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A OFERTA DE CAIM E A LINGUAGEM DO PROGRESSO – UMA AVALIAÇÃO TEOLÓGICA SOBRE AS IMPLICAÇÕES DO URBANISMO NO ANTIGO SISTEMA RELIGIOSO ISRAELITA

The Offering of Cain and the Language of Progress – A Theological Assessment of the Implications of Urbanism in the Ancient Israelite Religious System

RESUMO

As personagens Caim e Abel, protagonistas de Gn 4,1-16, e o subsequente desfecho narrativo entre elas, em função da oferta Àquele que os acompanhava diligentemente, estão entre as passagens mais instigantes do Antigo Testamento, motivo pelo qual dedicamos uma breve reflexão sobre a inteligência antropológica bíblica, observada mais detidamente a partir das atividades laborais e rituais do relato caímico, pelas quais é possível compor o extenso cenário formativo de comunidades afins assim como de territórios imperiais no período em questão. O vasto repertório teórico associado a esse tema bíblico e os avanços nas escavações arqueológicas nos permitem algumas elucidações centrais que o texto caímico nos proporciona. A prática sacrificial animal e a oferta descrita na passagem é sinal, em seu antagonismo, de alterações significativas no sistema religioso, que designam transformações socioeconômicas e uma resposta teológica a essas transformações. Com base nesse embate, se dá uma nova orientação teológica ao sacrifício, verdadeiramente esperado pelo Senhor.

PALAVRAS-CHAVE
Caim; Sacrifício; Gênesis 4; Teologia do Templo; Sacer

ABSTRACT

The biblical characters Cain and Abel, protagonists in Gn 4,1-16, including the subsequent outcome between them, and due to the offering to the One who watched over them diligently, are among the most thought-provoking plots in the Old Testament, which is why we dedicate a brief reflection about the biblical anthropological intelligence observed more closely from the Caimic way of ministering ritual and labor, through which it is possible do compose the extensive formative scenario of related communities as well as imperial territories of the period in question. The vast theoretical repertoire on this biblical theme and the advances in archaeological excavations enhanced our understanding about the Caimic narrative. The animal sacrifice and the offering described in the passage signalize, in their internal antagonism, meaningful changes in the religious system, designating socioeconomical transformations and a theological response to these transformations. Within that framework, a new theological guidance is given to the sacrifice truly expected by the Lord.

KEY WORDS
Cain; Sacrifice; Genesis 4; Temple Theology; Sacer

Introdução

Sob muitos pontos de vista, Caim é o pecador paradigmático: nele se condensa uma segunda Queda, de fato mais aguda que a primeira, numa espécie de Queda ao Quadrado, consumada no ato fratricida, na exposição de inclinações homicidas no universo das relações humanas. Se a seus pais, Adão e Eva, fora vaticinado que comeriam o pão com o suor de seus rostos, a Caim, no que seria uma segunda queda, é destinada sua expulsão de todo solo fértil. O que temos, nos primeiros capítulos em Gênesis, incluído Gn 4, são reflexões teológicas sobre a correta preservação da santidade e da pureza no santuário destinado à presença do Senhor, em acurada administração litúrgica e segundo parâmetros sacerdotais. Em certa medida, sob esses parâmetros, Adão foi um sumo-sacerdote insuficiente, seu filho Caim será algo ainda pior, arruinando-se enquanto ofertante do Senhor. Na descendência de Caim, em que podemos abstrair a instalação de um sistema caímico, esse exílio espiritual se torna explícito, pois associado a uma expulsão rigorosa e definitiva do “Jardim”, em que vemos esse sistema alijado e alienado dos espaços santificados, ritualmente puros.

O que temos, portanto, é uma discussão sobre a correta manutenção ritual e litúrgica dos espaços santificados, o que pressupõe, sob os parâmetros dessa ética sacerdotal, uma reta e justa conduta interior de seus celebrantes e ofertantes; há, nos primeiros capítulos de Gênesis, uma inequívoca contextualização, sem dúvida dramática, de alterações (e de adulterações!) significativas no ministério sacerdotal do Templo, embora, no caso, como referência literária aos antigos santuários agrestes. Olhar favoravelmente ou não a oferenda ao Senhor pressupõe um entendimento bem sedimentado de padrões internos e externos de conduta religiosa, em cuja base avaliamos a construção e a manutenção de um pensamento teológico desenvolvido. Com efeito, o texto caímico nos revela uma inteligência antropológica muitíssimo aguçada, que será neste artigo esmiuçada, e o faz ao mesmo tempo que revela as tensões dentro de um hebraísmo que se via confrontado pelas movimentações da história. É, sem dúvida, um texto deveras reflexivo, poética e teologicamente dramatizado, que expõe criticamente a montagem de um sistema religioso considerado impuro e perverso, mas que domina o âmbito essencialmente urbano dos grandes centros de poder então erguidos pelos novos impérios. São várias as camadas históricas que o texto acessa, épocas distintas, igualmente paradigmáticas em suas transformações, camadas que são reunidas e sintetizadas pela inteligência antropológica veterotestamentária, expressando-se literariamente como drama pessoal, o de Caim e de sua descendência: os fabricadores de armamento de metal, os comerciantes e, sobretudo, os construtores de cidade.

O modelo de Caim – sua herança – representa, portanto, o grosso do que chamamos de desenvolvimento tecnológico e urbano. É preciso entender que o Templo de Jerusalém, o Primeiro e sobretudo o Segundo, foi avaliado, figurativamente em Gn 4, nesse cenário urbano conturbado, teologicamente associado aos desvios da “grande prostituta”, a linguagem associada à Babilônia. É essa a descendência de Caim. Novamente, o que temos são reflexões bastante sofisticadas sobre a preservação litúrgica do lugar santo, ainda que em cenário social mormente dominado por formas, desejos e comportamentos incompatíveis com o padrão exigido pela fé javista. Nos interessa avaliar a forma como Gênesis 4 problematiza essas tensões no seio do javismo, sinalizando desenvolvimentos históricos significativos e temporalmente imensos – do final do neolítico ao final da Era do Bronze ao final do Cativeiro Babilônico – no âmbito de uma teologia que compreendia, de modo sofisticado, natureza humana e anseios celestes, ambos reunidos em elaborações teológicas de uma teologia do templo (BARKER, 2018BARKER, Margaret, Introdução à Teologia do Templo. São Paulo: Editora Filocalia, 2018., p. 37; WRIGHT, 1992WRIGHT N. T. The New Testament and the People of God – Christian Origins and the Question of God. Minneapolis: Fortress Press, 1992., p. 121; DE YOUNG, 2021DE YOUNG, Stephen. Religion of the Apostles. Orthodox Christianity in the First Century. Chestertom, IN: Ancient Faith Publishing, 2021., p. 15 et alia), à qual a preservação da pureza do sacerdócio era simplesmente vital.

