Resumos
Este estudo enfoca a identidade social formada a partir de um grupo de cosplayers do Estado do Espírito Santo. Os cosplayers são pessoas que se travestem com roupas de personagens de mangás (revistas em quadrinhos de origem japonesa), animes (desenhos animados de origem nipônica) e games diversos. Essa prática está suportada pela cultura popular japonesa inserida no meio social capixaba. A amostra contou com 12 informantes, com média de idade de 18,66 anos (DP = 1,44). Os principais resultados provenientes da mídia nipônica em detrimento de outras são basicamente que os atributos psicológicos das personagens escolhidas aparentemente mantêm uma pequena superioridade sobre outros aspectos ao se decidir por uma personagem. E finalmente essas pessoas sentem-se como sendo formadoras de um grupo social que se baseia em duas categorias estruturais interativas: "Performance" e "Diversão" que podem ser consideradas típicas da sociedade de entretenimento da cultura de massas.
cosplayers; cultura popular japonesa; mídia
This study focus on the social identity construed from a group of cosplayers from Espírito Santo. The cosplayers are people who dress with clothes of characters of mangas (comics from Japan), animes (cartoons with Nipponese origin) and several games. This practice is supported by the Japanese popular culture inserted in the Capixaba social environment. The sample comprised 12 respondent, with average age of 18, 66 years old (DP =1, 44). The main results from the Nipponese media over another are basically that the psychological attributes of the characters chosen apparently maintain some advantage over other aspects when people decide upon a certain characterization. Finally, these people feel themselves as creators of a social group that is based on two structural interactive categories: performance and fun, which can be considered as typical of the entertainment mass culture society.
cosplayers; Japanese popular culture; media
Cultura pop japonesa e identidade social: os cosplayers de Vitória (ES)* * Este artigo é derivado da tese do primeiro autor com apoio de uma bolsa de estudos da agência de fomentos CAPES ao qual o mesmo agradece, bem como ao complemento PDEE na Universidade do Algarve.
Japanese pop culture and social identity: the cosplayers from Vitória (ES)
Leconte de Lisle Coelho JuniorI; Gabriela Maria Ramos GonçalvesII
IUniversidade Federal de Alagoas, Maceió, Brasil
IIUniversidade do Algarve, Faro, Portugal
RESUMO
Este estudo enfoca a identidade social formada a partir de um grupo de cosplayers do Estado do Espírito Santo. Os cosplayers são pessoas que se travestem com roupas de personagens de mangás (revistas em quadrinhos de origem japonesa), animes (desenhos animados de origem nipônica) e games diversos. Essa prática está suportada pela cultura popular japonesa inserida no meio social capixaba. A amostra contou com 12 informantes, com média de idade de 18,66 anos (DP = 1,44). Os principais resultados provenientes da mídia nipônica em detrimento de outras são basicamente que os atributos psicológicos das personagens escolhidas aparentemente mantêm uma pequena superioridade sobre outros aspectos ao se decidir por uma personagem. E finalmente essas pessoas sentem-se como sendo formadoras de um grupo social que se baseia em duas categorias estruturais interativas: "Performance" e "Diversão" que podem ser consideradas típicas da sociedade de entretenimento da cultura de massas.
Palavras-chave: cosplayers; cultura popular japonesa; mídia.
ABSTRACT
This study focus on the social identity construed from a group of cosplayers from Espírito Santo. The cosplayers are people who dress with clothes of characters of mangas (comics from Japan), animes (cartoons with Nipponese origin) and several games. This practice is supported by the Japanese popular culture inserted in the Capixaba social environment. The sample comprised 12 respondent, with average age of 18, 66 years old (DP =1, 44). The main results from the Nipponese media over another are basically that the psychological attributes of the characters chosen apparently maintain some advantage over other aspects when people decide upon a certain characterization. Finally, these people feel themselves as creators of a social group that is based on two structural interactive categories: performance and fun, which can be considered as typical of the entertainment mass culture society.
Keywords: cosplayers; Japanese popular culture; media
Introdução
O desenvolvimento tecnológico ao qual perpassam as sociedades humanas nos tempos atuais faz com que as interações entre as pessoas e os modos de comunicação se tornem mais complexos. No entanto, há culturas que se adaptam às mudanças por mais rápidas que venham a ocorrer, como no caso do Japão. Destarte tal fato, em uma mesma faceta cultural um interessante fenômeno psicossocial ocorre: o passado e o futuro se confluem no momento presente.
Tal convergência acontece também na expansão da cultura popular japonesa ao redor do mundo que se configura como um exemplo de aculturação (Goldstein-Gidoni, 2005). Um dos aspectos dessa expressão são os cosplayers que, segundo Coelho Junior e Silva (2007), são um grupo de pessoas que se travestem com roupas de personagens de animes (desenhos animados) e mangás (revistas em quadrinhos), isto é, mídias de origem japonesa.
