimento verbal e com auxílio de alguns duplos, protagonista e diretora conversaram sobre como aconteciam coisas com as quais Dália não concordava, mas ela não expunha a insatisfação. Para que pudesse investigar melhor a relação da protagonista com o ato de negar, a diretora optou por uma técnica adaptada de iniciador corporal. Segundo Almeida (1998)Almeida, W. C. (1998). Técnicas dos iniciadores. In: R. F. Monteiro (ed.). Técnicas fundamentais do psicodrama. Ágora., o iniciador físico é aquele que parte de qualquer acontecimento com atividades musculares que desperte algo no protagonista. A diretora pediu que Dália representasse o não com várias partes do corpo e maximizasse esses movimentos, convidada a associar livremente o que aquilo lembrava a ela. Então, lembrou-se dos pais na sua infância, descreveu uma cena em que ambos lhe diziam “não” e seu pai a agredia quando ela não obedecia às ordens dadas.

Explorando a cena e entrevistando Dália no papel de seu pai, a diretora buscava os motivos pelos quais ele batia na filha. “Ela sabe porque está apanhando” foi a resposta obtida. Na mesma cena, Dália é convidada a voltar ao seu papel de criança e explicar o porquê das agressões: “Eu não sei. Eu nunca sei por que apanho. Passo o tempo todo nervosa, pensando se vou apanhar ou não do meu pai. Aí, quando eu apanho, nem sei o porquê”. A diretora complementa com um duplo: “Vivo todos os dias com medo de desagradar e apanhar a qualquer momento. Acho que, quando faço o que quero, eu vou desagradar e apanhar”. Nesse momento, o duplo feito pela diretora também representou uma aproximação interior entre diretora e protagonista, o que, segundo Perazzo (2019)Perazzo, S. (2019). Ainda e sempre psicodrama (2ª ed.). Ágora., é um ponto importante de aquecimento para a ação dramática.

Em seguida, a diretora perguntou o que Dália gostaria de falar ao pai se soubesse que ele iria ouvir. Utilizando a mesa como cenário, a protagonista colocou sua garrafa de água em frente à câmera para representá-lo. Guimarães (2020)Guimarães, L. A. (2020). Imagodrama: uso de bonecos e objetos-auxiliares em psicodrama individual e on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(2), 106-117. Recuperado de https://doi.org/10.15329/2318-0498.20039
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acredita que a mesa seja o espaço ideal para o diretor explorar o cenário por meio de objetos auxiliares. Ainda no papel de criança, Dália rapidamente compreendeu a função da garrafa de água enquanto objeto auxiliar.

Cukier (1992)Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora. afirma que algumas técnicas são importantes desde o início do processo psicoterapêutico para treinar o protagonista em dramatizações. No caso de Dália, fica evidente a importância de o protagonista ser treinado pelas técnicas do psicodrama sessão após sessão, de maneira que ela estava tão habituada ao método que não eram mais necessárias instruções para que a cena se desenrolasse. Assim, ela falou com o pai: “Você não precisa bater sempre em mim. Eu quero saber quando estou errada na sua visão para poder consertar. Quando você me bate, eu não sei o que está errado, só fico com medo o tempo todo”. Sem querer acrescentar mais nada, Dália voltou a si, com lágrimas nos olhos, e compartilhou que ainda carregava o medo consigo e a grosseria como modo de defesa. Novamente a protagonista obteve um insight sem transformá-lo em ação.

A quinta sessão foi marcada por uma grande queixa da insatisfação de Dália consigo mesma. Durante o aquecimento verbal, passou a ficar evidente a vontade que a protagonista tinha de dar orgulho à mãe e cumprir com as expectativas dela, sentimento que a acompanha desde os 19 anos, quando desistiu da faculdade. Quando convidada pela diretora a tomar o papel de si mesma aos 19, a protagonista foi rápida, dizendo que começou a faculdade de logística para agradar não apenas à mãe, mas também os demais familiares, que achavam uma medida importante para que ela não ficasse sem oportunidades em sua cidade. Ela não se manteve muito tempo no curso por estar desconfortável e desmotivada, porém passou a sentir-se perdida, sem saber o que fazer para agradar. “Isso me lembra da Dália criança, com quem conversei semana passada, que quer agradar o tempo todo, não sabe como, apanha e não sabe o porquê…”, acrescentou a diretora. A protagonista disse sentir-se assim desde criança, querendo agradar e não sabendo como.

