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FILOSOFIA NA TEOLOGIA DE JOÃO BATISTA LIBANIO

Philosophy in the Theology of João Batista Libanio

RESUMO

A reviravolta civilizacional da modernidade, que ainda nos marca, levanta um enorme desafio à fé cristã. Partindo da tese de que há sempre uma filosofia presente na teologia, Libanio enfrentou esta questão tanto em relação à sua formulação primeira na modernidade europeia, também presente entre nós, quanto à situação específica da América Latina, confrontando-se com a metafísica clássica, usualmente utilizada na teologia, e assumindo a filosofia da subjetividade e a filosofia da libertação. A mudança do cenário filosófico contemporâneo levanta novas questões fundamentais à teologia.

PALAVRAS-CHAVE
Fé; Revelação; Filosofia da Subjetividade; Filosofia da Libertação

ABSTRACT

The civilizational turn of modernity, which still marks us, raises an enormous challenge to the Christians faith. Starting from the thesis that there is always a philosophy present in theology, Libanio faced this issue both in relation to his first formulation in European modernity, also present among us, and the specific situation in Latin America, confronting the classical metaphysics usually used in theology and assuming the philosophy of subjectivity and the philosophy of liberation. The change in the contemporary philosophical scenario raises fundamental questions for theology.

KEYWORDS
Faith; Revelation; Philosophy of Subjectivity; Philosophy of Liberation

Introdução

Hoje, de diferentes maneiras, pergunta-se no contexto da produção teológica, se se deve admitir uma vinculação estreita e fundamental entre a teologia e a filosofia como acontecera na tradição da teologia ocidental. Não seria isto uma redução do cristianismo ao mundo europeu, ocidental? Além disso, mesmo que se admita a possibilidade, não se trataria de uma tarefa inatingível pelo teólogo no cenário da filosofia contemporânea, marcado por uma pluralidade de correntes filosóficas? Por outro lado, não significaria a reviravolta civilizacional da modernidade, que ainda nos marca fortemente, um enorme desafio à fé cristã que aparentemente não encontra mais lugar neste contexto? Um dos grandes méritos do pensamento de Libanio foi não só ter levantado essa questão, mas tê-la enfrentado tanto em relação a sua formulação primeira na modernidade europeia, também presente entre nós, quanto à situação específica da América Latina.

1 A necessidade da filosofia na teologia

Libanio (2001a, p. 37ss) situa a especificidade do pensamento humano a partir de uma rápida consideração de outros entes do universo: as plantas sentem, os animais são capazes de fazer ruídos diversos, de sentir dor com sofrimento, embora não saibam que sofrem. Surge, então, o pensamento humano como algo inteiramente novo em relação a tudo mais que existe no universo: “A nova cosmologia, a astrofísica, a teoria evolucionista do cosmos e da vida situam o ser humano numa posição humilde diante da grandiosidade dos bilhões de anos de evolução. É o último hóspede dos infinitos convidados da criação” (LIBANIO, 2003a10 LIBANIO J.B., Olhando para o futuro: prospectivas teológicas e pastorais do Cristianismo na América Latina, São Paulo: Loyola, 2003a., p. 133). Este último hóspede, porém, pensa.

A princípio, o ser humano pensa espontaneamente, mas possui a capacidade de refletir criticamente pondo toda e qualquer facticidade em questão. Neste nível, “o pensamento pensa o próprio pensamento para melhor captá-lo, para distinguir a verdade do erro, para julgá-lo, para criticá-lo. Entramos no campo da reflexão” (LIBANIO, 2001a7 LIBANIO J.B., Introdução à vida intelectual, São Paulo: Loyola, 2001a., p. 39). Assim, a reflexão vai adiante na medida em que somos capazes de articular perguntas, o que implica a capacidade de superar um grande risco para o ser humano: a preguiça intelectual. Daí, a importância fundamental da consciência crítica. Nossa inteligência não tem acesso direto e imediato a qualquer dado da realidade. Aquilo que se pensa ser imediato é frequentemente articulado a partir de elementos ideológicos de que não se tem consciência reflexa. A consciência crítica opera de forma reflexa, autocontrolada. Ela se constitui enquanto a unidade de inserção e crítica (LIBANIO, 2001a7 LIBANIO J.B., Introdução à vida intelectual, São Paulo: Loyola, 2001a., p. 94).

Nossas perguntas constituem o momento de criticidade em relação à realidade. Há diferentes tipos de pergunta: perguntas superficiais, pura curiosidade; perguntas retóricas, que objetivam impressionar os outros; mas há perguntas fundamentais, onde se encontra em jogo questões decisivas para o ser o humano: a vida, o ser, os valores transcendentes. Estas perguntas só se põem quando conseguimos transcender os círculos fechados em diversas dimensões da vida humana. Então, fazemo-nos capazes de questionar nossos hábitos, as evidências que nos aparecem como inquestionáveis, nossas tradições. A reflexão abala tudo isso, o que nos mostra que o ser humano é aberto à verdade, está em busca da verdade. O problema grave de nossa epocalidade pós-moderna é que se coloca o presente e a novidade como critérios do válido e da verdade. “Cultivam-se, assim, muito mais a emoção, o sensacionalismo. A temporalidade breve do presente” (LIBANIO, 2001a7 LIBANIO J.B., Introdução à vida intelectual, São Paulo: Loyola, 2001a., p. 43).

Outra questão fundamental de nossos dias é a superespecialização que nos leva a perder a noção do todo, provocando distorções perigosas que nos tornam incapazes de situar os problemas em seus contextos, em última instância, no contexto global. Assim, “saber pensar é um ir e vir do todo para as partes, das partes para o todo... O pensamento se torna cada vez mais complexo no sentido mais lídimo da etimologia” (LIBANIO, 2001a7 LIBANIO J.B., Introdução à vida intelectual, São Paulo: Loyola, 2001a., p. 40).

Libanio trata a filosofia, a literatura e as humanidades como as ciências que nos ensinam por excelência a pensar. O pensamento contemporâneo foca demasiadamente na análise sem unir. Trata-se de um saber particularizado tanto em seu campo de trabalho quanto da ótica de sua consideração. As ciências, portanto, buscam conceituar, nos diferentes campos por elas considerados, justamente as estruturas particulares ou específicas de cada campo sem consideração da universalidade. É, sem dúvida, uma abordagem legítima do real, mas é um saber estruturalmente setorializado, o que significa dizer que as ciências são caracterizadas pela especialização. É preciso, para Libanio, insistir num pensar inclusivo, na percepção da implicação mútua entre as ideias (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 28ss).

É o que faz a filosofia, pois, ela ensina a distinguir e a unir, a contextualizar e a conectar sem perder as singularidades. Esta situação mostra formas diferentes de estruturação do saber humano que não necessariamente são incompatíveis entre si. Numa palavra, a filosofia articula uma visão holística da realidade onde tudo tem a ver com a totalidade do real, com sua unidade que integra as particularidades o que ele expressa como unidade de análise e síntese: “Na análise, um não é o outro. Na síntese, um é o outro, embora sob perspectivas diferentes” (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 29). No sentido de E. Morin, tudo pode ser concebido como sistema, ou seja, como associação combinatória de elementos diferentes (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 33).

“Hoje em dia há várias ciências que nos têm obrigado a esse pensamento relacional. Pode-se falar de um ‘novo espírito científico’ ou de uma ‘segunda revolução científica do século XX’, que leva a ligar, a contextualizar, a globalizar os conhecimentos” (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 33). A ideia básica, que está em processo de consolidação nessas ciências, é que o universo é constituído de muitos membros que se conectam entre si como uma grande teia de relações. Como exemplo destas novas ciências ele cita a Cosmologia, as Ciências da Terra e a Ecologia, embora nem sempre distingam com clareza o que especifica o tratamento científico da relacionalidade em sua diferença da consideração propriamente filosófica. Por isto faz-se necessário ter consciência clara da diferença do status teórico das respectivas sentenças das duas formas de teoria, o das ciências e o da filosofia, o que não foi explicitado aqui.

Portanto, o grande desafio que nos marca hoje é, por um lado, evitar uma sistematização apressada e acabada, por outro, reduzir o pensamento a um mero aglomerado de unidades isoladas. Pensar, então, implica a preocupação de não acumular simplesmente conhecimentos soltos, mas inseri-los em contextos cada vez maiores, num complexo que é “um conjunto tecido pelos elos da relação” (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 41).

Como se situa, neste contexto, para Libanio, a questão do status teórico da teologia e sua relação com as ciências e a filosofia? A filosofia, segundo o autor, parte dos fenômenos concretos da experiência cotidiana até chegar a articular uma teoria compreensiva do universo, do sentido fundamental de tudo. Assim, ela é aquele tipo de conhecimento, cujo propósito específico é a apreensão conceitual da própria totalidade do ser, portanto, seu saber possui um caráter integrativo. De forma análoga, também a teologia se situa no nível do pensamento integrativo e, assim, continua, a partir de um outro horizonte — o horizonte das ações livres de Deus na história, ou seja, da história que Deus inicia com a humanidade, história em que Deus se revela em sua autocomunicação. Essa é a mesma tarefa da filosofia: articular uma compreensão da realidade enquanto totalidade.

