Open-access Teoria das minorias ativas

Theory of active minorities

Teoría de las minorias activas

RESENHA

Teoria das minorias ativas

Teoría de las minorias activas

Theory of active minorities

Miriane da Silva Santos BarbozaI; Cleonice Pereira dos Santos CaminoII

IUniversidade Estadual do Piauí, Piripiri/PI, Brasil

IIUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, Brasil

Resenha de:

Moscovici, S. (2011). Psicologia das minorias ativas. Petrópolis, RJ: Vozes.

Serge Moscovici, pesquisador de origem europeia, é conhecido mundialmente por ser o autor da Teoria das Representações Sociais (TRS). Embora essa teoria tenha surgido num contexto no qual a produção científica em Psicologia Social era majoritariamente influenciada pelas ideias e métodos desenvolvidos por autores norte-americanos, a TRS configurou-se como uma nova possibilidade de investigação em Psicologia Social, ao propor que os aspectos psicológicos individuais deveriam ser investigados à luz da inserção dos sujeitos e grupos em contextos sociais. Após a primeira proposta teórica desenvolvida por Moscovici, outros autores acrescentaram aspectos por ele não contemplados, mas mantiveram no cerne de suas teorias a noção da influência dos diferentes contextos sociais nos processos de construção das representações, como é o caso das teorias posteriormente desenvolvidas por Denise Jodelet, Jean Claude Abric e Willem Doise.

Em entrevista concedida a Ivana Marková, Moscovici admite que, embora a Teoria das Representações Sociais tenha sido o seu trabalho principal de tese, existe outra teoria que lhe é complementar e que é desconhecida por muitos pesquisadores, inclusive por aqueles que se dedicam ao estudo das representações sociais: trata-se da Teoria das Minorias Ativas (TMA) ou Teoria da Inovação Social (TIS), como também é conhecida. Lançada no Brasil em 2011, a obra intitulada Psicologia das Minorias Ativas apresenta ao público os pressupostos da TMA, através dos quais é possível estabelecer sua ligação com a TRS. É importante ressaltar que, por se tratar de uma publicação independente daquela em que Moscovici trata especificamente da Teoria das Representações Sociais1, a obra não traz de modo explícito a relação entre as duas teorias, fato este que requer do leitor um aprofundamento nos outros títulos publicados pelo autor para que se compreenda a complementariedade entre ambas.

O livro Psicologia das Minorias Ativas é constituído de duas partes. A primeira delas, intitulada "Consenso, controle e conformidade– A influência social a partir da perspectiva funcionalista", trata do processo da influência social considerado a partir da ótica das teorias e pesquisas clássicas desenvolvidas por Solomon Asch, Leon Festinger, Muzafer Sherif e seus contemporâneos. Nos três capítulos que compõem essa parte do livro, Moscovici chama a atenção para o princípio fundamental inerente a todas essas teorias: o fato de conceberem a influência social como um processo unilateral. Nesse sentido, Moscovici descreve alguns dos experimentos realizados pelos pesquisadores na época e critica seus pressupostos teóricos e metodológicos segundo os quais um indivíduo ou um pequeno grupo eram sujeitados a aceitarem o ponto de vista de uma maioria em decorrência da conformidade. Acrescenta Moscovici que, de acordo com essas perspectivas teóricas, a minoria era concebida como mera receptora de influência. Essa forma de analisar tal fenômeno denunciava, pois, o caráter assimétrico e subjugador das relações sociais, tendo em vista que: ou a minoria aceitava passivamente o ponto de vista da maioria, ou seria considerada desviante, e assim rejeitada. Dessa forma, os resultados obtidos a partir das pesquisas orientadas pelo princípio funcionalista reforçavam a existência do controle social, da hierarquia e das relações de poder em qualquer contexto (macro ou micro) no qual existisse o fenômeno da influência social.

