EDITORIAL
APRESENTAÇÃO
A partir de 2007, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) instituiu o concurso de trabalhos elaborados por recém titulados na graduação, no Mestrado e no Doutorado em Psicologia. Trata-se de uma iniciativa que visa promover e prestigiar os esforços na área da Psicologia Social brasileira, sob uma analítica crítica condizente com a trajetória da ABRAPSO. O processo é organizado e conduzido (desde a inscrição dos trabalhos até a premiação) pela equipe responsável pelo encontro nacional da Associação realizado bianualmente. O prêmio propriamente dito é a publicação do artigo (os trabalhos são submetidos neste formato) na Revista Psicologia & Sociedade.
No XVII Encontro Nacional de 2013 (Práticas Sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos), realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, houve a inscrição de 44 trabalhos oriundos de diversas instituições, estados e regiões brasileiras. Destes, 40 tiveram sua inscrição homologada e foram avaliados às cegas por, no mínimo, dois colegas professores/pesquisadores reconhecidos em suas especialidades. Ao final do processo, foram selecionados cinco (5) trabalhos de Doutorado, três (3) de Mestrado e um de graduação. São estes artigos que compõem a sessão que ora apresentamos.
De autoria de Cris Fernández Andrada e orientado pela Profa. Dra. Leny Sato, o artigo intitulado "Trabalho e política no cotidiano da auto-gestão: a rede JustaTrama" relata os achados de uma pesquisa de cunho etnográfico que analisou a relação entre trabalho e política em uma rede que congregava, na época, sete empreendimentos econômicos solidários da produção de algodão agroecológico em todas as regiões brasileiras. Neste caso, pode-se identificar como a rede, embora vise a geração de renda, funciona de maneira auto-gestionária como uma forma de resistência aos moldes da produção capitalista.
"Interseccionalidade gênero, raça e etnia e a Lei Maria da Penha" é o trabalho de autoria de Raquel da Silva Silveira, orientado pelo Prof. Dr. Henrique Caetano Nardi. Com uma analítica de inspiração foucaultiana e a utilização do operador conceitual da interseccionalidade, a autora pesquisou em Porto Alegre e Sevilha processos judiciais e boletins de ocorrência, bem como entrevistou mulheres e juízes/as. Em suas conclusões, indica a sobrerrepresentação de mulheres negras, a despeito da alegação dos/as juízes/as entrevistados de que a interseccionalidade gênero-raça-etnia não interfere no acesso à justiça.
Com o sugestivo título "Primavera urbana: a ilha deserta interroga as multidões", Rodrigo Lages e Silva, orientado pelo Prof. Dr. Luis Antonio dos Santos Baptista, a partir do romance Robson Crusoé e a narrativa da vida numa ilha deserta, problematiza as implicações ético-políticas do fazer científico, em especial a Psicologia, no que diz respeito às resistências contemporâneas ao capitalismo. Em um contexto de expressões coletivas de desconforto e mal-estar como o contemporâneo, o autor adverte a necessidade da reinvenção de valores e de cuidado para com a vida que não seja incompatível com as forças coletivas e possa incluir o aprendizado do cuidado para consigo.
Lisandra Espíndula Moreira, orientada pela Profa. Dra. Maria Juracy Filgueiras Toneli, analisou documentos da jurisprudência de Tribunais de Justiça de forma a problematizar enunciados que articulam paternidade, família e criminalidade. Seu artigo intitulado "Paternidade, família e criminalidade: uma arqueologia entre o Direito e a Psicologia" demonstra o esforço analítico empreendido a partir de uma perspectiva arqueológica foucaultiana. A família mostra-se importante para a análise do criminoso e o pai é tido como um dos seus elementos. Se este é produzido de formas diferentes ao longo dos documentos, a família, no entanto, aparece de forma normatizada mostrando uma deslocamento do determinismo biológico para o familiar na busca das explicações para a criminalidade.