Portanto, os objetivos deste estudo são constituídos com os seguintes temas centrais: o esclarecimento de alguns elementos que compõem a identidade social deste grupo, os cosplayers, e a explicação do fenômeno em relação ao mundo das comunicações de massa na realidade brasileira.
A identidade social japonesa está firmada comumente ao forte caráter dos tradicionais aspectos visuais que acabam por envolver as pessoas, até mesmo de outras nacionalidades (Köpping, 2005). Por outro lado, isso se torna como um produto que serve de material base para as obras das mídias, como os animes e mangás.
Os mangás são produções tipicamente nipônicas (Koyama-Richard, 2007), e conforme Meireles (2003, p.206), acredita-se que eles: "buscam o envolvimento total do leitor em um mundo à parte, no qual ele pode viver suas fantasias e escapar às tensões do quotidiano".
Portanto, pode-se dizer que as artes visuais japonesas são muito diversificadas e atrativas. Tanto que, justamente por isto, talvez sejam um dos maiores representantes do Japão como referências de lazer e cultura em conjunto com os games. Nesse sentido, é essencial discernir sobre a capacidade de alcance da cultura de massa nipônica no contexto brasileiro.
Cultura pop japonesa e os cosplayers brasileiros
A cultura japonesa, sendo insular, se formou mais com características pontuais e singulares do que geralmente as outras que se estendem pelos continentes. Uma das poucas heranças externas foi o gosto pela escrita. Miura e Koike (2003) indicam que o ato de escrever logo fez derivar a criação de desenhos que retratavam a vida cotidiana durante o século XVII, chamados ukiyo-e. Esses ainda hoje são estudados como fonte de conhecimento sobre a vida das pessoas naquele período.
Os ukiyo-e também serviam como uma espécie de mídia sobre casas comerciais e seus produtos, o que os fez serem populares no meio social. Por sua vez, este estilo de escrita misturado com desenhos originou o mangá, isto é, um filão que mostrava através de caricaturas, estórias do folclore nipônico. Os mangás surgidos no início do século XIX deram vazão às atuais estórias em quadrinhos que são comercializadas em vários países (Gravett, 2006; Koyama-Richard, 2007).
Outra característica japonesa foi o isolamento em que a nação se encontrou por mais de 200 anos seguidos. Por conta disso, o imaginário sobre o Japão sempre foi algo obscuro. Até que o desenrolar do expansionismo capitalista europeu, ocorrido a partir do século XVIII, buscou novas fontes de matéria-prima. Esse imperialismo levou às transformações sociais ocorridas principalmente a partir daquele período, as quais são essenciais para a compreensão dos fenômenos que acontecem posteriormente ao início da industrialização no mundo ocidental (Mancebo, 2002).
Como Gravett (2006) indica, foi justamente no momento em que as potências centrais estavam expandindo suas influências, em meados do século XIX, que os japoneses acabaram por abrir os portos para estas nações, e daí aconteceu a adaptação cultural. O mangá passou a sofrer influência direta dos comics ocidentais. Seguindo o modelo econômico europeu, logo a pujança do Japão o levou a expandir-se em direção a novos mercados. Para isso, teve de recorrer ao encaminhamento das massas camponesas empobrecidas para outras nações.
O Brasil é um país que, ao longo da formação de sua história, recebeu inúmeros contingentes de imigrantes de vários continentes. Um destes grupos de estrangeiros chegou mais tardiamente, em 1908: os japoneses. Segundo Suda e Souza (2006), o movimento de chegada foi extenso até a década de 1940. A partir disso, o fluxo começou a sofrer um decréscimo e estacou, a seguir. Os estados que mais receberam os nipônicos foram São Paulo e Paraná, sendo que Pará e Espírito Santo (este a partir de 1923) foram focos secundários de atração.
Interessante notar que, conforme Suda e Souza (2006) afirmam, na medida em que ocorreu a finalização da imigração, as pessoas que já haviam se fixado no país passaram cada vez mais a se inserir no contexto brasileiro, e o ideal do imigrante passou a ser não mais voltar ao oriente e sim permanecer no Brasil. O foco da socialização entre os japoneses e seus descendentes no estado do Espírito Santo foi a Associação Nikkei de Vitória, fundada em 1981.
No entanto, a divulgação da cultura popular japonesa, não se deu em nível regional, e sim, a partir de uma ação que tem como viés os meios de comunicação de massas. Como Moliné (2004) indica, os primeiros animes foram exibidos inicialmente nos anos 1970 e ao longo das décadas seguintes. Os mangás chegaram mais tardiamente, por volta dos meados dos anos 1990.