Ao finalizar a primeira parte do livro, Moscovici adverte que, mais do que criticar as teorias e os métodos de investigação analisados nos três primeiros capítulos, sua intenção é expor ao leitor sua inquietação no que tange a perspectivas que, durante muitas décadas, levaram em consideração apenas uma direção do fenômeno da influência social e cujos pressupostos e resultados empíricos trouxeram impactos diretos para o cotidiano das pessoas, na medida em que todo indivíduo ou grupo que não concorda com as ideias e escolhas feitas por um grupo majoritário passam a ser vistos à margem da sociedade. O grande questionamento feito por Moscovici ao final da primeira parte de sua obra é: por que não investigar o fenômeno da influência a partir "do outro lado"? Por que não se pensar que a minoria também tem o poder de influenciar os grupos majoritários?

A segunda parte do livro denomina-se "Conflito, Inovação e Reconhecimento Social– A influência social do ponto de vista genético" e trata da Teoria das Minorias Ativas propriamente dita. Nos seis capítulos constituintes desta parte, Moscovici reflete sobre a necessidade de que para se compreender o fenômeno da influência social é imprescindível levar em consideração o impacto que o indivíduo ou o subgrupo podem ter sobre o grupo. Diferentemente do que foi proposto por seus percussores norte-americanos, Moscovici afirma que o processo da influência é, caracteristicamente, bilateral, no qual estão implicadas ação e reação tanto do alvo quanto da fonte da influência. Acrescenta ainda que esse processo ocorre em meio às interações sociais e, inevitavelmente, chega um momento em que, independente do status que possuam, os grupos e subgrupos atuam uns sobre os outros.

A compreensão de como acontece essa bilateralidade inicia-se na análise das normas sociais. Moscovici identifica que as normas são impostas pela maioria; contudo, as pessoas apresentam diferentes graus de adesão a elas, gerando conflitos entre os grupos (minoritários e majoritários). Uma vez gerado o conflito, cria-se uma predisposição para a mudança, a inovação. O caráter bilateral da influência social pode ser visto então na tentativa da maioria de impor suas regras e na oposição que a minoria faz à adesão a tais regras, exercendo uma pressão sobre a maioria. A situação de conflito evidencia que, mesmo apresentando resistência à mudança, a maioria é induzida a ser mais tolerante com o que antes era considerado excluído ou proibido.

Seguindo essa linha de raciocínio, Moscovici aponta a possibilidade de uma transição entre uma condição de controle social para outra de inovação social. Isso implica afirmar que as situações de conflito vivenciadas em meio ao processo da influência social têm o potencial de implicar a passagem da cristalização social para a mudança social. Em face desta oposição entre o velho (a cristalização) e o novo (a mudança), os indivíduos e os grupos são obrigados a reverem suas teorias sobre atitudes, ações e valores se quiserem ser fonte de influência para outrem. De forma resumida, a hipótese de Moscovici é que o conflito é o ponto de partida e o meio através do qual é possível mudar uma representação, seja através do surgimento de novas representações ou da consolidação das já existentes.

Uma vez identificado o conflito como condição necessária para a mudança social, Moscovici apresenta e discute sobre a necessidade de que outros aspectos sejam considerados, tais como: ausência ou presença de um ponto de vista definido, coerência no posicionamento e normas próprias determinadas. A esses aspectos Moscovici denominou "estilo comportamental". De acordo com o autor, trata-se de um conceito novo, mas, paradoxalmente, familiar. O estilo comportamental corresponde à organização dos comportamentos e opiniões, ao desenvolvimento e à intensidade de sua expressão. Ao adotar um estilo comportamental, o grupo ou indivíduo que almeja ser reconhecido e identificado socialmente, e dessa forma ser um agente potencial de influência, deve cumprir três condições: (a) estar consciente da relação existente entre o estado interior e os signos que utilizará, mantendo-se dessa forma seguro do ponto de vista que defenderá; (b) utilizar sinais de forma sistemática e consistente, a fim de não gerar mal-entendidos por parte do receptor e (c) assegurar que seu ponto de vista não será modificado no decorrer da interação com o outro.