Assim, Dália foi convidada a explicar para Dália criança o que acontecia, já que ninguém havia feito isso. A diretora escolheu uma caneta como objeto auxiliar para representar Dália criança. De acordo com Cardoso Jr. (2021)Cardoso Jr., A. L. (2021). Palco, cena e corpo no psicodrama on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(1), 65-70. https://doi.org/10.15329/2318-0498.21746
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, em uma situação de psicodrama virtual em que não há distinção clara entre contexto, palco e cenário, o palco depende da ação criativa do diretor, que delimita o que fica dentro ou fora do cenário. Nesse caso, a caneta estava no palco. “Daliazinha, o seu pai te bate na verdade porque ele está frustrado com ele mesmo. As pessoas se sentem frustradas com elas mesmas e descontam na gente. Todo o mundo bate!”, explicou Dália. “Todo o mundo bate?”, estranhou a diretora. Um pouco surpresa e pensativa, a protagonista continuou: “É, Daliazinha, você tem medo de apanhar, mas não é todo mundo que bate”. “E nem todo o mundo sabe o que quer, por isso é tão difícil a gente agradar todo o mundo!”, acrescentou a diretora, enquanto duplo. “O pai não sabia o que queria e você também não sabia como agradá-lo. [...] Você não deve comprar as ideias dos outros, porque às vezes nem a pessoa sabe o que quer”, aconselhou Dália à sua criança.

Em seguida, Dália foi convidada a explicar também para a jovem Dália de 19 anos o que ela precisava entender e ninguém dizia. Para isso, concretizou-a com uma nova caneta, de outra cor. “Dália, você nunca vai ter certeza de nada! [...] A gente nunca sabe o que vai dar certo no futuro, não tem como saber. E os outros também não têm certeza. Por isso, quando for escolher alguma coisa, escolha o que faz sentido pra ti!”, explicava Dália com leveza e afeto.

Em seguida, a diretora trouxe a mãe, a pessoa com quem Dália se preocupava no início da sessão por estar magoando-a, concretizando-a com uma terceira caneta. De acordo com Guimarães (2020)Guimarães, L. A. (2020). Imagodrama: uso de bonecos e objetos-auxiliares em psicodrama individual e on-line. Revista Brasileira de Psicodrama, 28(2), 106-117. Recuperado de https://doi.org/10.15329/2318-0498.20039
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, o diretor no contexto on-line que também cumpre uma função de ego auxiliar pode posicionar seus próprios objetos em frente à câmera para a construção de imagens sem que seja necessário o comprometimento corporal do protagonista. Assim, Dália falou com a mãe: “Mãe, eu sei que tu não deixas de me amar quando eu não cumpro suas expectativas. Na verdade, você nem se magoa tanto assim… Eu te amo, mas o que eu preciso mesmo é me ouvir mais e parar de pensar tanto no que você vai achar!”.

Na formação da matriz de identidade de Dália houve pouco afeto e acolhimento no papel complementar materno, o que, conforme Bustos (1979)Bustos, D. M. (1979). Perigo... amor à vista. Drama e psicodrama de casais. Aleph., representa a base de desenvolvimento dos seus demais papéis ao longo da vida. Na realidade hipersuplementar, Dália pôde se reconhecer, cuidar de si mesma e inserir em sua matriz um cluster materno saudável pelo afeto, o que Cukier (1992)Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora. explica como uma ressignificação da matriz de identidade. No compartilhamento dessa sessão, Dália reforçou que todas essas pessoas que sugerem o que ela deve fazer não têm certeza de como será o futuro, assim como ela, por isso ela precisava ouvir-se mais e colocar em prática o que queria. Nesse momento, Dália finalmente pôde observar, compreender e enfrentar suas conservas culturais, usando o espaço da realidade suplementar para criar maneiras de lidar com suas relações. Ela agora respondeu de maneira adequada a si mesma e à situação.

Na sessão seguinte, Dália chegou ao encontro insatisfeita consigo mesma. Ela relatava querer reorganizar muitas coisas na sua vida e que não estava saindo-se como ela queria. Em um ato espontâneo, Dália havia se desligado do salão de beleza onde atuava como manicure e passado a empreender sozinha, porém isso estava gerando dificuldades de cuidar da agenda e ainda mais dificuldades de cuidar da alimentação.