Dessa maneira, foi a mídia em nível nacional quem impulsionou o reconhecimento gradual da cultura japonesa e de seus media. Por sua vez, isto também facilitou a inserção dos imigrantes e seus descendentes. Tanto que, a partir da última década do século passado, começaram os eventos de cosplayers em várias cidades brasileiras (Coelho Junior, 2008; Coelho Junior & Silva, 2007).
Conforme ocorrem com os usuários de games (Loow, 2006), as comunidades de apreciadores das mídias nipônicas vêm cada vez mais se reunindo em eventos culturais. Essa ação que está sendo acompanhada já há algum tempo (Moliné, 2004; Silva & Coelho Junior, 2004) chama a atenção para novas pesquisas sobre a identidade social e os parâmetros que a estruturam. Nos eventos ocorrem não somente competições entre cosplayers como também exibição de diversos animes, vendas e trocas de mangás, disputas de karaokês, torneios de games e partidas de Role Playing Game (RPG) (Coelho Junior, 2008; Coelho Junior & Silva, 2007).
Nesse sentido, os eventos servem para a realização dos encontros entre os fãs dos animes, mangás, games, músicas e outros produtos da cultura popular japonesa, aos quais se convencionou chamar de otakus. Esse termo, segundo Barral (2000), determina a uma aproximação entre pessoas não-íntimas usando como canal de comunicação estes elementos relacionados anteriormente, e que são os atributos culturais modernos no Japão.
Sendo assim, os cosplayers também são otakus, e estão envoltos pelos instrumentos midiáticos de uma cultura estrangeira, mas que se mostra como extremamente flexível, o suficiente para ser o alvo da atenção das pessoas das mais variadas idades e classes sociais. Isso faz deste grupo, um conjunto de pessoas bem heterogêneo, e que vem a cada ano ganhando consistência (Barral, 2000; Coelho Junior & Silva, 2007; Fron, Fullerton, Morie & Pearce, 2007). Destarte tal fato, segue-se uma discussão sobre a teoria da identidade social e a formação dos cosplayers enquanto um grupo social.
Constituição da identidade social
Segundo Lopes (2002), o estudo sobre as identidades sociais remonta à antiguidade clássica, com estudos de cunho filosófico. Desenvolveu-se a partir de discussões no meio religioso até chegar ao nível de ser tida como um tema de pesquisa em psicologia, com a inauguração das teorias sobre a personalidade.
Posteriormente, a identidade social passou a ser comumente reconhecida pela tradicional asserção de Tajfel (1982, p.290) como: "aquela parcela do autoconceito dum indivíduo que deriva do seu conhecimento da sua pertença a um grupo (ou grupos) social, justamente com o significado emocional e de valor associado aquela pertença". Significa também dizer que, um afeto positivo é essencial para que haja a ligação concreta com outras pessoas.
Em seus estudos, Tajfel (1982), notou a formação do que ele chamou de ingroup e outgroup. Esses são reconhecidos respectivamente como os "grupos da pessoa" e os "grupos dos outros", em que, também pelo sentimento, os indivíduos valorizam o agrupamento ao qual pertencem, em detrimento dos outros com os quais não possuem vínculo. Esse processo se cristaliza também a partir de outro, que se convencionou chamar de categorização social. Para Tajfel (1982, p.289), esse termo tem a seguinte definição: "é o processo através do qual se reúnem os objetos ou acontecimentos sociais em grupos, que são equivalentes no que diz respeito às ações, intenções e sistemas de crenças do indivíduo".
Dessa maneira, pode-se dizer que a identidade social, para ser formada, necessita da categorização social, para que possa discriminar, entre os diversos objetos, aqueles grupos que podem servir para a pessoa. Existe ainda a noção de "comparação social" usada por esse autor, que serve como o próprio termo indica para a possibilidade de o sujeito confrontar a equivalência dos diversos grupos no meio social.
Conforme alguns autores (Amiot, de la Sablonnière, Terry, & Smith, 2007), a identidade social deve ser entendida como um conceito de alta flexibilidade, que pode se alterar conforme a situação em que o sujeito esteja. Também é importante notar que esse conceito se desenvolveu para além dos conceitos tradicionais escritos por Tajfel (1982). Estudiosos como Giddens (2002) transcendem a perspectiva de disputa entre grupos como um motivador para a formação da identidade social.
Conforme Scandroglio, Martínez e Sebastián (2008), a teoria psicológica da constituição de processos identitários tem sido revisada de maneira crítica a fim de que novos conteúdos sejam desenvolvidos e explorados. A teoria de Giddens (2002) afirma que os imensos repertórios de informações decorrentes dos sistemas midiáticos acabam por fornecer a rotina do cotidiano e que isso faz com que as pessoas sintam-se seguras.
