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DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA E CIDADANIA: CIDADANIA EM ADELA CORTINA EM DIÁLOGO COM A “ECOLOGIA INTEGRAL”

Social Doctrine of the Church and Citizenship: Citizenship in Adela Cortina in Dialogue with “Integral Ecology”

RESUMO

O tema da “cidadania”, que é objeto de estudo das ciências sociais e políticas, também é tratado na Doutrina Social da Igreja. Exemplo disso é o conceito de “ecologia integral” desenvolvido na Carta encíclica Laudato si´ (2015). A análise dos dois conceitos permite uma compreensão ampliada de ambos tornando-se uma reflexão atual e relevante para o debate sobre o cuidado da casa comum e a participação das pessoas na sociedade. Neste artigo, pretende-se explicitar como a noção de cidadania dialoga com o conceito de ecologia integral, de modo que o entendimento de um e o entendimento do outro são mutuamente enriquecidos. Para tanto, serão analisadas a teoria da cidadania de A. Cortina e a visão de ecologia do pensamento social católico, destacando-se os elementos de contato e convergência entre eles. Dessa forma, explicita-se que à medida que os cidadãos e as cidadãs exercerem seus direitos, eles contribuirão para que se configurem condições favoráveis à luta por uma ecologia integral. Por outro lado, o emprenho no cuidado da casa comum implica a garantia da vida digna das pessoas como membros da sociedade.

PALAVRAS-CHAVE
Laudato si´ ; Exercício da cidadania; Sociedade civil; Casa comum; Ética social; Bem comum

ABSTRACT

The theme of “citizenship”, object of study in the social and political sciences, is also addressed in the Social Doctrine of the Church. An example of this is the concept of “integral ecology” developed in the encyclical letter Laudato si´ (LS).1 The analysis of the two concepts allows a broader understanding of both, making it a contemporary and relevant reflection for the debate on the care for the common home and the participation of people in society. This article intends to explain how the notion of citizenship dialogues with the concept of integral ecology, so that the understanding of one and the understanding of the other are mutually enriched. To this end, A. Cortina’s theory of citizenship and the vision of ecology of Catholic social thought will be analyzed, highlighting the elements of contact and convergence between them. In this way, it makes explicit that as citizens exercise their rights, they will contribute to the creation of favorable conditions in the struggle for an integral ecology. On the other hand, commitment to caring for our common home implies guaranteeing a dignified life for people as members of society.

KEYWORDS
Laudato si´ ; Exercise of Citizenship; Civil Society; Common Home; Social Ethics; Common Good

Introdução

O tema da cidadania tem sido objeto de estudo por parte de cientistas políticos, historiadores, sociólogos, filósofos e moralistas, bem como por estudiosos de outras áreas do conhecimento. As pesquisas e debates sobre o assunto enfrentam a complexa realidade das transformações nos mais diversos âmbitos da vida das pessoas e das sociedades em todos os recantos do mundo atualmente. Na última década do século XX, o termo “cidadania” ressurgiu com toda pujança no campo da Moral, que se ocupa da reflexão sobre a moral, o direito e a política. Desde então, multiplicaram-se, segundo A. Cortina (2001, p. 21)4 CORTINA ORTS, A. Ciudadanos del mundo: hacia una teoría de la ciudadanía. Madrid: Alianza Editorial, 2001. Trad. brasileira: Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005., as “teorias da cidadania”. A democracia não é algo estático, mas uma realidade que passa por transformações no que se refere à sua concretização contextual. A. Touraine (1996, p. 93)29 TOURAINE, Alan. O que a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996. afirma: “A democracia se apoia na responsabilidade dos cidadãos de um país”. No entanto, deve-se estar atento para não identificar cidadania com a consciência nacional. O autor francês (1996, p. 97-98) chama a atenção para a distinção entre essas duas condições importantes na vida dos cidadãos e das cidadãs: a nacionalidade designa a filiação a um Estado nacional; a cidadania, por sua vez, “fundamenta o direito de participar, direta ou indiretamente, na gestão da sociedade”. Desta forma, “a nacionalidade cria uma solidariedade dos deveres, enquanto a cidadania dá direitos”.2 2 Touraine mostra como se desenvolve a relação entre cidadania, democracia e Estado. Emprega-se o termo cidadania em referência direta ao Estado nacional, portanto, tratando da filiação da pessoa a uma comunidade definida territorialmente ou mesmo em relação a uma profissão. No entanto, observa o autor: “Por si só, a filiação não é democrática: nada há de democrático na consciência que um soldado tem de fazer parte de um exército ou na consciência de um operário da Toyota tem de fazer parte dessa empresa, mas o membership se opõe à dependência e se define através de direitos. É uma das condições necessárias da democracia” (TOURAINE, 1996, p. 93).

Nesse contexto de debates sobre cidadania, a relação desta com o conceito de ecologia integral ganha particular relevância. Efetivamente, como ciência que se ocupa em propor a reflexão sobre os valores que devem guiar o correto comportamento humano, a ética oferece parâmetros axiais àqueles que devem tomar decisões que afetam vida humana, a vida da sociedade e o meio ambiente.3 3 São três as funções da ética: “1) esclarecer o que é a moral, quais são os seus traços específicos; 2) fundamentar a moralidade, ou seja, procurar averiguar quais são as razões que conferem sentido ao esforço dos seres humanos de viver moralmente; 3) aplicar aos diferentes âmbitos da vida social os resultados obtidos nas suas primeiras funções, de maneira que se adote nesses âmbitos sociais uma moral crítica (ou seja, racionalmente fundamentada), em vez de um código moral dogmaticamente imposto ou da ausência de referências morais” (CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005, p. 21). Daí sua importância diante da preocupação com preservação do planeta terra tem sido posta em discussão em diferentes espaços de debate no mundo contemporâneo. Todos as pessoas do planeta devem tomar consciência da urgência do compromisso com o cuidado da casa comum. Este é o tema da Carta encíclica LS, que desenvolve o conceito de ecologia integral como proposta para uma mudança de atitudes individuais, bem como de grupos organizados e instituições.4 4 Para uma leitura teológico-pastoral da encíclica, ver, entre outras publicações, o livro de A. Brighenti: A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral (2018). A reflexão sobre a ecologia integral como tema chave dessa encíclica parte da fundamentação bíblica da teologia da criação: “Deus, vendo a sua obra, considerou-a muito boa” (Gn 1,31).

O cuidado da Casa comum tem sido tratado por muitos autores sob diferentes ângulos, principalmente da teologia moral social e outras ciências humanas. Alguns se detêm numa abordagem mais geral sobre o documento, outros acentuam a importância do conceito em questão; também há trabalhos que relacionam ecologia e cidadania em sentido global, outros ainda contextualizam a questão na realidade nacional.5 5 SCANNONE, Juan Carlos et al. Laudado si’: lecturas desde América Latina: desarrollo, exclusión social y ecología integral. Ciudad Antónoma de Buenos Aires: Circus, 2017, p. 193-2016. BRIGHENTI, A. A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral. São Paulo: Paulinas, 2018. MURAD, A.; REIS, Émilien Vilas Boas; ROCHA, Marcelo Antônio (Orgs.). Ecologia e democracia: múltiplos olhares. São Paulo: Paulinas, 2022. MURAD, A.; TAVARES, Sinivaldo, S. Cuidar da casa comum: chaves de leituras teológicas e pastorais da Laudato Si´: São Paulo: Paulinas, 2016. Todos esses e outros trabalhos são contribuições importantes. Falta, porém, pelo menos enquanto o autor deste artigo chegou a identificar, uma aproximação focada em ecologia integral e cidadania como conceitos nucleares e determinantes para seus respectivos campos temáticos específicos. Quais sejam: a cidadania para a democracia e ecologia humana para a preservação do planeta. Considerados esses dados, o presente trabalho pretende contribuir com a reflexão sobre a preservação da Terra, ao mesmo tempo em que aponta para a importância da relação dialogal do discurso sobre a ecologia integral com o próprio ser cidadão e ser cidadã integralmente na sociedade atual. À medida que em uma sociedade se desenvolve sob a bandeira da democracia e as pessoas exercem a cidadania, comprometidas com o bem comum, podem se realizar passos de concretização da proposta de ecologia integral. Por outro lado, quando as pessoas, grupos organizados e instituições de uma determinada sociedade assumem atitudes e práticas concretas de cuidado da casa comum estão exercendo sua cidadania e fortalecendo a democracia. Vale lembrar que no horizonte da LS e, portanto, da noção de ecologia integral já está presente a temática da encíclica Fratelli tutti: fraternidade e amizade social (FT).6 6 A segunda Carta encíclica de Francisco foi lançada em 03 de outubro de 2020, na cidade de Assis, Itália, cinco anos após a LS. Esses documentos se interrelacionam sob vários aspectos.

O diálogo entre os conceitos será efeito a partir da análise de cada um deles. Serão caracterizados os eixos constitutivos de ambas as noções, destacando-se elementos de contato e diálogo entre a temática do cuidado da casa comum e construção da cidadania. Posta nesses termos, a reflexão sobre a importância do efetivo exercício da cidadania será potencializada pela visão do conceito de ecologia integral proposta pela encíclica. O documento pretende despertar nos homens e mulheres contemporâneos o sentido da responsabilidade frente à necessidade do empenho de todos na preservação da Casa comum. Isso implica assumir os deveres de cidadãs e cidadãos, seja individualmente, seja por meio da participação em grupos organizados de atuação social, seja assumindo cargos em instituições públicas ou privadas. Sendo a cidadania um dos pilares do Estado democrático liberal, a abordagem relacionando-a com a ecologia integral, torna-se um tema de relevância em tempos de graves ameaças de destruição do meio ambiente e de atentados à democracia, inclusive no Brasil.

Inicia-se com análise do conceito de cidadania segundo A. Cortina7 7 Adela Cortina Orts. Catedrática de Filosofia do Direito, Moral e Política na Universidade de Valencia, Espanha. Seus trabalhos no âmbito da fundamentação da moral e em Ética aplicada gozam de ampla projeção no território espanhol e em outros países, particularmente na América Latina (CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005). proposto na obra Ciudadanos del mundo: hacia una teoría de la ciudadanía (2001).

1 O conceito de cidadania em Adela Cortina

O conceito de cidadania, considerando-se o espaço que o tema ganhou nos meios intelectuais nos últimos anos, enriqueceu-se progressivamente. Ao mesmo tempo, a discussão sobre o assunto ganhou corpo de tal maneira que, nos dias de hoje, são vários os aspectos sob os quais ele tem sido refletido e proposto. Tratando sobre esse conceito, Carvalho (2019, p. 15)2 CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. emprega a expressão “cidadania plena”8 8 Carvalho (2019, p. 17-18) ressalta que, usualmente, a cidadania se desdobra em três formas de direitos: civis, políticos e sociais, de modo que o cidadão pleno seria aquele que tem garantidos seus direitos nas três áreas. Sobre a historicidade dos direitos e da cidadania esclarece: “O surgimento sequencial dos direitos [direitos civis – Inglaterra séc. XVIII; direitos políticos – séc. XIX; direitos sociais – séc. XX] sugere que a própria ideia de direitos e, portanto, a própria cidadania é um fenômeno histórico”. , entendendo-a como uma combinação de “liberdade, participação e igualdade para todos”. O autor reconhece que esse patamar talvez seja inatingível. Por outro lado, afirma: “Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico”. Por sua vez, Gomes e Santos (2004, p. 30)13 GOMES, Lucrecia Anchieschi; SANTOS, Luciano Pereira dos. Policidadania: política e cidadania. São Paulo: Paulinas, 2004. definem cidadania como “o exercício equilibrado e harmonioso dos direitos [civis, sociais e políticos] e deveres de todos e de cada um: mas os direitos de uns nunca devem se firmar em detrimento dos direitos dos outros”.9 9 O autor e a autora (2004, p. 32) ressaltam que cidadania e exclusão são inconciliáveis. E sugerem que a cidadania é algo que se busca permanentemente, quando afirmam: “O cidadão é o agente reivindicante que, mediante a adoção de técnicas de participação democrática direta, possibilita o desabrochar de novos direitos, como o direito dos idosos, das mulheres, das crianças, das populações indígenas, dos portadores de necessidades especiais e outros”. Por sua vez, a Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana dedicou um de seus fascículos ao tema da cidadania (n. 32, 1999/1). Vistas essas ideias preliminares, segue-se a exposição do conceito na visão de A. Cortina.

