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Método Microanalítico para Investigar o Ensino de Habilidades Psicoterapêuticas e Processos Narrativo-Emocionais

Resumo

O estudo apresenta uma proposta metodológica de análise qualitativa microanalítica de sessões psicoterápicas para investigação de habilidades psicoterapêuticas na abordagem humanista-experiencial, no âmbito da formação em psicologia. Uma sessão simulada, gerada no contexto da graduação, foi analisada de forma ilustrativa. Os instrumentos aplicados por juízes externos foram o Narrative-Emotion Process Coding System 2.0 (NEPCS 2.0) e o Person-Centred & Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS). Os resultados demonstram uma maior adesão ao modelo humanista de intervenções do tipo resposta-reflexo em detrimento de uma tomada de decisão terapêutica orientada por marcadores narrativos de processo e especificidade experiencial. Os achados ressaltam o potencial metodológico desse tipo de investigação para o aprimoramento de programas pedagógicos de ensino na perspectiva das psicoterapias baseadas em processo.

Palavras-chave:
Habilidades Psicoterapêuticas; Formação Clínica; Psicoterapia Humanista-Experiencial; Processos Narrativo-Emocionais

Abstract

The study proposes a microanalytic sequential process design to investigate humanistic-experiential psychotherapy skills in a training program. An illustrative simulated session was generated during an undergraduate clinical psychology course. External judges utilized the Narrative-Emotion Process Coding System 2.0 (NEPCS 2.0) and the Person-Centered & Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS) for microanalytical analysis of the role-play session. The results demonstrate a higher adherence to the person-centered model of empathic reflective responses while showing lower adherence to experiential specificity and psychotherapy decisions guided by narrative-emotion markers. The findings underscore the methodological potential of this investigation in enhancing training programs and contributing to the field of Psychotherapy Change Process Research.

Keywords:
Psychotherapy Skills; Training; Humanistic-experiential Approach; Narrative-Emotion Processes

A psicoterapia pode ser vista como um espaço potencial intersubjetivo e interpessoal de expressão, transformação emocional, construção de significado e reparação de histórias (Angus, 2012Angus, L. (2012). Toward an integrative understanding of narrative and emotion processes in Emotion-focused therapy of depression: Implications for theory, research and practice. Psychotherapy Research, 22(4), 367-380. https://doi.org/10.1080/10503307.2012.683988
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). No espaço relacional e comunicativo estabelecido pela dupla terapêutica, o sofrimento ganha um sentido, personagens são posicionados no espaço e no tempo, fornecendo uma ordem e um significado para o que aconteceu ou para o que o cliente imaginou ter acontecido.

As variáveis do terapeuta e suas habilidades terapêuticas, podem impactar no processo narrativo do cliente e na forma como ele irá contar a sua história interferindo invariavelmente no processo de mudança e transformação psicoterápica (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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). Isso significa que a construção de sentido dado ao sofrimento no contexto psicoterápico, adquire coerência por meio da interação entre a dupla terapêutica e não apenas pela expressão individual do cliente. De Jaegher e Di Paolo (2007De Jaegher, H., & Di Paolo, E. (2007). Participatory sense-making: An enactive approach to social cognition. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 6(4), 485-507. https://doi.org/10.1007/s11097-007-9076-9
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) definem este processo intersubjetivo como uma “criação participativa de sentido” em que os interagentes são afetados um pelo outro e geram novos domínios de criação de sentido que não estavam disponíveis para cada indivíduo por conta própria.

As abordagens humanistas-experienciais contemporâneas, inspiradas em teóricos como Carl Rogers (1902/1987), vêm demonstrando um reconhecimento progressivo do intercâmbio comunicativo e do papel da narrativa como eixos centrais na investigação, avaliação e compreensão dos processos psicoterápicos (Aleixo, Pires, Angus, Neto, & Vaz, 2021Aleixo, A., Pires, A. P., Angus, L., Neto, D., & Vaz, A. (2021). A Review of Empirical Studies Investigating Narrative, Emotion, and Meaning-Making Modes and Client Process Markers in Psychotherapy. Journal of Contemporary Psychotherapy, 51(1), 31-40. https://doi.org/10.1007/s10879-020-09472-6
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). Compreender o processo interacional e comunicativo da dupla terapêutica foi um dos grandes objetivos de Carl Rogers, o que o fez empenhar-se na investigação sobre a natureza íntima do que ele chamou de “espaço semântico” (Rogers, 1963Rogers, C. R. (1963). Toward a science of the person. Journal of Humanistic Psychology, 3(2), 72-92. https://doi.org/10.1177/002216786300300208
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, p.82). Rogers & Kinget (1965/1977Rogers, C. R., & Kinget, G.M. (1977). Psicoterapia e Relações Humanas. Vol.2. (M. Bizzoto, Trad.) Belo Horizonte: Interlivros.(Original publicado em 1965)), já nos anos de 1950-60, referiam interesse pelo “estudo microscópico da interação verbal” (p.238) e apontavam para os efeitos dos diferentes modos de interação narrativa entre terapeuta e cliente no processo psicoterápico. Como refere Stenzel (2021Stenzel, Lucia M. (2021). Habilidades terapêuticas interpessoais: A retomada de Carl Rogers na prática da psicologia baseada em evidências. Psicologia Clínica Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 33, n. 3, p. 557 - 576 http://dx.doi.org/10.33208/PC1980-5438v0033n03A09.
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) existe uma convergência entre os postulados de Carl Rogers e as mais recentes pesquisas relacionadas às habilidades terapêuticas; o que demonstra o ineditismo dos estudos rogerianos para as pesquisas contemporâneas em psicoterapia, principalmente àquelas dedicadas ao estudo de processos sequenciais microanalíticos de interação comunicativa e narrativa.

Com base na tradição humanista rogeriana, as abordagens humanistas-experienciais compreendem que a transformação em psicoterapia ocorre quando acontece uma expansão do repertório de resposta emocional da pessoa, propiciando a expressão de tendências de ação mais adaptativas e um novo significado e sentido para história pessoal (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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; Friedlander, Angus, Xu, Wright & Stark, 2020Friedlander, M. L., Angus, L. E., Xu, M., Wright, S. T., & Stark, N. M. (2020). A close look at therapist contributions to narrative-emotion shifting in a case illustration of brief dynamic therapy. Psychotherapy Research, 30(3), 402-416. https://doi.org/10.1080/10503307.2019.1609710
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). Refletir em sessão sobre as circunstâncias relacionadas “ao que aconteceu” podem produzir novas narrativas que desafiam o sentido implícito que o cliente tem sobre si mesmo e sobre os outros (Angus, Levitt, & Hardtke, 1999Angus, L., Levitt, H., & Hardtke, K. (1999). The narrative processes coding system: Research applications and implications for psychotherapy practice. Journal of clinical psychology, 55(10), 1255-1270. https://doi.org/b9w8jm
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).