Isto é a chamada "recursividade da vida". Os indivíduos criam uma identidade social a partir da constância de seus hábitos e costumes (Giddens, 2002). Dessa forma, as pessoas tendem a se agrupar em conjuntos de pessoas que possuem as mesmas características recursivas e esta ação forma os componentes identitários no meio social.
É o que nesta teoria chama-se de "encaixe", isto é, quando as pessoas buscam se reconhecer nos meandros dos diversos grupos sociais existentes (Dumont & Gattoni, 2003; Pereira, 2002). Essa ação é tão potente que faz com até mesmo indivíduos de diversos agrupamentos bem distintos possam se coligar com outros.
Por isso pode-se afirmar que a mídia diminui fronteiras. No caso dos cosplayers, as personagens em questão são oriundas de uma cultura não-ocidental, mas que são devidamente "encaixadas" e aceitas por pessoas ocidentais (ver em Pereira, 2002). Ao enlaçarem-se pelos atributos da cultura japonesa que são partilhados amplamente estas pessoas ao longo da vida possuem vários grupos de pertença, e consequentemente, podem ter várias facetas para cada um desses agregados sociais e seus contextos.
Realizando uma ligação entre os referenciais teóricos de Tajfel (1982) e Giddens (2002), ou melhor, entre a psicologia e a sociologia como tentativa de explicar tal fenômeno psicossocial, depreende-se que os aplicativos à identidade social, como categorização e comparação sociais servem, para formalizar os grupos referenciais.
Esses são usados como guias às atitudes que as pessoas têm na sociedade quando estão participando de atividades que dizem respeito não somente a eles, mas também às suas instituições e grupos sociais (Leach & Vliek, 2008; Turner, 1975). Por outro lado, o ideal do estar pertencendo a um grupo se concretiza quando um repertório de comportamentos torna-se recorrente, independente de sua origem social. Assim, o seu valor está em seu sentido para a pessoa e para o grupo que o adotou (Pereira, 2002).
Sendo assim, a construção da identidade social começa pelas inter-relações que ocorrem entre as pessoas (Leach & Vliek, 2008). No entanto, é necessário entender que a cultura de massas que surgiu ao longo da história facilita a ocorrência destes encontros justamente pela sua característica de congregar a partir de suas produções, imensas legiões de consumidores (Gravett, 2006; Moliné, 2004).
Barral (2000) mostra que os otakus são consumidores natos destes produtos que também são derivados dos animes, mangás, games e músicas. Esse tipo de comportamento faz prevalecer a identificação entre as outras pessoas que mantém os mesmos hábitos.
Assim, pode-se especular, ao menos, que a cultura de massas tem poder o suficiente para impulsionar os otakus a transitarem cada vez mais neste meio social eivado de símbolos, valores, atitudes e comportamentos que os instigam ao ato do consumo e identificação social. Dessa maneira, faz-se mister explicitar o método a seguir, para que se compreenda como se deu a consecução desta pesquisa.
Método
A exploração científica discutida aqui teve como modelo teórico o método qualitativo, pois "a relevância da pesquisa qualitativa para o estudo das relações sociais deve-se ao fato da pluralização das esferas de vida" (Flick, 2004, p.17). E isso diz respeito à necessidade de entender que as profundas interações entre as pessoas fazem com que o desempenho das técnicas de pesquisa estejam progredindo, na medida em que a sociedade se torna cada vez mais complexa.
Atendo-se ao objeto de estudo, neste caso, os cosplayers, que são um produto da cultura popular japonesa, a decisão em buscar o método qualitativo foi importante justamente pelo tema inusitado que são. Toda e qualquer singularidade que pudesse ser destacada, como assim o foi, através dos argumentos dos informantes, provavelmente não teria êxito se a escolha houvesse recaído sobre os tradicionais modelos preditores. Para o desenvolvimento do trabalho, optou-se pela análise de conteúdo estrutural (Hiernaux, 1997).
Para Hiernaux (1997), a técnica visa a perceber os conteúdos como algo que nem são textos e nem discursos. Eles são os significados mesmos da palavra "conteúdo", ou seja, aquilo que está contido em algo. O significado que está dentro de um receptáculo, que são os modos de expressão e manifestações.
Uma percepção sobre um tema, por sua vez, deve ter uma conduta específica sobre o mesmo, podendo ser por si só uma substância latente em um modelo cultural. Assim, os comportamentos das pessoas, além de serem originados no meio social, são reproduzidos a partir de restrições sociais, por causa das normas, e efeitos psico-afetivos.