O santuário terrestre, fosse como tenda/tabernáculo fosse como templo edificado, era visto como reflexo de um padrão celeste [grifo nosso]. A tradição posterior passou a compreender que o santuário terrestre era uma cópia da realidade celeste [...] Não se tratava somente de uma correspondência estrutural; uma das chaves para uma adequada compreensão do culto do templo é perceber que tanto os ritos como as pessoas envolvidas também eram vistos como manifestação visível da realidade celeste. Os sacerdotes eram os anjos, o sumo sacerdote era o representante do Senhor [...] Israel sempre se lembrava de que o templo, em todos os seus planos e detalhes [e procedimentos litúrgicos], fazia parte do plano divino revelado

(BARKER, 2008BARKER, Margaret. The Gate of Heaven – The History and Symbolism of the Temple in Jerusalem. Sheffield Phoenix Press, 2008, p. 16-17., p. 16-17)

Este artigo se divide em 5 seções principais. Nas duas primeiras, certas contextualizações históricas são delineadas no cruzamento entre pesquisa arqueológica com estudos bíblicos, situando nosso leitor no âmbito fortemente interdisciplinar deste artigo. Na terceira seção, quando entramos propriamente em nosso argumento, abre-se a discussão sobre a inteligência antropológica do texto caímico, que nos revela um conhecimento profundo sobre eventuais mecanismos de controle interno da violência social, uma sabedoria associada aos meios de reparação sacrificial, remetendo à centralidade religiosa do sacrifício expiatório em caráter purificador/restaurador. Na quarta seção, discutimos teoricamente certos entendimentos antropológicos sobre a formação da Religião, do “Sagrado Primitivo”, como sistema/mecanismo de controle interno da violência, em sua atribuição fundamental de conter a violência por meios violentos, pois ritualmente controlados. Na quinta seção discutimos, finalmente, como a teologia veterotestamentária reconhece esse mecanismo arcaico e como ela, em certa medida, o subverte e o eleva no entendimento da ação de um Deus misericordioso e dadivoso.

1 Primeira Contextualização

O breve relato veterotestamentário sobre Abel, Caim e sua descendência compreende o fundamento literário dos patriarcas antediluvianos. As muitas genealogias dispostas nessa literatura nos permitem vislumbrar uma extensa composição de clãs nômades e seminômades em contato próximo com os eixos civilizacionais da Era do Bronze, ou nestes já inseridos. Em sua diferença interna, em seu antagonismo marcante, dinâmica e conteúdo das oferendas de Abel e de Caim nos dão algumas pistas sobre a constituição do povo israelita enquanto comunidade nômade-pastoral vis-à-vis sociedades produtoras de grandes excedentes agrícolas, em que se estabeleceram os impérios da época.

Seria apropriado enfatizar que, no contexto urbano do Crescente Fértil, ao falarmos de uma cidade-estado mesopotâmica, de um nomós egípcio ou de um reino siríaco, falamos de pequenas soberanias vinculadas a urbes que controlavam, politicamente, extensas faixas agrícolas de altíssima produtividade, uma vez que integradas a canais de irrigação, como também a hortas, a granjas, a pomares, estalagens, armazéns etc, onde “a cidade-estado incluía um núcleo urbano acrescido do interior agrícola que a cercava. A cidade murada era rodeada por subúrbios, portos, pomares e campos. O centro urbano estava no topo de uma hierarquia que compreendia assentamentos menores” (GARFINKLE, 2013GARFINKLE, Steven J. Ancient Near Eastern City-States. In: FIBIGER, Peter; SCHEIDEL, Walter. The Oxford Handbook of the State in the Ancient Near East and Mediterranean. Oxford: Oxford University Press, 2013., p. 95). O universo nômade vivia às margens desse âmbito propriamente civilizacional, espreitando-o em relações instáveis de vassalagem e de agressões, num cenário maior em que “vilarejos agrícolas se aglomeravam ao redor de uma cidade-estado, vendo-a como centro cúltico e como centro administrativo e socioeconômico” (GARFINKLE, 2013GARFINKLE, Steven J. Ancient Near Eastern City-States. In: FIBIGER, Peter; SCHEIDEL, Walter. The Oxford Handbook of the State in the Ancient Near East and Mediterranean. Oxford: Oxford University Press, 2013., p. 95). No cenário mais propriamente israelita, em suas fases históricas progressivamente inseridas em contextos urbanos, o que vemos são relações intermitentes de vassalagem tanto com os senhores imperiais do sul, os egípcios, como com os senhores imperiais do norte, hititas, mesopotâmicos e siríacos, em cenário interno de disputas entre tribos e clãs associados a povos nômades e a pequenos reinos de mercadores.

Esforços de recomposição dos elementos históricos do Pentateuco caracterizam desafios imensos, absolutamente intricados, e há hoje expressivas diferenças entre as metodologias, as aproximações e as hermenêuticas adotadas por pesquisadores, algo que se agravou desde que o consenso acadêmico ao redor da hipótese documental de Julius Wellhausen perdeu força. Houve também, nas últimas quatro décadas, avanços bem expressivos no campo da arqueologia bíblica, o que deu origem a uma série de teorias não somente concorrentes, mas, por vezes, visivelmente contrárias entre si.

Houve, no entanto, desde a década de 1990, uma virada às interpretações minimalistas, conforme sintetizado por James K. Hoffmeier:

Em resposta a uma leitura mais maximalista dos textos, que caracterizou esses estudos de 1950 a 1970, o pêndulo [teórico] balançou definitivamente para a direção minimalista, e com isso o ceticismo [em relação à historicidade desses textos] se tornou, desde então, disseminado, especialmente em relação ao Antigo Testamento

(HOFFMEIER, 1996HOFFMEIER, James K. Israel in Egypt – The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996., p. 10)

Portanto, “o minimalismo histórico dominou os debates sobre ‘a origem de Israel’ nas últimas décadas” (HOFFMEIER, 1996HOFFMEIER, James K. Israel in Egypt – The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996., p. 10). Desse modo, antes de ingressar em nossa questão sobre as realidades históricas e sociológicas por trás do relato caímico, em que vislumbraremos certos elementos teológicos de reajuste ético e sacrificial, temos o dever de apresentar, ainda que de modo breve e esquemático, algumas das principais correntes e teorias hoje à disposição.