1.1 Identificando o lugar da proposição do conceito

Antes de se explicitar o conceito, cumpre observar que o lugar de reflexão e cosmovisão da autora é aquele da União Europeia, posicionando-se a partir de seu território pátrio, a Espanha. Tal referência, no entanto, não reduz o alcance de sua reflexão a esse âmbito geográfico, antes serve como identificação de seu ponto de partida para a proposição de uma “ética aplicada”. A que, então, se propõe a autora com a obra referida?10 10 Cortina introduz sua obra analisando vários livros de literatura (romances) nos quais seus autores destacam a relação entre leis e valores no processo de socialização. Entre eles estão: A ilha do Dr. Moreau (Herbert George Wells), Frankenstein (Mary Shelley), o estranho caso do Dr. Jekyll y Mr. Hyde (Robert Luis Stevenson). Sua tese acentua que é necessário o indivíduo aprender leis e valores participando de um processo de socialização como condição humana básica. Nessa dinâmica, cabe a cada pessoa, explica Cortina (2001, p. 19), reconhecer como boas essas leis, que somente as qualificará como tais se “convencem a sua razão e os seus sentimentos [...] Por isso, se essas leis e valores pretensamente humanizadores não encontram uma base sólida na razão senciente dos seres humanos, a falta de ‘humanidade’ é insuperável”. Ela esclarece (2001, p. 19) qual é a sua pretensão: “analisar em que medida um conceito tão debatido em nossos dias como a cidadania pode representar um certo ponto de união entre a razão senciente de qualquer pessoa e esses valores e normas que consideramos humanizadores”.11 11 Cortina serviu-se de bases filosóficas de Zubiri, como o conceito de “inteligencia sentiente” para a construção de sua Ética mínima, onde desenvolve o conceito de “justiça de mínimos”. Remetendo-se tanto a Zubiri, assim como a Unamuno e Tocqueville, chegará, em 2007, de Ética de la razón cordial”, obra em que, segundo Pachón (2015, p. 414), procura “recuperar el terreno de los afectos en el comportamiento humano y en concreto la importancia de tener en cuenta a los otros humanos en ello”. SÁNCHEZ PACHÓN, Javier. Adela Cortina: el reto de la ética cordial. Brocar, n. 39, p. 397-422, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/chagas/Downloads/Dialnet-AdelaCortina-5257685%20(1).pdf. Acesso em: 16 mar 2024. Em sua pesquisa mais recente, a filósofa amplia e aprofunda seu pensamento sobre o conceito de cidadania, refletindo sobre “cidadania complexa. (CORINA, Adela. Ética de la razón cordial: educar en la ciudadanía en el siglo XXI. Llanera: Nobel S.A, 2007). Complementa: “Precisamente por pretender sintonizar-se com dois de nossos mais profundos sentimentos racionais: o de pertença a uma comunidade e o de justiça dessa mesma comunidade”. A filósofa reconhece a realidade sociopolítica em vigência e na esteira da qual situa sua proposta: as “democracias liberais” que são defensoras dos referidos valores12 12 Touraine chama a atenção para a implicância entre cidadania e responsabilidade da pessoa no campo político: “A ideia de cidadania proclama a responsabilidade política de cada um e, portanto, defende a organização voluntária da vida social contra as lógicas não políticas, que alguns acham ser ‘naturais’, do mercado ou do interesse nacional” (1996, p. 97). .

Considerando a finalidade e os limites deste texto, serão destacados aqueles aspectos da proposta teórica da autora, que se julgam suficientes para se apreender seu pensamento sobre cidadania. Cortina discute o assunto dialogando com vários autores da sociologia, filosofia política, história e economia. Esclarece que sua abordagem não se restringe a uma cidadania apenas no campo político, mas alarga a noção de cidadania, considerando também o “cidadão civil” e o “cidadão econômico”.13 13 O. Höffe desenvolve um estudo sobre ética e globalização na abordagem sobre o “cidadão econômico” em: Ciudadano económico, ciudadano del Estado, ciudadano del mundo: ética política en la era de la globalização (2007). Aí afirma que o conceito de “justiça social” não surgiu nem da filosofia nem da teoria do direito do Estado, mas se gestou no âmbito da ética social cristã (p. 58). Em 2010, Cortina publicou Justiçia cordial, onde continua sua busca pelos fundamentos filosóficos da ética cívica. Nesse livro, ela resgata muitas ideias expostas nas obras anteriores: Ética de la razón cordial (2007), Alianza y contrato (2001) y Ciudadanos del mundo (1997).

1.2 Aproximação histórica do conceito de cidadania

Partindo da noção de civilidade, Cortina (2001, p. 21-38) remete-se ao liberalismo político e comunitarismo. Em ambos os movimentos, se apresenta a cidadania como uma síntese de justiça e pertença. Vários problemas deverão ser enfrentados ao se estudar este conceito, começando pela gênese da noção de cidadania, que surge em decorrência de disputas entre liberais e comunitários que discutem sobre os conceitos de justiça e pertença.14 14 Convém destacar que, na obra, Justicia cordial (2010), Cortina complementa e amplia sua reflexão sobre os fundamentos da ética filosófica. Aí, trata do conceito de ciudadanía compleja. (ORDÓÑEZ, Edward Javier. Justicia Cordial [resenha]. Revista Científica Guillermo de Ockham, v. 9, n, 2, p. 139-143, jul/dic 2011). Nesse âmbito, os sujeitos são os liberais e os comunitários (caso germânico), que confrontam as diferenças de teóricos universalistas de base kantiana e contextualistas de corte hegeliano. Apoiada nesses dados, a autora (2001, p. 34) apresenta uma formulação parcial de sua proposição conceitual, segundo a qual o fato de a pessoa se saber e se sentir cidadã de uma comunidade a leva a trabalhar por essa comunidade. Esse conhecimento permite reunir (2001, p. 34), no conceito de cidadania, os dois lados da realidade cidadania: “o lado ‘racional’, o de uma sociedade que deve ser justa para que seus membros percebam sua legitimidade, e o lado ‘obscuro’, representado por esses laços de pertença que não escolhemos, mas já fazem parte de nossa identidade”.

Nesse ponto de partida da descrição do conceito de cidadania, encontram-se dois pressupostos antropológicos da epistemologia dos quais se serve Cortina para a elaboração de sua tese. Eles permitem que se coloquem as pessoas perante os desafios de sua comunidade, que ela deve enfrentar, pois é possuidora dessas duas capacidades e que estão ativas. Tais bases antropológicas são a razão (consciência de seus direitos nesta sociedade) e o sentimento (consciência de pertença), ou seja, a razão senciente. A filósofa explica (2001, p. 34) que a unidade de razão e sentimento constitui uma exigência intrínseca à garantia da cidadania, que se conquista ao mesmo tempo em que a pessoa se empenha na construção da cidadania e da democracia: “Parece, pois, que a racionalidade da justiça e o sentimento de pertença a uma comunidade concreta têm de andar juntos, se desejamos assegurar cidadãos plenos e, ao mesmo tempo, uma democracia sustentável”. Em virtude dessa necessidade, emerge, historicamente, esse conceito tão antigo e ao mesmo novo, que voltou ao cenário mundial nos anos noventa. Dessa forma, conforme Cortina (2001, p. 34-35), entende-se cidadania como “um conceito mediador porque integra exigências de justiça e, ao mesmo tempo, faz referência aos que são membros da comunidade, une a racionalidade da justiça com o calor do sentimento de pertença”.15 15 Edgar Morin, considerando a importância da diversidade da humanidade e sua unidade na diversidade, chama a atenção para a necessidade da consciência que as pessoas em cada nação deveriam ter de pertença à humanidade. Isso para fazer face à tendência de padronização e homogeneização. Para tanto, é papel do sistema de ensino dar aos cidadãos essa consciência. “Uma política de humanidade daria a cada nação o senso de comunidade humana” (MORIN, E. É hora de mudarmos a via: as lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021, p. 77). Tratando do sistema democrático, Touraine (1996, p. 103), por sua vez, afirma que a cidadania se estabelece a partir de seus princípios: “elementos constitucionais, legais e parlamentares colocam em ação três os princípios: limitação do Estado em nome dos direitos fundamentais, representatividade social dos atores políticos e cidadania”.

Para melhor se compreender o horizonte de reflexão da filósofa sobre cidadania, cumpre destacar (2001, p. 35-38) os diferentes aspectos a serem considerados na explicitação do conceito e que devem ser enfrentados ao se propor uma teorização da cidadania. São os seguintes: a longa história do conceito na tradição ocidental enraizado nas culturas política (grega) e jurídica (latina), a cidadania política; a noção de cidadania social, que se tornou um padrão nos dias de hoje; o aspecto econômico da cidadania, pois é imprescindível considerar os cidadãos econômicos; a sociedade civil como melhor escola de cidadania, já que nela se formam grupos que participam de assuntos de interesse público; a necessidade de se reconhecer a dificuldade de se gerar uma cidadania multicultural e uma cidadania intercultural, passando-se a buscar a uma cidadania diferenciada; a cidadania cosmopolita como ideal que encontra bases nas tradições universalistas; a cidadania como construção e processo de aprendizagem na qual a educação tem papel insubstituível.

1.3 Dimensões constitutivas do conceito de cidadania

A cidadania política acentua a natureza da cidadania sob o ponto de vista da relação da pessoa como indivíduo e o ser cidadão em determinada sociedade. É próprio da natureza da cidadania a participação na comunidade política, pois o cidadão é membro de uma comunidade política, na qual deve participar ativamente. Nesse sentido, o cidadão é aquele que toma parte nas coisas públicas, não se restringindo a assuntos privados. Reconhece a autora (2001, p. 49-53) que tal participação revelou seus limites já na própria Atenas. Assim, importa considerar (2001, p. 53) que o fundamental é “pôr em prática as condições para que essa participação seja significativa”, ou seja, que tal participação tenha reflexos nas decisões da comunidade significativamente. Outro fator importante é a cidadania enquanto “estatuto legal”. Isso significa que cidadania é um “estatuto jurídico”. No entanto, ressalta Cortina (2001, p. 54), que cidadania é “mais que uma exigência de implicação jurídica, uma base para reclamar direitos, e não um vínculo que exige responsabilidades”. Diante dos diferentes acentos que a noção de cidadania foi incorporando (liberalismo e republicanismo), fica claro o seguinte entendimento (2001, p. 55): “Nenhuma teoria relevante da cidadania está disposta a prescindir dos direitos subjetivos, dos quais é credora a cidadania legal, nenhuma diminuição da importância da deliberação em assuntos públicos”.

Assumindo os mencionados elementos constitutivos da ideia de cidadania, enraizados nas experiências gregas e latinas (romanas), esse conceito desemboca no mundo moderno, fazendo nascer a “cidadania moderna”, sendo dele então considerada sob o espectro do Estado moderno. Nessa nova etapa da história política dos povos, o cidadão é aquele que “ostenta a nacionalidade deste país”, entendendo-se por nacionalidade (2001, p. 57) “o estatuto legal pelo qual uma pessoa pertence a um Estado, reconhecido pelo direito internacional, e que a ele se adscreve”.

À dimensão política segue-se a “cidadania social”. Considera-se o salto que deverá dar a construção da cidadania passando do “Estado de bem-estar” ao “Estado de justiça”.16 16 Cortina posiciona-se ante a situação da comunidade da União Europeia. Defende a tese de que o “estado de justiça” não provém do “estado de bem-estar”, devendo-se construir a cidadania social não só no âmbito dos países desenvolvidos, mas também em nível cosmopolita. Afirma (2001, p. 66-67): “Certamente, satisfazer essas exigências [da cidadania social] é indispensável para que as pessoas se saibam e sintam-se membros de uma comunidade política, quer dizer, cidadãos, porque só pode se sentir parte de uma sociedade quem sabe que essa sociedade se preocupa ativamente por sua sobrevivência, e por uma sobrevivência digna. Por isso, a meu juízo, um Estado de justiça pode lográ-lo, não um Estado de bem-estar”. Cortina analisa o processo de surgimento, no contexto europeu, do Estado de bem-estar, que se iniciou nas últimas décadas do século XIX. Para o estabelecimento da condição de bem-estar, são necessários vários passos (2001, p. 69), que se caracterizam como:

1) Intervenção do Estado nos mecanismos do mercado para proteger determinados grupos de um mercado deixado a suas regras. 2) Política de pleno emprego, imprescindível porque as entradas de cidadãos são percebidas através do trabalho produtivo ou do aporte de capital. 3) Institucionalização de sistemas de proteção, para cobrir necessidades que dificilmente salários normais podem satisfazer. 4) Institucionalização de ajudas para os que não podem estar no mercado de trabalho.

Nesse contexto, a partir dos anos sessenta, surge o megaestado, aquele que assume e supre as necessidades sociais de seus cidadãos. Emerge então a ideia do Estado fiscal. Para Peter F. Druker (2001, p. 69-70) “não há limites econômicos para o que um governo pode tributar ou tomar emprestado e, portanto, que não há limites econômicos para o que um governo pode gastar”.17 17 Obra citada: DRUCKER, Peter F. La sociedad postcapitalista. Em face ao Estado-providência gerado por essa configuração do Estado de bem-estar e do Estado fiscal, a autora (2001, p. 70) critica o “Estado benfeitor”, ressaltando a perda do valor da solidariedade que fora institucionalizada pelo Estado-providência. Tal fato tem consequência moral, pois ocasiona nas pessoas a sensação de fracasso da solidariedade. Por outro lado, o olhar liberal passa a ver (2001, p. 70) “que as possíveis saídas para a crise passam pela recuperação daquele ‘são egoísmo’ que deu lugar ao nascimento e auge do capitalismo”. Esse espírito egoísta aponta (2001, p. 72) como possível via de solução do problema do megaestado a substituição da solidariedade institucionalizada pela “promoção da eficiência e a competitividade e pelo respeito à liberdade individual e à livre iniciativa”.