Como a via de encaminhamento destes sentidos são os símbolos, eles possuem uma fração importante na subjetividade humana. São eles que, de certa maneira, têm o potencial para estruturar as atitudes e, posteriormente, os comportamentos, por isso Hiernaux (1997) entende que o "mapeamento" desses conteúdos, isto é, as estruturas, é uma forma de análise densa dos significados que antecedem as ações humanas.
Amostra
O estudo contou com uma população intencional e não-probabilística. Foram entrevistados 12 indivíduos, sendo cinco do sexo feminino e sete do gênero masculino. A média de idades foi de 18,66 anos (DP= 1,44). Metade da amostra está cursando o nível superior, enquanto que quatro estão com o ensino médio completo e dois não têm este ciclo encerrado. Quatro informantes percebem-se como sendo da etnia branca, enquanto sete se autodenominam como mestiços e apenas um como negro. É importante esclarecer que nenhum dos sujeitos que afirmaram serem mestiços tinha qualquer relação com a nacionalidade japonesa.
Instrumento
Para a condução das entrevistas, foi utilizado um roteiro semiestruturado, desenvolvido a partir de um modelo anterior, e que já havia sido testado em 26 entrevistados, em dois estados diferentes do país: São Paulo e Sergipe (Coelho Junior & Silva, 2007). O roteiro possui 23 itens e está subdividido em quatro estruturas temáticas.
Procedimento
Houve um contato prévio com potenciais participantes, realizado durante um evento cultural ocorrido em Vitória (ES), no ano de 2006, onde foi permitido recolher endereços eletrônicos e telefones de indivíduos dispostos à participação no estudo. As entrevistas foram localizadas em diversos ambientes escolhidos pelos entrevistados, tendo como premissa a condição de que eles deveriam sentir-se à vontade para fazerem os relatos que lhes foram solicitados e, por conseguinte, gravados.
Os entrevistados assinaram um termo de consentimento baseado nas recomendações do Conselho Federal de Psicologia (1999) para participar da pesquisa, com a garantia de anonimato na apresentação e discussão das informações obtidas à comunidade científica.
Análise de Dados
O exame dos resultados obtidos foi desenvolvido a partir de procedimento de Análise de Conteúdo Estrutural (Hiernaux, 1997). As entrevistas foram transcritas e depois analisadas, sendo os conteúdos condizentes aos objetivos da pesquisa retirados e interpretados.
Resultados e discussões
A partir dos dados obtidos da análise das entrevistas, foram encontradas algumas categorias estruturais interessantes para sua exposição com relação à formação da identidade social dos cosplayers e sua prática na replicação e interpretação de personagens. Somente algumas estruturas serão expostas, tendo em vista a extensão das informações obtidas de cada um dos participantes.
No quadro acima, tem-se a distribuição dos informantes, dez (10) foram de personagens de animes e/ou mangás. Sendo os dois restantes: n°3 e n°6 respectivamente, cosplayers de um vocalista de banda musical de japan-rock e de um cosplay utilizado em cross-over, uma estória paralela na qual se empregam vários personagens de diversas estórias misturadas.
No quadro n° 2, acima, tentou-se conhecer o tempo de contato com as produções de mídia (animes e mangás), contando o tempo decorrente anterior à entrevista, ocorrida em 2006. Nenhum dos informantes lê mangás a mais de uma década, sendo o tempo mais distante: seis anos antes do início da entrevista. Isto se dá pelo fato destas mídias terem adentrado no mercado editorial brasileiro em larga escala, a partir de meados dos anos 1990, levando algum tempo para serem absorvidas pelo público. No entanto, o entrevistado n° 10 relembra sua experiência e o gosto pela leitura:
O mangá, começou há muito tempo, eu lia revistinha, sabe revistinha da Mônica?! Então, eu leio aquilo lá, desde que me entendo por gente, aí eu pensei que sei lá tava ficando infantil demais, que eu tinha que passar daquilo, 'sei não, vou procurar outras revistinhas', aí achei o mangá, primeiro mangá que eu li foi o do Dragon Ball. Está no terceiro relançamento, Dragon Ball deve fazer, uns... bem uns cinco anos ... e tem um que não é mangá, mas estilo de mangá que é brasileiro que se chama Holy Avenger, esse é bem, bem interessante mesmo... é um mangá assim... é totalmente mangá, mas é feito no Brasil, só não é lido de trás prá frente, mas é no estilo mangá.