Esse processo de mudança e transformação do cliente pode ser facilitado pelo terapeuta, que se torna um agente co-participante nessa construção narrativa. Hill (2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
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) desenvolveu um modelo de treinamento para alunos de graduação, que tiveram pouca ou nenhuma experiência profissional anterior, com o objetivo de fornecer ganhos efetivos em habilidades de ajuda terapêutica (Anderson, Stone, Angus & Weibel, 2021Anderson, T., Stone, S. J., Angus, L., & Weibel, D. T. (2022). Double trouble: Therapists with low facilitative interpersonal skills and without training have low in-session experiential processes. Psychotherapy Research, 32(1), 65-77. https://doi.org/10.1080/10503307.2021.1913293
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). O Helping Skills System (HSS) (Hill, 2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
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) envolve formas de intervenção diretivas para estimular a natureza colaborativa da relação terapêutica e a empatia, principalmente nos estágios iniciais do processo terapêutico, facilitando assim o processo de expressão narrativa-emocional do cliente. Uma aliança terapêutica estável, com vínculo forte, fornece o pano de fundo necessário para que o terapeuta penetre no mundo do cliente e consiga compreender e compartilhar a construção narrativa de um processo emocional problemático (Elliott, Watson, Goldman & Greenberg, 2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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). A compreensão empática, por exemplo, auxilia o cliente nas mudanças narrativas produtivas, pois este se sente mais confiante para acessar e revelar memórias autobiográficas específicas, aumentando sua consciência reflexiva (Angus, Boritz, Bryntwick, Carpenter, Macaulay & Khattra, 2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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).

Além da importância dos fatores comuns do processo psicoterápico, como a compreensão empática, Elliott, et al. (2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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) argumentam que terapeutas humanistas e experienciais, ao se voltarem para o processo da terapia, devem se concentrar em dois importantes elementos: a experiência dos clientes com relação aos eventos e suas formas de processar essas experiências na sessão, por meio dos marcadores verbais e não-verbais. Os chamados “marcadores de processo”, que podem ser identificados momento-a-momento, propiciam não só o reconhecimento contínuo da experiência imediata do cliente, como também são fundamentais para a tomada de decisão terapêutica (Elliott, et al., 2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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, Greenberg & Goldman, 2019Greenberg, L. S., & Goldman, R. N. (2019). Clinical handbook of emotion-focused therapy. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000112-000
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).

A correlação entre o processo narrativo-emocional do cliente e as habilidades e competências terapêuticas têm sido foco de diferentes estudos internacionais (Aleixo, Pires, Angus, Neto & Vaz, 2021Aleixo, A., Pires, A. P., Angus, L., Neto, D., & Vaz, A. (2021). A Review of Empirical Studies Investigating Narrative, Emotion, and Meaning-Making Modes and Client Process Markers in Psychotherapy. Journal of Contemporary Psychotherapy, 51(1), 31-40. https://doi.org/10.1007/s10879-020-09472-6
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; Anderson, et al., 2021Anderson, T., Stone, S. J., Angus, L., & Weibel, D. T. (2022). Double trouble: Therapists with low facilitative interpersonal skills and without training have low in-session experiential processes. Psychotherapy Research, 32(1), 65-77. https://doi.org/10.1080/10503307.2021.1913293
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; Friedlander, et al., 2020Friedlander, M. L., Angus, L. E., Xu, M., Wright, S. T., & Stark, N. M. (2020). A close look at therapist contributions to narrative-emotion shifting in a case illustration of brief dynamic therapy. Psychotherapy Research, 30(3), 402-416. https://doi.org/10.1080/10503307.2019.1609710
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). Pesquisas empíricas contemporâneas que fazem uso de dados de ocorrência natural, como de sessões psicoterápicas gravadas, buscam analisar os processos sequenciais microanalíticos da interação por meio da análise dos processos comunicacionais, narrativos e linguísticos (Elliott, 2010Elliott, R. (2010). Psychotherapy change process research: Realizing the promise. Psychotherapy research, 20(2), 123-135. https://doi.org/10.1080/10503300903470743
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; Friedlander, et al., 2020Friedlander, M. L., Angus, L. E., Xu, M., Wright, S. T., & Stark, N. M. (2020). A close look at therapist contributions to narrative-emotion shifting in a case illustration of brief dynamic therapy. Psychotherapy Research, 30(3), 402-416. https://doi.org/10.1080/10503307.2019.1609710
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). Como mostram estudos recentes (Anderson, et al., 2021Anderson, T., Stone, S. J., Angus, L., & Weibel, D. T. (2022). Double trouble: Therapists with low facilitative interpersonal skills and without training have low in-session experiential processes. Psychotherapy Research, 32(1), 65-77. https://doi.org/10.1080/10503307.2021.1913293
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; 2, et al., 2020), por meio da análise microanalítica de sessões de psicoterapia gravadas é possível identificar quando uma mudança narrativa significativa se torna evidente e a correlação desta com o papel das intervenções e habilidades terapêuticas.

Apesar da ampla gama de evidências científicas apontando para a prática das atitudes e habilidades terapêuticas interpessoais como fundamentais para o bom desfecho psicoterápico (Hill, 2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
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; Norcross & Lambert, 2018Norcross, J. C., & Lambert, M. J. (2018). Psychotherapy relationships that work III. Psychotherapy, 55(4), 303-315. https://doi.org/10.1037/pst0000193
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; Wampold, 2015Wampold, B.E. (2015). How important are the common factors in psychotherapy? An update. World Psychiatry, 14(3), 270-277. https://doi.org/10.1002%2Fwps.20238
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) Angus, Watson, Elliott, Schneider e Timulak (2015Angus, L., Watson, J. C., Elliott, R., Schneider, K. & Timulak, L. (2015). Humanistic psychotherapy research 1990-2015: from methodological innovation to evidence-supported treatment outcomes and beyond. Psychotherapy Research, 25(3), 330-347. https://doi.org/10.1080/10503307.2014.989290
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) ressaltam que a maioria dos programas de formação profissional concentram-se no aprimoramento de técnicas de avaliação diagnóstica baseadas em sistemas tradicionais de diagnóstico. Segundo os autores, a formação ainda está bastante voltada para os elementos nosológicos da doença e pouco voltada para os elementos interpessoais e microanalíticos que envolvem o processo psicoterápico. Greenberg e Goldman, (2019Greenberg, L. S., & Goldman, R. N. (2019). Clinical handbook of emotion-focused therapy. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000112-000
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) referem que a melhor maneira de aprender deveria ser por meio da autoexperiência. Como já nos mostrava a tradição humanista rogeriana - que entende a formação terapêutica muito mais em termos de “atitudes” do que de técnicas (Rogers & Kinget, 1965/1977) - é um desafio proporcionar essa experiência e lidar com os diferentes modos e papéis que esse tipo de formação exige dos estudantes e jovens terapeutas. Por essa razão, estudos voltados para as habilidades terapêuticas ao longo da formação em clínica, vêm dando maior atenção aos elementos interacionais e intersubjetivos no desenvolvimento de habilidades de ajuda, tanto em nível de graduação (Hill, Roffman, Stahl, Friedman, Hummel & Wallace, 2008) como de pós-graduação (Hill, Stahl, & Roffman, 2007).

Lundh (2019Lundh, L. G. (2019). Three modes of psychotherapy and their requisite core skills. Counseling and Psychotherapy Research, 19(4), 399-408. https://doi.org/10.1002/capr.12244
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) sugere que os programas de formação envolvam as habilidades do terapeuta em ação; ou seja, que se voltem para a interação que se estabelece entre terapeuta e cliente. Estudantes e jovens terapeutas precisam aprender as habilidades de ajuda dentro de um contexto prático que possibilite algum tipo de experimentação clínica, seja ela real ou simulada (Hill, 2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
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). Pilnick, Trusson, Beeke, O’Brien, Goldberg e Harwood (2018Pilnick, A., Trusson, D., Beeke, S., O’Brien, R., Goldberg, S., & Harwood, R. H. (2018). Using conversation analysis to inform role play and simulated interaction in communications skills training for healthcare professionals: identifying avenues for further development through a scoping review. BMC medical education, 18(1), 1-10. https://doi.org/10.1186/s12909-018-1381-1
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) referem que as habilidades interpessoais, como por exemplo a comunicação, não podem ser desenvolvidas exclusivamente no período de estágio profissional, quando os alunos já estão lidando com clientes reais. Para os autores, os futuros profissionais precisam estar envolvidos em atividades que desde cedo na formação os desafiem em situações experienciais e que os exijam decisões e respostas em tempo real, como acontece no atendimento clínico. Desta forma sugerem que a simulação em roleplay possa ser uma das técnicas utilizadas para a formação desses futuros profissionais.