A crítica de Cortina (2001, p. 75-76) ao Estado de bem-estar se concentra em quatro pontos, dos quais, para o propósito deste texto, citam-se aqui apenas dois. Em primeiro lugar, a defesa do Estado social de direito, institucionalizando os “mínimos de justiça”, exigência que o Estado de bem-estar eleitoreiro leva à extinção; defender esse mínimo é uma exigência ética do Estado social de direito. O esclarecimento sobre esta questão é contundente (2001, p. 75): “A justiça, fundamento de um Estado social de direito, não é a mesma coisa que o bem-estar”. O segundo aspecto de sua crítica se refere à proteção dos direitos humanos, que não pode ser garantida pela institucionalização da solidariedade, pois “a solidariedade não pode ser institucionalizada”.18 18 Boaventura observa que os direitos humanos foram evocados em um movimento histórico de precariedade dos direitos de cidadania: “Ao longo dos últimos duzentos anos, os direitos humanos foram sendo incorporados nas instituições e nas práticas jurídico-políticas de muitos países e foram reconceitualizados como direitos de cidadania [...] Mas a verdade é que a efetiva proteção ampla dos direitos de cidadania foi sempre precária na grande maioria dos países. A evocação dos direitos humanos ocorreu sobretudo em situações de erosão ou violação particularmente grave dos direitos de cidadania” (SANTOS, 2013, p. 22). O chamado Estado de bem-estar acabou por criar uma “forte alergia” à solidariedade considerando-a (2001, p. 76), erroneamente, “mediocridade, passividade e improdutividade da cidadania dos megaestados”.

Cortina (2001, p. 77) advoga que o Estado social é uma exigência ética irrenunciável, ante um Estado liberal que se distingue e, como que, separa-se da sociedade civil, ocupando-se apenas em “satisfazer seus interesses individuais sem que o Estado interfira nela”.19 19 Cortina aprofunda a relação entre sujeito e democracia na obra Ética sem moral (2010). Entende a autora, em consonância com a posição de pares, que o Estado social de direto foi encarnado pelo Estado de bem-estar. No entanto, para a filósofa (2001, p. 84-93), é necessário diferenciar Estado de bem-estar e Estado social de direito. Conforme a noção de Estado nesta última condição, aos bens sociais, os bens de qualquer sociedade, devem ter acesso todas as pessoas que integram aquela sociedade. Deste modo, é inaceitável (2001, p. 92-93) que os “bens sociais não sejam socialmente distribuídos, de forma que cada um de seus legítimos proprietários gozem pelo menos de uma entrada pecuniária básica, uma moradia digna, um trabalho, assistência médica, educação, apoio em tempos de vulnerabilidade”. Esses direitos são os “mínimos de justiça” imprescindíveis no Estado social de direito. Assim se descreve (2001, p. 77) a chave do entendimento dos deveres desse Estado: “consiste em incluir no sistema de direitos fundamentais, não só as liberdades clássicas, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais”.

Quanto à “cidadania econômica”, esta implica a transformação econômica. A compreensão desta dimensão da cidadania é quase nula diante dos interesses liberais, pois praticamente não existe a consciência de que o ser “cidadão econômico” integra a natureza da cidadania. Apoiando-se na “ética do discurso”, é imperioso aceitar (2001, p. 102) “que os afetados pelas decisões empresariais são ‘cidadãos econômicos”. Isso implica, por outro lado, que o empresariado reconheça que os diretores não são os únicos que legitimamente tomam as decisões, mas destas devem participar também todos os que são por elas afetados. Dessa consciência assumida pelos dirigentes empresariais poderá nascer (2001, p. 103) a “empresa cidadã”, uma empresa ética e, consequentemente, os “cidadãos econômicos”, sendo também eles “senhores”, e não súditos. Reconhece-se que tal advento é difícil, pois implica necessariamente transformar o capitalismo. A empresa cidadã caracteriza-se como aquela que se interessa por promover a harmonia e a cooperação em seu seio e assume a responsabilidade social, ao menos, pelo que está em seu entorno. Em síntese, define-se como empresa cidadã aquela que assume (2001, p. 105), em sua atuação, “estas responsabilidades como coisa própria e não negligencia o entorno social ou ecológico, limitando-se a buscar o máximo benefício material possível”.20 20 A filósofa aborda e relação entre ética e religião na obra Ética civil e religião (1996). Nessa obra, a autora estabelece a relação entre a ética de base religiosa e a ética civil, destacando (p. 115) que as religiões não nasceram para estabelecer normas, mas para dar sentido à realidade da existência, abrindo-a para a dimensão transcendente: “As religiões não nasceram para fornecer normas, e sim para anunciar que esta vida não termina, mas se transforma; que Deus é Pai e que nós, os seres humanos, somos irmãos; para prometer um mundo diferente e lembrar que Deus está conosco para tornar isso possível, inclusive muito além da morte”. Diante dos enormes desafios e barreiras a serem superadas em busca da cidadania econômica, percebe-se (2001, p. 122-132) que, para construí-las, é necessário o engajamento das instâncias de poder político e econômico, assim como dos que trabalhadores e do terceiro setor. Entre outros agentes desse processo, incluem-se os Novos Movimentos Sociais, ONGs, grupos de voluntariado, grupos de mulheres, organizações religiosas, organizações de direitos civis.

Com relação à “cidadania civil, cabe assinalar (2001, p. 134) que ela é portadora de um “potencial de civilidade e solidariedade”, pois o ser humano é “antes de tudo membro de uma sociedade civil”, da qual é justo que participe através de organizações voluntárias nela existentes e desenvolva a solidariedade.21 21 A autora (p. 178-179) chama a atenção para a riqueza da aproximação respeitosa da diversidade de diversos fatores individual e socialmente enriquecedores: “A diversidade de crenças e de símbolos torna difícil a convivência, porém, sobretudo o direito de que habitualmente uma dessas culturas seja a dominante e o resto fique relegado, dando lugar a uma distinção entre ‘cultura de primeira’ e ‘cultura de segunda’, que suscita sem remédio sentimentos de injustiça e desinteresse pelas tarefas coletivas. Como saber-se e sentir-se cidadão igual quando a própria cultura é preterida? Como aceitar as normas políticas de cultura que é-lhe estranha?”. Na sociedade civil, aprende-se (2001, p. 137) “as virtudes de obrigação mútua, precisamente porque são grupos nos quais participamos voluntariamente, onde as más ações não são castigadas com uma lei impessoal, mas com o desagrado dos familiares, amigos e colegas”. Alcança-se a cidadania civil exercendo-a na “opinião pública”, entendendo-se esta como a capacidade da pessoa de manifestar suas ideias de modo responsável e consciente (2001, p. 161-175), como membro da sociedade, em igual condição de direitos que os outros, fazendo, portanto, “o uso público da razão”. Nessa linha de reflexão, Touraine (1996, p. 103) afirma: “A força principal da democracia reside na vontade dos cidadãos de agirem, de maneira responsável, na vida pública”.22 22 O sociólogo francês (1996, p. 103) mostra a relação constitutiva da cidadania em relação à democracia: “Toda democracia comporta, assim, três mecanismos institucionais principais. O primeiro combina a referência aos direitos fundamentais com a definição de cidadania. Tal é o papel dos instrumentos constitucionais da democracia. O segundo combina o respeito pelos direitos fundamentais com a representação dos interesses, o que é o objeto principal dos códigos jurídicos. O terceiro combina representação com cidadania, o que é a função principal das eleições parlamentares livres”.

Cortina aborda ainda a “cidadania intercultural”, acentuando que a cidadania deve se caracterizar (2001, p. 178) pelo “vínculo de união entre grupos sociais diversos”. Nesse sentido, não poderá ser senão “uma cidadania complexa, pluralista e diferenciada e, no que se refere a sociedades em que convivem diversas culturas, uma cidadania multicultural”. Nessa diversidade, a multiculturalidade, a cidadania será vivenciada (2001, p. 178) a partir da capacidade de “tolerar, respeitar e integrar as diferentes culturas de uma comunidade política de tal modo que seus membros se sintam ‘cidadãos de primeira’”. A cidadania intercultural pressupõe que a sociedade civil a assuma como projeto ético e político. Tal projeto deve valorizar e reconhecer pública e estruturalmente cada cultura e a riqueza da diversidade que elas proporcionam como um bem comum. Esse direcionamento garante (2001, p. 187) que a dinâmica dessa relação se desenvolva, de modo que nela as diferentes culturas “lançam luzes sobre diferentes perspectivas humanas, de forma que o diálogo empreendido com a intenção de compreender se revela enriquecedor para os interlocutores”. Através do diálogo se pode fortalecer a luta pelos direitos dos dialogantes implicados, onde cada um oferece responsavelmente sua contribuição para “o crescimento da riqueza humana”. Especialmente por serem (2001, p. 216) as culturas “tradições de sentido; não só do sentido de justiça, mas também do sentido da vida”. No processo de construção da cidadania, em todos os seus aspectos, a educação tem uma função insubstituível.

1.4 Papel da educação na formação cidadã

Uma vez explicitadas as diferentes dimensões da cidadania, Cortina propõe a educação como estratégia para se assegurar o exercício da “plena cidadania”. O processo educativo visando formar pessoas cidadãs se faz sobretudo educando-as nos valores morais e cívicos. Para a adequada compreensão da profundidade dos valores, deve-se considerar três princípios centrais (2001, p. 222-223), que são sintetizados com esta linguagem:

  1. Os valores valem realmente, por isso nos atraem, nos comprazem, não são uma pura criação subjetiva. Consideramos boas aquelas coisas que são portadoras de algum tipo de valor, como é o caso de uma melodia bonita ou de uma proposta libertadora. E as consideramos boas porque descobrimos nela um valor, não porque decidamos subjetivamente.

  2. Mas também é verdade que a realidade não é estática, mas dinâmica, contém um potencial de valores latentes que só a criatividade humana poderá descobrir. Podemos, pois, dizer que a criatividade humana faz parte do dinamismo da realidade, porque atua como uma parteira que traz à tona o que já estava latente, iluminando deste modo novos valores ou novas formas de percebê-los.

  3. Os valores valem realmente porque, como diria Xavier Zubiri, ainda que em outro contexto, nos permitam acondicionar o mundo para que possamos viver nele plenamente como pessoas. Por isso temos que encarná-los na realidade criativamente, atendo-nos a ela, mas ao mesmo tempo tirando muito mais proveito do que ela mesma poderia imaginar.

Essa descrição vale tanto para os valores morais como para os cívicos. Quanto aos primeiros, deve-se considerar a evolução e mudanças culturais e sócio-históricas, o que significa que a moral conhece um progredir no curso do tempo. Os valores cívicos, por sua vez, abrangem várias especificações que refletem a ideologia liberal democrática: liberdade, igualdade, respeito, solidariedade, diálogo. Esses elementos cívicos e morais dizem respeito a todas as dimensões da cidadania. Dada a delimitação deste texto, eles não são aqui proporcionados.

Em sua teoria, a filósofa inclui, no epílogo da obra em estudo, o ideal da cidadania cosmopolita que pressupõe todas as outras “cidadanias”. A cidadania cosmopolita implica (2001, p. 252-253) a possibilidade de converter toda a humanidade em uma comunidade. Como ideal, ela está no horizonte de todo ser humano, pois ele “deve estar de algum modo entranhado na natureza humana”. Tal exigência é ética em princípio. Trata-se de universalizar a cidadania social. Assumindo tal ideal, Cortina volta-se para a realidade social mundial e se contrapõe à situação de desigualdades e injustiças existentes nos distintos âmbitos entre países e entre pessoas no interior destes.

A noção de cidadania aqui apresentada leva a uma compreensão sintética dessa temática, indicando o que se deve entender por autêntica cidadania na política. Primeiramente, não é autêntico cidadão aquele que instrumentaliza os próprios concidadãos, mas o que procura “participar de uma comunidade justa”. Com isso, se exige (2001, p. 254) que ele “se comporte como cidadão do mundo, como cidadão moral, porque hoje em dia não se pode considerar justa nenhuma comunidade política que não leve em conta os ‘estrangeiros’, além de atender seus próprios cidadãos”. O projeto de cidadania cosmopolita (2001, p. 265) parte de um pressuposto básico: “o reconhecimento da cidadania social é conditio sine qua non na construção de uma cidadania cosmopolita que, por ser justa, faça com que todos os homens se sintam e se saibam cidadãos do mundo”.

A abordagem de Cortina, ressaltando valores humanizadores que se estabelecem a partir da razão senciente, que se relaciona com o sentido de justiça na sociedade e com o sentimento de pertença a uma nação, tem alcance universal, quando considerados à luz da LS, particularmente da ecologia integral, como se verá mais adiante.23 23 Aqui, convém lembrar a ligação intertextual e de perspectiva que há entre as encíclicas Laudato si´ e Fratelli tutti, 2020 (FT), ainda que não se explore a mensagem da última neste trabalho.

A cidadania que conduz à possível formação de uma comunidade universal, envolvendo, portanto, todos os seres humanos, torna-se ainda mais exigente diante das mudanças trazidas pela pandemia da covid-19.24 24 Santos (2021, p. 249) vê a necessidade de se criar um modelo civilizacional como exigência imposta pela pandemia da covid-19. “A necessidade e mesmo urgência de se iniciar uma discussão sobre um novo modelo civilizacional implica imaginar um novo horizonte utópico em que seja possível identificar algumas das ideias orientadoras para um novo modelo civilizacional que, de fato, possa ser um conjunto de modelos civilizacionais convergentes”. Essa ideia encontra eco em muitos lugares do planeta através dos compromissos de pessoas concretas, organizações da sociedade civil e instituições. Trata-se de uma utopia que se abriga também no íntimo de quem acredita na capacidade do ser humano de vir a se “cidadanizar” cosmopoliticamente, ou ao menos ter em seu horizonte de ser humano o anseio pela amizade social e a fraternidade universal, um grande objetivo.25 25 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.