As teologias são um discurso humano, portanto, uma atividade em que o que está em jogo é a articulação teórica da inteligibilidade que foi fundamental para a teologia desde suas pri­meiras expressões na história do Ocidente. Isso diz respeito ao próprio conteúdo da fé enquanto acolhimento da autocomunicação de Deus à humanidade como evento salvador. Por essa razão, não está em jogo aqui, apesar de elementos comuns, o discurso próprio das ciências ou o da filosofia, embora, no contexto global do saber humano, tenha de ser considerado complementar a esses discursos (LIBANIO; MURAD, 19966 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia. São Paulo: Loyola, 1996,, p. 76-89). Enquanto tal, ou seja, enquanto ela se configura como um discurso sobre a totalidade do real, ela pressupõe o discurso da totalidade que a precede, o discurso da filosofia. Com que quadro teórico filosófico trabalha Libanio?

2 O quadro teórico filosófico do pensamento teológico de Libanio: o tomismo transcendental na versão de K. Rahner

2.1 Apresentação de sua versão da metafísica clássica e seus limites

A concepção de Libanio da Teologia da Revelação, entendida enquanto apologética tradicional, é um caminho muito profícuo para esclarecer o tipo de filosofia com que ele trabalha em sua teologia. É importante lembrar aqui que Libanio faz uma distinção clara entre religião e fé: “A fé pede teologia. A religião pede o estudo de seu fenômeno. A fé vincula-se mais com a inteligência, com a razão, com a verdade. A religião com os sentimentos, a emoção, o gozo” (LIBANIO, 2003b11 LIBANIO J.B., Crer no mundo de muitas crenças e pouca libertação, São Paulo: Paulinas/Valência: ESP: Siquem, 2003b., p. 52).

Neste horizonte, um acontecimento histórico foi de importância fundamental: o encontro do cristianismo com a cultura mediterrânea helenística, ou seja, o encontro entre a mensagem bíblica cristã e o pensamento filosófico grego. Toda a história do cristianismo foi marcada de modo decisivo por este encontro: “Nela reinava a busca da sabedoria... Além de tudo pairava o Uno, para o qual se subia desde o mundo sensível. Daí o cristianismo viver permanentemente a tensão do polo herdado de seu berço de historicidade e sua essencialização helenística” (LIBANIO, 2003ª10 LIBANIO J.B., Olhando para o futuro: prospectivas teológicas e pastorais do Cristianismo na América Latina, São Paulo: Loyola, 2003a., p. 6). Há neste encontro com o processo civilizatório do Ocidente, independentemente de seus limites, algo fundamental para a vida humana: a busca da verdade. “A caminhada do pensar no Ocidente é uma busca da verdade. Essa experiência primigênia constitui-nos como seres humanos.... A nossa inteligência está orientada para a verdade. Nela descansa e se satisfaz” (LIBANIO, 2001b8 LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b, p. 96). Numa palavra, pode-se aqui falar de uma “civilização da razão” como sua característica fundamental: “O logos, como razão demonstrativa ou ciência, faz sua entrada gloriosa, modificando a relação com o mito, ao assumir uma função crítica diante dele” (LIBANIO, 20029 LIBANIO, J.B., A religião no início do milênio, São Paulo: Loyola, 2002., p. 59).

Foi no horizonte da cultura helenística que se articulou a apologética tradicional, cujo objetivo central era demonstrar a credibilidade do dogma católico compreendida, assim, como autojustificação da fé para quem crê na medida em que explicita sua inteligibilidade imanente. Trata-se, então, de mostrar a racionalidade do fato da revelação, o que exige um método estritamente racional que em nada precise apelar para a fé.

Esse método possui um pressuposto teórico fundamental:

[...] essa teologia trabalha dentro de um horizonte cultural filosófico bem definido. Situa-se no interior da metafísica clássica. A pergunta básica que persegue a inteligência é a respeito do ser, como fundamento último de tudo. O ser é entendido na perspectiva aristotélico-tomista como inteligível, uno, bom e verdadeiro. Existe o Ser último, absoluto, que é fundamento de tudo

(LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 89).

O primeiro passo metodológico consiste em determinar com clareza o conceito de revelação, pressupondo-se, aqui, o que já foi demostrado na filosofia e que constitui seu ponto de partida: “Este Deus como ato puro, motor imóvel, ser de si por si mesmo, inteligência subsistente se manifestou pela criação, ‘a revelação natural’” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 89). A revelação sobrenatural é uma fala de Deus que comunica uma verdade por um outro caminho além da criação. Mas se impõe aqui uma questão fundamental sem a qual todo o procedimento perderia seu sentido: é possível para o homem uma revelação? A resposta é dada através da consideração de três realidades: Deus, o homem e o conteúdo revelado. Deus pode revelar-se ao homem porque é um ser infinito em poder, em sabedoria e em bondade. O homem na filosofia é entendido como um ser dotado de uma inteligência aberta a todo o ser, portanto, capaz de apreender tudo, consequentemente, um conteúdo revelado se Deus lhe quiser revelar algo que ele não pode atingir a partir das forças de sua inteligência.

Libanio afirma que isto constituiu uma postura básica na longa tradição da teologia e dá como exemplo a posição de Tomás de Aquino que defendeu claramente a harmonia entre razão e fé. A fé pertence ao mundo da graça, mas cremos, cegamente, de forma irracional? De nenhuma forma. Segundo Libanio, Tomás não entende a fé como um ato irracional, emocional, e é fácil compreender porque:

É o mesmo Deus que se revela e que cria a nossa razão. Ao criar nossa razão, Deus deixa nela a sua marca: a abertura para ele. Quando vem com sua Revelação e graça, ele aperfeiçoa essa razão para ela nele se apoiar, nele crer. Bela harmonia! Tinha-se a convicção de que não reinava entre ambas — razão e Revelação — nenhuma contradição insuperável

(LIBANIO, 2003b11 LIBANIO J.B., Crer no mundo de muitas crenças e pouca libertação, São Paulo: Paulinas/Valência: ESP: Siquem, 2003b., p. 63-64).

A partir deste quadro básico, a apologética tradicional vai efetivar em vários passos seu objetivo. Libanio, em primeiro lugar, faz uma crítica radical a esta postura da apologética tradicional. Seu ponto de partida é o próprio conceito de revelação aqui em jogo, um conceito a priori, abstrato de revelação vinculado a uma concepção de ser humano enquanto uma essência abstrata, desligada de sua situação existencial, uma razão pura em desconhecimento completo da psicologia profunda, das filosofias existencialistas, personalistas e vitalistas que entendem o homem com um ser em situação, histórico, ser carente, construtor de si mesmo no espaço e no tempo.

Em segundo lugar, cita um ponto central do pensamento de K. Rahner: “Não há afirmação sobre Deus que não implique afirmação sobre o homem” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 48). Tira, porém, aqui, uma consequência não no horizonte transcendental, mas hermenêutico: a teologia não se pode contentar com uma leitura puramente objetiva dos enunciados teológicos, mas tem que interpretar seu sentido para a situação histórica em que está situada.

Em terceiro lugar, sua pretensão à universalidade é ilusória, porque seu projeto foi construído num contexto sócio-histórico que não é mais o contexto de hoje, o qual é de um forte pluralismo cultural. As grandes transformações, pelas quais passou o mundo, esvaziaram o quadro cultural em que essa apologética se articulou.

2.2 Os desafios filosóficos da modernidade

Este novo contexto sócio-histórico é o que se denomina “modernidade”. O conceito encontrou muitas interpretações, e, por esta razão, antes de mais nada, Libanio esclarece em que sentido ele entende o que muitos chamam de modernidade. Com J. Baudrillard, ele afirma: “A modernidade não é propriamente um conceito sociológico, nem político, nem histórico, mas um modo de civilização característica, homogênea, una, que se irradia desde o Ocidente” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 113). Ela é, assim, uma cultura, um estado de espírito, um horizonte que afeta todos os domínios da vida: costumes, ideias, valores, moral, Estado, sociedade, religião etc.

Para Libanio, a preferência na escolha dos elementos característicos da modernidade vai depender do ângulo em que a gente se situa. Ele mesmo apresenta diferentes características, mas vamos nos limitar, à questão da modernidade filosófica, uma vez que está diretamente vinculada ao problema aqui em jogo: o tipo de filosofia presente em sua teologia.