A grande maioria confirmou que lê mangás e somente dois informantes (n° 8 e n° 11) declararam não lê-los. O entrevistado n° 8 afirma que "Mangá... eu não gosto ... eu acho legal, mas assim eu não curto muito". Talvez este fato se dê por conta de que os efeitos visuais dos animes sejam mais atrativos (Steinberg, 2006). No que se refere a estas produções, uma parte da amostra relatou que os assiste desde a infância, como disse a entrevistada n° 3:
Eu sempre vi, né?! Assim eu, eu não sabia que era anime, eu via Dragon Ball, a primeira parte de Dragon Ball e Pokémon eu vi praticamente todo... nossa! Eu nem tava aqui ainda... nessa casa, quando a gente se mudou, deixa eu ver, eu tinha... eu tinha... ah, Cavaleiros do Zodíaco eu via, eu via também nossa! O que seu eu tô morando desde a época do Cavaleiros do Zodíaco... desde os nove anos?! Assim, mais assim eu, eu não sabia que era anime entendeu?.
Este é um argumento muito recorrente nas entrevistas dos cosplayers, como também visto no relato da informante n° 1: "eu era pequena, de chupeta, a música de abertura muito antiga, mas eu me orgulho bicho, pô!. Primeiramente por que eu tava lá eu via tudo, eu via, chegava da escola de tarde, eu assistia Cavaleiros do Zodíaco". A frequente exposição destas pessoas desde a época das suas infâncias faz com que elas tenham um sentimento de nostalgia que as mantém constantemente ligados aos produtos desta mídia (Barral, 2000).
Como ocorre que os animes estejam sempre sendo repassados nos canais de televisão, talvez não haja tempo hábil para elaborar e formalizar outras maneiras de diversão e consumo que não estas. Sendo assim a recorrência permite que estas pessoas estejam sempre reciclando seu interesse sobre estas produções. Dessa maneira, vê-se a recursividade de que tanto fala Giddens (2002).
Esse modelo teórico contrapõe-se ao que Tajfel (1982) compõe, pois que os diversos fatores causadores de insegurança na sociedade fazem com que as pessoas busquem formas de se ajustar contra as incertezas recorrentes no âmbito social (ver em Dumont & Gattoni, 2003; Giddens, 2002). No entanto, no que afirma Tajfel (1982) não se pode deixar de lado que a categorização e comparação social destes conteúdos programáticos acabam por criar e fortalecer os vínculos entre as pessoas e sedimentar um grupo social que se destaca dos demais que também dependem dos media (como por exemplo, fãs de bandas de rock).
Gergen (1997) indica que não somente o mundo social é constituído como algo em permanente construção como também a própria vida mental sofre diretamente o influxo destas estruturas. Pode-se pensar então que se uma pessoa estiver em contato permanente com estas obras, isso pode ser revertido ao nível comportamental como, por exemplo, a produção dos cosplays. Como o contato social permite a edificação destes construtos subjetivos, à forma de uma espécie de rede social, o teor identitário se constitui na medida em que as pessoas solidificam suas condutas, como ocorre nos eventos de cultura pop japonesa.
Por outro ângulo, isto é um indicativo para a formação da identidade social deste grupo, pois ocorre uma partilha deste sentimento de comunhão com outras pessoas por reproduções fílmicas que atravessam as décadas: "Ah eu gostava. E quando você vai conversar com as pessoas que tem a mesma idade que você, 'oh você lembra daquele desenho que passava na Manchete?', aí 'lembro!'. Aí fica aquela coisa né? Volta no tempo conversando" (entrevista n° 2).
No que diz respeito à vida afetiva dos grupos sociais, as duas teorias aqui debatidas levam em conta que os afetos são o combustível para que ocorram as interações sociais. O aspecto nostálgico se baseia em uma configuração social que permite aos fãs se relacionarem. A formação grupal pelo repertório de afetos deriva da comparação social, permitindo assim a constituição de uma nova realidade que emana das histórias de vida das pessoas como especula Gergen (1997).
Outro aspecto a ser relacionado a este estudo é a importância das vestimentas. As roupas são essenciais para caracterizar dois efeitos ímpares: a personagem em questão e o ideal de pertencer ao grupo. No primeiro caso, somente as indumentárias é que comprovam que a pessoa está interpretando uma figura do mundo do anime/mangá. É o principal referencial prático para se determinar que o indivíduo em questão faça parte do grupo dos cosplayers.
Kawamura (2006) entende que a moda japonesa, mais precisamente o estilo street fashion, possui um atrativo muito grande sobre os adolescentes e jovens adultos em diversos países. Isto decorre também por que este estilo tangencia os traços que são vistos nas roupas das personagens destas mídias. Algo que era fantasioso passa a ser parte do registro da realidade, do dia a dia das pessoas.