Conforme sumarizado em artigo de Richard Hess, “Early Israel in Canaan: A Survey of Recent Evidence and Interpretations” (1999), teríamos atualmente dois grandes conjuntos explicativos, subdivididos em quatro modelos principais sobre as origens de uma identidade fortemente javista-israelita em Canaã, cuja periodização é atualmente situada entre o Bronze Recente (IIb – III) e as primeiras fases da Idade do Ferro (IA – IB), ou seja, entre c. 1.400 e 1.000 AEC. Temos, portanto, nesse cenário formativo, dois conjuntos principais: os que defendem que os israelitas vieram de fora de Canaã, compreendendo as teorias migratórias da “Conquista Rápida” (ALBRIGHT, 1940ALBRIGHT, W. F. From the Stone Age to Christianity: Monotheism and the Historical Process. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1940.. p. 150; BEN-TOR, 1992BEN-TOR. Amon. The Archaeology of Ancient Israel. Yale University Press, 1992., p. 211 et alia) e da “Infiltração Pacífica” (AHARONI, 1982AHARONI, Yohanan. The Archaeology of the Land of Israel – From the Prehistoric Beginnings to the End of the First Temple Period. Philadelphia: The Westminster Press, 1982., p. 153; ALT, 1966ALT. A. Essays on Old Testament History and Religion. Oxford: Blackwell, 1966, p. 135-169., p. 135 et alia), e os que propõem o contrário, defendendo que os israelitas vieram de dentro de Canaã, compreendendo as teorias também concorrentes da “Revolta Camponesa” (GOTTWALD, 1979GOTTWALD, N. K. The Tribes of Yahweh: a Sociology of the Religion of Liberated Israel (1250 – 1050 BCE). Orbis Books, 1979., p. 32; MENDENHALL, 2001MENDENHALL G. Ancient Israel’s Faith and History – An Introduction to the Bible in Context. Westminster John Knox Press, 2001., p. 73 et alia), da “Ressedentarização” (FINKELSTEIN, 2007FILKENSTEIN, Israel; MAZAR, Amihai The Quest for the Historical Israel – Archaeology and the History of Early Israel. The Society of Biblical Literature, 2007., p. 9) e, mais recentemente, da “Expansão Ruralista” (CALLWAY, 1968CALLAWAY J. A. “New Evidence on the Conquest of Ai. JBL 87 (1968), p. 312-320., p. 312), cada qual a dividir posicionamentos entre acadêmicos versados no tema.

Encontramos ramificações desses troncos principais, como, por exemplo: (1) a sugerida por Lemche, de que os israelitas teriam se formado com base em tribos nômades locais, para ele os habiru, consolidando-se, enfim, como soberania étnico-religiosa, no momento em que o Egito começou a perder controle militar sobre o Levante, durante o colapso final da Era do Bronze e (2) a sugerida por David Ilan, para o qual os primeiros israelitas compreenderiam um desenvolvimento interno e uma posterior aculturação (hibridização) de antigos funcionários administrativos, religiosos e até mesmo militares egípcios, que se fixaram em Canaã no período imperialista da Décima-Nona Dinastia, mas que lá permaneceram após o colapso final da Era do Bronze. Isso explicaria, no Pentateuco, a quantidade expressiva de nomes próprios de origem egípcia, sobretudo entre os levitas, além de um igualmente expressivo material arqueológico de origem e de fabricação egípcias, que foi encontrado em pontos diversos e associado ao cenário israelita primitivo.

Independentemente das várias teorias em litígio, sejam elas menos ou mais extravagantes, podemos extrair, desse cenário teórico bastante plural, ao menos um primeiro ponto de apoio, a saber: de alguma forma, as “origens” de Israel se conectam mais agudamente, em seu processo de consolidação como confederação religioso-tribal, à visível retração imperial do Egito na região do Levante, durante o fim da Décima-Nona e ao longo da Vigésima Dinastias egípcias, grosso modo entre 1.200 – 1.070 AEC, e à concomitante proliferação de litígios locais ou regionais entre pequenos reinos, tribos nômades e confederações de piratas, que se tornavam progressivamente autônomos, disputando território e soberanias nessa região. Somando-se a isso, teríamos deslocamentos de refugiados vindos de regiões diversas, igualmente associadas ao contexto do Mediterrâneo Oriental: do Egito ao Chipre ao Egeu e à Costa da Anatólia.

É de conhecimento geral que a mais antiga referência externa que temos acerca da existência de um “Israel” vem da célebre Estela de Merneptá (1.207 AEC), descoberta em Tebas por Flinders Petrie em 1896, em que lemos que esse faraó da Décima Nona Dinastia, filho de Ramsés II, varreu “a semente de Israel”, o que poderia nos deixar em aberto se se trata de referência geográfica, mormente direcionada a uma região, conforme defendido por Ahlström, ou se a referência é de fato étnico-cultural, portanto, associada a um povo, conforme certo consenso acadêmico defende, uma vez que, nessa célebre estela, o termo, “Israel”, está claramente ligado a um determinativo, ou seja, trata-se de referência a um povo ou sociedade específicos, que à época representava uma ameaça ou um entrave ao poder imperial egípcio na região. De qualquer forma, essa estela nos indica a existência política de um Israel no final do século XIII AEC, e no sentido de haver uma força militar associada a uma identidade cultural que se queria soberana, indicando-nos, igualmente, mas agora em sentido contemporâneo e investigativo, a importância simplesmente incalculável da arqueologia nos estudos sobre os estágios formativos desse povo.

Atualmente, sobretudo desde as publicações de Finkelstein, o texto veterotestamentário tornou-se mero apêndice literário às confirmações ou às mais frequentes objeções do material arqueológico. Nessa linha colonizada pela arqueologia, notabilizou-se – e com grande força – a proposição de um processo interno de ressedentarização ou, mais recentemente, de expansão agrícola das populações semitas das regiões montanhosas de Canaã, outrora obrigadas a voltar ao nomadismo, em explicações abrangentes sobre a formação interna do antigo Israel, especialmente com base nas regiões de Sechem, de Shiló e do Monte Ebal, alcançando também Hebron ao sul, no coração mesmo das regiões montanhosas da Samaria, estendendo-se à Judeia. Como não poderia deixar de ser, a teoria de Finkelstein não escapou de receber críticas agudas (e pertinentes), em que se diz, por exemplo, que “[Finkelstein] viola sua própria abordagem puramente arqueológica, qual seja, minimizando [estrategicamente] o texto bíblico, durante as apreciações arqueológicas que faz, ao mesmo tempo que se vê forçado a consultar Josué e Juízes para saber onde os israelitas devem ser situados” (HOFFMEIER, 1996HOFFMEIER, James K. Israel in Egypt – The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996., p. 32). De qualquer forma, afastando-nos de uma polarização entre a perspectiva da “Conquista Rápida”, teoricamente alinhada em William F. Albright, John Bright e recentemente em Ben-Tor, e a perspectiva de um “Desenvolvimento Interno”, teoricamente alinhada em N. P. Lemche, em Finkelstein e em Callway, defendemos que a narrativa do texto caímico, em Gênesis 4, comporta, em seu fundo histórico-antropológico, um inquérito relativo a tensões entre sedentarismo agrícola e nomadismo pastoril, tensões teologicamente desdobradas numa visão sacerdotal sobre a correta condução das oferendas sacrificiais e das primícias, quando ritualmente consagradas na vida religiosa do antigo Israel. Entendemos que haja distintas temporalidades em jogo, em que a reflexão sacerdotal, mais recente, situada entre os séculos VI e V AEC, recupera, não obstante, materiais literários e orais associados a transformações sociais mais antigas e mesmo formativas, uma vez que é possível vislumbrar, em Gênesis 4, discussões bem arcaicas em sua orientação teológica fundamental, possivelmente relativas a um período anterior à época do Cativeiro Babilônico.