Neste contexto, a modernidade se entende, em primeiro lugar, como o triunfo da razão que se exprime em diversas dimensões. Filosoficamente, isto significa autonomia da razão. Autonomia significa lei para si mesma, ou seja, a razão humana “já não aceita, sobretudo a partir da modernidade, uma instância superior que lhe seja exterior a ela. Declara uma absoluta independência diante da Transcendência divina” (LIBANIO, 2003b11 LIBANIO J.B., Crer no mundo de muitas crenças e pouca libertação, São Paulo: Paulinas/Valência: ESP: Siquem, 2003b., p. 64). “[...] O espírito moderno resiste a aceitar uma verdade fundada numa autoridade formal ou numa tradição, a saber em qualquer instância anterior a ela. Conhece a partir de si e por si mesma. É universal por ser atributo de todos os seres humanos” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 117). Muitas vezes tal posição gera a ideia de que a fé é ininteligível e, portanto, inacessível, diz respeito ao nosso lado emocional, puramente subjetivo, simplesmente fruto de uma escolha estritamente pessoal, situada da pura interioridade das pessoas, isenta de qualquer racionalidade. A fé se transforma, então, numa questão de interesse puramente pessoal sem que possa dizer qualquer coisa aos seres humanos da civilização moderna.

Esta nova concepção de razão implica na instituição de uma postura crítica frente a todo tipo de tradição e autoridade. Neste contexto, emergiu um novo tipo de conhecimento, a ciência moderna que se funda num conhecimento empírico do real e na verificação de hipóteses a respeito de seu comportamento. É um conhecimento interpretado como totalmente isento de metafísica no sentido de independência de um ajuste à experiência empírica. Aqui, não há mistérios, mas problemas solúveis através da experiência: “Real é, em última análise, aquilo que se pode construir, testar, experimentar.... Inverte a dinâmica da revelação, ao afirmar que a verdade funda a autoridade e não vice-versa” (LIBANIO, 2003b11 LIBANIO J.B., Crer no mundo de muitas crenças e pouca libertação, São Paulo: Paulinas/Valência: ESP: Siquem, 2003b., p. 69).

Numa palavra, para Libanio, “a modernidade apresenta a ciência como único sistema de representação criticamente fundado” (LIBANIO, 20029 LIBANIO, J.B., A religião no início do milênio, São Paulo: Loyola, 2002., p. 128). Desse modo, ela invalida os universos simbólicos tradicionais, destrói sua imagem do mundo, dificultando fortemente o acesso do homem à religião, à revelação. Instala-se o império das ciências exatas de tal modo que toda a visão da realidade do homem moderno é marcada pela objetividade das ciências empíricas. É este tipo de conhecimento que posteriormente foi denominado de “razão instrumental”, para a visão hegemônica, o único tipo de razão. As ciências são as únicas capazes de oferecer uma cosmovisão rigorosa, exata. A metafísica e a religião pertencem à esfera da poesia, do mito.

A partir desta nova postura, originou-se o predomínio da assim chamada “razão positiva” sobre a religião, a revelação, a metafísica, que, aparecem, agora, como produtos da infância da cultura humana. A razão adulta confia em si mesma, não necessita mais destes produtos infantis. “No fundo a filosofia nega à religião a racionalidade, remetendo-a para o mundo do irracional, do infantil, do sentimento, do mito, da intuição, do coração, do gosto” (LIBANIO, 20029 LIBANIO, J.B., A religião no início do milênio, São Paulo: Loyola, 2002., p. 129). Isso vai provocar uma profunda reviravolta na própria filosofia que, desde a escolástica tardia1 1 Os dois representantes mais importantes desta escolástica foram Duns Scotus e Francisco Suárez. , se foi revisando até encontrar no pensamento de Kant a articulação radical de uma postura de pensamento profundamente diferente da metafísica clássica, que marcou a história ocidental desde os gregos.

Kant parte da nova concepção de razão enquanto autônoma (OLIVEIRA17 OLIVEIRA M. A. de, Filosofia: lógica e metafísica. In: Imaguire G/ Almeida C.L.S de/ Oliveira M. A. de, (orgs). Metafísica Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2007, 161-190., p. 161-190). Num texto que ele intitulou “Resposta à pergunta: que é esclarecimento”, Kant entende o esclarecimento como a saída do homem de sua menoridade da qual ele próprio é culpado. Menoridade significa a incapacidade de fazer uso de seu próprio entendimento que se radica na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem direção de outrem. Para isto, nada mais se exige do que liberdade. Um pensamento autônomo não vai, contudo, significar para ele a redução do conhecimento às ciências.

Sua tese básica, a partir dos questionamentos feitos por Hume à metafísica da tradição, é que a metafísica moderna, que o precedeu, conservou o pressuposto fundamental do pensamento clássico, ou seja, a unidade entre pensar e ser que torna possível um discurso racional sobre o real. Deste modo, para esta metafísica, a consideração de relações conceituais já é consideração de relações ontológicas, já que existe uma congruência básica entre conceito e realidade. Kant parte, assim, da aceitação do questionamento destes pressupostos e, ao mesmo tempo, aceitou a proposta de Hume na busca de uma resposta à questão da relação entre conceito e realidade. Trata-se de pôr em primeiro lugar na filosofia um questionamento epistemológico: que podemos conhecer? Quais são as condições de possibilidade e validade de nosso conhecimento? Isto vai conduzir à ideia de que conhecimento não é uma visão, mas uma produção, fruto da espontaneidade criadora do ser humano.

Precisamente aqui se situa a grande reviravolta do pensamento moderno: passa-se de uma teoria do ente, a dimensão básica da filosofia para a tradição, para uma teoria do conhecimento, de uma ontologia para uma epistemologia enquanto a nova “filosofia primeira” na linguagem de Aristóteles e que tem como tarefa básica demonstrar o que o ser humano pode atingir a partir do quadro categorial (Kant denomina os conceitos de categorias) de que ele dispõe. Portanto, a questão básica da filosofia não é mais “que é o ente enquanto ente”, mas “o que se pode conhecer legitimamente”.

Daí a nova tarefa: demonstrar um quadro categorial (quadro conceitual) capaz de interpretar nossa experiência, ou seja, capaz de estruturar conceitualmente os dados de nossa percepção, o material fornecido pela intuição sensível, portanto, uma consideração do aparato cognitivo de que dispõe o ser humano. Nisto se põe a diferença fundamental entre as ciências e a filosofia: as ciências empíricas têm como objetivo descrever e explicar os fenômenos, a filosofia, por sua vez, tem como tarefa legitimar nossos conhecimentos empíricos. Ela possui agora uma nova configuração: a filosofia se constitui fundamentalmente como uma reflexão epistemológica e enquanto tal ela é uma teoria das estruturas do sujeito enquanto possibilitadoras do conhecimento objetivamente válido dos fenômenos.

Fenômeno é o que me é dado através da intuição sensível, que se distingue radicalmente da “coisa em si”, que me é inalcançável, pois é o que está além da intuição sensível (KrV B 306ss.), mas, devo, contudo, postular em virtude de que recebo afecções em minha sensibilidade. Assim, “[...] em última análise, para Kant, o fenômeno não desvela, mas encobre o em si [...]” (PUNTEL, 201119 PUNTEL L. B., Ser e Deus. Um enfoque sistemático em confronto com M. Heidegger, É. Lévinas e J.-L. Marion, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011, 110., p. 110). Numa palavra, o conhecimento humano é, então, a aplicação dos conceitos puros a priori ao material trazido pelos sentidos. Kant percebeu, claramente, que isso implica uma consequência fundamental: as “coisas em si mesmas” permanecem inacessíveis a nós. Jamais poderemos ultrapassar a esfera da experiência possível. Assim, “mundo” é o que é constituído pela subjetividade transcendental, portanto, é a totalidade dos fenômenos, o polo oposto da subjetividade transcendental, o que significa dizer que há um abismo intransponível entre o sujeito e a realidade, entre a subjetividade e o âmbito das coisas-em-si. A metafísica é impossível por pretender articular a coisa-em-si.

A filosofia sempre foi para Kant um conhecimento que implicava “transcendência”. No caso da metafísica clássica, transcendia-se dos fenômenos para seu fundamento. Kant muda radicalmente a direção do movimento de transcendência: transcende-se agora de um objeto qualquer para sua objetividade, ou seja, para as condições de possibilidade e validade de seu conhecimento no sujeito. A filosofia não é um conhecimento científico no sentido das ciências modernas, mas um conhecimento das condições de possibilidade e validade de seu conhecimento considerando o sujeito deste conhecimento. A partir de então, o pensamento filosófico tem como característica fundamental a “centralidade da subjetividade” na filosofia.