Destarte tal constatação, alguns autores (Amiot, de la Sablonnière, Terry & Smith, 2007; Scandroglio, Martínez, & Sebastián, 2008; Turner, 1975) concebem que, de maneira geral, as pessoas promovem, de forma corriqueira, a comparação social. Nesse sentido entende-se que um dos atributos mais importantes deste grupo, isto é, o traje dos cosplayers, pode servir como um atrativo no decorrer da categorização social e no momento de estabelecer a comparação entre as distintas classes de pessoas, dispostas no meio social.
No que se segue à escolha pela busca do sentido de pertença, algumas pessoas podem ser incluídas e, ao mesmo tempo, outras podem ser evitadas, quando a seleção ocorre, pois o grupo também deve dar seu aval para que uma pessoa torne-se um novo membro. As consequências são estas evidências de que os cosplayers mantêm-se enquanto grupo social coeso:
ou a pessoa aceita, por que se a pessoa não aceitar, acaba caindo... vira a cara, vira a cara prá gente e... cai naquilo, bom a pessoa não gosta de mim, não gosta do que eu faço, mas eu não vou mudar por ela ... É... nós, nosso grupo prá virar a cara e chegar prá xingar, nunca vi não. Puxar briga, nunca vi não... existe a questão de provocação mas do outro grupo com relação a gente, vamos colocar assim. (entrevistado n° 5)
Fica claro na citação acima que há animosidade entre os diversos grupos sociais, também chamadas de "tribos", porém, os cosplayers evitam um confronto que possa causar um conflito duradouro. Tal delineamento dessas relações grupais se baseia claramente nos processos descritos por Tajfel (1982) como sendo a categorização e a comparação social. Cria-se um clima de competitividade entre os indivíduos destes diversos agrupamentos, pela intolerância do estilo de vida, pela forma de vestir-se, maneira de falar entre outros atributos.
Ao final da entrevista, era apresentada uma questão de evocação, da seguinte forma: "Diga cinco palavras que lhe vêm à cabeça ao ouvir o termo cosplay". Tendo como base a concepção estrutural de Hiernaux (1997) formulou-se o quadro n° 3, apresentado a seguir e que resume os principais resultados obtidos com tal procedimento de evocação. A letra "A" demonstra, para cada participante, a primeira palavra evocada. E a letra "E" indica a quinta palavra evocada:
Como eram 12 os entrevistados e cinco as palavras evocadas, resultam-se um total de 60 palavras possíveis. Oito dos entrevistados mencionaram palavras como "anime/mangá", ou o nome de algum evento de cosplay em 12 ocasiões. Como tais palavras não revelam associações especialmente ilustrativas para os objetivos do trabalho por sua ligação óbvia e direta com a temática, a decisão foi sua exclusão da análise, ao que restaram 48 possibilidades de nomeação.
Dessas 48 possibilidades, 12 palavras (25%), ditas por nove participantes, referem-se aos componentes mais essenciais do cosplay: Pa) fantasia/roupa (sete menções); Pb) Desempenho/Performance/Teatro (cinco menções). Essas duas classes serão determinadas como sendo a categoria "Faceta Performance".
A prática do cosplay, nas condições em que é realizada, proporciona diversão e o merecimento da admiração e elogios dos que a observam. Essas consequências de natureza afetiva estão relacionadas a outras duas categorias de palavras, também ditas em 12 ocasiões, por oito diferentes participantes. São elas: Da) Diversão/Satisfação (sete menções); Db) Admiração/Atenção/Pedidos para tirar fotos (cinco menções). Essas duas classes são determinadas como a categoria "Faceta Diversão".
A categoria "Faceta Performance" também é formada por: Pc) Trabalho/Desafio/Investimento Pessoal (cinco menções); Pd) Personagem/Identificação com Personagem (quatro menções); Pe) Dinheiro/Custo Financeiro (duas menções). Além disso, o adicional de palavras evocadas pode ser composto a categoria "Faceta Diversão": Dc) Amigos/Amizade (duas menções).