Ricardo Abussafy de Souza, orientado pela Profa. Dra. Sonia Aparecida Moreira França, em seu artigo "Lixo, conduta humana e a gestão dos insuportáveis" problematiza discursos e práticas reunidos em duas formas: forma lixo e forma resíduo, que, no seu entender, respectivamente, ancoram contemporaneamente a racionalidade da medicina social e uma certa concepção de ecologia. Orientado pela genealogia de Foucault, o autor se debruça sobre documentos de naturezas distintas - arquivos históricos, produções científicas, reportagens jornalísticas, propagandas, legislações e acordos intergovernamentais - de sorte a analisar esse dispositivo biopolítico de controle do "lixo".
O artigo intitulado "Acolhimento institucional na assistência à infância: o cotidiano em questão", de autoria de Carina Ferreira Guedes e orientado pela Profa. Dra. Ianni Régia Scarcelli, mostra uma análise do cotidiano de serviços de acolhimento para crianças e adolescentes e sua relação com os modelos de práticas que conformaram a assistência à infância tal como a conhecemos hoje. Sua problematização, segundo a autora, pode permitir a constituição de um outro "lugar de escuta", bem como uma mudança nas ações dos profissionais da Psicologia nela envolvidos.
Carolina dos Reis, orientada pela Profa. Dra. Neuza Guareschi e co-orientada pelo Prof. Dr. Salo de Carvalho, em seu artigo "Sobre jovens drogaditos: as histórias de ninguém", fundamenta-se nos aportes teóricos e metodológicos da Psicologia Social inspirados em Michel Foucault para analisar o processo de judicialização do cuidado de jovens usuários de drogas, mostrando como essa biopolítica, embora "aja em nome da garantia de direitos, opera produzindo vulnerabilidades".
"Profissionais de unidades de saúde e a gravidez na adolescência" é o título do artigo de autoria de Vera Lúcia de Moura Sena Filha, orientada pela Prof. Dra. Alessandra Ramos Castanha. A partir de pesquisa realizada na região metropolitana de Recife e na região da Mata Pernambucana, a autora analisou a representação social da gravidez na adolescência entre profissionais de saúde. Por meio de questionários e entrevistas, depreende que há uma associação significativa da gravidez que ocorre na adolescência com significados negativos, bem como que a atuação dos profissionais demonstra um caráter prescritivo baseado no modelo biomédico.
Gabriela Pinheiro Soares, orientada pelo Prof. Dr. Antonio Vladimir Félix-Silva e pela Profa. Ms. Martha Emanuela Soares da Silva, é a autora do artigo intitulado "Teatro-Menor: Cartografia em arte e experimentação de mulheres em situação de cárcere". Cartografa a experiência de teatro-oficina-amador ou teatro-experimentação em um presídio feminino, realizada no período de estágio da autora, de forma a problematizar a instituição-teatro-prisão e seus dispositivos, assim como recuperar a aposta em formas outras de existência.
Queremos agradecer imensamente o esforço de todo esse coletivo (autores e seus orientadores, comissão organizadora local e nacional, pareceristas, editoria da Revista Psicologia & Sociedade) que fez com que fosse possível essa publicação. Certamente essa é uma das marcas da ABRAPSO. Registramos, finalmente, a parceria do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC que, juntamente com a ABRAPSO e agências financiadoras do evento, CAPES e CNPq, garantiu as condições necessárias para o sucesso do Encontro e realização de seus objetivos. Desejamos aos leitores uma excelente leitura e que esses trabalhos possam trazer interpelações e desafios, pois são eles que nos mantêm em movimento.
Leandro Oltramari
Maria Juracy Filgueiras Toneli
Universidade Federal de Santa Catarina
Comissão Organizadora
XVII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social
Prêmio ABRAPSO de teses, dissertações e monografias - edição 2013
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Ago 2014 -
Data do Fascículo
2014