Tal horizonte de compromisso ético de edificação da cidadania na esteira do princípio do bem comum. Este valor fundamental e princípio de ética social está presente, de modo denso, nas páginas do ensino social do Igreja. Desde o Vaticano II e, nos últimos 10 anos, sobretudo, o magistério social tem se dedicado a temas altamente pertinentes como a mudança climática e a problemática socioambiental, que precisam de urgente enfrentamento verdadeiro por todas as forças da humanidade.

2 A Carta encíclica Laudato si´: cuidado da Casa comum26 26 Uma visão contextualizada na realidade brasileira, ainda atual, encontra-se em: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.

O pensamento social católico trouxe inestimável contribuição ao debate e reflexão sobre essas questões com a publicação da LS. O documento se atém à questão do cuidado da Casa comum, chamando a atenção para a gravidade da crise socioambiental, que é um assunto de indiscutível importância global na contemporaneidade. Tanto é que a encíclica foi saudada por muitos setores das ciências, da política, da economia e movimentos ambientalistas como relevante aporte para o debate em torno da degradação do meio ambiente e as graves consequências que ela gera para a vida do planeta em sua totalidade.27 27 Sobre este assunto, assim se expressam Neves e Soromenho-Marques (2017, p. 13-14) tratando do ser humano com o meio ambiente: “A este propósito importa sublinhar que a Encíclica do Papa Francisco Laudato si’ também designada ‘encíclica verde’ numa sua manifesta aprovação pelos ambientalistas, não reformula a doutrina da Igreja Católica, mas apenas explicita, no contexto actual os riscos ambientais iminentes e graves, o comportamento preconizado pela Igreja para a relação do homem com a natureza” (NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. A consciência do mundo. In: NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Ética aplicada: ambiente, 2017, p. 11-30). O documento (LS 56) acentua que a humanidade está em meio a situação crítica, dado que se verifica uma degradação abrangente, que está enraizada de crescimento econômico com a busca desenfreada de receitas, ignorando seus efeitos sobre a dignidade do ser humano e do meio ambiente. Consequentemente, “se manifesta como estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a degradação humana e ética”.

Do ponto de vista da ética e sua tarefa na contemporaneidade, subjaz à encíclica a convicção sobre a urgência do apelo ético hoje, como já refletira H. Jonas (2004, p. 34), tratando das novas dimensões da responsabilidade: “Nenhuma ética anterior teve que levar em conta as condições globais da vida humana nem o futuro remoto, ainda mais, a própria existência da espécie”. Sequenciando esta ideia, o autor acrescenta que esta situação requer “uma concepção nova dos direitos e deveres, algo para o que nenhuma ética nem metafísica anterior proporciona os princípios e menos ainda uma doutrina já pronta”. Tal questão, do ponto da aplicação ética, está contemplada tanto pela LS, como pela “Agenda global 2030”28 28 Título do documento: TRANSFORMANDO NOSSO MUNDO: A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Trata-se de uma proposta de ação da Organização das Nações Unidas, lançada em 2015, quando terminou o período da Agenda do Milênio. Está em vigência de 2016 a 2030, que entrou em vigor em 2016 e terminará em 2030. Em seu preâmbulo, lê-se: “Esta Agenda é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade. Também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Todos os países e todos os grupos interessados, atuando em parceria colaborativa, implementarão este plano”. Disponível em: F:/Agenda%20global%202030%20-%20Fev.%202024.pdf. Acesso em: 13 fev 2024. a partir dos respectivos âmbitos, mas que se encontram pela finalidade buscada.29 29 Deve-se mencionar que a questão se remete também ao conceito de cidadania de A. Cortina.

A Encíclica permite importantes aproximações de anseios e iniciativas, propostas de instituições internacionais, como é o caso, entre outras, da A2030. Não faz parte do escopo deste artigo uma análise envolvendo a A20230. No entanto, fazem-se acenos a esse documento, cujas propostas, grosso modo, estão em consonância com a ecologia integral.

Com seus 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, essa Agenda tem uma ambição universal em vista da defesa e realização dos direitos humanos. Ela interliga (A2030, preâmbulo) “as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental”. Tais dimensões, assim como aspectos específicos da busca desse desenvolvimento, são tratados nesse documento. Ela enfatiza que os objetivos e metas e os meios para sua implementação “são universais, indivisíveis e interligados” (A2023, 71). Tais referências indicam por onde vai a ligação entre as propostas de ambos os documentos no tocante ao cuidado da Casa comum, na perspectiva da ecologia integral. Corrobora essa intersecção temática e de finalidade entre documentos o discurso de Franciso na Organização das Nações Unidas em 2015, quando expressou que a adoção da Agenda 2030 “é um importante sinal de esperança”.30 30 O discurso está disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/september/documents/papa-francesco_20150925_onu-visita.html A encíclica FT sobre a fraternidade e a amizade social, tratando das relações entre os povos em vista da paz e da defesa da dignidade de cada um e de todos os seres humanos, também tem pontos de contato com essa Agenda. Mas dado a delimitação do tema deste artigo, não será aprofundada aqui a relação entre esses documentos.

À LS, alinha-se a encíclica FT. Nessas cartas, encontram-se linhas de reflexão e indicações propositivas fundamentais para o enfrentamento dos problemas socioambientais a partir de uma nova postura em face da urgência do cuidado da Casa comum. Trata-se de contunde chamado às pessoas de todas as nações para assumirem uma nova atitude nas suas relações com o meio ambiente e nas relações interpessoais e intergrupais e a sociedade (LS 142, 201, 206, 231). O apelo se dirige também às instituições como os Estados, órgãos da governança nacionais e internacionais, setores organizados da sociedade civil (FT 33, 66, 125, 152,172).

A LS, com a noção de ecologia integral, fortalece o empenho do magistério social da Igreja, na atenção às grandes questões sociais, ao encarar a cultura dos “reducionismos fragmentadores”, que são, conforme Grabois, (2017, p. 129)12 GRABOIS, Juan. Las 3 “T”: un programa para el desarrollo humano integral. In: SCANNONE, Juan Carlos et al. Laudado si’: lecturas desde América Latina: desarrollo, exclusión social y ecología integral. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Circus, 2017, p. 119-130. “próprios das ideologias pós-modernas”. Por outro lado, tal situação impulsiona o “esforço contracultural ao paradigma tecnocrático”. A partir dessa óptica, o documento propõe o conceito de “ecologia integral”. Nesta linha de pensamento, a ecologia, como ramo da biologia, deve se desenvolver de forma inter e transdisciplinar. O documento acentua que a interdisciplinaridade é imprescindível (LS 110), face ao caos ambiental: “Uma ciência que pretenda oferecer soluções a grandes problemas, deveria necessariamente ter em conta tudo o que o conhecimento gerou nas outras áreas do saber, incluindo a filosofia e a ética social”. Seguindo na mesma direção, o texto esclarece ainda: “A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição” (LS 111).

Diante desse cenário, várias iniciativas deveriam se articular na mesma direção: “um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada”. O desafio a ser enfrentado por toda a humanidade é enorme, enfatiza a encíclica: “As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade” (LS 25). Frente a tal realidade, urge “propor uma ecologia, que entre suas dimensões, incorpore o lugar peculiar do ser humano neste mundo e suas relações com a realidade em seu entorno” (LS 15), ou seja, uma ecologia integral, que “inclua claramente as dimensões humanas e sociais” (LS 137).

2.1 Conceito de ecologia integral: dimensões e apelo ético31 31 Uma visão contextualizada na realidade brasileira, ainda atual, encontra-se em: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.

H. Jonas (2004, p. 33) assinala a relação entre moral e destino do ser humano, no tocante ao tema “conservação da natureza”. “Daí que o último polo de referência que faz do interesse da conservação da natureza um interesse moral é o destino do homem, enquanto dependente da natureza, a orientação antropocêntrica da ética clássica é conservada aqui. Mas [...] a diferença é grande”. Precisamente, nesse horizonte, é que se coloca a reflexão da LS em torno da ecologia socioambiental. Além disso, a encíclica propõe um passo a mais, refletindo sobre o sentido profundo da dignidade do ser humano e sua tarefa em relação ao todo da criação (LS 64).

O ponto de partida da moral social da Igreja é a ideia de o ser humano ser criado à imagem do próprio Criador. A grandeza da dignidade humana se enraíza em sua origem enquanto criatura. (Gn 1,26). O Criador pode dizer a cada a pessoa: “Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia” (Jr 1,5). O homem e a mulher foram concebidos no coração de Deus, consequentemente, “cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário” (LS 65). Por isso, frente ao caos ecológico total em curso, surge a pergunta pelo mundo que se deseja. Ao mesmo tempo, abre-se um caminho para que se apresente uma resposta verdadeira: “Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes” (LS 160). Esta orientação fundamental, que desencadeia perguntas, conduz à busca e afirmação do sentido de toda a luta em favor do funcionamento das relações envolvendo o meio ambiente, sociedade e suas instituições e a dignidade de cada ser humano, com uma exigência essencial, além da atenção às gerações futuras: “exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo” (LS 160). Diante desse enorme desafio é que se propõe a ecologia integral. A gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência, ascese e generosidade, lembrando-nos sempre que ‘a realidade é superior à ideia’” (LS 201).

Esse conceito, desenvolvido no capítulo quatro da encíclica, apresenta-se como a chave de leitura e como a orientação central do documento. Ele alarga a visão acerca do problema ambiental, entendendo que este está intimamente ligado à degradação humana e ética (LS 56). Eis por que a questão não pode se restringir ao âmbito ambiental, mas é imperativo que se trate de uma ecologia que inclua a sociedade, a economia e a cultura em vista da consecução do bem comum. Por isso, é necessário assumir a ética social de modo concreto e abrangente. Outro fator fundamental ao assumir uma compreensão ampla de ecologia é a perspectiva de futuro, devendo-se considerar o futuro das gerações que o documento menciona de modo reiterado (LS 22, 53, 68, 95, 109, 151, 169). Portanto, conforme expressa Seibold (2017, p. 206)28 SEIBOLD, Jorge R. La “ecología integral” en la encíclica Laudato Si’ del Papa Francisco y sus propuestas para resolver la crisis ecológica. In: SCANNONE, Juan Carlos et al. Laudado si’: lecturas desde América Latina: desarrollo, exclusión social y ecología integral. Ciudad Antónoma de Buenos Aires: Circus, 2017, p. 193-2016., torna-se imprescindível assumir “todos aqueles aspectos éticos de vão além de nossas gerações presentes e olham com amplitude o futuro”. De forma contundente, H. Jonas (2004, p. 228) afirma que o “primeiro dever do comportamento humano coletivo é o futuro dos homens”. Pois, nesse tempo vindouro, está contido “o futuro da natureza como condição sine qua non; mas, além do mais, independentemente disso, o futuro da natureza é por si uma responsabilidade metafísica, uma vez que o homem não só se converteu em perigo para si mesmo, mas também para toda a biosfera”. Consequentemente, para fazer frente a esse problema, torna-se imprescindível uma compreensão de ecologia que seja holística nas relações entre o ser humano, a sociedade e a natureza. Esta noção de ecologia abrange a ecologia ambiental (LS 137-161), econômica e social (138-142) e a ecologia cultural (143-146); ecologia da vida cotidiana (147-155).

Conforme a carta encíclica, entende-se por ecologia integral, enquanto estudo científico, a disciplina que “estuda as relações entre os organismos vivos e o ambiente onde se desenvolvem (LS 138)”. Compreende-se a integralidade da ecologia tendo como fator integrador as interrelações de seus vários componentes. A relação entre meio ambiente, economia e sociedade indica que uma adequada visão desses campos não pode ter um olhar compartimentado, analisando cada uma dessas realidades separada das demais. O apelo da própria ética ambiental requer a assunção do paradigma ambiental como compromisso com a ecologia integral. Ela proporciona uma visão mais ampla, pois implica, conforme Junges (2004, p. 55)14 JUNGES, J. Roque. Ética ambiental. São Leopoldo: UNISINOS, 2004., um alargamento da “pura perspectiva intersubjetiva dos humanos e tenta incluir também a consideração das interdependências e interligações com os seres vivos e com os ecossistemas e a biosfera”.

Desse modo, no enfrentamento dos desequilíbrios ecológicos, será necessário que se considere que há não apenas uma desordem do sistema do ambiente, mas se tenha clareza de que se trata, também, de uma desarmonia que envolve tanto o meio ambiente quanto o ser humano e a coletividade social: “Não há duas crises separadas, uma social e outra ambiental, mas uma só e complexa crise socioambiental” (LS 139). Pois, o meio ambiente implica imediatamente o ser humano, como está claro no documento social: “Quando se fala de meio ambiente se indica particularmente uma relação que existe entre a natureza e a sociedade que a habita” (LS 139). Nesse sentido, um dos problemas importantes nesse contexto é o combate à pobreza, que exige necessariamente uma aproximação integral da situação de destruição da Casa comum “para se devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (LS 139).32 32 Sobre a relação entre crise ecológica e ética, entre outros textos, pode-se ver: NODARI, P. César. A crise ecológica e a ética planetária à luz das perspectivas filosófica e teológica. Conjectura, v. 12, n. 2, p. 61-80, jul./dez. 2007.