Embora existam alguns modelos de formação para o desenvolvimento de habilidades terapêuticas, estas ainda precisam de mais atenção em termos de pesquisa (Greenberg & Goldman, 2019Greenberg, L. S., & Goldman, R. N. (2019). Clinical handbook of emotion-focused therapy. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000112-000
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; Hill, 2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
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; Hill et al, 2008). Este estudo coaduna com esta linha de interesse. Por meio de uma prática pedagógica, que faz uso da ferramenta roleplay para o desenvolvimento de habilidades psicoterapêuticas interpessoais no ensino de graduação em psicologia, busca-se, através de uma investigação empírica, aprimorar o ensino na clínica. Para tanto foi desenvolvida uma proposta metodológica de análise microanalítica de sessões simuladas gravadas para avaliar as habilidades e tipos de intervenção psicoterápica na tomada de decisão clínica dos alunos durante um programa de formação.

Método

Trata-se de um estudo que apresenta uma proposta metodológica de análise qualitativa e microanalítica de sessões psicoterápicas para investigação de habilidades psicoterapêuticas na abordagem humanista-experiencial no âmbito da formação. A investigação do processo sequencial microanalítico, segundo Elliot (2010) é um dos modelos de análise propostos pelas Pesquisas Baseadas em Processo, que engloba investigações empíricas de interação turno-a-turno entre cliente e terapeuta, buscando correlações entre variáveis do processo relacional e resultados psicoterápicos.

Esta proposta metodológica de análise faz parte de um projeto maior intitulado “Habilidades terapêuticas interpessoais simuladas em roleplay: uma pesquisa-ação com alunos de graduação em psicologia”, que foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP/UFCSPA) sob Parecer Número: 4.275.991. O projeto original, até o ano de 2023, gerou um banco de dados de 82 sessões simuladas, geradas no período entre 2020-2023, que estão sendo analisadas na íntegra. Essas sessões simuladas acontecem independentemente da pesquisa em andamento e fazem parte da disciplina curricular obrigatória do curso de psicologia, com o objetivo de desenvolver habilidades clínicas a partir das perspectivas humanistas e experienciais.

O banco de sessões está sendo analisado na íntegra, porém para este artigo, será apresentada uma ilustração da proposta metodológica. A investigação de marcadores narrativo-emocionais aliada a habilidades psicoterapêuticas no contexto de um programa de treinamento de estudantes pode ser considerada uma metodologia inovadora no contexto brasileiro. Para fins ilustrativos dessa proposta metodológica, faz-se uso, para este artigo, da análise de uma única sessão de um total de nove sessões simuladas, oriunda do banco de dados de 2020 (primeira fase de geração de dados do projeto original).

A descrição do programa pedagógico que deu origem ao banco de dados foi realizada em outra publicação (Stenzel, 2020Stenzel, L.M. (2020) O roleplay como prática de ensino aprendizagem para a clínica humanista e existencial. In: Anais do IV congresso luso brasileiro de práticas clínicas fenomenológico-existenciais [livro eletrônico]: das bases filosóficas às práticas e pesquisas em psicologia /Rio de Janeiro: IFEN, 2020 (p.300-301). ISBN 978-65-87456-06-). Em síntese, as estratégias pedagógicas têm como foco o desenvolvimento de habilidades psicoterapêuticas por meio da experiência intersubjetiva no contexto de sessões simuladas que visam, além do desenvolvimento de competências interpessoais, o estímulo a uma tomada de decisão terapêutica ancorada na identificação e compreensão de marcadores narrativo-emocionais de processo. A pesquisa aliada a esta proposta pedagógica visa criar subsídios científicos para o aprimoramento da formação no âmbito da graduação em psicologia. Os alunos são estimulados a desenvolver de forma prática a capacidade de escuta e compreensão das experiências do cliente e identificar os marcadores de processo no âmbito das sessões simuladas. Por esta razão, se faz fundamental a investigação científica sobre a adesão e competência dos alunos em conduzir a sessão psicoterápica por meio de marcadores narrativo-emocionais.

Instrumentos

Para fins da análise microanalítica da sessão ilustrativa foram aplicados Narrative-Emotion Process Coding System 2.0 (NEPCS 2.0) e o Person-Centred & Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS) por juízes externos. O Narrative-Emotion Process Coding System 2.0 (NEPCS 2.0) é um dos modelos de análise narrativa de sessões psicoterápicas mais conhecidos e foi desenvolvido por Lynne Angus e colaboradores (Angus, et al 2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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). Na base do modelo está a suposição de que narrativas rígidas e problemáticas co-ocorrem com emoções angustiantes e que a mudança significativa é evidenciada quando os clientes começam a verbalizar algo o novo, mais psicologicamente adaptativo, acompanhadas de construções narrativas mais coerentes de identidade pessoal (Angus et al., 2017; Friedlander, et al., 2020Friedlander, M. L., Angus, L. E., Xu, M., Wright, S. T., & Stark, N. M. (2020). A close look at therapist contributions to narrative-emotion shifting in a case illustration of brief dynamic therapy. Psychotherapy Research, 30(3), 402-416. https://doi.org/10.1080/10503307.2019.1609710
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).

A versão final do sistema de codificação NEPCS 2.0 compreende dez marcadores narrativos subdivididos em três categorias de análise e seus respectivos subtipos: 1) Problem markers: Same Old Story; Empty Story; Unstoried Emotion; Superficial Story; 2) Transition Markers: Competing Plotlines; Inchoate Story; Experiential Story; Reflective Story; e 3) Change Markers: Unexpected Outcome e Discovery Story. Optou-se nesta publicação por apresentar os nomes dos marcadores narrativo-emocionais em inglês. O sistema de codificação na língua original é apresentado na íntegra no artigo de Lynne Angus e colaboradores (Angus, et al., 2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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).

Conforme Angus et al (2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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), estes marcadores visam identificar a qualidade e a forma como o cliente acessa os seguintes elementos narrativo-emocionais: memórias autobiográficas específicas; simbolização da experiência corporal sentida; expressão das emoções; reflexão sobre suas próprias ações e histórias; integração coerente entre as ações, emoções e significados pessoais; e, articulação entre as experiências de mudança emocional, comportamental e interpessoal. Estes elementos integram e indicam graus/níveis das três principais dimensões narrativo-emocionais: o envolvimento emocional do cliente (ou seja, a consciência da emoção, a expressão da emoção e a excitação emocional); a organização narrativa (o conteúdo da narrativa, a estrutura da narrativa e a coerência narrativa); e o grau de criação de significado e envolvimento experiencial do cliente (Angus et al , 2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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).