“Kant chama transcendental a análise que procura detectar os elementos aprióricos do conhecimento humano, que não são objetos ao lado dos objetos tratados pelas diversas ciências, mas elementos constitutivos de todo e qualquer objeto, pois toda pergunta pelo objeto pressupõe a pergunta pela possibilidade, no sujeito, do conhecimento do objeto. Não ter levantado esta pergunta, pois todo objeto é objeto para um sujeito, constitui o dogmatismo da Filosofia tradicional” (OLIVEIRA, 198915 OLIVEIRA. M. A. de, Kant, Hegel e Marx, in: Filosofia na crise da modernidade, São Paulo: Loyola, 1989., p. 9). Nisto consiste a “reviravolta copernicana”, como diz Kant, da filosofia: ela não é mais conhecimento de objetos, como o das ciências, mas conhecimento da “mediação subjetiva” através da qual o ser humano conhece os fenômenos do mundo, ou seja, da possibilitação da experiência dos fenômenos. Numa palavra, a metafísica tradicional se revela como dogmática por não ter explicitado a mediação consciencial do conhecimento humano, ou seja, era-lhe desconhecida a dimensão da autocrítica o que a conduziu a tentar atingir campos inacessíveis ao conhecimento finito do ser humano.

O elemento decisivo desta nova forma de entender a filosofia consiste, então, em ter posto a subjetividade, por isso mesmo denominada transcendental, como “elemento que determina tudo” o que o ser humano conhece. Filosofia é, em sentido estrito, “filosofia da subjetividade”, não enquanto subjetividade empírica que é um objeto a ser conhecido pelas ciências, mas enquanto “transcendental”, ou seja, enquanto ponto de referência que determina todo e qualquer conhecimento de objetos. Assim, o esquema mental “sujeito-objeto” é a base de todo o pensamento de Kant. É o que Kant exprime com toda clareza em sua famosa afirmação: “O eu penso tem poder de acompanhar todas as minhas representações (KrV B 131). L. B. Puntel parafraseia esta afirmação para exprimir com clareza a centralidade da subjetividade como característica fundamental da filosofia da modernidade: “ou eu (= o sujeito) deve ser anteposto a todos os meus enunciados como operador e, assim, deve poder determinar todos eles” (PUNTEL, 202320 PUNTEL L. B., Ser e nada. O tema primordial da filosofia, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2023., p. 376). Desta forma, o específico do entendimento humano é precisamente a organização da experiência humana a partir das categorias do sujeito2 2 Isso constitui para E. Husserl o télos de todo o pensamento moderno (HUSSERL, 1962, 13ss). .

O resultado deste empreendimento teórico é que o ser humano possui categorias universais e necessárias, mas somente válidas objetivamente no domínio da experiência (KrV B 33: “Todo pensamento... finalmente tem que referir-se a intuições, por conseguinte entre nós à sensibilidade, pois de outro modo nenhum objeto pode ser-nos dado”). Desta forma, todo dado da experiência possui uma mediação categorial, ou seja, determinações conceituais através de que o conteúdo de nossa experiência se torna compreensível, transformado em objeto para o homem (KrV B 135ss.). Este é um passo importante além da postura empirista que admite um conhecimento imediato ou intuitivo sem mediação categorial.

Para Kant, nossos conceitos aparecem desta forma como formas de unificação dos dados da sensibilidade e, enquanto tais, relacionados às intuições sensíveis, o que implica dizer que eles só possuem validade objetiva quando aplicados a estas intuições. Qualquer tentativa de apreensão da validade objetiva para além da esfera sensível se mostra ilusória, o que se significa a rejeição de toda metafísica no sentido articulado pela tradição ocidental, consequentemente, para Libanio, a rejeição ao tipo de filosofia que ainda hoje é utilizada na teologia3 3 O Pe. Libanio cita um texto de Lima Vaz a que ele se refere em vários de seus livros como iluminador desta problemática levantada pela modernidade: LIMA VAZ H. Cl. De. Metafísica e fé cristã: uma leitura da Fides et Ratio, in: Síntese 26(1999). .

Libanio não desenvolve expressamente o que significou aqui o passo fundamental que a filosofia moderna deu a partir de Kant e a elaboração do tipo de teoria filosófica que é a filosofia transcendental no pensamento kantiano, pois, suas análises, em primeiro lugar, vão dirigir-se ao caráter técnico-científico da nova civilização. Contudo, referindo-se a escritos de Lima Vaz, encontra a característica básica deste tipo de filosofia: “A modernidade estabelece o ser humano como seu princípio fundamental. Princípio imanente que se faz absoluto” (LIBANIO, 20029 LIBANIO, J.B., A religião no início do milênio, São Paulo: Loyola, 2002., p. 133). De qualquer modo, como diz Libanio, a fé sentiu primeiro que tinha de enfrentar o problema da razão moderna.

2.3 A razão moderna e o encontro com a filosofia transcendental através do Tomismo Transcendental

Libanio vai confrontar-se com o pensamento moderno partindo da Revelação aceita e acolhida na fé que agora é tematizada levando em consideração o homem moderno. Como entender a ação livre de Deus de se autorrevelar a partir da situação do homem moderno? Pode-se mostrar que ela vem responder a algo profundo do homem? Esta forma de perguntar, para Libanio, já acontece dentro do horizonte de pergunta do homem moderno, porque nos leva a explicitar o tipo de reflexão filosófica característica da modernidade, a reflexão transcendental, já que “no fundo ela quer responder à pergunta pelas condições de possibilidade existentes no ser humano que o fazem aberto, ouvinte de uma possível palavra reveladora de Deus” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 172).

A teologia se articula com mediações de outras ciências, sobretudo da filosofia. Há uma relação intrínseca profunda entre teologia e filosofia: “Justifica-se fazer filosofia, porque o cristão é alguém que procura inteligência sobre sua autorrealização humana, busca um sentido para seu existir” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 173). Assim, uma autocompreensão do ser humano enquanto tal é condição de possibilidade de ele poder pensar-se como interpelado pela revelação divina. A revelação ocorre no horizonte de compreensão do ser humano, subordinada, portanto, às estruturas aprióricas de seu conhecimento. Numa palavra, não pode haver teologia sem filosofia. Isto tem como implicação que, modificando-se a antropologia filosófica, a teologia tem que modificar-se também.

Isto vai significar uma “virada antropocêntrica” na teologia uma vez que o método transcendental se situa no horizonte da virada antropocêntrica da filosofia moderna, uma nova maneira de entender a configuração teórica da filosofia enquanto tal, cujo específico consiste na tematização dos elementos a priori do conhecimento de ação do ser humano: “Transcendental é a condição a priori da vida do espírito, o que torna possível um objeto qualquer de pensamento, de querer, de amar” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 175). Para a teologia, isto significa procurar no sujeito teológico as condições de possibilidade do conhecimento do objeto teológico, não esquecendo que, para Libanio, o aspecto antropocêntrico não nega o caráter teocêntrico da teologia no que diz respeito a seu conteúdo, embora reconheça que há inegavelmente nesta ótica o risco de esvaziar a gratuidade da ação reveladora de Deus. Trata-se aqui, como tarefa, articular a existência humana como um a priori transcendental da fé e a revelação cristã no papel de um a posteriori histórico.

Articulando estas exigências na teologia, Libanio se vincula a um movimento filosófico de grande importância para a teologia católica no século XX, que foi exatamente o encontro da filosofia escolástica com o pensamento transcendental articulado por Kant, o qual recebeu o nome de “Tomismo Transcendental”. O pensador belga, J. Maréchal4 4 “K. Rahner consegue de maneira original e grandiosa, como símbolo máximo da teologia moderna europeia, operar a síntese dialética entre as pretensões da razão filosófica moderna e as exigências incontornáveis da Revelação divina, fundamento último da teologia” (LIBANIO, 1987, p. 91). (1878-1944), foi o primeiro a acolher o método transcendental de Kant e relacioná-lo com o pensamento de Tomás de Aquino (MUCK, 196414 MUCK O., Die transzendentale Methode in der scholastischen Philosophie der Gegenwart, Innsbruck: Verlag Felizian Rauch, 1964.; HOLZ, 19662 HOLZ H., Transzendentalphilosophie und Metaphysik. Studie über Tendenzen in der heutigen philosophischen Grundlagenproblematik, Mainz: Matthias-Grünewald-Verlag, 1966.) com o objetivo de, com Kant, superar Kant e fundamentar uma metafísica no sentido de Tomás de Aquino.

Maréchal insistiu que não era seu objetivo articular, de forma detalhada, uma teoria adequada sobre o conhecimento humano. O que lhe interessava, em primeiro lugar, era o que ele exprimiu como título de sua obra: “O ponto de partida da metafísica”. Este ponto de partida era a afirmação metafísica legítima do ser. Tratou-se, então, de partir da afirmação absoluta do ser, posta em qualquer juízo, na dinâmica do espírito ordenada ao Ser Absoluto, que é co-afirmada em todo e qualquer juízo, de tal modo que, sob esta condição apriórica, podemos conhecer e afirmar o ente finito no horizonte do ser. Daí porque ele definiu metafísica como a ciência humana do Absoluto.