2 Segunda Contextualização

Não são poucos os exegetas e demais estudiosos em Antigo Testamento que apontam o centro quiástico da Torá em Levítico 16. Internamente, o recurso ao quiasmo foi bastante utilizado pelos redatores, desde passagens extensas em Gênesis aos Profetas, na formação de um estilo que alcança os textos do Novo Testamento, como no célebre quiasmo disposto no Prólogo de João. Desse modo “os últimos redatores dispuseram o Pentateuco de tal maneira que o livro do Levítico aparece claramente como o centro da Torá”, logo, “o quadro interior formado por Êxodo e Números identifica o Livro do Levítico como o centro do Pentateuco. No interior do próprio Levítico, seu ponto culminante constitui o ritual do Dia da Expiação, em Levítico 16” (RÖMER, 2010RÖMER, Thomas. A Formação do Pentateuco: História da Pesquisa. In: RÖMER, Thomas; MACCHI Jean-Daniel; NIHAN Christophe (Eds.). Antigo Testamento – História, Escrita e Teologia. São Paulo: Edições Loyola, 2010., p. 81-82). O que nos informa Levítico 16? Trata-se grosso modo de prescrições rituais-sacrificiais encenadas no Templo, trata-se de rito expiatório destinado ao ministério sumo-sacerdotal em suas funções no תדֶפֹּכַּ (propiciatório), assento da misericórdia, localizado no םישִׁדָקֳהַ שׁדֶקֹ (santo dos santos), local consagrado à epifania javista. A administração da oferta sacrificial expiatória compreendia pedra-angular de todo o sistema religioso israelita, finalmente consolidado nas demandas associadas ao Primeiro Templo, não obstante sua conexão com o período anterior, ritualmente associado ao Tabernáculo, conforme disposto no relato bíblico. Orientamo-nos, dessa maneira, ao exercício de uma reflexão teológica sobre possíveis tensões crescente entre as demandas sacrificiais javistas, demandas de pureza ritual, e a narrativa caímica, associada à idolatria, perscrutando, nesse trânsito intrincado, questões sobre posturas rituais em conflito (e em reajuste) no seio desse javismo.

Passando ao largo das discussões infindáveis sobre a redação da Torá, academicamente situada no período do Cativeiro Babilônico, estendendo-se ao Período do Segundo Templo, em que tradições orais, cânticos e textos hoje desaparecidos foram usados por redatores deuteronomistas na formação de um corpo narrativo notável, chamado comumente de “As Escrituras”, interessa-nos levantar questões muitos próprias, especificamente dirigidas a Gênesis 4. Propomos aqui uma chave de leitura sobre transformações sociais antiquíssimas, assim investigando, em modo teológico-antropológico, a passagem de uma religiosidade eminentemente agreste para uma religiosidade mais e mais urbana, progressivamente centralizada num grande templo, durante o processo de formação religioso-nacional israelita.

O gigantesco movimento de neolitização das sociedades do Crescente Fértil, conducente de formas mais e mais sofisticadas de organização religiosa, política e econômica, desembocou, no final do calcolítico e início do Bronze Antigo c. 4.000 – 3.200 AEC, num intenso e irrefreável desenvolvimento urbano e agrícola no Oriente Médio, no Levante e no Nordeste africano, na formação de grandes conjuntos civilizacionais. O nomadismo de pastoreio foi um dos produtos históricos significativos desse processo, em que surgiram as primeiras cidades-estados da história, entidades criadoras dos primeiros exércitos regulares e, portanto, das primeiras forças expedicionárias e dos primeiros impérios,

porque não há império sem cidade, e a relação entre eles se confunde com o surgimento do que chamamos em sentido estrito de história militar: campanhas arregimentadas e aquarteladas em cidades fortificadas e/ou campanhas que buscam destruir e saquear essas cidades fortificadas

(RIGHI, 2017RIGHI, Maurício G. Pré-história e História. As Instituições e as Ideias em seus Fundamentos Religiosos. São Paulo: É Realizações, 2017., p. 116).

Ao viverem nas franjas desse mundo progressivamente controlado por cidades-estados teocráticas com vocação expansionista, desde as regiões do Delta do Nilo até as margens do Golfo Pérsico, percorrendo o arco do Crescente Fértil, essas sociedades de nômades tiveram relações fecundas, não obstante ambíguas, com esses centros de prosperidade, invariavelmente associados aos grandes impérios. Esses nômades ora lhes prestavam serviços militares temporários ora os atacavam para lhes subtrair poder político e influência inter-regional, e os anais régios dos grandes impérios nos informam em que medida essas populações de reis e de chefes de clãs de pastores provocaram sensíveis distúrbios políticos e alterações culturais em todo cenário civilizacional da Era do Bronze. Há, por exemplo, o caso dos hicsos, conforme relatado por Flávio Josefo, e a historiografia moderna realmente confirma prováveis nomes semitas associados à dinastia invasora dos hicsos, que governou o Baixo Egito durante o chamado Segundo Período Intermediário, especificamente ao longo da Décima-Quinta Dinastia (c. 1.650 – 1.540 AEC).

Tomando esse quadro maior como nosso guia, interessa-nos circunscrever uma tensão doutrinal entre uma religiosidade agreste-pastoral e outra urbana-agrícola, alocada no seio do israelismo nascente, conforme teologicamente aludido em Gênesis 4, na manifestação de um amálgama conflituoso/cooperativo entre agrupamentos nômades e centros urbanos donos de impressionantes excedentes agrícolas.