A codificação do NEPCS 2.0 é feita por observadores externos (heteroavaliação), buscando um acordo entre os avaliadores na identificação dos marcadores narrativos dos clientes em cada segmento1 1 É considerado um segmento o período que compreende o total de um minuto de sessão. Na apresentação dos resultados, em alguns trechos, será utilizada a abreviação “seg.” para a palavra “segmento”, seguida de exemplos de fala. de sessões de psicoterapia gravadas em vídeo. Em geral, a sessão gravada em vídeo é repartida em unidades de um minuto, que pode ser feita manualmente ou por meio de software específicos, como por exemplo o Observer XT (Noldus Information Technology, 2015Noldus Information Technology. (2015). Observer XT event logging software. Leesburg, VA: Noldus Information Technology.). No processo de codificação, considera-se “no client marker” (nenhum marcador de cliente) quando o terapeuta fala mais de 30s do segmento de um minuto, ou quando a conversa não está relacionada à narrativa do cliente, como por exemplo, segmentos em que predominam comentários sobre a terapia. Um dos objetivos da codificação é identificar em cada minuto de sessão (ou em cada segmento) os marcadores narrativo-emocionais produtivos (MP →MT/MM) e improdutivos (MT/MM→ MP). Uma mudança produtiva acontece quando o cliente muda de um marcador de problema (MP) para um marcador de transição (MT) ou para um marcador de mudança (MM). Já a mudança improdutiva se dá na passagem de um marcador de transição (MT) ou mudança (MM) para um marcador de problema (MP).

Apesar de ter surgido no contexto das abordagens humanistas-experienciais (Angus et al 2015Angus, L., Watson, J. C., Elliott, R., Schneider, K. & Timulak, L. (2015). Humanistic psychotherapy research 1990-2015: from methodological innovation to evidence-supported treatment outcomes and beyond. Psychotherapy Research, 25(3), 330-347. https://doi.org/10.1080/10503307.2014.989290
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), o NEPCS 2.0 foi aplicado e validado de forma confiável, em uma variedade de amostras clínicas (por exemplo, depressão, ansiedade generalizada, trauma complexo) e abordagens de terapia, incluindo Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), Terapia Focada nas Emoções (TFT), Entrevista Motivacional, Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), Terapia Psicodinâmica e Psicoterapia Experiencial (Angus et al, 2017Angus, L. E., Boritz, T., Bryntwick, E., Carpenter, N., Macaulay, C., & Khattra, J. (2017). The Narrative-Emotion Process Coding System 2.0: A multi-methodological approach to identifying and assessing narrative-emotion process markers in psychotherapy. Psychotherapy Research, 27(3), 253-269. https://doi.org/10.1080/10503307.2016.1238525
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). O NEPCS 2.0 tem se mostrado como uma ferramenta confiável de pesquisa de processos psicoterápicos transdiagnósticos, apropriada para implementação em uma variedade de modalidades de tratamento psicoterápico (Aleixo et al 2021Aleixo, A., Pires, A. P., Angus, L., Neto, D., & Vaz, A. (2021). A Review of Empirical Studies Investigating Narrative, Emotion, and Meaning-Making Modes and Client Process Markers in Psychotherapy. Journal of Contemporary Psychotherapy, 51(1), 31-40. https://doi.org/10.1007/s10879-020-09472-6
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).

A tradução e adaptação do NEPCS 2.0 já foi conduzida pelo grupo de pesquisa em parceria com a idealizadora do instrumento, Profa. Lynne Angus (Projeto aprovado pela ComPesq/UFCSPA; Parecer de Número: 18/2022). Entretanto, a tradução ainda não foi publicada pois o artigo está em processo de análise de pares em outra revista.

O Person-Centered and Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS) foi criado para avaliar a adesão e a competência de terapeutas aos modelos psicoterápicos experienciais e centrados na pessoa. Segundo Freire, Elliott e Westwell (2014Freire, E., Elliott, R., & Westwell, G. (2014). Person Centred and Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS): Development and reliability of an adherence/competence measure for person-centred and experiential psychotherapies. Counselling and Psychotherapy Research, 14(1), 220-226. https://doi.org/10.1080/14733145.2013.808682
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) por adesão entende-se que um terapeuta utilizou intervenções prescritas pela abordagem e, por competência, entende-se o nível de habilidade demonstrado pelo terapeuta em conduzir a sessão dentro do enfoque humanista-experiencial.

O instrumento PCEPS possui duas subescalas: 1) a Subescala de Processo Centrado na Pessoa (SCP) que consiste de dez itens, como por exemplo, o quadro de referência do cliente, que avalia o quanto as respostas do terapeuta transmitem uma compreensão das experiências do cliente (como o próprio cliente entende ou a percebe); e a 2) Subescala de Processo Experiencial (SPE), que consiste de cinco itens, dentre eles a especificidade experiencial, que está relacionada ao quanto o terapeuta trabalha apropriada e habilmente para ajudar o cliente a focar, elaborar ou diferenciar experiências e memórias específicas, idiossincráticas ou pessoais, em oposição a abstrações ou generalidades.

Cada item possui um resumo descritivo seguido de uma escala qualitativa e descritiva de seis pontos (os pontos da escala de 4 a 6 representam graus variados de desempenho competente, enquanto os pontos de 1 a 3 indicam desempenho abaixo dos níveis adequados de competência). Os idealizadores do instrumento tentaram separar adesão de competência, mas acabaram optando por uma abordagem híbrida, com pontuações mais baixas representando não adesão, enquanto pontuações mais altas indicam níveis crescentes de competência. Freire et al. (2014Freire, E., Elliott, R., & Westwell, G. (2014). Person Centred and Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS): Development and reliability of an adherence/competence measure for person-centred and experiential psychotherapies. Counselling and Psychotherapy Research, 14(1), 220-226. https://doi.org/10.1080/14733145.2013.808682
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) descobriram que esta é uma medida confiável de adesão/competência para psicoterapias experienciais e centradas na pessoa, relatando que o PCEPS tem uma confiabilidade geral entre observadores (α de Cronbach) de 0,87 e uma confiabilidade interna (α) de 0,98.

Análise de Dados

A análise qualitativa microanalítica da sessão ilustrativa que será apresentada neste artigo, compreendeu três etapas. A primeira etapa foi constituída por três grupos de trabalho perfazendo um total de 12 juízes envolvidos na codificação da sessão. Cada grupo de trabalho foi composto por quatro membros: um psicólogo/psicoterapeuta, um estudante de pós-graduação em psicologia (envolvido na temática do estudo) e dois alunos de graduação em psicologia. Os três diferentes grupos receberam a versão em inglês do manual do NEPCS 2.0 (Angus Narrative-Emotion Marker Lab., 2015Angus Narrative-Emotion Marker Lab. (2015). Narrative-emotion processes coding system manual. [Unpublished document].), a gravação da sessão piloto e a transcrição segmentada minuto-a-minuto. Para fins de confiabilidade, cada grupo analisou a sessão piloto de forma independente.

Na segunda etapa de análise, foi feita uma verificação cruzada dos códigos do NEPCS, 2.0 e do PCEPS comparando os resultados anteriores derivados independentemente dos diferentes grupos. Para tanto, foi formado um novo grupo de juízes com um representante de cada um dos três grupos da primeira etapa com a seguinte configuração: coordenadora de pesquisa, um aluno de pós-graduação e dois alunos de graduação. Para resolver as discrepâncias de análise da primeira etapa, cada segmento de diálogo da sessão foi lido e acompanhado pela sessão gravada e foram tomadas decisões que resultaram em uma codificação sintetizada.