Conforme Cukier (1992)Cukier, R. (1992). Psicodrama bipessoal. Ágora., o aquecimento inespecífico verbal é uma maneira muito válida de iniciar uma sessão de psicodrama; o sujeito vai aos poucos situando-se na sessão e mergulhando nos próprios conteúdos. No caso de Dália, ela e a diretora aqueceram-se verbalmente, encontrando algo em comum nas falas da protagonista: os movimentos que ela fazia e o que ainda gostaria de modificar. Esse foi o gancho para que pudessem entrar na ação.

O que aquela orquídea com quem eu conversei no começo dos atendimentos on-line te diria agora sobre o que você está fazendo?”, a diretora concretizou a orquídea com uma caneta em frente à câmera. “Ela diria para eu parar de olhar para os outros e olhar mais para mim. [...] E eu estou olhando, eu sei o que eu quero e são vontades só minhas. Mas eu não me mexo”, confidenciou à orquídea. “Eu sei o que eu quero! Ninguém me disse para fazer o curso [de manicure], nem pra sair do meu emprego pra trabalhar com isso. E eu fui!”, falou a diretora por meio de um duplo. Em seguida, convidou a protagonista a contar para a orquídea como ela se mexeu naquela semana. Dália ficou em silêncio. Então a diretora prosseguiu com o duplo: “Esta semana eu imprimi panfletos para divulgar meu trabalho, cozinhei feijão e congelei para comer ao longo da semana…”. Isso fez Dália sorrir, surpresa e, ao mesmo tempo, tímida: “Sim, eu tenho me movimentado mais por mim, estou me cuidando, cuidando da minha agenda também. Aos pouquinhos estou me transformando na flor de verdade, viu?”.

A diretora pediu para que Dália trocasse de papel com a orquídea e passou a entrevistá-la: “Você imaginava que Dália conseguiria mesmo se mexer?”. “Nunca! Achei que ela não iria conseguir sair da prateleira [risos]”, respondeu. Ainda no papel de orquídea, aconselhou Dália a olhar mais para os movimentos que ela já fazia. A protagonista voltou ao próprio papel e respondeu: “Eu vou fazer isso! Já estou fazendo os meus movimentos… É que eu estava muito acostumada a olhar só para fora! Agora preciso olhar mais para dentro!”.

Dália observou que o eu de hoje apresentava diferenças do eu representado pela orquídea no começo da psicoterapia on-line. Além de apenas insights, a Dália do presente foi para a ação e também fez movimentos mais espontâneos, criando respostas adaptativas às questões que a afligiam, dando-se conta disso aos poucos. A protagonista foi capaz de reconhecer o(s) eu(s)! Fonseca (2008)Fonseca, J. S. (2008). Psicodrama da loucura: correlações entre Bulber e Moreno. Ágora. explica que a fase de reconhecimento do eu é a base teórica do solilóquio, uma conversa consigo mesmo, na qual o sujeito se distancia e observa essa relação de eu comigo de fora, podendo perceber a forma como o eu se relaciona e como se dá essa relação e refletir sobre isso. Assim, a protagonista foi capaz de ser espontânea e de criar uma resposta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia do coronavírus impôs verdadeiras transformações no modo de vida e trabalho que conhecíamos. Para o psicodrama, a atuação on-line, que ainda estava começando, passou a ser a única opção. Foi necessário que cada um saísse de seu palco, nos consultórios repletos de almofadas, para caber em uma pequena tela. Os pacientes, protagonistas, também precisaram encontrar novos palcos para os seus dramas, agora no ambiente íntimo da própria casa, por meio da tela.

Em um primeiro momento de pandemia, a protagonista desta pesquisa preferiu não continuar com a psicoterapia no período de isolamento. Para ela, não havia possibilidade de psicoterapia on-line; o único palco possível até então era o consultório da sua psicoterapeuta, onde se sentiu confortável desde o início do seu processo psicoterapêutico. Depois de um tempo em isolamento, ela foi espontânea para atravessar a própria conserva e investir em uma nova possibilidade: ser protagonista pelo palco da internet.

A psicoterapeuta, diretora, também gostaria de ter recusado a migração para os palcos virtuais em um primeiro momento, porém a adaptação e a criação eram necessárias para que seu papel profissional ainda existisse. E que bom que não desistiu! O palco das pequenas telas se tornou infinito, uma verdadeira realidade hipersuplementar. A distância física propiciou uma aproximação jamais imaginada; na intimidade dos lares houve o encontro entre protagonista e diretora.