As duas categorias sugeridas ("Performance" e "Diversão") mostram-se adequadas como indicação das características básicas da "Cena Cosplay". Trata-se de preparar e executar uma atuação vista com seriedade e como pertencendo ao universo artístico, e cujos componentes principais são a reprodução cuidadosa de trajes e apetrechos de uma personagem que será representada. Como pode ser visto a seguir:
Nossa! É muito bom... Por exemplo, eu fico mó feliz assim, porque o pessoal eles sempre fala com você entendeu? Mesmo. Igual, eu tinha, eu fui fazer a apresentação... foi a primeira vez que eu fui me apresentar, foi agora, eu 'nossa que vergonha'... aí, essa minha personagem, por que assim tudo por talento, ela... ela é tipo uma bruxa, uma bruxa dimensional... ela tem uma loja que realiza os desejos... aí era legal, porque eu subi para me apresentar, ai o pessoal gritava 'ah Yuuko, realiza os meus desejos', aí eu 'meu deus, vou começar a rir, eu não posso, rir, eu não posso rir, não posso rir' aí era assim, eu acho muito bom, é bem legal. (Entrevista n° 2)
Nossa! Muita diferença, é visível essa diferença por que quando você está de cosplay. Você assim... você se liberta assim, é, entre aspas, porque você não fica preocupado assim com as pessoas, até mesmo por que você está no meio de pessoas que estão se vestindo também de cosplay é como se você não tivesse nada a perder. Então você se solta, faz mais amigos, fica muito mais solto, isso também acaba influenciando sua vida. (Entrevista n° 11)
Mesmo levando em conta os interessantes efeitos visuais tanto de animes quanto de mangás (Meireles, 2003; Koyama-Richard, 2007; Steinberg, 2006), os cosplayers não se deixam influenciar pelos atributos corporais que muitos personagens têm. Em geral, a identificação ocorre pela possibilidade que a personagem permite a eles em produzir uma interpretação e no que essa ação provoca em termos de diversão para si e para o público.
Não deixa de ser importante relatar que embora sejam personagens de animes e mangás de outra cultura, o interesse transcende fronteiras, os consumidores deste tipo de mídia em grande parte são ocidentais. Isto permite conjecturar que aparentemente as barreiras sociais que anteriormente poderiam inviabilizar a produção de sentidos, hoje se flexibilizaram a tal ponto em que se deve encarar a mídia como um vetor de transmissão, construção e reconstrução de costumes e comportamentos afora a própria identidade social. Isto, porém não significa dizer que tal contexto é benevolente às pessoas.
Conclusão
Por fim, com este conjunto de dados sobre os cosplayers, pode-se indicar que os objetivos foram alcançados, no que concerne principalmente à identidade social. Conforme as informações referentes à formação dos grupos tendo como base a teoria da identidade social de Tajfel (1982) e de Giddens (2002), os cosplayers configuram seu agregamento a partir da cultura popular japonesa.
Os principais elementos que provocam tal fenômeno são as produções da mídia nipônica, mais notadamente os animes e os mangás. Esses, por sua vez, são as referências principais para manter o grupo razoavelmente coeso, visto que, entre as diversas possibilidades, os cosplayers pouco variam em sua rotatividade em outros grupos mais próximos que apresentam uma ênfase na importância do vestir (Coelho Junior, 2008).
Ao que parece, os cosplayers tentam se "conectar" aos personagens não somente em busca de uma sensação de bem-estar, mas talvez para se sentirem constituindo um grupo. Isso, por sua vez, pode ser um efeito da prolongada exposição dessas pessoas à mídia. Ou apenas uma forma de lazer que a cultura de massas impõe às pessoas. Destarte tal fato deve-se levar em conta que a identidade social dos cosplayers é formada pelas categorias "Performance" e "Diversão".
Levando-se em conta a sociedade de consumo e do entretenimento ao qual se vive atualmente, percebe-se, outrossim, o poder dos meios de comunicação de massas e a que ponto ocorre a absorção de seus conteúdos por pessoas mais jovens. Talvez o ponto mais crítico neste tema seja que a expressão folclórica nacional esteja se restringindo por conta destes componentes culturais estrangeiros.
Permitir que tais conteúdos penetrem no imaginário popular sem um conjunto de medidas de controle sobre o campo midiático, isto é, as empresas, pode fazer com que surja a descaracterização gradual dos costumes típicos dos grupos sociais pátrios, em nome de um processo globalizante que não é limitado por leis amplamente instituídas.
Por outro lado, neste estudo não se percebeu efetivamente qualquer item de cunho negativo a esta prática de lazer, podendo ser um novo modelo de ócio. O campo de pesquisa é relativamente amplo, e é necessário que outros estudos sejam realizados para que se possa entender o poder e extensão que os media que promovem a cultura popular japonesa possuem no Brasil e, além disso, desvendar os processos pelos quais esta expansão ocorre.
Nota
Recebido em: 05/01/2010
1a. Revisão em: 16/07/2010
2a. revisão em: 24/10/2010
Aceite final em: 17/11/2010
Leconte de Lisle Coelho Junior é Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista CAPES/PDEE na Universidade do Algarve. Professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Endereço: Av. Lourival Melo Mota, s/nº. Cidade Universitária, Maceió/AL, Brasil. CEP 57072-900. Email: lecontey@yahoo.com.br
Gabriela Maria Ramos Gonçalves é Doutora em Psicologia pela Université de Louvain. Professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2011
Histórico
-
Revisado
24 Out 2010 -
Recebido
05 Jan 2010 -
Aceito
17 Nov 2010