Na terceira etapa foi feita uma tradução para o inglês de todo material utilizado para a codificação, para que a idealizadora do instrumento NEPCS 2.0 pudesse auxiliar nas decisões finais de codificação da sessão em termos dos marcadores narrativos. Foi feita uma tradução da sessão ilustrativa na íntegra, tanto na versão transcrita quanto na versão em vídeo - em que foram incluídas legendas. De porte deste material, essa terceira e última fase do estudo deu origem a uma codificação final da sessão que será apresentada a seguir.

Resultados e Discussão

A Figura 1 apresenta de forma ilustrativa a análise qualitativa microanalítica da sessão que, além de integrar a codificação por meio dos instrumentos NEPCS 2.0 e do PCEPS, descreve algumas intervenções terapêuticas que antecedem mudanças narrativo-emocionais da cliente, por meio de exemplos de falas da aluna/terapeuta. Fez-se uso do mesmo modelo de ilustração do estudo de Friedlander, et al (2020Friedlander, M. L., Angus, L. E., Xu, M., Wright, S. T., & Stark, N. M. (2020). A close look at therapist contributions to narrative-emotion shifting in a case illustration of brief dynamic therapy. Psychotherapy Research, 30(3), 402-416. https://doi.org/10.1080/10503307.2019.1609710
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), que também apresenta intervenções terapêuticas que antecedem e contribuem para as mudanças narrativo-emocionais em uma sessão de terapia dinâmica breve.

Figura 1.
Codificação da Sessão Simulada (NEPCS 2.0 e PCEPS)

As mudanças narrativo-emocionais se caracterizaram por nove trocas produtivas (MP→MT) e nove trocas improdutivas (MT→MP). Foram 19 marcadores de transição (MT), 10 marcadores de problema (MP) e nenhum marcador de mudança (MM). Apenas em um segmento não foi possível identificar marcadores de cliente (nenhum marcador de cliente, NMC), pois as falas foram predominantemente do terapeuta. Dos marcadores de transição, foram 11 segmentos de Competing Plotlines, seis de Reflective Story e dois de Inchoate Story. Dos 10 marcadores de problema (MP), oito são de Same Old Story e dois segmentos de Superficial Story.

Identificou-se que as intervenções da Subescala Centrada na Pessoa (SCP) foram predominantes na sessão e as intervenções da Subescala do Processo Experiencial (SPE) foram menos frequentes. Somente três intervenções não se enquadraram nas subescalas do PECPS, demonstrando um bom nível de adesão da aluna/terapeuta à abordagem humanista-experiencial.

Pode-se afirmar que, nesta sessão, as mudanças produtivas estão mais associadas à subescala SPE. Já as mudanças improdutivas estão associadas à subescala SCP, conforme ilustrado na Figura 1. Dos marcadores de problema (MP) o mais predominante foi o marcador Same Old Story, que tem como características fortes sentimentos de “emperramento/estagnação” experiencial e repetições de padrões que são resistentes à mudança (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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). A narrativa da cliente encenada é caracterizada por padrões problemáticos, apresentando características de um sofrimento global indiferenciado. Segundo Pascual-Leone (2018Pascual-Leone, A. (2018). How clients “change emotion with emotion”: A programme of research on emotional processing. Psychotherapy Research, 28(2), 165-182. https://doi.org/10.1037/0000112-007
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) o sofrimento global, em geral característico das etapas iniciais do tratamento, se refere a sentimentos negativos indiferenciados, por exemplo, de desamparo e ansiedade sintomática. Como aparece na narrativa da cliente encenada, indivíduos em sofrimento global são muitas vezes incapazes de acessar a fonte de seu sofrimento, sentindo-se presos na angústia. No entanto, com o progresso da sessão simulada, as emoções desadaptativas encenadas pela cliente/aluna começam a ser ancoradas em algum contexto autobiográfico específico, fazendo surgir também sentimentos de vergonha, raiva e culpa.

Os marcadores de problema característicos do Same Old Story aparecem do início ao fim desta sessão, evidenciando características de vulnerabilidade e a desesperança (seg.4: “Às vezes eu tenho vontade de desistir de tudo, sabe? E eu acho que é isso que tô fazendo agora, inclusive”), bem como uma acentuada autocrítica (seg.26: “Estou me sentindo um lixo (...) uma mistura de coisas e nenhuma delas é boa”). Entretanto, em muitos momentos da sessão, aparece uma narrativa que se abre a aspectos alternativos da experiência que buscam desafiar ou desestabilizar a visão dominante e mal-adaptativa (seg. 12: “Eu queria pensar em alguma alternativa para preencher esse vazio, para aprender a viver sem eles, porque não está dando mais para ficar nessa condição”). A frase “não está dando mais para ficar nessa condição”, reflete timidamente o surgimento de um protesto alternativo implícito, ou mesmo uma frustração diante do padrão narrativo problemático, o que reflete um movimento de transição característico das narrativas concorrentes (Competing Plotlines).

Com relação às intervenções terapêuticas, em termos de frequência, elas apareceram em todos os segmentos. Em cada minuto de sessão aparecem uma ou mais intervenções, o que caracteriza um papel bastante ativo da aluna/terapeuta em termos de interferência na narrativa da cliente simulada. Esta característica é bastante comum em alunos iniciantes que apresentam dificuldade em escutar e dar mais espaço para o cliente falar (Hill, et al 2008Hill, C. E., Roffman, M., Stahl, J., Friedman, S., Hummel, A., & Wallace, C. (2008). Helping skills training for undergraduates: Outcomes and prediction of outcomes. Journal of Counseling Psychology, 55(3), 359. https://doi.org/10.1037/0022-0167.55.3.359
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). Conforme discutido por Hill, Stahl e Roffman (2007Hill, C. E., Stahl, J., & Roffman, M. (2007). Training novice psychotherapists: Helping skills and beyond. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 44(4), 364. https://doi.org/10.1037/0033-3204.44.4.364
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) terapeutas em formação tendem a interromper mais frequentemente a narrativa do cliente, dando conselhos, sugerindo temas e revelando elementos de sua própria história.

Dentre as interrupções da aluna/terapeuta, foram poucas as intervenções de Direção do Conteúdo (PC6) (cinco intervenções) e nenhuma intervenção de Presença Dominante ou Controladora (PC10), conforme a classificação do PCEPS (Freire, Elliott, & Westwell, 2014Freire, E., Elliott, R., & Westwell, G. (2014). Person Centred and Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS): Development and reliability of an adherence/competence measure for person-centred and experiential psychotherapies. Counselling and Psychotherapy Research, 14(1), 220-226. https://doi.org/10.1080/14733145.2013.808682
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). A aluna/terapeuta em momento algum assumiu um papel de conselheira ou especialista direcionando o conteúdo da sessão fora do quadro de referência da cliente, nem tampouco buscou controlar o processo. As interrupções estavam mais relacionadas a um movimento de validação da percepção e dos sentimentos simulados pela cliente/aluna, que serão analisados de forma detalhada nos exemplos referentes às mudanças produtivas e improdutivas.