Todavia, antes de iniciarmos nossa argumentação, é preciso esclarecer que há, conforme adiantado em nossas duas contextualizações, dois grandes conjuntos temporais alusivos em Gênesis 4, que estão separados historicamente entre si por dois milênios, embora sedimentados num mesmo discurso teológico. Há um primeiro conjunto, especificamente pré-diluviano em sua conformação literária, em cuja hipotética contrapartida histórica situamos questões, embora em ecos longínquos, do final do neolítico e do início do Bronze Antigo, na proposição de um cenário com alterações expressivas nos sistemas sacrificiais das sociedades envolvidas. Mas há também um segundo conjunto, pós-diluviano, em cuja contrapartida histórica se vislumbram os inícios formativos das confederações tribais israelitas, agora no final da Era do Bronze, conforme biblicamente situado em Juízes. O que teremos, portanto, é uma especulação teológica adaptada a dois extremos temporais da Era do Bronze, uma vez que antropologicamente fundamentada. Daremos ênfase às associações com o conjunto mais recente, pois é com este que temos acesso a indícios arqueológicos infinitamente mais abundantes e, portanto, muito mais seguros. Trata-se de reflexão sumamente interdisciplinar, e ainda que nosso argumento seja sobretudo teológico, apresenta-se, igualmente, como estudo histórico do pensamento teológico, associado às práticas sacrificiais do hebraísmo.

3 םכֶיחִאֲ־תאֶ וּאנְשְׂתִּ־לאַ (Não odieis o vosso irmão)

Abel tornou-se um ןאצֹ העֵרֹ (pastor de ovelhas), e é agraciado em sua oferenda de sacrifício; Caim, que se tornou um המָֽדָאֲ דבֵעֹ (cultivador do solo), não é. A exegese tradicional nos ensina que essa diferença, na recepção às duas oferendas, se deve a uma atitude devocional completamente distinta entre Abel e Caim. A oferta do primeiro se dá em tom de gratidão, pois nela se oferece o melhor que tem, הֶבֵלְחֶמֵוּ ֹתורכֹבְּמִ (a parte escolhida e suculenta (gordurosa) do animal primogênito), ao passo que o segundo, Caim, oferta tão somente os המָדָאֲָהָ ירִפְּמִ (produtos do solo). Esse mesmo comentário teológico complementa seu ensinamento nos dizendo que o rosto abatido de Caim, diante da reprovação que recebe, e que expõe o seu desmoronamento psíquico, é indício importante de orgulho ferido, de uma vaidade fundante, que será então rapidamente transformada em inveja, levando-o ao ressentimento e ao assassinato, no caso um fratricídio, ápice da subtração de amor. Para muito além de mero crime circunstancial, fratricídio é tema eminentemente antropológico, ou seja, universal e trans-histórico. Toda e qualquer comunidade humana, sobretudo em ambientes que podemos chamar grosso modo de arcaicos ou tribais, tem como dever social fundamental resolver questões de violência endógena ou intraespecífica, que podemos também chamar de guerra civil ou de guerra fratricida. Em cenários formativos, internamente frágeis, é preciso debelar ou afastar a sua presença a qualquer custo. Nenhuma cultura consegue de fato se desenvolver e prosperar sem, antes, encontrar meios de conter, com certo êxito sustentado, e internamente, possíveis escaladas envolvendo retaliações violentas, como vendetas, acertos de conta e cisões entre facções beligerantes, evitando uma guerra “entre irmãos”. Apesar de sua impressionante concisão, Gênesis 4 nos dá indícios bem convincentes de que discute, teologicamente, problemas históricos relativos a novos desafios dessa natureza, mormente ligados a rivalidades crescentes e, consequentemente, a novos sistemas de contenção dessa violência interna. Isso se dá no âmbito de transformações sociais bem agudas, de alterações significativas nos modos de produção, provocando repercussões na organização dos sacrifícios e das oferendas. Os produtos bem distintos que tanto Abel, por um lado, como Caim, por outro, têm a oferecer não são apêndices irrelevantes da narrativa, mas compreendem, em si mesmos, antiquíssimas associações históricas com alterações nos modos de vida de uma sociedade.

Ainda que teologicamente agraciada, a oferenda de Abel, enquanto modelo sacrificial associado a um modo de vida, não deixa sucessores, ao contrário de Caim, o que nos sugere indícios de uma inflexão severa em toda a sociedade, que teve de se readaptar a um novo estilo de vida, um estilo propagador de contágios violentos outrora desconhecidos. Em suas análises antropológicas sobre o texto, René Girard enfatiza algo importantíssimo ao nosso tema: após o assassinato de Abel, o ordenamento divino proíbe que Abel seja vingado com o sangue de Caim, “uma marca que o protege” (GIRARD, 2002GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. São Paulo: Instituto Piaget, 2002., p. 111), conforme comentário também disposto na Bíblia de Jerusalém, mostrando-nos a instalação de procedimentos que impediam justamente a proliferação interna de violências intestinas. O que temos é uma ampla determinação de proteção. Trata-se de cenário de provável beligerância entre clãs que, mais tarde, compreenderiam, talvez, confederações étnico-religiosas em aliança religiosa, e a errância de Caim nos leva a vislumbrar fluxos migratórios violentos, assombrados por guerras locais e por severas estiagens. Hoje sabemos que, próximo ao colapso final da Era do Bronze, em que desapareceram, subitamente, impérios inteiros, como o dos hititas e dos micênicos, toda a região do Oriente próximo e do Mediterrâneo Oriental foi imensamente castigada por secas severas. É óbvio que se trata de ousada ilação, mas a expulsão divina do solo fértil, numa espécie de segunda expulsão do Jardim, agravada por uma transgressão ainda pior, o fratricídio do piedoso Abel, aquele que zelava pela correta condução dos ritos, indica-nos, sob a batuta do pensamento teológico, um processo histórico em curso, orientando-nos, portanto, para algo específico, em que se acumulavam dificuldades sobre uma tradição religiosa ameaçada, que se queria corretamente piedosa. Há, em Gênesis 4, um desejo ardente de preservar comportamentos e atitudes, que poderiam se perder com a chegada de um novo tempo. Isso se dá porque o futuro pertence a Caim, não a Abel; pertence, portanto, aos descendentes do fratricida; e seu nome ןַֿֿ֫יִק (Caim) nos revela que é ele o destinado a possuir ou a se apropriar das coisas, associado ao verbo הנָקָ (adquirir). Portanto, será preciso educá-lo.