Portanto, o enfrentamento dos problemas ambientais requer uma análise global dos fatores que integram os contextos humanos, familiares, trabalhistas, urbanos e da relação da pessoa consigo própria. Quanto à especificação ecologia social, a solidariedade é o valor central a ser cuidado, devendo envolver instituições e ter um amplo alcance: “a ecologia social é necessariamente institucional, e alcança progressivamente as distintas dimensões que vão desde o grupo social primário, a família, passando pela comunidade local e a nação, até a vida internacional” (LS 142).

Tratando da ecologia cultural, o documento se refere ao “patrimônio histórico, artístico e cultural, igualmente ameaçado” (LS 143). De tal importância é a cultura de um povo, que dela depende a existência humana: “O desaparecimento de uma cultura pode ser tanto ou mais grave que o desaparecimento de uma espécie animal ou vegetal” (LS 145). Com relação à “ecologia da vida cotidiana”, destaca-se que o “autêntico progresso” não será tal se não garantir e promover a qualidade de vida humana. Eis por que, na análise da ecologia humana, é imprescindível possibilitar que as populações tenham moradias e infraestruturas urbanas, que proporcionem condições de existência saudável, compatível com a dignidade do ser humano. Nesse sentido, a reflexão deve se ater a esse princípio moral básico. “A ecologia humana implica também algo de profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais edificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza” (LS 155). Em suma, sendo “integral”, a concepção de ecologia envolve a tomada de consciência da própria responsabilidade por parte de todas as pessoas nos diferentes lugares de existência de cidadão(ãs) nos níveis pessoal, familiar e como coletividade, englobando as diversas dimensões humanas e sociais. Os movimentos e iniciativas organizados a partir dos diferentes âmbitos sociais devem estar bem ordenados para assegurar “uma melhora integral na qualidade da vida humana” (LS 147). Portanto, a harmonização dos elementos constitutivos da ecologia integral reclama a responsabilidade de cada pessoa, que é instada a assumir seu lugar na sociedade, consciente de ser também parte da natureza, como ser humano e enquanto presença cidadã ativa. Cada pessoa é posta diante da necessidade da construção do bem comum, no empenho conjunto no cuidado desta Casa comum.33 33 Cada pessoa, na concepção tomista assumida por Maritain (1962, p. 61), é um todo, devendo ser sempre vista e tratada em sua singularidade e integralidade: ‘Dizer que a sociedade é um todo composto de pessoas é dizer, portanto, que a sociedade é um composto de todos”. O fato de cada pessoa ser um todo implica uma ética para a própria pessoa e o corpo social que ela integra (p. 62-63): “se a pessoa exige de si “fazer parte” da sociedade, ou ser “membro da sociedade”, isso de maneira nenhuma significa que ela exija ser na sociedade como uma parte e ser tratada na sociedade como uma parte, ao contrário – é um desejo da pessoa enquanto pessoa – ser tratada na sociedade como um todo”. Trata-se, em última análise, da responsabilidade dos seres humanos uns para com os outros, ao mesmo tempo em que assumem seu dever para com as gerações futuras e a natureza. Em uma palavra, como acentua H. Jonas (2004, p. 227)15 JONAS, Hans. El principio de responsabilidad: ensayo de una ética para a civilización tecnológica. Barcelona: Herder, 2004. há um só dever: “dever para com o homem, sem por isso cair no reducionismo antropocentrista”.

Tal responsabilidade se reflete no comprometimento com a busca de uma ecologia integral, para além da própria nacionalidade, pois o que está em jogo é o bem comum de toda a casa, que é inseparável da ecologia humana e central na ética social (LS 156). “A ecologia humana é inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um papel central e unificador na ética social”. Entende-se por bem comum “o conjunto das condições de vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (LS 156). A propósito da compreensão da relação entre bem comum universal e da pessoa humana enquanto membro de uma sociedade, J. Maritain lança significativa luz. Afirma o filósofo (1962, p. 65): “a pessoa humana está ali [na sociedade] como parte dum todo maior e melhor que as suas partes e cujo bem comum vale mais que o bem de cada um”. Nessa relação, complementado seu pensamento, estabelece a distinção de indivíduo e pessoa:

É a pessoa humana que entra na sociedade; e, enquanto é indivíduo, entra nela como uma parte, cujo bem próprio é inferior ao bem do todo (do todo de pessoa): o que, entretanto, só é o que é – superior, portanto, ao bem privado, — se aproveita às pessoas individuais e se redistribui a elas e respeita a sua dignidade.

A legitimação de algo como bem se dá à medida que aquilo apresenta este algo como bem comum que se coloca como proveitoso para cada pessoa desta sociedade. Daí a importância do princípio do bem comum como chave da ética social, que é determinante tanto para a cidadania quanto para a ecologia integral do todo, casa e assegura-se o respeito à dignidade de cada pessoa.

As várias dimensões que formam a noção de ecologia integral não prescindem da política. Ao contrário, a política tem um papel relevante, devendo promover o “princípio da subsidiariedade”, que garante “a liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis, mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais”. Além do mais, não se pode justificar “uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise” (LS 196). Todos esses esforços somente lograrão êxito se houver empenho na tentativa de reeducação das gerações atuais e compromisso lúcido com a educação das futuras gerações por parte de cada país.34 34 Na mensagem de lançamento do Pacto Educativo Global (12.09.2019), o Papa Francisco ressaltou: “Convido-vos a promover em conjunto e ativar, através dum pacto educativo comum, as dinâmicas que conferem um sentido à história e a transformam de maneira positiva. Juntamente convosco, dirijo idêntico apelo a personalidades públicas que ocupem, a nível mundial, lugares de responsabilidade e tenham a peito o futuro das novas gerações”. No Brasil, a Igreja recebeu esse pacto através da publicação A Igreja do Brasil, com o Papa Francisco no Pacto Educativo Global: orientações gerais. Brasília: CNBB, s.d.

2.2 Educar para a “cidadania ecológica”

“Educação e espiritualidade ecológicas” são fundamentais para a formação da pessoa como cidadã e como ser humano que se reconhece como parte de um todo, a criação, para entrar nas dinâmicas de cuidado da Casa comum. “Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos” (LS 139). A Carta enfoca a educação como processo baseado em valores capazes de fomentar a criação de uma nova mentalidade, de maneira a se gestar uma “cidadania ecológica” (LS 211). Trata-se de criar “nova solidariedade universal” (LS 14). Busca-se “nova cidadania” que implica adquirir uma visão crítica frente aos mitos da modernidade, como explicita a encíclica:

A educação ambiental tem vindo a ampliar seus objetivos. Se, no começo, estava muito centrada na informação científica e na conscientização e na prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica dos ‘mitos’ da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus

(LS 210).

Alcança-se a cidadania ecológica, que parte de uma educação ecológica, superando-se o limite meramente jurídico, pois o seu sujeito desta cidadania é a pessoa que tende à maturidade no exercício da corresponsabilidade socioambiental como membro da sociedade civil, e considera progressivamente tanto a realidade local como também a global. Trata-se de criar uma verdadeira “cultura ecológica”, que é abrangente e não se reduz a cuidados de urgências transitórias. Pelo contrário, ela requer “um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço tecnológico” (LS 111). A educação ecológica leva as pessoas a novo comportamento, que se revela atos concretos importantes para o meio ambiente na vida cotidiana: “A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente” (LS 211). O fator motivação pessoal no processo educativo será a garantia primeira para que a educação leve as pessoas a uma responsabilidade socioambiental assumida de forma consistente e não seja mera observância jurídica. No entanto, será importante a existência de leis que coíbam as más condutas e se busque estabelecer norma jurídica que traga efeitos duradouros e seja acolhida “pela maior parte dos membros da sociedade [...] e reaja com uma transformação pessoal” (LS 211). Dessa maneira, surge uma nova postura que recebe a proposta de uma ecologia integral, de forma a traduzir-se em decisões e ações pessoais com impacto tanto na vida pessoal como na vida da sociedade e em suas diferentes estruturas e setores. Os comportamentos que brotam de uma educação assim proposta e assimilada são portadores de valores que levam a uma nova sociedade em que seus membros se humanizam e se tornam corresponsáveis pelo bem da Casa comum. As ações ecologicamente corretas, praticadas de modo abrangente nos diferentes locais do mundo, serão capazes de mudar a terra. E mais que isso, esses novos comportamentos restituem “o sentimento de nossa dignidade, leva-nos a uma maior profundidade existencial, permite-nos experimentar que vale a pena a nossa passagem por este mundo” (LS 212). Esta abordagem remete-se à importância do fator educação em referência à cidadania. Como se verá na sequência, há vários elementos de aproximação entre o conceito de ecologia integral e o conceito de cidadania.

2.3 Cidadania e ecologia integral: aproximações e convergências

A teoria da cidadania envolvendo diferentes e interrelacionadas dimensões do “ser cidadão(ã)”, como visto na primeira parte deste artigo, apresenta vários aspectos de contato e aproximação do conceito de “ecologia integral” da LS (137-162). A garantia dos direitos da pessoa humana à existência digna na sociedade, como objeto da cidadania, implica, também, entre vários outros elementos, a preservação da natureza em seu todo. Ambas as noções partem do valor fundante da dignidade humana e requerem dos membros da sociedade civil empenho nos diferentes âmbitos e papéis que desempenham no corpo social que integram. Neste sentido, o enfoque socioambiental na chave ética proposta pelo ensino social da Igreja na LS permite estabelecer uma relação com o conceito de cidadania.35 35 Na obra Ética, A. Cortina e E. Martínez (2005, p. 169). incluíram o verbete Ética ecológica. Segundo a autora e o autor, em que pese divergências entre os especialistas em ética ecológica, os especialistas reconhecem em comum, no entanto, as “causas últimas” que provocaram o atual desastre ecológico: “a falta de solidariedade que lançou grande parte da população mundial na miséria econômica e cultural”. Deve-se lembrar que cidadania implica também o aspecto das relações entre as pessoas como proximidade humana, ainda que na teoria de Cortina esse fator não tenha ampla consideração. Por outro lado, Touraine (1996, p. 105), à luz da divisa “Igualdade, Liberdade, Fraternidade”, entende a “fraternidade como sinônimo de cidadania”. Isso porque ele define o ser cidadão como “a filiação a uma sociedade politicamente organizada e controlada por si mesma” e une elementos políticos, sociais e morais.

Os pressupostos antropológico-filosóficos da visão conceitual de cidadania de Cortina apontam tanto para a compreensão da dinâmica que o conceito de ecologia integral encerra, como à dinâmica do próprio conceito de cidadania, na relação dos dois conceitos como este escrito propõe. Aqui, aparece um traço de aproximação da ideia cortiniana de razão senciente, que se remete ao senso de pertencimento e de justiça, distinguindo-se: na teoria da cidadania o indivíduo social tem consciência de sua pertença a uma sociedade nacional, abrindo-se também ao cosmos; no entendimento da LS, trata-se da consciência da pertença à Terra, como parte desta e por dela compenetrando-se e, ao mesmo tempo, a partir de sua presença num local determinado, um ponto do planeta, integrando um contexto sócio-histórico concreto.

O conceito de cidadania abrange dimensões fundamentais da pessoa humana e da sociedade civil. A composição teórica do conceito, conta com duas forças centrais do ser humano que formam uma unidade, que são como razón sentiente que dão à pessoa sentido e motivação para que assuma sua participação na sociedade de forma consequente. A unidade desses fatores se constitui considerando que esta razão se remete ao sentido de justiça nas relações entre os seres humanos que formam determinada sociedade, assim como ao sentimento de pertencimento a uma comunidade nação, mas, também, ao cosmos.36 36 No entanto, segundo A. Touraine (1996, p. 95), deve-se estar vigilante para evitar que a consciência da filiação a uma comunidade (nação) não leve ao “nacionalismo”, como se verificou na democracia moderna, pois esta foi “ameaçada e, muitas vezes, destruída pelo nacionalismo”. Observa ainda, o autor francês (p. 97), que não há democracia branca ou negra, cristã ou islâmica, pois “toda democracia coloca acima das categorias naturais da vida social a liberdade de escolha política. É o sentido último da própria definição de democracia: a livre escolha dos governantes pelo governados”.

Os dois conceitos de cidadania e ecologia integral propõem, a partir de uma tomada de consciência pela pessoa do próprio dever, seja como cidadão de um país ou como habitante do planeta, de comprometimento com a busca do bem comum. De lado, a teoria da cidadania tem em vista o exercício do ser cidadã e cidadão de modo pleno por todos os membros de determinada sociedade. De outro, a ecologia integral visa à garantia da vida digna para todas as pessoas em uma terra preservada, cujas riquezas naturais devem ser sustentavelmente utilizadas. Consequentemente, a pessoa que assume sua responsabilidade na sociedade civil a partir do sentido de justiça e sentimento de pertença estará tanto construindo a cidadania como, de alguma maneira, entrando na dinâmica necessária para a realização da ecologia integral. Isso significa entrar no movimento de participação na sociedade, em seus diferentes lugares e setores, através de muitas e diversas formas de presença e pertencimentos e empenhos efetivos. Nesse sentido, os dois conceitos são mutuamente importantes, pois, uma vez articulados, tanto um quanto o outro ampliam, no campo próprio de cada um, a compreensão do objeto do qual se ocupam.