Em relação aos aspectos ligados à adesão e competência, os primeiros segmentos da sessão são marcados por uma capacidade da aluna/terapeuta em se manter no quadro de referência do cliente, demonstrando uma condução não diretiva da sessão e um grau adequado de aceitação, conexão emocional e empatia com a dor e sobrecarga características da cliente encenada. Estas habilidades são predominantes na sessão e apontam para um bom nível de adesão ao modelo humanista-experiencial. As intervenções predominantemente focadas na reiteração evidenciam uma maior preocupação da aluna/terapeuta em explorar uma conduta mais centrada na pessoa por meio do quadro de referência da cliente/aluna, o que demonstra uma adequada adesão ao modelo humanista de intervenção, principalmente no que tange ao uso de respostas-reflexo (Rogers & Kinget, 1965/1977Rogers, C. R., & Kinget, G.M. (1977). Psicoterapia e Relações Humanas. Vol.2. (M. Bizzoto, Trad.) Belo Horizonte: Interlivros.(Original publicado em 1965)). Outras intervenções além da reiteração também foram relacionadas ao modelo rogeriano e podem ser exemplificadas pelo segmento quatro, em que a aluna/terapeuta faz uso de um reflexo do sentimento: “Tu estás realmente me parecendo muito abatida hoje” (seg.4).

De forma geral a aluna/terapeuta acompanhou a dor encenada pela cliente/aluna através de uma atitude empática, não diretiva e centrada na cliente, demonstrando uma boa adesão à subescala SCP; porém, teve dificuldade de adesão ao modelo de intervenção característico da subescala SPE, em que o terapeuta auxilia o cliente a focar, elaborar ou diferenciar experiências e memórias específicas, em oposição a abstrações ou generalidades (Freire, Elliott, & Westwell, 2014Freire, E., Elliott, R., & Westwell, G. (2014). Person Centred and Experiential Psychotherapy Scale (PCEPS): Development and reliability of an adherence/competence measure for person-centred and experiential psychotherapies. Counselling and Psychotherapy Research, 14(1), 220-226. https://doi.org/10.1080/14733145.2013.808682
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). As mudanças improdutivas demonstram que há por parte da aluna/terapeuta uma opção por utilizar majoritariamente intervenções do tipo resposta-reflexo (Rogers & Kinget, 1965/1977Rogers, C. R. (1963). Toward a science of the person. Journal of Humanistic Psychology, 3(2), 72-92. https://doi.org/10.1177/002216786300300208
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) em detrimento de uma ação e tomada de decisão terapêutica orientada por marcadores de processo e especificidade experiencial. Como referem Elliot et al (2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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) alunos em formação tendem a obter uma compreensão mais simplificada da teoria humanista, sentindo-se por vezes paralisados pelas excessivas orientações de professores e supervisores em termos de “não-direção” de conteúdo. No caso da abordagem humanista, as orientações relacionadas ao "não dar conselhos ou fazer interpretações", podem provocar uma postura mais passiva e de receio na adoção de intervenções terapêuticas que poderiam guiar o processo na direção de uma maior especificidade experiencial; o que parece ter ocorrido nesta sessão simulada.

Conforme referido na literatura, um modelo centrado no cliente e na compreensão empática é essencial para a criação de uma base de confiança terapêutica e estabelecimento de vínculo (Hill, 2020Hill, C. E. (2020). Helping skills: Facilitating exploration, insight, and action (5th ed.). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000147-000
https://doi.org/10.1037/0000147-000...
; Pascual-leone, 2018Pascual-Leone, A. (2018). How clients “change emotion with emotion”: A programme of research on emotional processing. Psychotherapy Research, 28(2), 165-182. https://doi.org/10.1037/0000112-007
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). Porém, por vezes, pode ser insuficiente em casos em que predomina uma narrativa indiferenciada, repetitiva e mal adaptativa (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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; Lundh, 2019Lundh, L. G. (2019). Three modes of psychotherapy and their requisite core skills. Counseling and Psychotherapy Research, 19(4), 399-408. https://doi.org/10.1002/capr.12244
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), como na sessão ilustrativa. O ideal nestes casos, em que marcadores de problema são predominantes, seria uma atitude terapêutica que envolve “seguir”, mas preferencialmente também “guiar” o processo do cliente (Elliott, Watson, Goldman,e Greenberg, 2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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). Segundo os autores, a abordagem experiencial de processo se caracteriza por uma colaboração ativa entre cliente e terapeuta, uma co-exploração e um equilíbrio entre uma estimulação ativa e uma sintonização responsiva. Seguir sem guiar pode fazer com que o cliente “ande em círculos”, principalmente no caso de marcadores como os característicos da Same Old Story. Por outro lado, guiar sem seguir o quadro de referência do cliente também é considerado contraproducente, pois pode minar as tentativas do cliente de se desenvolver de forma mais autônoma.

No caso de narrativas problema muito marcadas pela Same Old Story, como é o caso desta sessão ilustrativa, é importante que o terapeuta tente identificar o sentido central do conflito, que na maioria das vezes envolve emoções mais enraizadas como tristeza e medo de abandono ou vergonha associados a sentimentos de inadequação (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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). Para alcançar o sentido central, intervenções como a reiteração ou o reflexo do sentimento não parecem ser suficientes, pois é preciso desafiar a narrativa auxiliando o cliente a acessar e expressar memórias autobiográficas mais específicas e emoções significativas (Angus & Greenberg, 2004). Ao invés de fazer uso de intervenções que propiciem um contar e recontar a mesma velha história - como muitas vezes acontece com o uso de intervenções de reiteração (Rogers & Kinget, 1965/1977Rogers, C. R., & Kinget, G.M. (1977). Psicoterapia e Relações Humanas. Vol.2. (M. Bizzoto, Trad.) Belo Horizonte: Interlivros.(Original publicado em 1965)) - é preciso que o terapeuta evoque experiências específicas relacionadas a esta história recorrente, que desafiem e provoquem uma mudança narrativa.

Passemos agora para alguns exemplos dos segmentos mais marcantes da sessão que são antecedidos por intervenções que facilitaram ou dificultaram o processo de transformação narrativo-emocional da cliente/aluna, gerando mudanças produtivas e improdutivas na sessão ilustrada.

Mudanças narrativo-emocionais improdutivas (MT →MP)

Conforme ilustrado na Figura 1, nos segmentos cinco e seis percebemos uma troca improdutiva (MT →MP) de um marcador de transição (MT) para um marcador de problema (MP) que merece especial atenção em função da intervenção feita pela aluna/terapeuta, que falha em encorajar a especificidade experiencial quando esta parecia necessária e apropriada.

C: Estou me sentindo assim…, me sinto exausta, podre, estressada e tudo aquilo que já te falei, bem perdida principalmente… Enfim, eu acho que tu é a única pessoa que eu consigo conversar, sabe? Sem eu me sentir estranha. T: Fico bem feliz de ouvir isso de ti, Mariana. E... tirando a relação que a gente tem, como é que tu se sente com as tuas relações atuais? C: Eu não sei, eu me sinto uma… uma coisa descartável, sabe? Uma peça que está lá a mais para… enfim, por estar, sabe. Não faria diferença se eu estivesse ou se eu não estivesse, eu seria facilmente substituída. Eu acho que as pessoas inclusive fazem amizade por pena de mim, não sei... T: Uhum. Entendi. E a relação que tu me falou que está tentando estabelecer com os teus colegas da faculdade, de repente? C: Uhum, só que eles conversam de coisas que eu não entendo e eu fico lá parada, ouvindo e… falo muito pouco, às vezes nem chamo atenção, sabe… [silêncio]. Eu nunca fui muito boa nisso. T: Uhum. E hoje tu tá acha que continua assim? C: Sim, eu acho que eu continuo assim. Eu… eu não sei, eu acho que… eu não sei mesmo.