O Tomismo transcendental ou Escolástica transcendental foi o grupo que levou adiante esta proposta de pensamento. Seus representantes mais importantes são J. B. Lotz, A. Marc, E. Coreth, J. B. F. Lonergan e K. Rahner que o articulou expressamente com a teologia. O que há de comum entre estes autores é a aceitação e a aplicação do método transcendental, fundamentalmente no sentido de Kant, entendido por eles como aquele procedimento que tem como objetivo demonstrar a especificidade de nosso conhecimento de objetos, embora cada um deles tenha seu modo próprio de entender isto. O que realmente ocorre é que a metafísica tomista do conhecimento e do ser adquire através deste procedimento uma formulação transcendental.

2.4 A constituição ontológica do ser humano enquanto “espírito-no-mundo” enquanto condição de possibilidade da revelação

Para Libanio, o cristão sabe, crê na revelação de Deus e tem várias experiências que o remetem à revelação. O que oferece inteligibilidade a tais experiências? “No fundo, ele se pergunta pela sua condição de ouvinte da palavra de Deus, pela transcendentalidade de seu espírito e pela iluminação que a revelação lhe dá” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 178). Numa palavra, ele se pergunta pela condição existencial de possibilidade destas manifestações. O que a revelação, afinal, tem a dizer ao ser humano? O objetivo aqui buscado é esclarecer a profunda coerência entre a constituição ontológica do ser humano e a revelação de Deus, o que significa dizer que “cada vez mais a antropologia se transforma na pergunta da teologia, oferecendo-lhe também as categorias para suas respostas” (LIBANIO, 19874 LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987., p. 94).

O que caracteriza ontologicamente o ser humano é sua abertura dinâmica a uma possível revelação de Deus. Numa palavra, o homem é, por sua constituição ontológica fundamental, isto é, enquanto ser espiritual, aberto a uma revelação, embora ela seja, por suas próprias forças, inacessível a ele. Essa sua abertura é, então, condição de possibilidade da revelação e da graça, portanto, ele é um ente, por sua estrutura fundamental, capaz de responder à interpelação de Deus. Como ele sabe por sua fé, que esta revelação ocorreu, então, a humanidade vive, de fato, no seio de uma revelação, mesmo aqueles seres humanos que não tendo a fé, não têm consciência reflexa dela. É isto que K. Rahner chama de “existencial sobrenatural”, que abarca toda a humanidade.

Libanio interpreta esta antropologia filosófica subjacente a esta teologia como articulada a partir da fé, ou seja, considera o ser humano na sua condição de interpelado pela autocomunicação reveladora de Deus e não se dá conta de que, com esta afirmação, está negando uma das teses fundamentais do pensamento moderno: a filosofia tem autonomia plena e não pode ser articulada a partir de algo que não seja ela mesma. Se a teologia, em sua articulação, pressupõe filosofia, esta não pode ser entendida como algo articulado a partir da fé.

Não é esta, contudo, a posição de Rahner: “A filosofia, no sentido técnico, nada mais é para Rahner, do que uma exposição e articulação, metodicamente exata, refletida e controlada, desta autocompreensão originária do ser humano, nunca plenamente explicitável na esfera do saber consciente. Teologicamente, isto implica dizer que a revelação pressupõe este conhecimento filosófico enquanto outro como sua condição de possibilidade” (OLIVEIRA, 200416 OLIVEIRA M. A. de, É necessário filosofar na teologia”. Unidade e diferença entre filosofia e teologia em Karl Rahner. Perspectiva Teológica, v. 36, n. 98, p. 15-32, jan./abr. 2004., p. 20)5 5 A nota que segue é também desta página. “Rahner tem consciência da situação existencial do teólogo no mundo de hoje em que há um pluralismo de posturas filosóficas e científicas, que constituem um desafio à teologia, com que ele tem de se confrontar, embora estas posturas não sejam adequadamente sintetizáveis nem através de si mesmas nem através da teologia e o teólogo individualmente experimente a impossibilidade de poder conhecer com seriedade todas estas propostas. Estamos assim muito longe da situação de trinta anos atrás em que a teologia católica era literalmente um sistema fechado, seguro em si mesmo, e a filosofia moderna e a teologia evangélica eram consideradas inimigos externos a combater. O cenário intelectual do mundo contemporâneo é radicalmente diferente e ameaça o sistema teológico a partir de dentro. Não existe mais uma linguagem filosófica e teológica comum que pudesse valer como pressuposto do trabalho e do diálogo teológicos. No entanto, apesar desta enorme dificuldade teórica, o teólogo não pode renunciar à sua tarefa e ela leva hoje inevitavelmente à formação de ‘muitas teologias’”, o que levanta problemas inteiramente novos ao magistério eclesiástico (RAHNER, 1967, 68ss; 1970, p. 83ss; 111ss). A respeito da problemática posta na situação contemporânea e a solução numa direção diferente (LIBANIO, 2003, p. 143-171). . “Só assim, segundo Rahner, se pode evitar o dilema em que a revelação ou cai em dependência de um conhecimento heterogêneo a ela ou simplesmente tem que ser independente de filosofia” (OLIVEIRA, 200416 OLIVEIRA M. A. de, É necessário filosofar na teologia”. Unidade e diferença entre filosofia e teologia em Karl Rahner. Perspectiva Teológica, v. 36, n. 98, p. 15-32, jan./abr. 2004., p. 20).

Um elemento acentuado por Libanio na concepção do ser humano é que ele não é uma subjetividade completa em si mesma, mas “como espírito-em-um-corpo só se faz presente a si, irradiando-se em comunhão com o mundo das pessoas e das coisas” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 181). Numa palavra, é ele mesmo que configura a si mesmo configurando o mundo. Além disto, indo além do Tomismo transcendental, Libanio afirma ser o ser humano um ser semiótico enquanto, através da linguagem, entra no mundo do sentido. Assim, o ser humano é um criador de símbolos e, através desses, relaciona-se ativamente com toda a realidade. Essa perspectiva, embora verdadeira, está, no entanto, longe de constituir uma grandeza transcendental no tomismo transcendental. A linguagem é aqui apenas um produto do homem, e não aquela dimensão que substitui a consciência enquanto condição de possibilidade e validade do conhecimento e da ação como no caso de Apel e Habermas que reconfiguram a filosofia transcendental a partir da reviravolta linguística.

O ser humano é essencialmente um ser social que vive numa história que ele cria e que o cria, e isto só é inteligível na medida em que ele vive num universo de compreensibilidade universal de sentido. Isso significa dizer que a estrutura básica da realidade é o sentido, e não o absurdo e abertura humana ao sentido é uma estrutura ontológica do ser humano. Este ente comunicativo, semiótico, criador e captador de sentido é o sujeito da revelação, ou seja, condição de possibilidade da revelação é a constituição ontológica do ser humano enquanto “espírito-no-mundo”.

Numa palavra, refletindo agora a partir da fé e com uma forma de falar que pode causar mal-entendidos semelhantes aos que foram mencionados anteriormente, Libanio afirma que “o único homem concreto que existe é ontologicamente determinado pelo ato autocomunicativo de Deus em Cristo, que o constitui um ser aberto, dinamicamente ordenado a esta relação pessoal e íntima com Deus em Cristo pelo Espírito” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 183).

2.5 A versão rahneriana do Tomismo Transcendental como a concepção filosófica assumida por Libanio: o Homem enquanto Ouvinte da palavra

O ser humano, no quotidiano da vida, não tem uma consciência reflexa de si mesmo, o que só ocorre na medida em que levanta perguntas, e ele pode, em princípio, perguntar a respeito de toda e qualquer realidade. Ou seja, quando o ser humano reflete sobre si mesmo, descobre que é um ente que necessariamente pergunta, e não só pergunta sobre isto ou aquilo, mas, em última instância, quer saber o que é tudo em sua unidade. Isso aponta para uma dimensão fundamental de sua constituição ontológica: ele é aberto a todo ser, a um Ser maior do que esses entes a respeito dos quais articula perguntas, o que significa que, na medida em que pergunta pela totalidade do ser, ele estabelece uma relação explícita com o ser que abarca todos os entes.

Esta constitui a dimensão “heideggeriana” do pensamento de Rahner, pois o ser, no sentido de Heidegger, como aquilo que tudo abarca, faz com que o específico do conhecimento filosófico seja conhecer os entes no horizonte do ser o que implica, em contraposição à metafisica ocidental, o que Heidegger denomina de “diferença ontológica”, ou seja, a diferença entre ser e ente. Qualquer pergunta filosófica só é inteligível no horizonte da pergunta originária: a pergunta pelo ser. Assim, a compreensão do ser, que é o específico do ser humano, é copresente implicitamente no conhecimento de qualquer ente.