Conforme exposto, a Teoria das Minorias Ativas é umas das partes da tese desenvolvida por Moscovici e que complementa a Teoria das Representações Sociais. Mas em que sentido é possível compreender a complementariedade entre ambas? Analisando as duas obras (Representações Sociais: uma investigação em Psicologia Social e Psicologia das Minorias Ativas), é possível identificar o ponto em comum entre elas: ambas buscam investigar a difusão do conhecimento. Essas duas teorias constituem o modelo de comunicação proposto por Moscovici, no qual a tensão entre os indivíduos e grupos constitui-se como um elemento essencial. De acordo com esse modelo, existem duas direções pelas quais o conhecimento circula e é transformado: primeiramente, a difusão acontece a partir de um "inventor", ou seja, uma minoria de cientistas e filósofos, para uma maioria, processo esse conhecido como "popularização do conhecimento". Em seguida, a nova ideia passa a circular pela maioria, mas considerada como um conhecimento estranho ou esotérico, que passa a fazer parte das conversas cotidianas, em confronto com o antigo conhecimento, até que se torna estável e familiar. Por fim, como resultado das transformações do novo saber, algo novo é criado, uma nova representação, que passa a ser partilhada pelo senso comum. Dessa forma, é o conflito entre o antigo e o novo, esta tensão na díade maioria x minoria, que possibilita modificações na forma de representar os objetos.

Diante do exposto, é possível afirmar que a Teoria das Minorias Ativas elaborada por Moscovici é, em si, uma inovação social, na medida em que seus pressupostos contestam os modelos clássicos dentro da Psicologia Social e apresentam uma nova perspectiva de se conceber o fenômeno da influência social. Por consequência, a teoria leva o leitor e o pesquisador a conceberem as relações sociais a partir de uma nova ótica, em que o caráter bidirecional deve ser considerado e investigado. A obra apresentada nesta resenha prima por considerar o mérito das primeiras pesquisas realizadas dentro da Psicologia Social, mas destaca-se por atentar para uma nova visão a partir da qual os processos que permeiam as relações sociais devem ser analisados. Dessa forma, a Teoria das Minorias Ativas elaborada por Moscovici representa um novo patamar para todos cientistas sociais que almejam desvencilhar-se dos modelos de explicações para os fenômenos psicológicos pautados apenas no pressuposto funcionalista.

Nota

Referências

Moscovici, S. (2003). Representações Sociais: uma investigação em Psicologia Social. Petrópolis, RJ: Vozes.

Moscovici, S. (2011). Psicologia das minorias ativas. Petrópolis, RJ: Vozes.

Recebido em: 21/10/2013

Aceite em: 09/11/2013

Miriane da Silva Santos Barboza é Doutora em Psicologia Social, Mestre em Psicologia, Psicóloga (ênfase em Psicologia Escolar Educacional) e Licenciada em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência nas áreas de: Psicologia Escolar/Educacional, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia da Aprendizagem, Ética Profissional em Psicologia, Representações Sociais e Direitos Humanos, Educação em Direitos Humanos e Educação à Distância. Atualmente é docente da Universidade Estadual do Piauí. Endereço: Avenida Marechal Castelo Branco, 180, Petecas, Piripiri/PI, Brasil. CEP 64260-000. E-mail: mirianesantos@hotmail.com

Cleonice Pereira dos Santos Camino possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco (1965), Mestrado em Psicologia - Universite Catholique de Louvain (1969) e Doutorado em Psicologia - Universite Catholique de Louvain (1979). Atualmente é professora titular da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Desenvolvimento Sócio-Moral, atuando principalmente nos seguintes temas: Direitos Humanos, Empatia, Moral, Técnicas de socialização e Perdão. E-mail: cleocamino@yahoo.com.br

Referências bibliográficas

  • 1
    Referência à obra "Representações Sociais: uma investigação em Psicologia Social".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014
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