Neste trecho, apesar da aluna/terapeuta inicialmente fazer uso de uma intervenção focada na proximidade, predominaram intervenções de exploração mais fechadas que direcionaram o foco da narrativa da cliente para elementos mais imprecisos e vagos (“eu… eu não sei, eu acho que… eu não sei mesmo”) e produziram uma reflexão interna menos precisa (“nunca fui muito boa nisso”).

Segundo Paivio e Angus (2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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), diante de narrativas de transição incipientes (Inchoate Story), o objetivo terapêutico é estimular o cliente para uma narrativa mais reflexiva, experiencial e coerente. Nestes casos, os autores indicam que o terapeuta possa promover uma atitude de curiosidade, exploração e aceitação do que parece estar emergindo de forma ainda rudimentar e incipiente para o cliente.

Neste caso então, as intervenções da aluna/terapeuta deveriam ter seguido o movimento da cliente na sua busca de procurar palavras ou imagens para simbolizar o “sentir-se estranha”, que para ela ainda era uma experiência pouco clara e confusa. Ao não abordar a especificidade experiencial e direcionar suas perguntas para suas relações atuais, a aluna/terapeuta leva a cliente/aluna a falar sobre suas relações interpessoais de forma generalizada, desviando de um foco experiencial e a levando para uma abstração geral. A aluna/terapeuta perde a oportunidade de estimular a cliente para um maior engajamento auto-reflexivo e a leva novamente a focar-se no externo, nos outros. A cliente encenada passa então a falar dos seus sentimentos relacionados às relações de uma forma bastante vaga, retornando para um marcador de problema (Superficial Story) e caracterizando uma mudança narrativa improdutiva na transição do segmento cinco para o seis.

Um exemplo de uma intervenção alternativa para este segmento da sessão poderia ser: “Você pode me contar uma situação específica em que se sentiu desta forma que você define como “sentir-se estranha”?”. Este tipo de intervenção facilitaria a conexão entre a experiência (sentir-se estranha) com uma memória autobiográfica mais específica (contar uma situação), incentivando a cliente a se conectar com momentos específicos em que esse sentimento surgiu no passado, estimulando assim uma narrativa mais rica em sentidos e/ou experiencial.

Outra mudança improdutiva que pode ser correlacionada com um baixo grau de habilidade terapêutica, conforme o PECPS, são nos segmentos 11 e 12, em que verificam-se marcadores de transição seguidos de um retorno para um discurso difuso e vazio de solidão, característicos dos marcadores de problema.

C: (...), que não era tão comum, está me... me abatendo muito. E… eu acordo pensando em… em cuidar, cuidar às vezes, enfim, eu vejo que meus irmãos não estão ali… não sei o que fazer, agora não tenho mais… sei lá, propósito, como eu disse. T: Tu acha que um dos propósitos da tua vida era cuidar dos teus irmãos? C: Eu acho que sim. Me fazia plena, me fazia completa, sabe. Às vezes eu fico pensando se eu… sei lá, não… já não deveria… se eu não sou culpada talvez, se eles… sei lá se eles cresceram bem, se eles precisam dos meus cuidados, se não precisam, se eu deveria estar cuidando de alguém agora… Eu não sei… Às vezes até de mim mesma, mas eu não sei, me sinto egoísta pensar em cuidar de mim mesma, sabe. T: Então tu se sente egoísta e culpada por ter perdido esse papel C: Uhum, bastante. Eu queria pensar em alguma alternativa pra preencher esse vazio, pra aprender a viver sem eles, porque não tá dando mais pra ficar nessa condição. Mas eu não consigo pensar nisso (...) eu acho que não sou capaz. Eu já tô muito velha… e não consigo também ter a companhia de um amigo direito, então.... não tem muita esperança pra mim, sabe. Não acho que eu... nasci pra... ser feliz. T: Tu estás me passando muita desesperança mesmo, muito abatimento. Tu acha que tu estás incompleta hoje? Tu disse que não estava se sentindo completa, né? C: Eu acho que sim, me sinto bem sozinha e tem um vazio enorme que eu não sei dizer o que que é, se é um misto de tudo (...)

Conforme Paivio e Angus (2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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), quando o cliente está mergulhado em uma narrativa de transição, o terapeuta deve buscar respostas emocionais mais adaptativas, estimulando o cliente se conectar com às necessidades associadas a tais respostas, desafiando diretamente as suposições e expectativas mal-adaptativas. Como pode ser verificado na ilustração, apesar da aluna/terapeuta refletir adequadamente o sentimento de culpa presente na encenação, ela falha em explorar o movimento de questionamento da cliente/aluna sobre seus valores e preocupações pessoais característicos das narrativas concorrentes (Competing Plotlines). Ao reforçar a narrativa problema e o sentimento desadaptativo e recorrente (“Tu acha que tu estás incompleta hoje?”), a aluna/terapeuta de alguma forma faz com que a cliente permaneça num contar e recontar sua história, evidenciado na fala final do segmento 13: “me sinto bem sozinha e tem um vazio enorme que eu não sei dizer o que que é, se é um misto de tudo”.

Uma intervenção alternativa para estes segmentos seria facilitar a posse, elaboração e diferenciação dos enredos concorrentes: “se eles [irmãos] precisam dos meus cuidados, [ou] se não precisam”. Conforme Paivio & Angus (2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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) a expressão narrativa de duas ou mais tramas emocionais pode resultar em uma profunda sensação de incoerência experiencial que deixa o cliente incapaz de agir para resolver a situação e dar sentido ao que aconteceu. A ação terapêutica deve então envolver um estímulo ao reconhecimento dos diferentes pólos de conflito. Para lidar com essa sensação de incoerência emocional, a aluna/terapeuta poderia primeiro ter ajudado a cliente/aluna a simbolizar e diferenciar cada enredo emocional, para, em seguida, elaborar e destacar a dúvida presente: “será que os irmãos ainda precisam dos cuidados dela?”. No caso desta cliente encenada, era essa crença da necessidade de uma presença constante na vida dos irmãos, em termos de cuidados, que a prendia em um sentimento de culpa por cuidar de si mesma. O polo dominante da narrativa da cliente está relacionado a um forte sentimento de autocrítica: pensar em si mesma faz dela uma pessoa egoísta. Porém, logo em seguida, no trecho “Eu queria pensar em alguma alternativa para preencher esse vazio”, a cliente produz um questionamento provavelmente mais associado às suas necessidades e recursos mais saudáveis. Nesta última frase, o foco narrativo que estava depositado nos outros, no externo (cuidar dos irmãos) se transforma em um nível de reflexão que, além de oferecer “uma janela” para o mundo interior, dá margem para uma exploração de possíveis recursos emocionais de superação (pensar em uma alternativa). Este parece ser um movimento emergente e incipiente de descoberta de uma nova visão e experiência que propiciam uma narrativa de auto-identidade mais compassiva e agêntica (Paivio & Angus, 2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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).

Embora neste segmento a aluna/terapeuta não tenha tido a oportunidade de abordar com habilidade as narrativas concorrentes, em outros momentos da sessão, a aluna consegue resgatar com a cliente/aluna esta linha de reflexão, como veremos agora nos exemplos das mudanças narrativo-emocionais produtivas.