Numa palavra, para Rahner, no conhecimento da experiência humana já está sempre “coposta” uma compreensão metafísica do ser, que, enquanto tal, torna possível a própria experiência e contém igualmente uma compreensão metafísica do ser humano e de sua relação histórica como o Absoluto. A metafísica aqui é entendida como uma reflexão transcendental, ou seja, ela é a compreensão, conceitualmente articulada, daquela pré-compreensão que o ser humano, enquanto ser humano, é (RAHNER, 196422 RAHNER K., Geist in Welt. Zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis bei Thomas von Aquin, 3a. ed., Munique: Kösel Verlag, 1964., p. 47). Portanto, o homem existe enquanto pergunta pelo ser.

Libanio resume em oitos passos (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 184-192) o pensamento de Karl Rahner seguindo aqui uma versão apresentada no livro “Ouvinte da palavra” (Hörer des Wortes. Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie) republicado e retrabalhado por seu discípulo J.-B. Metz em 1963 (ele usa a tradução espanhola de 1967) e “Curso fundamental da fé”, São Paulo: Paulinas, 1989. Acrescentarei referências à principal obra de K. Rahner a este respeito: Geist in Welt.

1 O homem é um ser que pergunta

“O cotidiano é povoado de perguntas” e isto é o fato primeiro, primordial em sua vida. Ele radicaliza aqui o caminho dos tomistas transcendentais que, a partir de Maréchal, partiam, em suas reflexões, da afirmação do ser. Mais radical ainda para Rahner é a atitude de perguntar em que é seguido depois por E. Coreth. A pergunta: “É um fato inelutável na vida humana do qual o ser humano não pode fugir, porque, em cada afirmação, em cada gesto, em cada ação... o ser humano está respondendo à pergunta sobre o ser. Perguntar pelo ser faz parte da vida do homem, porque tal pergunta está contida em toda frase que o homem pensa e fala” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 184). Ele pergunta, precisamente, porque o ser se revela ao homem como aquilo sobre o que ele não dispõe. Anteriormente ao homem já está o mundo, a realidade que possui uma estrutura independente do homem, e, para informar-se, o homem pergunta. Assim, por trás de qualquer pergunta subjaz, uma pergunta básica: qual é o sentido do ser pelo qual todo homem pergunta?

2 O homem tem uma compreensão prévia do ser

A impressão que se pode ter ao perguntar pelas inúmeras perguntas na vida humana é que ele pergunta por determinados entes. Ocorre, porém, que em cada pergunta feita há na realidade duas perguntas: “Que é (ser) isto (ser)?”, ou seja, perguntamos por um ente em questão e perguntamos pelo ser deste ente. Toda afirmação sobre um ente determinado ocorre no horizonte de um saber prévio, implícito, do ser enquanto tal. Assim, um saber implícito sobre o ser é condição de possibilidade de qualquer conhecimento sobre um ente determinado. Numa palavra, no fundo, em suas perguntas, o homem está a perguntar “por um uno, um último fundamento do real, pelo ser de todo “ente concreto”, pois, em toda pergunta concreta, o homem pergunta pelo “ser em geral”, portanto, ele possui um conhecimento prévio deste ser em geral6 6 “...metafísica enquanto 'ciência' só existe aí onde o já sempre conhecido é desenvolvido por meio de um trabalho conceitual sistemático e rigoroso através do qual o ser humano procura elevar ao nível da compreensão conceitual aquela metafísica que ele já sempre é” (OLIVEIRA, 2004, p. 25). . O homem, portanto, tem uma pré-apreensão do ser.

3 Esse ser não pode ser nem o nada, nem o absurdo, nem o totalmente incognoscível

Em última instância o homem está entre duas espécies de experiências fundamentais: umas experiências parecem portadoras de sentido e outras parecem absurdas. Se é o sentido, o ser que explica os absurdos ou os nadas da experiência, então, toda a vida tem sentido. Ou é o nada, o absurdo que explica os esporádicos sentidos da existência, então, a totalidade da vida seria um absurdo de que se segue qualquer consequência.

Continuando a reflexão, pode-se levantar a hipótese do totalmente incognoscível como fundamento do ser, então, a obscuridade total marcaria todas as nossas experiências. Assim, mostradas como inaceitáveis todas as propostas mencionadas, só resta ao ser humano aceitar que tem uma pré-apreensão do ser. O homem moderno se vê interpelado por uma nova posição: rejeitado um sentido global unitário, seria possível aceitar sentidos pequenos, provisórios, cuja única consistência é o presente. Para além do presente, tudo é uma incógnita, o que significa uma ruptura radical com a tradição ocidental do ser, luz que se manifesta e do qual os entes são manifestações. É a proclamação da morte de toda metafísica. No fundo só resta a autodeterminação do homem.

No entanto, todo ser é inteligível, ou seja, ser é poder ser conhecido o que significa dizer que há uma unidade originaria entre ser e conhecimento (RAHNER, 196321 RAHNER K., Hörer des Wortes, Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie, Munique: Kösel Verlag, 1963, 56-57., p. 81) do contrário nenhuma pergunta teria sentido. Portanto, a pré-apreensão do ser, embora atemática, se impõe como pressuposto de toda pergunta e de toda ação. Rahner denomina esta unidade originária o ser-para-si (Bei-sich-sein) sapiente, a “iluminidade” (Gelichtetheit) do ser para si mesmo enquanto subjetividade (RAHNER, 196321 RAHNER K., Hörer des Wortes, Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie, Munique: Kösel Verlag, 1963, 56-57., p. 54ss). Assim, o ser mesmo é a unidade originária unificante de ser e conhecimento. É isto a síntese transcendental que o ser é em si mesmo (RAHNER, 196422 RAHNER K., Geist in Welt. Zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis bei Thomas von Aquin, 3a. ed., Munique: Kösel Verlag, 1964., p. 83).

4 A essência concreta do homem é a abertura absoluta para o ser enquanto tal: o homem é essencialmente espírito

Esta apreensão do ser constitui a própria essência da constituição ontológica do ser humano enquanto espírito e manifesta sua abertura ontológica a todo e qualquer ser. Enquanto tal, ele é espírito aberto a todas as questões e, dentro dele, há uma unidade: sua autoconsciência, sua própria identidade espiritual. O ser humano se revela, então, como um ente extremamente “complexo” (enquanto matéria) e extremamente “centrado” (enquanto espírito), ou seja, é uma totalidade una, ente pessoal, sujeito enquanto ente capaz de possuir-se por sua consciência e liberdade. O homem, portanto, tem uma pré-apreensão do ser enquanto algo que compete a cada ente, e ele só pode perguntar pelo ser em seu todo no aqui e agora do mundo, portanto, enquanto espírito no mundo, enquanto ente espacial e temporal. Sua metafísica é a metafísica de um ente no mundo. Assim, a pergunta pelo ser e a pergunta pelo homem que necessariamente pergunta pelo ser constituem uma unidade originária. E isso constitui o cerne da filosofia transcendental (RAHNER, 196321 RAHNER K., Hörer des Wortes, Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie, Munique: Kösel Verlag, 1963, 56-57., p. 53).

5 O fenômeno da pergunta e resposta é processual

Na medida em que o ser humano pergunta, ele passa do que é atematicamente apreendido para o que é explicitamente reconhecido, o que o conduz a novas perguntas em virtude de uma dupla realidade aqui em questão. Por um lado, a própria realidade marcada pela impossibilidade de tornar-se totalmente transparente; por outro, o sujeito que tudo encaminha ao ser em geral, ao ser como mistério (como velamento, obscuridade), portanto, opacidade das coisas e do sujeito: “Em cada conhecimento, em cada ato de decisão, de amor, o sujeito percebe um “mais”, um “excesso” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 189).

Numa palavra, a parcialidade de cada pergunta e cada resposta explica o caráter processual da vida humana, pois, por um lado, desejamos um desvelamento inesgotável do ser, por outro, cada realização é parcial.

6 O homem diante da revelação percebe-a como pergunta-resposta-pergunta no horizonte do dom

Todo processo da vida humana leva o ser humano a se defrontar com a revelação como uma resposta a este processo interminável de perguntas e respostas que constitui sua vida, e é este mesmo processo que o leva a perceber a profunda gratuidade do real. O ser humano, por tudo isso, sabe que ele não é o criador absoluto e arbitrário dos significados o que o faz perceber o real como dom de outros. Numa palavra, ele mesmo se revela a si mesmo como ser eminentemente receptivo, e isso denota abertura para acolher uma estrutura última voltada para fora de si, para um sentido capaz de explicar sua carência e sua busca.

Tudo isto, porém, só é possível se existir um sentido radical, último e absoluto, fundamento de todo e qualquer significado, e este é dado, gratuito e transcendente. “Deus emerge toda vez que o homem pergunta pelo sentido último da totalidade de suas experiências. Mais. Este sentido fez-se história em Jesus Cristo” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 190).