A proposição do conceito de ecologia integral da LS, que trata da ecologia não como algo restrito ao meio ambiente enquanto natureza isoladamente, mas envolvendo também o social, o econômico, bem como as culturas, o cotidiano das pessoas, permite uma ampliação da percepção do projeto de cidadania plena refletido por Cortina. Observe-se que o acesso dos cidadãos e das cidadãs a seus direitos, que se inscrevem na relação de membros individuais e como pessoas humanas desta sociedade, como reza a teoria de Cortina, uma vez exercidos seus direitos, interagem com elementos constitutivos da ecologia integral.

Portanto, essa relação revela-se para ambos, verificando-se que há, por um lado, as três dimensões fundamentais da cidadania, ou seja, a política, a civil e a econômica e, por outro, as dimensões da ecologia integral: a tríade ecologia ambiental, econômica e social, ecologia cultural e ecologia da vida cotidiana. Os pontos de partida e motivações explícitas são distintos num primeiro momento. No entanto, os caminhos para se alcançar a finalidade de outra se cruzam e se alargam convergindo para a ética do bem comum. Os pilares da ética social, ainda que não tenham sido completamente identificados, estão presentes em ambas as noções: dignidade humana, bem comum, destinação universal dos bens, subsidiariedade, solidariedade.

Mais do que pontos de contato entre os dois conceitos, há uma convergência fundamental de suas finalidades, no que se refere à garantia do direito à vida digna da pessoa humana a partir do princípio do bem comum, que por sua vez, requer a preservação da fonte primeira dos bens necessários a existência saudável. O empenho no cuidado da Casa comum pressupõe uma mudança de vida e transformação interior das pessoas como seres cidadãos conscientes da sua dignidade humana e da responsabilidade em relação à Casa a que pertencem, reconhecendo-se com a terra ou tendo presente o sentimento de pertença a uma nação.

A ideia da cidadania se inscreve principalmente nos campos sociopolítico e econômico, cultural, implicando, a partir desses âmbitos, a defesa da dignidade humana. Pois, não se trata, apenas, como ressalta a educação para a cidadania ecológica, de usufruir de direitos e realizar deveres e participar dos processos instituídos juridicamente, mas de tomar parte na responsabilidade pela criação e asseguramento daquelas condições dignas de vida. Isso implica a valorização e exigência do exercício efetivo da cidadania através do compromisso com a realização de direitos inerentes à condição cidadã, que significam respeito às pessoas em sua dignidade em vista da garantia daquilo que lhes cabe como integrante do corpo social civil, localmente considerada, mas ao mesmo tempo aberta ao todo, o cosmos.

A ecologia integral, por sua vez, assume dimensões essenciais do ser humano em sociedade e sua realidade profunda como ser de transcendência, que inclui aqueles elementos constitutivos da cidadania, ainda que, sob o título deste conceito, a LS não enfatize o aspecto jurídico de direitos e deveres, intrínsecos à cidadania no sentido sociopolítico. No entanto, todo o capítulo V dedica-se ao tema da política, dando-lhe, portanto, uma importância decisiva na superação do problema socioambiental e a coloca, corretamente, em estreita relação com a economia, que se reflete das pessoas e nas suas relações com as forças influentes na determinação dos rumos da sociedade. A LS olha para a cadeia, as instâncias decisórias que se movem pelo paradigma tecnocrático. Nesse sentido, a encíclica enfatiza que não se pode conceber, eticamente falando, a economia sem a atuação da política como possibilitadora do exercício da liberdade visando ao bem comum; a economia, por sua vez, não se deve subordinar às determinações do “paradigma eficientista da tecnocracia”. O justo e ético e que político e economia se ponham a serviço da vida: “Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana” (LS 189). Portanto, na esteira da ética da responsabilidade e do princípio ético social do bem comum, esses dois motores da sociedade somente desempenharão plenamente seus papéis se priorizarem a dignidade humana colocando-se a serviço de todas as pessoas. Vistas essas convergências, fica esclarecido que a ecologia integral, ao mesmo tempo que se beneficia de aspectos do conceito de cidadania em questão, é portadora de um “mais” em relação a essa noção proposta por Cortina. Além disso, apropriando de elementos do conceito de cidadania, com sua base humanística, consolida sua fundamentação ética social como proposta que corrobora a perspectiva cidadã da autora espanhola.

2.4 Cidadania, ecologia integral e transcendência

Ainda tratando da relação entre os dois conceitos, percebe-se como a abordagem do conceito de ecologia integral no horizonte da ética da responsabilidade social permite explicitar sua importância para uma compreensão mais aprofundada do conceito de cidadania. Esta perspectiva faz parte, em certo sentido, do entendimento de cidadania do ponto visto ético-filosófico. Esse tema aparece em outra obra de coautoria de Cortina.37 37 CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. Nessa obra (p. 9), fazem esta diferenciação: “... a Ética é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos. A moral também é um saber que oferece orientações para a ação, mas enquanto ela propõe ações concretas em casos concretos, a Ética – coo filosofia moral – remonta á reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes maneiras de justificar racionalmente a vida moral, de modo que sua maneira de orientar a ação é indireta: no máximo, pode indicar qual concepção moral é mais razoável para que, a partir dela, possamos orientar nossos comportamentos”.

Outro aspecto da aproximação das duas ideias conceituais em foco aparece tendo-se presente o conjunto dos elementos constitutivos da cidadania. A garantia dos direitos do ser humano à existência digna e, portanto, à vida dos cidadãos e das cidadãs depende, de modo abrangente e complexo, da preservação da Terra. Nesse sentido, a construção da cidadania, através de seu exercício cotidiano, histórico e o compromisso com a “ecologia integral”, atendendo-se também a suas várias dimensões, se entrecruzam. No entanto, em uma visão de cunho cristão, deve-se enfatizar a vocação transcendente da pessoa humana, que perpassa a noção de ecologia integral.

Considerando o exercício da cidadania, será necessário que se tomem decisões tanto no nível pessoal individual como por parte dos segmentos e instituições existentes nas sociedades. Isso significa, portanto, efetiva participação de todas as pessoas integrantes da sociedade na busca do bem comum. Ora, se os direitos da cidadania abrangem diferentes dimensões da vida humana e da sociedade e se eles são exercidos por todos os membros de cada indivíduo e grupo desta sociedade, então o conceito de ecologia integral, que implica os diferentes eixos aqui caracterizados, converge, enquanto portador de uma ética de responsabilidade social, para a construção da cidadania plena. A ecologia integral ratifica, pois, o conceito de cidadania plena como explanado. Por outro lado, o empenho em garantir os direitos de cidadania, que passa pelo exercício do ser cidadão em seus vários âmbitos, contribui para o engajamento na dinâmica própria do cuidado da Casa comum na perspectiva da LS. A cidadania se realiza garantindo-se os direitos de cada pessoa nas respectivas sociedades nacionais, tanto a pessoa como ser individual quanto como membro de uma coletividade integrado em organizações da sociedade civil.

Portanto, a teoria da cidadania envolvendo diferentes e interrelacionadas dimensões do “ser cidadão(ã)” como integrante de um país, se potencializa, sob vários aspectos, a partir do conceito de “ecologia integral” da Carta encíclica social (LS 137-162). A noção de ecologia integral propõe a compreensão do cuidado da Casa comum, implicando atenção às dimensões da vida humana e dos demais entes animados e inanimados da natureza. “Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o rodeia” (LS 15). A adesão das pessoas ao empenho em prol da ecologia integral, enquanto cidadãs, conscientes de pertencerem à Casa comum, como parte do todo vivo, a terra, confere ao conceito de cidadania um diferencial importante. Isso se verifica à medida em que se compreende a dignidade da pessoa humana como valor fundamental que implica a profundidade de seu ser pessoa como alguém vocacionado ao transcendente.38 38 A propósito do tema pessoa e sua relação com a sociedade, Maritain (1962, p. 107) diz que “há uma obra comum a realizar pelo todo do bem social como tal, por aquele todo de que as pessoas são partes”, e que não é ‘neutro’, que está comprometido, sustentado por uma vocação temporal; e assim as pessoas estão subordinadas a esta obra comum”. O bem comum é essencial para pessoas tanto na ordem política, temporal, mas também na ordem mais profunda da pessoa, ou seja (p. 107): “a sua vocação supratemporal, com os bens ligados a esta vocação, é um fim transcendente a que a própria sociedade e a sua obra comum estão indiretamente subordinadas”. “Precisamente pela sua dignidade única e por ser dotado de inteligência, o ser humano é chamado a respeitar a criação com as suas leis internas, já que ‘o Senhor fundou a terra com sabedoria’ (Pr 3, 19)”. Neste sentido, o compromisso com a ecologia integral, com base nos princípios que o sustentam, por sua vez, comunica para a busca pela justiça social39 39 Iris M. Young (apud AGRA ROMERO, 2003, p. 59-60) oferece uma definição de justiça social: “como a distribuição moralmente correcta de benefícios e cargas sociais entre os membros de uma sociedade. Os mais importantes destes benefícios são a riqueza, o ingresso e outros recursos materiais. A definição distributiva da justiça amiúde inclui, porém, bens sociais não materiais tais como direitos, oportunidades, poder e autoestima. O que marca o paradigma distributivo é uma tendência para combater a justiça social e a distribuição como conceitos coextensivos”. pelos cidadãos e cidadãs um sentido de realização do ser humano não apenas como cidadão em dada sociedade, mas como alguém cujo sentido da vida aponta para um “ser mais”. Esse “mais” envolve todas as dimensões do ser humano, incluindo a espiritualidade em sentido transcendente cristão, como, de fato, assinala a encíclica: “O seu testemunho [Francisco de Assis] mostra-nos também que uma ecologia integral requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contato com a essência do ser humano” (LS 11). A contribuição da espiritualidade cristã, ao se refletir sobre a importância da cidadania para a dignidade da pessoa humana e a urgência do empenho pessoal e social pela ecologia integral revela-se como relevante e, como que necessária. Com isso, não nega a importância das demais espiritualidades que elevam o ser humano à dimensão transcendente a partir de seu lugar na história. Neste sentido, insiste a carta que uma adequada relação com o mundo criado “não diminui a dimensão social do ser humano nem sua dimensão transcendente, a sua abertura ao ‘Tu’ divino”. Pois “não se pode propor uma relação com o ambiente prescindindo da relação com as outras pessoas e com Deus. Seria um individualismo romântico disfarçado de beleza ecológica e um confinamento asfixiante da imanência” (LS 119).

Considerações finais

Feito esse percurso, retém-se alguns elementos essenciais constitutivos dos dois conceitos, bem como o que resulta da proposta de diálogo entre eles para os estudos na área da moral social no que respeita às ênfases dadas na abordagem da temática.

Do ponto de visto da fundamentação filosófica e teológica, respectivamente, identifica-se os elementos centrais. Primeiramente, o pressuposto epistêmico da proposta da filósofa, ou seja, a “razão senciente”, que se define pela apropriação de suas duas dimensões constitutivas: o sentido da justiça nas relações das pessoas e o sentimento da pertença uma sociedade. Evocando os termos da autora (2001, p. 20-21), a razão senciente conduz a pessoa a duas atitudes correspondentes: “Reconhecimento da sociedade por seus membros e consequente adesão por parte destes aos projetos comuns são duas faces da mesma moeda que, ao menos como pretensão, compõem esse conceito de cidadania que constitui a razão de ser da civilidade”. A LS, como ensino social da Igreja, por sua vez, tem como ponto de partida a concepção antropológica do ser humano como imagem de Deus, que foi formado da terra, o ser humano “é terra” (Gn 2,7), de forma que “o corpo humano é constituído pelos mesmos elementos do planeta” (LS 2). Portanto, mais do que pertencer à terra, o indivíduo humano é terra, ou seja, em sua realidade biológica, é constituído de matéria que tem afinidade com outros seres vivos terrestres. Mas este ser, a pessoa humana, parte da terra e criado da mesma matéria que a dela, é um ser de transcendência que capta o sentido das coisas, configura-se, conforme M. Oliveira (2001, p. 287-288)24 OLIVEIRA, M. Araújo de. Desafios éticos da globalização. São Paulo: Paulinas, 2001. como o ser de responsabilidade: “A transcendência revela o ser humano como ser do sentido, que situa todo e qualquer dado em um horizonte de significação, e que age a partir do sentido captado. Por essa razão ele é o ser da responsabilidade, pois é capaz de decisões livres”. Ao ser humano, capaz de responsabilidade ante o semelhante e o próprio Criador, foi-lhe confiado o cuidado deste dom: “A destruição do ambiente humano é um facto muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação” (LS 5). A tomada de consciência “da gravidade da crise cultural e ecológica precisa de traduzir-se em novos hábitos” (LS 209). Disso decorre a urgência de se “revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença” (LS 5).

A dinâmica da razão senciente, exposta na análise do conceito de cidadania e cujo sentido se admite estar presente na abordagem de ecologia integral, permitiu a aproximação desses conceitos. Em relação à cidadania, a razão senciente move as pessoas à busca da realização de seus direitos de cidadão, visando a alcançar a cidadania plena em uma sociedade em que vigora o estado democrático de direito. Por outro, essa mesma capacidade cognitiva humana que leva a pessoa a abrir-se ao empenho pela justiça socioecológica a partir dos contextos locais e voltados para o universo terrestre com todos os seus seres, os atuais e os futuros, a começar pelas pessoas e populações mais vulneráveis.