O texto bíblico abrirá então outra linhagem com Set, após a morte de Abel, uma linhagem sumo-sacerdotal por excelência, compromissada com a pureza ritual de Abel, que é então reinstalada, ao que consideramos a reflexão: יתִאֹ הנָשְׂתִ יכִ יתִִִישׂעָ המֶ (O que fiz para que tu me odeies?), violentamente abafada, mantendo-se a dicotomia espiritual entre santidade e iniquidade e, importante, deslocando a linhagem de Caim para os representantes do progresso material, certamente vinculados ao crescimento do urbanismo em seu modo de vida específico, em suas classes e estilos de vida, em seus afazeres e especializações. Sabemos que Caim se torna um ריעִ הנֶבֹּ (construtor de cidade), e aqui a tradução da Bíblia de Jerusalém nos parece acurada, ao substantivar o verbo הנָבָּ (construir), cuja conjugação na forma do particípio do sistema Qal pode ser traduzida no pretérito ou gerúndio, mas que é comumente aplicada como substantivo. Isso pode significar que construíam cidades sob a marca de Caim e de seus descendentes, significa também, importantíssimo frisar, que se projetava ali a construção sem-fim de uma cidade ou, mais precisamente, de um enorme ídolo associado à arquitetura da cidade imperial por excelência: falamos de Babilônia e de sua Torre. O que mais nos interessa, em nosso enfoque, é notar que o redator deuteronomista, em posse de material antigo, javista ou outro, nos oferece, em Gênesis 4, fortes indícios de um cenário histórico em que nômades pastores começavam a se apropriar dos ambientes urbanos, primeiramente os saqueando como tribos errantes, mas, finalmente, tornando-se eles mesmos senhores de cidades.

Nessa (nova) configuração cultural e política, absolutamente justificável no cenário histórico do início da Idade do Ferro, Gênesis 4 nos oferece indícios de alterações no ordenamento ritual sacrificial, que precisou ser reelaborado com base em ajustes contra corrupções e desvios provenientes de períodos mais complexos e potencialmente violentos, em que o tipo caímico não somente saqueava abertamente seus irmãos, assassinando-os, mas se tornava o seu senhor, tornando-se senhor do “ferro” e das cidades. Sob esse olhar figurativo, a descendência de Caim assaltara e depois deturpara antigos lugares de adoração associados à piedade de Abel. Esses novos senhores da guerra promoviam sacrifícios impuros, forçando acomodações rituais pela violência, pela imposição da força, vistas como impuras pelos antigos sacerdotes. É óbvio que estamos muito longe de uma caracterização religiosa mais específica, e não podemos falar de judaísmo, ainda que os distintos sedimentos temporais do texto nos indiquem, em suas conotações arcaicas, um esforço religioso tremendo por preservar determinados aspectos rituais associados ao javismo, aspectos esses que estavam ameaçados.

Segundo parâmetros teológicos hebreus, não seria permitido acesso ritual da mais alta importância a membros manchados com o sangue de seus irmãos. Esse tipo de interdito ritual tem, não obstante, valor antropológico universal, e são inúmeros os exemplos, mundo afora, de interdições rituais severas associadas a membros considerados “sujos” de sangue, dos homicídios à menstruação feminina. Em contexto propriamente veterotestamentário, temos, por exemplo, o caso do rei Davi que é proibido de erguer o Novo Templo dedicado a הוהי (Senhor) em Jerusalém por ter as mãos sujas de sangue, de muito sangue, cabendo a seu filho, Salomão, construir e depois presenciar a consagração do lugar santo.

Em sentido retrospectivo e analítico, assinalamos que, no fundo, Caim já se encontra impedido de ofertar ao Senhor, antes de fazê-lo concretamente. Sua execução ritual insuficiente está condenada de antemão, e o próprio texto nos confirma que ele não tinha estatura espiritual para realizar o que se dispôs a fazer, encolerizando-se, ardendo-se de ira: הֹֹֹעָשָׁ אלֹ וֹתחְָנְמִ־לאֶוְ ןיִקַ־לאֶוְ וֹתחָנְמִ־לאֶוְ לבֶהֶ־לאֶ הוָהיְ עשַׁיִּוַ (“e logo YHWH olhou favoravelmente para Abel e para sua oferenda, mas para Caim e sua oferenda não olhou favoravelmente” (Gn 4,4b-5a). Levando em consideração o entendimento observado em Schökel (1997)SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997., partindo da experiência fisiológica do calor facial, efeito e sintoma da ira, o verbo הרָחָ (irritar-se) é tomado para significar a ףאַ(ira). O amplo significado desse verbo: irar-se, encolerizar-se, enfurecer-se, irritar-se, indignar-se, enojar-se, enraivecer-se, enfadar-se, incomodar-se, dá forma concreta ao sentido usado na subsequente ação destrutiva de Caim contra o seu próprio irmão, לבֶה (Abel). Portanto, para além da mera sequência narrativa da história de Caim e Abel, Gênesis 4 nos revela uma estrutura sacrificial periclitante ou mesmo parcialmente comprometida, em que, antes de o sujeito se irritar por ter seu sacrifício rejeitado, é a própria condição de irritabilidade impiedosa, ligada a sujeitos particularmente vorazes e mesquinhos, sujeitos não autorizados ao serviço do sacerdócio, que impede, desde a base, uma correta condução da oferenda. Talvez, e aqui nos arriscamos novamente em nossa tese, o texto se refira aos novos homens, senhores da guerra e da política, que entravam num antigo sistema sacrificial, mas que, em razão de sua rapinagem vitoriosa, precisaram se reeducar no mundo, do qual se apropriavam avidamente, formando assim um segmento bem específico de desenvolvimentos históricos, biblicamente associados aos construtores de cidade.

Caim põe o nome de ךְְוֹנחֲ (Henoc) a seu filho e a sua cidade, quando vemos uma descendência tipicamente associada à construção de cidades, às suas distrações e ao domínio da metalurgia, uma descendência particularmente violenta, ritualmente rigorosa e expansionista. Henoc, associado ao verbo ךְנַהָ (instruir, educar, dedicar, treinar), nos mostra certa urgência desse novo homem diante de um universo muitíssimo mais exigente – e aqui falamos tanto do universo antiquíssimo que encaminhou, em definitivo, o processo irreversível de urbanização das sociedades neolíticas, processo repleto de desafios à organização da violência interna em sociedades mais e mais aglutinadas e concorrenciais, como também falamos do universo ligado ao colapso da Era do Bronze e à concomitante emergência de Israel, mostrando-nos um domínio argumentativo antropológico deveras impressionante por parte da teologia hebraica. Nesse sentido caberia ainda, certamente em extrapolação que foge ao propósito deste artigo, posicionarmos a inteligência antropológica em Gênesis 4 num terceiro e derradeiro conjunto histórico, conectando-a aos desafios relativos ao restabelecimento do Templo em Jerusalém, durante o retorno do Cativeiro. Conforme anteriormente mencionado, o que temos são vários sedimentos históricos coordenados por uma inteligência antropológico-teológica incomum, singularmente trans histórica, que no caso tem, como alvo principal, a relação entre piedade, prática sacrificial e contenção das vinganças.