7 A pergunta do homem é, em última análise, em busca de comunhão

O ser humano pergunta também para saber e para agir, para ser-com, para comungar-com. Ele pergunta a uma outra pessoa, ela estabelece um ato de comunhão com o outro sendo a comunhão, com a vida humana, um processo que nunca termina, o que revela que há no ser humano um abrir-se a uma possível resposta, ou seja, “há no homem uma aspiração infinita de conhecimento e comunicação”. O ponto alto deste processo é alcançado quando a pergunta e resposta se dão no mundo da graça e da resposta de Deus e com Deus. Revela-se, assim, que o ser humano “só pergunta por Deus, porque Deus antes perguntou criativa e salvificamente por ele” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 191).

8 O processo da pergunta e busca de comunhão é comunitário, social e escatológico

O ser humano sempre pergunta no seio de uma comunidade, de uma sociedade, de uma humanidade, de uma Igreja, pois a sociabilidade é um elemento de sua constituição ontológica: o ser humano é um ente essencialmente sociável. Por isso, as mediações reveladoras de Deus ocorrem também socialmente, ou seja, são essencialmente comunitárias. Tal processo é igualmente escatológico, porque dizem respeito tanto ao presente como ao futuro: elas apontam para um final último além da história.

L. B. Puntel, já em sua tese de doutorado, apresenta uma crítica radical a este procedimento do Tomismo Transcendental7 7 A respeito de uma crítica desta posição filosófica numa outra perspectiva (MAC DOWELL, 2002, p. 5-84). de assumir “acriticamente” o método transcendental como fundamento da postura filosófica da metafísica clássica. Não há nesta corrente de pensamento um confronto articulado com o tipo de filosofia que está em jogo na filosofia transcendental que, assim, é aqui assumida irrefletidamente como se pode dizer também de Libanio. Isto significa que, defender a tese rahneriana de que toda teologia necessariamente pressupõe filosofia, não implica necessariamente que, mesmo para confrontar a modernidade, a filosofia transcendental possa emergir como inevitável. Este é um desafio fundamental para a teologia contemporânea.

3 A modernidade no contexto latino-americano: A vinculação à problemática da libertação

Libanio considera, neste contexto da modernidade, um outro contexto sociocultural que questiona a fé: o contexto latino-americano. Há segmentos na América Latina profundamente marcados pela modernidade ilustrada europeia de modo que a resposta teológica aí articulada, enquanto teologia transcendental, tem também relevância para estes segmentos na América Latina. É uma teologia que

quer redimir o sentido da Revelação para um homem preocupado com o sentido... para um homem, voltado para a problemática da razão e da existência. Procura recuperar um sentido para a fé ameaçada pelo sem-sentido da existência moderna. K. Rahner formula frequentemente essa questão ao perguntar-se: como pode honestamente (redlich) um homem moderno crer?

(LIBANIO, 19874 LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987., p. 161).

Porém, há um outro contexto sócio-histórico na América Latina, o mundo das grandes maiorias, marcado por um sistema de violenta opressão e pelos movimentos libertários aqui em luta por um outro mundo. Partindo desta realidade, surgiu uma nova forma de teologia que procura responder a este novo questionamento à fé e se denomina “Teologia da Libertação”. Em primeiro lugar, ela “acompanha as teologias modernas na via hermenêutica” (LIBANIO, 19874 LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987., p. 161), isto é, como as teologias modernas, elas se voltam sobre o sujeito da fé, a comunidade de fé, levando em consideração tanto seu compromisso existencial quanto sua prática transformadora da realidade.

A especificidade da Teologia da Libertação é que ela, ao defrontar-se com a tradição, busca não apenas um sentido, mas o sentido para sua práxis concreta. Desta forma, não está em jogo, aqui, buscar uma nova forma inteligível na ótica de ordenar a realidade para o conhecimento, mas denunciar a falta de sentido da realidade e o absurdo do pecado em ação que mata os pobres, filhos de Deus. Assim, não é uma teologia da morte de Deus, mas da morte do oprimido. A Teologia da Libertação é, então, uma teologia da práxis, e esta “‘relação teórica com a prática’ tem um poder reestruturador de toda a teologia” (LIBANIO, 19874 LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987., p. 162). Nesse sentido, ela é teologia da prática e uma teologia para a práxis, pois tem como objetivo iluminar a práxis dos cristãos na luta pela libertação.

Para efetivar seu objetivo, esta teologia busca acesso à realidade social histórica e, para isso, se apoia nas experiências humanas acumuladas na própria história e comunicadas pelo senso comum. Mas, essa teologia vai avante: ela é teologia, ou seja, um discurso argumentativo, crítico, metódico e, por isso, não permanece no plano intuitivo dos saberes do senso comum, mas apela para as “ciências sociais”, as mediações sócio-analíticas que explicitam a configuração das formações sociais. Isso se torna uma questão central na teologia da libertação, ou seja, a análise das teorias científicas que tentam mostrar a fonte da opressão que marca o mundo latino-americano. Como aceita a tese rahneriana de que não há teologia sem filosofia, isto vale também para a teologia da libertação, o que significa dizer que ela necessita de uma filosofia que se entenda a si mesma como “filosofia da práxis”, que tenha como objetivo iluminar filosoficamente esta práxis. Esta filosofia também surgiu na América Latina, a “filosofia da libertação” (DUSSEL, 19831 DUSSEL E., Praxis latino-americana y filosofia de la Liberación, Bogotá: Nueva América, 1983.), mas, Libanio, que fala de sua necessidade, no entanto, não empreendeu o esforço de tematizar sua estrutura como ele fez com a teologia transcendental da modernidade.

Há aqui, porém, uma questão que exige uma consideração mais adequada: a distinção entre os objetivos segundo os quais alguém constrói uma teoria e a teoria em si mesma. Sem dúvida, um filósofo ou teólogo da libertação pode articular sua filosofia com o objetivo de iluminar a práxis dos que se engajam para os oprimidos dessa situação. Enquanto ser humano, o filósofo tem objetivos a serem alcançados por sua ação. Uma consideração antropológica é fundamental para o esclarecimento desta problemática.

O espírito humano pode partir da consideração das coisas individuais (os entes) e avançar para as interconexões cada vez mais amplas até considerar pôr fim à interconexão de todas as interconexões. Esta estrutura singular se revela nas próprias atividades humanas, por exemplo, em sua capacidade ilimitada de perguntar. Isso significa que ele pode, em princípio, ultrapassar a imediatidade de suas intuições por pôr tudo em questão e, com isso, elevar-se acima de tudo numa reflexão radical sobre tudo.

Neste sentido, a filosofia, cujo discurso é coextensivo à totalidade do ser, tematiza precisamente aquilo que constitui o “para onde” da intencionalidade do espírito humano, que é o todo que abrange simplesmente tudo, ou seja, tudo o que pode ser conhecido e/ ou pensado. Este pano de fundo antropológico nos capacita a considerar a problemática fundamental neste contexto: a afirmação do caráter teórico tanto da filosofia como da teologia. Trata-se, na teoria, antes de tudo, de uma determinada forma de atividade na vida humana que, enquanto tal, diz respeito ao expressar “o que é o caso no mundo”, ao como as coisas são e, em sua intencionalidade última, como é o caso na filosofia e na teologia, diz respeito à totalidade dos “objetos” e “campos” do mundo, à totalidade do real, levando em consideração a diferença de quadros teóricos da filosofia e da teologia.

Se faz parte de toda atividade humana uma articulação com o mundo, com a realidade, o que está em jogo, no caso peculiar da atividade teórica, é uma relação que antes de tudo se exprime através do meio da linguagem com um “objetivo preciso”: o conceituar o mundo (a realidade) nele mesmo uma vez que qualquer empreendimento teórico tem como tarefa primeira compreender, conceituar, explicar ou articular algo determinado. Numa palavra, trata-se de um discurso estruturado na perspectiva da verdade, ou seja, com a pretensão de exprimir como as coisas são e de que maneira são, ou seja, contingente ou necessariamente (PUNTEL, 200118 PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea. Síntese, vol. 28, n. 92, p. 359-389, set./dez. 2001., p. 361). Só uma atividade comprometida com a busca da verdade pode servir de instrumento para um filósofo ou teólogo da libertação efetivar seu objetivo de iluminar a práxis libertadora.

Considerações finais

Libanio explica sua obra: que faz o teólogo? O esforço sistemático de compreensão do que crê. Compreender é uma dimensão fundamental da constituição ontológica do ser humano. Assim, o ato de fé possui uma teologia implícita. O teólogo se põe no nível de uma reflexão metódica numa perspectiva de aprofundar sua compreensão da fé no revelado por Deus. Esta teologia se faz num contexto histórico específico e leva em consideração os desafios à fé provenientes deste contexto. Ora, para Libanio, o crente se encontra hoje confrontado com a Modernidade em suas duas faces: a subjetividade/história e a de opressão/libertação. Sua teologia enfrena expressamente estes dois desafios fundamentais (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 465).