A urgência de buscar esse objetivo torna-se um apelo ético irrenunciável, que chega a todos, mas mais particularmente aos governos e agentes políticos. Somente por meio de políticas públicas consistentes emancipatórias será possível que as pessoas em situação de vulnerabilidade ascendam à verdadeira condição cidadã. Francisco, falando aos Juízes reunidos em Congresso (2019)40 40 FRANCISO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos Juízes do Continente Americano reunidos em Congresso no Vaticano (04.03.2019). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html. Acesso em: 15 fev 2024. , referiu-se a esse tema, afirmando que um “sistema político-econômico”, comprometido com um desenvolvimento sadio, necessita garantir que a democracia seja efetiva e não apenas objeto de retórica, sem prática real.

Outro aspecto importante na aproximação dos conceitos é o papel decisivo da educação na formação da consciência cidadã e da consciência ecológica, sendo que esta implica aquela. Se a teoria da cidadania aponta a educação como caminho preponderante para promover e formar as pessoas em vista do exercício da cidadania, na noção de ecologia integral o planejamento de uma “educação ecológica” torna-se imprescindível para que se promova a “cidadania ecológica” (LS 211). Segundo o documento social, a educação é um meio insubstituível para se formar uma consciência ecológica, o que se mostra também como essencial para se empreender a realização da cidadania em sentido amplo e não apenas em referência a alguns direitos sociais, políticos e civis assegurados, como pregam as democracias liberais. Nesse sentido, os sistemas educacionais têm vital importância para que as pessoas sejam educadas de modo a se tornarem conscientes de seu lugar e responsabilidade na respectiva sociedade, com seus direitos e deveres, mas também corresponsáveis pela boa organização socioambiental tanto no nível local como globalmente. A educação tem a nobre missão de educar as pessoas em cada sociedade para que exerçam a cidadania com um horizonte mais amplo, como cidadãos que assumam o valor da ética socioambiental.

A partir da ponderação sobre os conceitos em questão, reitera-se a abrangência como cada um é proposto, ou seja, tanto cidadania quanto ecologia integral incluem elementos e dimensões que contemplam o ser humano em suas relações às realidades sócio-históricas amplas. No primeiro caso, além do cidadão no sentido político, dá-se atenção ao “cidadão civil” e ao “cidadão econômico”. Já no secundo caso, contempla-se a ecologia ambiental, bem como a ecologia econômica e social e ecologia cultural, além da ecologia da vida cotidiana. vulnerabilidade ascendam a verdadeira condição cidadã.

Francisco, falando aos Juízes reunidos em Congresso (2019),41 41 FRANCISO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos Juízes do Continente Americano reunidos em Congresso no Vaticano (04.03.2019). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html. Acesso em: 15 fev 2024. referiu-se a esse tema, afirmando que um “sistema político-econômico”, comprometido com um desenvolvimento sadio, necessita garantir que a democracia seja efetiva e não apenas. Ela deve “ver-se plasmada em ações concretas que velem sobre a dignidade de todos os habitantes, segundo a lógica do bem comum, num apelo à solidariedade e numa opção preferencial pelos pobres” (LS, 158). Lembra, também, da importância do empenho das autoridades em vista de garantir a existência de democracia com uma justiça social condizente: “Isto exige esforços das máximas autoridades e, naturalmente, do poder judiciário, para reduzir a distância entre o reconhecimento jurídico e a prática do mesmo. Não existe democracia com a fome, nem desenvolvimento com a pobreza, nem sequer justiça na iniquidade”.

Pretendeu-se, outrossim, reiterar a importância da contribuição da ética social elaborada a partir dos princípios éticos do cristianismo e sua capacidade de diálogo com outros saberes na busca da humanização da sociedade contemporânea. Essa relação levou a este entendimento: a noção de cidadania se enriquece ao considerar a possibilidade de incorporar elementos da ecologia integral, como as relações interpessoais, a sociabilidade, e a ideia de ser humano como criatura possuidora de transcendente. O conceito de ecologia integral, por sua vez, se amplia com elementos éticos da cidadania baseados na razão filosófica humanística, que se orientam para o campo sociopolítico e suas relações com a economia, remetendo-se aos grandes temas da democracia. Portanto, abriram-se janelas para ampliação de aspectos de caráter sociopolítico e econômico da abordagem de Cortina que integram a noção de ecologia integral. Por outro lado, aprofundou-se o entendimento de cidadania como algo que se constrói em estreita relação com o exercício da responsabilidade enquanto membro de uma humanidade que deve cuidar da Casa comum. Os membros da sociedade civil nacional não são apenas sujeitos de seus direitos e deveres próprios, mas também se reconhecem como sujeitos capazes de relações interpessoais geradoras de fraternidade e amizade social. Em outras termos, são cidadãos e cidadãs, pessoas humanas criadas à imagem e semelhança do Criador chamados ao crescimento em sua humanidade e ao cuidado da grande casa à qual todos pertencem, como seres humanos que saíram de um mesmo desígnio do Criador. Em tempos de grandes desafios e ameaças à vida e a instituições necessárias à paz e à prosperidade da humanidade, torna-se imprescindível manter acesa a chama da esperança e da fé transcendente e da fé no humano: “A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa Casa comum” (LS 13). Todos os seres humanos estão incluídos neste apelo.