Filho e cidade herdam de Caim o compromisso social de contenção dos ciclos internos de retaliação violenta, e o texto nos diz que esse interdito é absolutamente expandido, pois o que era sete vezes, em Caim, será, em Lamec, העָֽבְשִׁוְ (setenta vezes sete), que no caso significa um número indeterminado de vezes, significa, enfim, quantas vezes forem necessárias. Ou seja, os construtores de cidade expandirão, enormemente, o sistema sacrificial fundado por Caim ou com Caim, na consagração de sistemas colossais de sacrifício, e isso implica, em termos arcaicos, a instalação de mecanismos sacrificiais massivos, sistemas produtores de holocaustos. Se Caim não podia ser vingado, Lamec muito menos; por conseguinte, as cidades se tornam centros de grandes sacrifícios destinados à autoglorificação dos poderes instalados, incluídos os atos expiatórios mais importantes, ou seja, incluído o grande ato descrito em Levítico 16, anteriormente encenado no Tabernáculo. A alteração do espaço litúrgico da Tenda para o Templo indicaria, portanto, esse mesmo processo de agravamento teológico, em que a gratuidade da oferta original e piedosa se viu comprometida pelos construtores de cidade.

Tratou-se de movimento irreversível em todo o Crescente Fértil, desde o início da Era do Bronze, com a consolidação das primeiras cidades-estados da história, alcançando, ao término dessa mesma Era do Bronze, as dinâmicas das tribos israelitas nascentes, sobretudo quando estas passaram a viver em cidades, quando cultos diversos foram deslocados, pois outrora associados aos antigos santuários agrestes. O Deuteronômio representaria, posteriormente, a consagração final desse processo de centralização, e é justamente essa perspectiva derradeira que domina o texto em Gênesis 4. Sua disposição específica, conforme hoje acessível no Pentateuco, representa um fechamento, bem como um entendimento, absolutamente formalizado e intelectualizado sobre o processo de transferência sacrificial para o Templo da grande cidade, conforme expresso em Deuteronômio 12,5.

Antes de concluirmos, talvez fosse proveitoso abrir brevíssimo comentário a respeito das fundações antropológicas de nosso argumento, amparando-o em processos culturais que nos parecem universais, pois há uma inequívoca orientação para o universal nos capítulos que abrem o Livro de Gênesis.

4 Nos Recessos do Sacer

Sabemos que prescrições rituais e sua relação com práticas sacrificiais, manifestas em oferendas e em expiações de todo tipo, não são, nem de longe, exclusivas ao hebraísmo. Em Violent Origins – Ritual Killing and Cultural Formation, trabalho organizado por Robert G. Hamerton-Kelly, em que foram reunidas as teses de grandes teóricos sobre o assunto, lemos que a “religião”, conceito relativamente recente na história do pensamento, inexistente no horizonte histórico do Antigo Testamento, é um fenômeno social de primeira ordem, ou seja, largamente fundacional em contextos arcaicos (HAMERON-KELLY, 1987). Nesse sentido a religião tem como uma de suas funções primeiras, como um de seus fundamentos, a criação de procedimentos rituais realmente eficazes na “ciência” de transferir rivalidades, traumas, escândalos e ressentimentos, que foram coletiva e internamente acumulados, para canais expiatórios que possam absorver, em si mesmos, esses conteúdos psíquicos potencialmente disruptivos, evitando assim agravamentos fratricidas em larga escala, que, uma vez descontrolados, podem exterminar sociedades inteiras, conforme já presenciado por antropólogos. Em configuração arcaica, a religião está lá, soberanamente montada em aparatos rituais bem sofisticados, para evitar que isso aconteça. Gênesis 4 não somente sabe disso como nele se reconhece a terrível ambiguidade desse mecanismo, que impede a violência por meios violentos. Trata-se de um entendimento que reconhece a violência do antropos como dado perene, reconhecendo-a como presença endêmica à nossa espécie, que precisa se organizar internamente – enquanto cultura religiosa – para justamente impedir o seu descontrole. Gênesis 4 não somente oferece esse entendimento sobre a realidade estrutural das religiões antigas, mas o qualifica num princípio teológico mais alto, em que se percebe a necessidade de superar essa mentalidade, encaminhando uma prototeologia antissacrificial. Há, portanto, uma inteligência antropológica formidável na chamada narrativa caímica, em cujo subtexto lemos um “drama familiar” que nos informa sobre a reorganização social-litúrgica de antigos procedimentos de controle religioso, desaguando em reflexão sobre a própria violência em sentido fundador, mas que se alastra com base em transformações históricas agudas: urbanismo, deslocamentos de povos, guerras, reorganização econômica, etc.

Em linguagem estritamente antropológica, o Sacer, o sagrado violento, responde justamente por esse “mecanismo” arcaico de contenção da violência intraespecífica com base em procedimentos sacrificiais, dos menores aos maiores. Girard chegou a dizer que todas as tecnologias e instituições que estruturaram as sociedades humanas em contextos formadores, incluindo linguagem, códigos sociais, organização familiar, padrões de troca, técnicas de construção etc, tiveram sua matriz nesse “mecanismo-chave” associado ao sagrado violento. Não nos interessa explicitar os desdobramentos teóricos do pensador francês, mas expor certo consenso academicamente articulado, em Violent Origins, sobre o caráter culturalmente formativo do Sacer.

Conforme nos ensina Burton Mack, em seu ensaio introdutório a essa obra, é possível unificar os esforços teóricos de René Girard e de Walter Burkert na busca de “modos que nos façam perceber o significado gerativo do ato de matar [grifo nosso]. Estudos contemporâneos versados em violência e comportamento agressivo nos enriquecem hoje com dados importantíssimos” (MACK, 1996MACK, Burton. Introduction: Religion and Ritual. In: HAMERTON-KELLY, Robert. Violent Origins – Ritual Killing and Cultural Formation. Stanford: Stanford University Press, 1987., p. 39). Ou seja, do assassinato à sua ritualização em oferendas de sacrifício, temos uma chave antropológica da mais alta importância para pensar o próprio sacrifício, tomando sua absoluta centralidade religiosa em contexto bíblico, enquanto instituição, até seu remate e superação final no ministério do Cristo, uma vez que, conforme Walter Burkert faz questão de reforçar, não há religião sem ritual e não há ritual, em ambientes arcaicos, sem procedimentos muito concretos de sacrifício de sangue e de partilha comunal da refeição sacrificada, com as devidas oferendas, libações e ofertas como desdobramentos desse centro, uma vez que

abate, sangue e matança são os elementos centrais do religioso primitivo, o meio de comunicação número um com as divindades, o elemento que define inclusão e exclusão, posição e ranqueamento em todas as formas comunitárias, notadamente nos juramentos e nas alianças

(BURKERT, 1987BURKERT, Walter. The Problem of Ritual Killing. In: HAMERTON-KELLY, Robert. Violent Origins – Ritual Killing and Cultural Formation. Stanford: Stanford University Press, 1987, p. 149-176., p. 162-163).