Foram necessárias algumas adaptações físicas para que o lar se tornasse o novo cenário da psicoterapia. Atos espontâneos como a procura do melhor ambiente em casa, aparelhos eletrônicos e condições sonoras auxiliaram protagonista e diretora a praticarem sua espontaneidade no novo contexto.

É importante observar o quanto cada sessão apresentava um novo campo de possibilidades para que Dália conhecesse o psicodrama on-line, experimentasse esse contexto e se familiarizasse com ele. Uma vez que começaram as sessões no ambiente virtual, ela foi uma protagonista disposta e entregue a cada uma das vivências. Isso passou a fortalecer seu potencial espontâneo e criativo, levando-a ao verdadeiro ato espontâneo na sexta sessão.

Quando ocorrem transformações no contexto terapêutico, como a mudança do cenário, é necessário que tenhamos sensibilidade com o paciente para que ele se adapte às novas condições e volte a sentir-se à vontade. Isso pode acontecer aos poucos. É possível considerar que a transformação do cenário físico para o virtual foi apenas um exemplo de mudança entre tantas outras que podem ocorrer durante o processo psicoterapêutico e que vão exigir adaptações do sujeito.

O lar é um ambiente que reconhecemos como nosso, que carrega nossas marcas e afetos em cada pedaço. Objetos auxiliares que já conhecemos tão bem podem agregar muito na exploração da cena, oferecendo elementos variados e significativos. Igualmente, oferecem uma forma de conserva das vivências psicodramáticas, servindo como um lembrete físico daquilo que foi abordado em sessão.

O psicodrama bipessoal on-line não diminuiu as possibilidades de aplicação das técnicas. Nesse contexto, foram possíveis aquecimentos corporais, verbais e de psicodrama interno, algumas adaptações para a realidade virtual e a disposição e o vínculo entre protagonista e diretora.

Quanto à adaptação das técnicas do psicodrama pela internet, a protagonista não apresentou dificuldades; pelo contrário, foi muito natural a maneira como ela mesma encontrou respostas para que a diretora fizesse parte de seu cenário por intermédio das câmeras do telefone. Os palcos são infinitos na realidade hipersuplementar, assim como as possibilidades de se fazer psicodrama. Os objetos auxiliares, representados pelas almofadas em uma conserva cultural bastante difundida, podem ser qualquer um que esteja ao alcance do protagonista ou do diretor. Nesse caso, uma garrafa de água e um porta-canetas repleto de canetas coloridas foram mais do que necessários.

A experiência prévia de Dália com o psicodrama, enquanto protagonista treinada, foi um fator importante para que fossem economizadas instruções no processo de adaptação, além da confiança na diretora, cujo vínculo não foi quebrado por conta do distanciamento físico. Cabe ressaltar ainda que o cenário do lar de um diretor oferece elementos de humanidade ao seu papel, aproximando ainda mais o protagonista do profissional que o acolhe.

Hoje a psicoterapia on-line é uma conserva cultural conhecida por psicólogos, psicodramatistas, pacientes e protagonistas. Ela faz parte do leque de opções de quem opta por iniciar a psicoterapia e considera o virtual como a alternativa mais prática ou confortável. Os processos adaptativos de protagonistas como Dália, no momento da pandemia, tornaram possível que hoje novos protagonistas escolham voluntariamente tal modalidade. Para pesquisas futuras se faz interessante avaliar os impactos da escolha voluntária pela psicoterapia on-line no processo terapêutico.

Para a psicologia e para o psicodrama, os resultados apontam que, mesmo após certo desconforto, é possível a adaptação de pacientes presenciais para a modalidade de psicoterapia on-line. A adaptação de Dália seguiu o ritmo necessário para ela. Aos poucos, reconheceu-se no novo ambiente, adaptou-se às técnicas, aproximou-se da diretora e desenvolveu seu potencial espontâneo e criativo. Graças à realidade hipersuplementar, Dália floresceu.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a participação e a disponibilidade da protagonista para a nossa pesquisa.

  • FINANCIAMENTO

    Não se aplica.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Os dados estarão disponíveis mediante solicitação.

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Editado por

Editora de seção: Luísa Coelho https://orcid.org/0000-0001-6279-5564

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2024
  • Aceito
    02 Jul 2024
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