  • 1
    No desenvolvimento do texto, usaremos tanto a LS como o termo “Encíclica” para designar a Laudato si’.
  • 2
    Touraine mostra como se desenvolve a relação entre cidadania, democracia e Estado. Emprega-se o termo cidadania em referência direta ao Estado nacional, portanto, tratando da filiação da pessoa a uma comunidade definida territorialmente ou mesmo em relação a uma profissão. No entanto, observa o autor: “Por si só, a filiação não é democrática: nada
    há de democrático na consciência que um soldado tem de fazer parte de um exército ou na consciência de um operário da Toyota tem de fazer parte dessa empresa, mas o membership se opõe à dependência e se define através de direitos. É uma das condições necessárias da democracia” (TOURAINE, 199629 TOURAINE, Alan. O que a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996., p. 93).
  • 3
    São três as funções da ética: “1) esclarecer o que é a moral, quais são os seus traços específicos; 2) fundamentar a moralidade, ou seja, procurar averiguar quais são as razões que conferem sentido ao esforço dos seres humanos de viver moralmente; 3) aplicar aos diferentes âmbitos da vida social os resultados obtidos nas suas primeiras funções, de maneira que se adote nesses âmbitos sociais uma moral crítica (ou seja, racionalmente fundamentada), em vez de um código moral dogmaticamente imposto ou da ausência de referências morais” (CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 20055 CORTINA ORTS, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005., p. 21).
  • 4
    Para uma leitura teológico-pastoral da encíclica, ver, entre outras publicações, o livro de A. Brighenti: A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral (2018)1 BRIGHENTI, A. A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral. São Paulo: Paulinas, 2018..
  • 5
    SCANNONE, Juan Carlos et al. Laudado si’: lecturas desde América Latina: desarrollo, exclusión social y ecología integral. Ciudad Antónoma de Buenos Aires: Circus, 2017, p. 193-2016. BRIGHENTI, A. A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral. São Paulo: Paulinas, 2018. MURAD, A.; REIS, Émilien Vilas Boas; ROCHA, Marcelo Antônio (Orgs.). Ecologia e democracia: múltiplos olhares. São Paulo: Paulinas, 2022. MURAD, A.; TAVARES, Sinivaldo, S. Cuidar da casa comum: chaves de leituras teológicas e pastorais da Laudato Si´: São Paulo: Paulinas, 2016.
  • 6
    A segunda Carta encíclica de Francisco foi lançada em 03 de outubro de 2020, na cidade de Assis, Itália, cinco anos após a LS.
  • 7
    Adela Cortina Orts. Catedrática de Filosofia do Direito, Moral e Política na Universidade de Valencia, Espanha. Seus trabalhos no âmbito da fundamentação da moral e em Ética aplicada gozam de ampla projeção no território espanhol e em outros países, particularmente na América Latina (CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005).
  • 8
    Carvalho (2019, p. 17-18)2 CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. ressalta que, usualmente, a cidadania se desdobra em três formas de direitos: civis, políticos e sociais, de modo que o cidadão pleno seria aquele que tem garantidos seus direitos nas três áreas. Sobre a historicidade dos direitos e da cidadania esclarece: “O surgimento sequencial dos direitos [direitos civis – Inglaterra séc. XVIII; direitos políticos – séc. XIX; direitos sociais – séc. XX] sugere que a própria ideia de direitos e, portanto, a própria cidadania é um fenômeno histórico”.
  • 9
    O autor e a autora (2004, p. 32) ressaltam que cidadania e exclusão são inconciliáveis. E sugerem que a cidadania é algo que se busca permanentemente, quando afirmam: “O cidadão é o agente reivindicante que, mediante a adoção de técnicas de participação democrática direta, possibilita o desabrochar de novos direitos, como o direito dos idosos, das mulheres, das crianças, das populações indígenas, dos portadores de necessidades especiais e outros”. Por sua vez, a Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana dedicou um de seus fascículos ao tema da cidadania (n. 32, 1999/1).
  • 10
    Cortina introduz sua obra analisando vários livros de literatura (romances) nos quais seus autores destacam a relação entre leis e valores no processo de socialização. Entre eles estão: A ilha do Dr. Moreau (Herbert George Wells), Frankenstein (Mary Shelley), o estranho caso do Dr. Jekyll y Mr. Hyde (Robert Luis Stevenson).
  • 11
    Cortina serviu-se de bases filosóficas de Zubiri, como o conceito de “inteligencia sentiente” para a construção de sua Ética mínima, onde desenvolve o conceito de “justiça de mínimos”. Remetendo-se tanto a Zubiri, assim como a Unamuno e Tocqueville, chegará, em 2007, de Ética de la razón cordial”, obra em que, segundo Pachón (2015, p. 414), procura “recuperar el terreno de los afectos en el comportamiento humano y en concreto la importancia de tener en cuenta a los otros humanos en ello”. SÁNCHEZ PACHÓN, Javier. Adela Cortina: el reto de la ética cordial. Brocar, n. 39, p. 397-422, 2015. Disponível em: file:///C:/Users/chagas/Downloads/Dialnet-AdelaCortina-5257685%20(1).pdf. Acesso em: 16 mar 2024. Em sua pesquisa mais recente, a filósofa amplia e aprofunda seu pensamento sobre o conceito de cidadania, refletindo sobre “cidadania complexa. (CORINA, Adela. Ética de la razón cordial: educar en la ciudadanía en el siglo XXI. Llanera: Nobel S.A, 2007).
  • 12
    Touraine chama a atenção para a implicância entre cidadania e responsabilidade da pessoa no campo político: “A ideia de cidadania proclama a responsabilidade política de cada um e, portanto, defende a organização voluntária da vida social contra as lógicas não políticas, que alguns acham ser ‘naturais’, do mercado ou do interesse nacional” (1996, p. 97).
  • 13
    O. Höffe desenvolve um estudo sobre ética e globalização na abordagem sobre o “cidadão econômico” em: Ciudadano económico, ciudadano del Estado, ciudadano del mundo: ética política en la era de la globalização (2007). Aí afirma que o conceito de “justiça social” não surgiu nem da filosofia nem da teoria do direito do Estado, mas se gestou no âmbito da ética social cristã (p. 58). Em 2010, Cortina publicou Justiçia cordial, onde continua sua busca pelos fundamentos filosóficos da ética cívica. Nesse livro, ela resgata muitas ideias expostas nas obras anteriores: Ética de la razón cordial (2007), Alianza y contrato (2001) y Ciudadanos del mundo (1997).
  • 14
    Convém destacar que, na obra, Justicia cordial (2010), Cortina complementa e amplia sua reflexão sobre os fundamentos da ética filosófica. Aí, trata do conceito de ciudadanía compleja. (ORDÓÑEZ, Edward Javier. Justicia Cordial [resenha]. Revista Científica Guillermo de Ockham, v. 9, n, 2, p. 139-143, jul/dic 2011).
  • 15
    Edgar Morin, considerando a importância da diversidade da humanidade e sua unidade na diversidade, chama a atenção para a necessidade da consciência que as pessoas em cada nação deveriam ter de pertença à humanidade. Isso para fazer face à tendência de padronização e homogeneização. Para tanto, é papel do sistema de ensino dar aos cidadãos essa consciência. “Uma política de humanidade daria a cada nação o senso de comunidade humana” (MORIN, E. É hora de mudarmos a via: as lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021, p. 7717 MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de vida: as lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021.).
  • 16
    Cortina posiciona-se ante a situação da comunidade da União Europeia. Defende a tese de que o “estado de justiça” não provém do “estado de bem-estar”, devendo-se construir a cidadania social não só no âmbito dos países desenvolvidos, mas também em nível cosmopolita. Afirma (2001, p. 66-67): “Certamente, satisfazer essas exigências [da cidadania social] é indispensável para que as pessoas se saibam e sintam-se membros de uma comunidade política, quer dizer, cidadãos, porque só pode se sentir parte de uma sociedade quem sabe que essa sociedade se preocupa ativamente por sua sobrevivência, e por uma sobrevivência digna. Por isso, a meu juízo, um Estado de justiça pode lográ-lo, não um Estado de bem-estar”.
  • 17
    Obra citada: DRUCKER, Peter F. La sociedad postcapitalista.
  • 18
    Boaventura observa que os direitos humanos foram evocados em um movimento histórico de precariedade dos direitos de cidadania: “Ao longo dos últimos duzentos anos, os direitos humanos foram sendo incorporados nas instituições e nas práticas jurídico-políticas de muitos países e foram reconceitualizados como direitos de cidadania [...] Mas a verdade é que a efetiva proteção ampla dos direitos de cidadania foi sempre precária na grande maioria dos países. A evocação dos direitos humanos ocorreu sobretudo em situações de erosão ou violação particularmente grave dos direitos de cidadania” (SANTOS, 201327 SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2013., p. 22).
  • 19
    Cortina aprofunda a relação entre sujeito e democracia na obra Ética sem moral (2010)6 CORTINA ORTS, A. Ética sem moral. São Paulo: Martins Fontes, 2010..
  • 20
    A filósofa aborda e relação entre ética e religião na obra Ética civil e religião (1996). Nessa obra, a autora estabelece a relação entre a ética de base religiosa e a ética civil, destacando (p. 115) que as religiões não nasceram para estabelecer normas, mas para dar sentido à realidade da existência, abrindo-a para a dimensão transcendente: “As religiões não nasceram para fornecer normas, e sim para anunciar que esta vida não termina, mas se transforma; que Deus é Pai e que nós, os seres humanos, somos irmãos; para prometer um mundo diferente e lembrar que Deus está conosco para tornar isso possível, inclusive muito além da morte”.
  • 21
    A autora (p. 178-179) chama a atenção para a riqueza da aproximação respeitosa da diversidade de diversos fatores individual e socialmente enriquecedores: “A diversidade de crenças e de símbolos torna difícil a convivência, porém, sobretudo o direito de que habitualmente uma dessas culturas seja a dominante e o resto fique relegado, dando lugar a uma distinção entre ‘cultura de primeira’ e ‘cultura de segunda’, que suscita sem remédio sentimentos de injustiça e desinteresse pelas tarefas coletivas. Como saber-se e sentir-se cidadão igual quando a própria cultura é preterida? Como aceitar as normas políticas de cultura que é-lhe estranha?”.
  • 22
    O sociólogo francês (1996, p. 103) mostra a relação constitutiva da cidadania em relação à democracia: “Toda democracia comporta, assim, três mecanismos institucionais principais. O primeiro combina a referência aos direitos fundamentais com a definição de cidadania. Tal é o papel dos instrumentos constitucionais da democracia. O segundo combina o respeito pelos direitos fundamentais com a representação dos interesses, o que é o objeto principal dos códigos jurídicos. O terceiro combina representação com cidadania, o que é a função principal das eleições parlamentares livres”.
  • 23
    Aqui, convém lembrar a ligação intertextual e de perspectiva que há entre as encíclicas Laudato si´ e Fratelli tutti, 2020 (FT), ainda que não se explore a mensagem da última neste trabalho.
  • 24
    Santos (2021, p. 249)26 SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo: Boitempo, 2021. vê a necessidade de se criar um modelo civilizacional como exigência imposta pela pandemia da covid-19. “A necessidade e mesmo urgência de se iniciar uma discussão sobre um novo modelo civilizacional implica imaginar um novo horizonte utópico em que seja possível identificar algumas das ideias orientadoras para um novo modelo civilizacional que, de fato, possa ser um conjunto de modelos civilizacionais convergentes”.
  • 25
    OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.
  • 26
    Uma visão contextualizada na realidade brasileira, ainda atual, encontra-se em: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.
  • 27
    Sobre este assunto, assim se expressam Neves e Soromenho-Marques (2017, p. 13-14)20 NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. A consciência do mundo. In: NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Ética aplicada: ambiente, 2017, p. 11-30). tratando do ser humano com o meio ambiente: “A este propósito importa sublinhar que a Encíclica do Papa Francisco Laudato si’ também designada ‘encíclica verde’ numa sua manifesta aprovação pelos ambientalistas, não reformula a doutrina da Igreja Católica, mas apenas explicita, no contexto actual os riscos ambientais iminentes e graves, o comportamento preconizado pela Igreja para a relação do homem com a natureza” (NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. A consciência do mundo. In: NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Ética aplicada: ambiente, 2017, p. 11-30).
  • 28
    Título do documento: TRANSFORMANDO NOSSO MUNDO: A AGENDA 2030 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Trata-se de uma proposta de ação da Organização das Nações Unidas, lançada em 2015, quando terminou o período da Agenda do Milênio. Está em vigência de 2016 a 2030, que entrou em vigor em 2016 e terminará em 2030. Em seu preâmbulo, lê-se: “Esta Agenda é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade. Também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Todos os países e todos os grupos interessados, atuando em parceria colaborativa, implementarão este plano”. Disponível em: F:/Agenda%20global%202030%20-%20Fev.%202024.pdf. Acesso em: 13 fev 2024.
  • 29
    Deve-se mencionar que a questão se remete também ao conceito de cidadania de A. Cortina.
  • 30
  • 31
    Uma visão contextualizada na realidade brasileira, ainda atual, encontra-se em: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez. 2008.
  • 32
    Sobre a relação entre crise ecológica e ética, entre outros textos, pode-se ver: NODARI, P. César. A crise ecológica e a ética planetária à luz das perspectivas filosófica e teológica. Conjectura, v. 12, n. 2, p. 61-80, jul./dez. 2007.
  • 33
    Cada pessoa, na concepção tomista assumida por Maritain (1962, p. 61)16 MARITAIN, Jacques. A pessoa e o bem comum. Lisboa: Morais,1962., é um todo, devendo ser sempre vista e tratada em sua singularidade e integralidade: ‘Dizer que a sociedade é um todo composto de pessoas é dizer, portanto, que a sociedade é um composto de todos”. O fato de cada pessoa ser um todo implica uma ética para a própria pessoa e o corpo social que ela integra (p. 62-63): “se a pessoa exige de si “fazer parte” da sociedade, ou ser “membro da sociedade”, isso de maneira nenhuma significa que ela exija ser na sociedade como uma parte e ser tratada na sociedade como uma parte, ao contrário – é um desejo da pessoa enquanto pessoa – ser tratada na sociedade como um todo”.
  • 34
    Na mensagem de lançamento do Pacto Educativo Global (12.09.2019), o Papa Francisco ressaltou: “Convido-vos a promover em conjunto e ativar, através dum pacto educativo comum, as dinâmicas que conferem um sentido à história e a transformam de maneira positiva. Juntamente convosco, dirijo idêntico apelo a personalidades públicas que ocupem, a nível mundial, lugares de responsabilidade e tenham a peito o futuro das novas gerações”. No Brasil, a Igreja recebeu esse pacto através da publicação A Igreja do Brasil, com o Papa Francisco no Pacto Educativo Global: orientações gerais. Brasília: CNBB, s.d.
  • 35
    Na obra Ética, A. Cortina e E. Martínez (2005, p. 169)5 CORTINA ORTS, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.. incluíram o verbete Ética ecológica. Segundo a autora e o autor, em que pese divergências entre os especialistas em ética ecológica, os especialistas reconhecem em comum, no entanto, as “causas últimas” que provocaram o atual desastre ecológico: “a falta de solidariedade que lançou grande parte da população mundial na miséria econômica e cultural”.
  • 36
    No entanto, segundo A. Touraine (1996, p. 95)29 TOURAINE, Alan. O que a democracia? Petrópolis: Vozes, 1996., deve-se estar vigilante para evitar que a consciência da filiação a uma comunidade (nação) não leve ao “nacionalismo”, como se verificou na democracia moderna, pois esta foi “ameaçada e, muitas vezes, destruída pelo nacionalismo”. Observa ainda, o autor francês (p. 97), que não há democracia branca ou negra, cristã ou islâmica, pois “toda democracia coloca acima das categorias naturais da vida social a liberdade de escolha política. É o sentido último da própria definição de democracia: a livre escolha dos governantes pelo governados”.
  • 37
    CORTINA, A.; MARTINEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. Nessa obra (p. 9), fazem esta diferenciação: “... a Ética é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos. A moral também é um saber que oferece orientações para a ação, mas enquanto ela propõe ações concretas em casos concretos, a Ética – coo filosofia moral – remonta á reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes maneiras de justificar racionalmente a vida moral, de modo que sua maneira de orientar a ação é indireta: no máximo, pode indicar qual concepção moral é mais razoável para que, a partir dela, possamos orientar nossos comportamentos”.
  • 38
    A propósito do tema pessoa e sua relação com a sociedade, Maritain (1962, p. 107)16 MARITAIN, Jacques. A pessoa e o bem comum. Lisboa: Morais,1962. diz que “há uma obra comum a realizar pelo todo do bem social como tal, por aquele todo de que as pessoas são partes”, e que não é ‘neutro’, que está comprometido, sustentado por uma vocação temporal; e assim as pessoas estão subordinadas a esta obra comum”. O bem comum é essencial para pessoas tanto na ordem política, temporal, mas também na ordem mais profunda da pessoa, ou seja (p. 107): “a sua vocação supratemporal, com os bens ligados a esta vocação, é um fim transcendente a que a própria sociedade e a sua obra comum estão indiretamente subordinadas”.
  • 39
    Iris M. Young (apud AGRA ROMERO, 200325 ROMERO, M. A. José. Cidadania e Igualdade: capacidades e necessidades. Revista Portuguesa de Filosofia, v. 59, n. 1, p. 47-68, jan./mar. 2003., p. 59-60) oferece uma definição de justiça social: “como a distribuição moralmente correcta de benefícios e cargas sociais entre os membros de uma sociedade. Os mais importantes destes benefícios são a riqueza, o ingresso e outros recursos materiais. A definição distributiva da justiça amiúde inclui, porém, bens sociais não materiais tais como direitos, oportunidades, poder e autoestima. O que marca o paradigma distributivo é uma tendência para combater a justiça social e a distribuição como conceitos coextensivos”.
  • 40
    FRANCISO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos Juízes do Continente Americano reunidos em Congresso no Vaticano (04.03.2019). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html. Acesso em: 15 fev 2024.
  • 41
    FRANCISO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos Juízes do Continente Americano reunidos em Congresso no Vaticano (04.03.2019). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html. Acesso em: 15 fev 2024.

Referências

  • 1
    BRIGHENTI, A. A Laudato si´ no pensamento social da Igreja: da ecologia ambiental à ecologia integral. São Paulo: Paulinas, 2018.
  • 2
    CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.
  • 3
    CORTINA ORTS, A. Ética civil e religião São Paulo: Paulinas, 1996.
  • 4
    CORTINA ORTS, A. Ciudadanos del mundo: hacia una teoría de la ciudadanía. Madrid: Alianza Editorial, 2001. Trad. brasileira: Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005.
  • 5
    CORTINA ORTS, A.; MARTINEZ, E. Ética São Paulo: Loyola, 2005.
  • 6
    CORTINA ORTS, A. Ética sem moral São Paulo: Martins Fontes, 2010.
  • 7
    DEBREY, José Carlos. O conceito de cidadania e a educação. Educativa: Revista do Departamento de Educação da Universidade Católica de Goiás, v. 5, n. 1, p. 29-46, jan/jun 2002. [p. 36-39].
  • 8
    FAGGIOLI, Massimo. Catholicism and Citizenship: Political Cultures of the Church in the Twenty-First Century. Minnesota: Liturgical Press, 2017.
  • 9
    FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Laudato si´ do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Loyola, 2015.
  • 10
    FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Fratelli tutti sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Loyola, 2020.
  • 11
    FRANCISO, Papa. Discurso do Papa Francisco aos Juízes do Continente Americano reunidos em Congresso no Vaticano Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html Acesso: 15.02.2024.
    » https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/june/documents/papa-francesco_20190604_giudici-panamericani.html
  • 12
    GRABOIS, Juan. Las 3 “T”: un programa para el desarrollo humano integral. In: SCANNONE, Juan Carlos et al. Laudado si’: lecturas desde América Latina: desarrollo, exclusión social y ecología integral. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Circus, 2017, p. 119-130.
  • 13
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  • 14
    JUNGES, J. Roque. Ética ambiental São Leopoldo: UNISINOS, 2004.
  • 15
    JONAS, Hans. El principio de responsabilidad: ensayo de una ética para a civilización tecnológica. Barcelona: Herder, 2004.
  • 16
    MARITAIN, Jacques. A pessoa e o bem comum Lisboa: Morais,1962.
  • 17
    MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de vida: as lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021.
  • 18
    MURAD, A.; REIS, Émilien Vilas Boas; ROCHA, Marcelo Antônio (orgs.). Ecologia e democracia: múltiplos olhares. São Paulo: Paulinas, 2022.
  • 19
    MURAD, A.; TAVARES, Sinivaldo, S. Cuidar da casa comum: chaves de leituras teológicas e pastorais da Laudato Si´: São Paulo: Paulinas, 2016.
  • 20
    NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. A consciência do mundo. In: NEVES, Maria do Céu Patrão; SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Ética aplicada: ambiente, 2017, p. 11-30).
  • 21
    NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
  • 22
    NUSSBAUM, Martha C. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
  • 23
    OLIVEIRA, M. Araújo de. Cristianismo e construção da cidadania. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP, v. 7, n. 7, p. 9-36, dez./2008. [p. 32-33].
  • 24
    OLIVEIRA, M. Araújo de. Desafios éticos da globalização São Paulo: Paulinas, 2001.
  • 25
    ROMERO, M. A. José. Cidadania e Igualdade: capacidades e necessidades. Revista Portuguesa de Filosofia, v. 59, n. 1, p. 47-68, jan./mar. 2003.
  • 26
    SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo: Boitempo, 2021.
  • 27
    SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos São Paulo: Cortez, 2013.
  • 28
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2023
  • Aceito
    26 Mar 2024
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