É sempre bom ter em mente que, nesses cenários, genericamente associados a contextos pré-históricos e antigos, mas não somente a estes, o elemento que realmente define a identidade de alguém em relação a um grupo qualquer é a sua participação ritual nesse grupo, sua condição como membro integrante de uma comunidade ritual. A própria família se constitui como comunidade ritual. Em contextos formativos, e Gênesis 4 versa justamente sobre esses contextos, ingressar em determinada família ou clã, por adoção, por casamento e outros meios, significava o ingresso em seu universo cúltico e jurídico. A rejeição ao universo cúltico caímico responde, nesse âmbito, a elaborações do pensamento sacerdotal que impediam que o hebraísmo desviasse seu padrão sacrificial para procedimentos considerados teologicamente inaceitáveis. Nesse sentido é bom reforçar que o israelismo/javismo era muito menos uma composição cultural derivada de uma etnia ou de uma “raça”, conforme conceituamos essas categorias, e muitíssimo mais um sistema ritual compartilhado, em cujo centro litúrgico teríamos, mais adiante, o rito encenado anualmente no santo dos santos.

5 Do Sacer ao Sanctus

Caim fracassa em agradar ao Senhor, mas ele é persistente no erro. Mesmo assim, é agraciado (leia-se, protegido) e monta o seu próprio sistema de ordem, o sistema “babilônico” por assim dizer. Abel, ao contrário, tem êxito em agradar ao Senhor, mas fracassa socialmente ao não deixar herdeiros, pois é morto antes de ser fecundo. Sua morte gera a necessidade de uma nova fundação, e que o leitor perceba que Abel foi sacrificado, mas que, ao sê-lo, e injustamente, sua morte recebe o nome adequado de assassinato, não de sacrifício, quando vemos o nascimento da inteligência teológica propriamente bíblica, que passará a denunciar mais e mais os sacrifícios de sangue, transferindo-os para a conta dos assassinatos. Em termos bíblicos, desvios legais e crimes não podem ser corrigidos ou compensados com sacrifícios. Esse desenvolvimento teológico implica a passagem – na consciência bíblica – do Sacer ao Sanctus, cujo ponto máximo se dá, para os cristãos, no Novo Testamento.

A falta de domínio sobre o desejo irrefreável, por si mesmo, faz de Caim um assassino, faz de Caim um antissacerdote, ou seja faz dele alguém que se autojustifica no altar da impiedade, indiferente à genuína fraternidade que se impõe entre irmãos verdadeiros, e ele cede aos impulsos da violência humana, cede aos impulsos da profanação, deixando-se invadir pelo animalesco. Ele se deixa sitiar pelo ódio, convidando as feras para que o assaltem, em passagem sublime em Gênesis 4. A sua reparação será feita por meio de um gigantesco sistema sacrificial a ser montado por sua descendência, mas que, no final das contas, nada mais fará do que acumular crimes e injustiças. Há, em Caim, um fechamento à advertência de הוהי (Senhor), um fechamento à santidade, entregando-se à ףאַ (ira), que encaminha um recrudescimento às vias de fato, quando diz a seu irmão: “Saiamos. E como estava no campo, Caim se lançou sobre seu irmão Abel e o matou.” (Gn 4,8). Sabemos, em clave teológica cristã, que “desde o princípio” o diabo foi homicida e mentiroso, em referência explicita ao domínio de Caim. Ademais, a associação indissolúvel que Jesus estabelece entre homicida e pai da mentira, absolutamente alinhada com Caim, não seria fortuita, uma vez que a reprodução milenar do mecanismo vitimário, imemorialmente estabelecido ao custo de inocentes, se mantém, “de geração a geração nas culturas humanas”, com base num ocultamento primordial, mas que o texto caímico nos revela: a inocência de Abel.

De quando em quando, os homens levam até ao fim a realização dos desejos de seu pai [vocês pertencem ao pai de vocês e querem realizar o desejo dele], o Diabo, e recaem no todos contra um mimético. No momento em que Jesus faz as afirmações que comentamos, o mecanismo que outrora mobilizou os caimistas [grifo nosso] contra Abel e, em seguida, milhares de multidões contra milhares de vítimas, está no ponto de se reproduzir contra si mesmo

(GIRARD, 2002GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. São Paulo: Instituto Piaget, 2002., p. 63).

Notemos como Girard torna “Caim” uma legião persecutória, invariavelmente escandalizada e tomada de ressentimento, um sistema que transfere para fora de si toda a violência acumulada pela coletividade, canalizando-a para um alvo comum, um Abel, ou seja para uma entidade expiatória. Esse procedimento traz consigo um ardil coletivamente ocultado, por meio do qual o grupo se autojustifica enquanto partícipe de uma cultura fratricida.

O desafio das relações entre os seres humanos persiste entre nós, que também damos a mesma resposta de Caim à pergunta de הוהי (Senhor): “Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?” (Gn 4,9). A indagação, contida numa perspectiva de séculos, coloca em questão determinismos ou fatalismos que pretendam justificar, como única resposta possível, a indiferença (e ela, a indiferença para com os que sofrem, talvez seja o crime maior de nossos tempos); e, ao contrário disso, habilita-nos a criar uma cultura diferente, que promova o cuidado mútuo (FT, n. 57).

Conclusão

A via propícia à convivência fraterna é, segundo a perspectiva originária observada entre os irmãos Abel e Caim, a oferta gratuita do bem disponibilizado a cada pessoa por graça do Senhor que, à medida da plenitude de Si mesmo, de per si lhe é permitido pôr à prova o que lhe apraz ou não. Contudo, o relato bíblico nos revela, em sua natureza antropológica, que o discurso teológico está sedimentado em elaborações bastantes sofisticadas, conforme expostas, por exemplo, em Gênesis 4. Há aí a contemplação da insondável misericórdia divina que, do mal, gera um bem. A descendência de Caim se instala como sagrado violento, em cujo desfecho narrativo se constata o surgimento de mecanismos de contenção da violência enraizados em sanguinolência; porém, tudo isso tende a ser revertido em contínua e paulatina recuperação/progresso, revisitação e reelaboração, em direção à definitiva forma sacrificial encaminhada de modo específico pela profissão de fé cristã, obviamente em sua genuína matriz.

A melhor maneira de prevenir a violência [e sua propagação contagiosa] consiste não em proibir objetos ou até mesmo o desejo causador de rivalidade, tal como faz o décimo mandamento, mas em fornecer aos homens o modelo que, em vez de os arrastar para as rivalidades miméticas [a rivalidade caímica], os protegerá delas. O que Jesus nos convida a imitar é o seu próprio desejo, em direção ao objetivo que fixou para si: parecer-se tanto quanto possível com o pai

(GIRARD, 2002GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. São Paulo: Instituto Piaget, 2002., p. 30).

Siglas

  • FT  Carta Encíclica Fratelli tutti

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2023
  • Aceito
    12 Abr 2024
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