A primeira face que questiona a teologia ainda hoje, do ponto de vista filosófico, que é a questão tratada aqui, é da filosofia da subjetividade, cujo núcleo central é: a subjetividade é o “princípio de determinação de tudo”. Esta forma de filosofia se articulou com clareza na assim chamada “filosofia transcendental”. Libanio assumiu a versão desta filosofia na forma do Tomismo transcendental de K. Rahner, que apresenta uma versão transcendental do pensamento de Tomás de Aquino, aplicando-a à teologia. Para Libanio, isso significa que “a revelação não só não viola a autonomia do homem, como vem realizá-lo na sua mais profunda estrutura humana” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 467) e “na sua estrutura profunda o homem possui uma orientação fundamental constitutiva para a revelação da Palavra de Deus, como verdadeiro ouvinte dela” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 470).

No que diz respeito à historicidade, a segunda face da modernidade, Libanio afirma que a questão central para uma teologia latino-americana é a pergunta se ela não pode entender a revelação como libertação. Para ele, esta constitui precisamente a tarefa fundamental de uma teologia situada neste contexto, “assim, assumindo a chave hermenêutica da libertação, que tem seu berço semântico na política, avança com ela para dentro da teologia e procura interpretar toda a revelação de Deus no fundo como projeto libertador para o homem em sua mais ampla dimensão” (LIBANIO, 19925 LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992., p. 469).

O cenário filosófico contemporâneo sofreu profundas alterações que, além da articulação de novos quadros teóricos, levantaram questionamentos profundos, por razões diferentes em cada caso, aos quadros teóricos articulados por Libanio: a filosofia da subjetividade e a filosofia da libertação. Isso implica, para a teologia contemporânea, o desafio de perguntar-se até onde as objeções levantadas exigem uma articulação filosófica nova na articulação da teologia hoje.

  • 1
    Os dois representantes mais importantes desta escolástica foram Duns Scotus e Francisco Suárez.
  • 2
    Isso constitui para E. Husserl o télos de todo o pensamento moderno (HUSSERL, 19623 HUSSERL E., Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie, Den Haag: Martinus Nijhoff, 1962., 13ss).
  • 3
    O Pe. Libanio cita um texto de Lima Vaz a que ele se refere em vários de seus livros como iluminador desta problemática levantada pela modernidade: LIMA VAZ H. Cl. De. Metafísica e fé cristã: uma leitura da Fides et Ratio, in: Síntese 26(1999).
  • 4
    “K. Rahner consegue de maneira original e grandiosa, como símbolo máximo da teologia moderna europeia, operar a síntese dialética entre as pretensões da razão filosófica moderna e as exigências incontornáveis da Revelação divina, fundamento último da teologia” (LIBANIO, 19874 LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987., p. 91).
  • 5
    A nota que segue é também desta página. “Rahner tem consciência da situação existencial do teólogo no mundo de hoje em que há um pluralismo de posturas filosóficas e científicas, que constituem um desafio à teologia, com que ele tem de se confrontar, embora estas posturas não sejam adequadamente sintetizáveis nem através de si mesmas nem através da teologia e o teólogo individualmente experimente a impossibilidade de poder conhecer com seriedade todas estas propostas. Estamos assim muito longe da situação de trinta anos atrás em que a teologia católica era literalmente um sistema fechado, seguro em si mesmo, e a filosofia moderna e a teologia evangélica eram consideradas inimigos externos a combater. O cenário intelectual do mundo contemporâneo é radicalmente diferente e ameaça o sistema teológico a partir de dentro. Não existe mais uma linguagem filosófica e teológica comum que pudesse valer como pressuposto do trabalho e do diálogo teológicos. No entanto, apesar desta enorme dificuldade teórica, o teólogo não pode renunciar à sua tarefa e ela leva hoje inevitavelmente à formação de ‘muitas teologias’”, o que levanta problemas inteiramente novos ao magistério eclesiástico (RAHNER, 196723 RAHNER, K., Philosophie und Philosophieren in der Theologie. In: Schriften zur Theologie, Einsiedeln: Benziger, vol. VIII, 1967; vol. IX, 1970., 68ss; 1970, p. 83ss; 111ss). A respeito da problemática posta na situação contemporânea e a solução numa direção diferente (LIBANIO, 200313 MAC DOWELL, J. A., A experiência de Deus à luz da experiência transcendental do espírito humano, in: Síntese v. 29 n. 93 (2002) 5-34., p. 143-171).
  • 6
    “...metafísica enquanto 'ciência' só existe aí onde o já sempre conhecido é desenvolvido por meio de um trabalho conceitual sistemático e rigoroso através do qual o ser humano procura elevar ao nível da compreensão conceitual aquela metafísica que ele já sempre é” (OLIVEIRA, 200416 OLIVEIRA M. A. de, É necessário filosofar na teologia”. Unidade e diferença entre filosofia e teologia em Karl Rahner. Perspectiva Teológica, v. 36, n. 98, p. 15-32, jan./abr. 2004., p. 25).
  • 7
    A respeito de uma crítica desta posição filosófica numa outra perspectiva (MAC DOWELL, 200213 MAC DOWELL, J. A., A experiência de Deus à luz da experiência transcendental do espírito humano, in: Síntese v. 29 n. 93 (2002) 5-34., p. 5-84).

Referências

  • 1
    DUSSEL E., Praxis latino-americana y filosofia de la Liberación, Bogotá: Nueva América, 1983.
  • 2
    HOLZ H., Transzendentalphilosophie und Metaphysik. Studie über Tendenzen in der heutigen philosophischen Grundlagenproblematik, Mainz: Matthias-Grünewald-Verlag, 1966.
  • 3
    HUSSERL E., Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie, Den Haag: Martinus Nijhoff, 1962.
  • 4
    LIBANIO J. B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987.
  • 5
    LIBANIO, J. B., Teologia da Revelação a partir da modernidade, São Paulo: Loyola, 1992.
  • 6
    LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia. São Paulo: Loyola, 1996,
  • 7
    LIBANIO J.B., Introdução à vida intelectual, São Paulo: Loyola, 2001a.
  • 8
    LIBANIO J.B., A arte de formar-se, São Paulo: Loyola, 2001b
  • 9
    LIBANIO, J.B., A religião no início do milênio, São Paulo: Loyola, 2002.
  • 10
    LIBANIO J.B., Olhando para o futuro: prospectivas teológicas e pastorais do Cristianismo na América Latina, São Paulo: Loyola, 2003a.
  • 11
    LIBANIO J.B., Crer no mundo de muitas crenças e pouca libertação, São Paulo: Paulinas/Valência: ESP: Siquem, 2003b.
  • 12
    LIBANIO J. B., Desafios da Pós-Modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI J./ GONÇALVES P. S. L. (eds.), Teologia na Pós-Modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, São Paulo: Paulinas, 2003c, 143-171.
  • 13
    MAC DOWELL, J. A., A experiência de Deus à luz da experiência transcendental do espírito humano, in: Síntese v. 29 n. 93 (2002) 5-34.
  • 14
    MUCK O., Die transzendentale Methode in der scholastischen Philosophie der Gegenwart, Innsbruck: Verlag Felizian Rauch, 1964.
  • 15
    OLIVEIRA. M. A. de, Kant, Hegel e Marx, in: Filosofia na crise da modernidade, São Paulo: Loyola, 1989.
  • 16
    OLIVEIRA M. A. de, É necessário filosofar na teologia”. Unidade e diferença entre filosofia e teologia em Karl Rahner. Perspectiva Teológica, v. 36, n. 98, p. 15-32, jan./abr. 2004.
  • 17
    OLIVEIRA M. A. de, Filosofia: lógica e metafísica. In: Imaguire G/ Almeida C.L.S de/ Oliveira M. A. de, (orgs). Metafísica Contemporânea Petrópolis: Vozes, 2007, 161-190.
  • 18
    PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea. Síntese, vol. 28, n. 92, p. 359-389, set./dez. 2001.
  • 19
    PUNTEL L. B., Ser e Deus. Um enfoque sistemático em confronto com M. Heidegger, É. Lévinas e J.-L. Marion, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2011, 110.
  • 20
    PUNTEL L. B., Ser e nada. O tema primordial da filosofia, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2023.
  • 21
    RAHNER K., Hörer des Wortes, Zur Grundlegung einer Religionsphilosophie, Munique: Kösel Verlag, 1963, 56-57.
  • 22
    RAHNER K., Geist in Welt. Zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis bei Thomas von Aquin, 3a. ed., Munique: Kösel Verlag, 1964.
  • 23
    RAHNER, K., Philosophie und Philosophieren in der Theologie In: Schriften zur Theologie, Einsiedeln: Benziger, vol. VIII, 1967; vol. IX, 1970.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2024
  • Aceito
    20 Mar 2024
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