Mudanças Narrativo-emocionais produtivas (MP →MT)

As narrativas-emocionais produtivas foram marcadas predominantemente por mudanças entre o marcador Same Old Story (padrões desadaptativos repetitivos) e o Competing Plotlines (sentimentos de conflito que desafiam os padrões desadaptativos); o que é considerado uma mudança narrativo-emocional produtiva ( Paivio & Angus, 2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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). Conforme Angus e Greenberg (2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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) a Same Old Story está muito presente no início do tratamento e envolve temas centrais de relacionamento conflitante, como por exemplo, sempre se sentir rejeitado ou sentir-se um fracassado ou impotente (seg. 28: “Deve ser por isso que as pessoas sentem pena de mim”). O objetivo terapêutico então, deve ser acessar emoções mais adaptativas e principalmente necessidades não atendidas do cliente (Paivio & Angus, 2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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). Experiências emocionais centrais, como a dor ou a tristeza, precisam ser situadas e simbolizadas no contexto da história pessoal do cliente, para que suas necessidades possam surgir e o significado pessoal do que aconteceu possa ser articulado e compreendido (Angus & Greenberg, 2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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).

Como vimos anteriormente, são as narrativas concorrentes que em geral oferecem uma abertura para essas necessidades às vezes não muito claras para o cliente. Por isso é fundamental que o terapeuta consiga captar esse movimento de transição. As visões alternativas aos padrões repetitivos, muitas vezes podem surgir espontaneamente em forma de protesto, frustração ou por meio da revelação de necessidades subjacentes ao conflito. Quando não surgem de forma espontânea, podem ser estimuladas pelo terapeuta. Vejamos o que ocorre entre os segmentos 13 e 14 da sessão:

C: Eu acho que sim, me sinto bem sozinha e tem um vazio enorme que eu não sei dizer o que é, se é um misto de tudo ou se é uma coisa simples, eu não sei dizer o que é. T: Uhum [pausa] O que tu imagina que faria tu se sentir completa? C: Como? T: O que tu imagina que faria com que tu se sentisse completa hoje? C: É uma boa pergunta…Minha família, principalmente, mas outras coisas eu não pensei. Outras coisas que eu consiga ter, sabe? Sei lá, uma outra pessoa, um amigo próximo, essas são… seriam opções, mas eu não tenho capacidade de ter essas opções.

Ao questionar a cliente sobre o que a faria “sentir-se completa” a aluna/terapeuta tenta abordar as necessidades não atendidas com o intuito de estimular tendências de ação que vão além da frustração, confusão e vazio expressos nos segmentos anteriores. Tal intervenção parece gerar um sentimento na cliente/aluna de sentir-se no direito de atender a essas necessidades propiciando o surgimento de uma nova trama/narrativa emocional. Ao dizer “é uma boa pergunta” a cliente/aluna se surpreende em poder pensar em suas necessidades e direciona seu foco de reflexão para elas inclusive as nomeando, como pode ser observado no trecho: “uma pessoa ou um amigo próximo”.

Logo em seguida a cliente/aluna encena novamente um sentimento de incapacidade (“mas eu não tenho capacidade de ter essas opções”), mas ao ter nomeado anteriormente algumas de suas necessidades, dá a oportunidade para a aluna/terapeuta de desenvolver outras habilidades terapêuticas na direção da exploração dos desejos nomeados anteriormente. Como afirmam Paivio e Angus (2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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) o que se quer com a ação terapêutica é que a expressão dessas necessidades possa se transformar em narrativas mais assertivas, tais como: “eu quero”, “eu mereço”, “eu insisto”, ou ainda “eu me recuso”. Se fosse uma cliente real, seria possível sugerir que, para etapas posteriores do tratamento, fossem trabalhadas necessidades existenciais e relacionais implícitas, que no caso desta simulação estão associadas a uma necessidade de contato e relacionamento.

Outro exemplo de uma mudança narrativa produtiva (MP →MT) acontece entre os segmentos 24-25:

C: Não consigo ir muito longe. Quando eu comecei a pensar em mim mesma, eu fiz essa besteira que me botou pra baixo. E com certeza eu sou a culpada disso também. T: Qual besteira? C: Pensar demais. No que, no que tá acontecendo. Pensar demais em mim. Enfim, eu acabei ficando sem energia pra fazer as coisas todas. E acabei entrando nesse ciclo entre acordar, e ficar na cama pensando e… E ficar mal. Eu não sei mais. T: Tu considera que pensar demais em ti, então, é uma besteira C: Acho que sim. Eu perco muito tempo fazendo isso, eu… Eu poderia estar focando em outras coisas, não sei. Talvez…. Não sei, eu acho que estou me contradizendo agora. Tenho essa sensação, mas não a certeza.

Vemos neste segmento que a aluna/terapeuta consegue acompanhar empaticamente a cliente/aluna e, ao mesmo tempo, observa o modo como ela se envolve na própria narrativa. A aluna/terapeuta transmite uma compreensão da forma como a própria cliente entende e percebe sua experiência, seguindo o seu “rastro”; porém, ela não cai na “armadilha” da narrativa problema (“não consigo ir muito longe”). Ao contrário, opta por explorar a conexão arriscada que a cliente começa a fazer de que “pensar em si mesma é uma besteira”.

Nestes segmentos é possível perceber que a aluna/terapeuta foi capaz de selecionar aspectos da narrativa pouco claros para a cliente (“qual besteira?”), facilitando a especificidade perceptiva e emocional. Como referem Elliott, Watson, Goldman e Greenberg (2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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) as possibilidades do terapeuta em direcionar a atenção dos clientes para tipos específicos de experiência, podem incluir percepções, sentimentos ou ainda necessidade subjacentes - como exemplificado anteriormente nos segmentos 13-14.

Nestes segmentos 24-25, a aluna/terapeuta reformula e esclarece a percepção da cliente (“Tu consideras que pensar demais em ti, então, é uma besteira"), oferecendo uma possibilidade para que ela perceba sua contradição (“Não sei, eu acho que estou me contradizendo agora”) e os efeitos dessa percepção em sua experiência. Elliott et al (2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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) argumentam que este tipo de intervenção não é uma estratégia diretiva do terapeuta para que o cliente persiga um objetivo ou conteúdo específico fixado pelo terapeuta. Ao contrário, na visão dos autores, trata-se de uma estratégia de guiar o “processo” no seu trajeto próprio e singular. Como metáfora, Elliot et al (2004Elliott, R., Watson, J. C., Goldman, R. N., & Greenberg, L. S. (2004). Learning emotion-focused therapy: The process-experiential approach to change. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/10725-000
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) compara o “guiar o processo psicoterápico” com o ato de “guiar um veleiro”. Para os autores, a tarefa de um guia requer uma sintonização cuidadosa com a direção e velocidade do vento, exigindo manobras mais arriscadas que podem, por vezes, ir contra o vento, mas que na verdade tem como foco levar o veleiro a prosseguir no seu trajeto próprio.

Um outro marcador de problema que apareceu algumas vezes na sessão foi o Superficial Story, que se caracteriza por uma narrativa generalizada, vaga ou incoerente. Neste tipo de narrativa, o cliente pode falar sobre seus próprios sentimentos, situações ou ideias relevantes, porém com uma dificuldade de um movimento auto-reflexivo. Nestes casos, o cliente por vezes inclui informações biográficas sobre outros, descrições ou explicações; entretanto, em geral estas reproduzem cenários hipotéticos ou evidenciam conjecturas com uma falta de foco em si mesmo (Angus Narrative-Emotion Marker Lab., 2015Angus Narrative-Emotion Marker Lab. (2015). Narrative-emotion processes coding system manual. [Unpublished document].). A tarefa do terapeuta é aumentar a atenção e a reflexão sobre a experiência interna, auxiliando o cliente a fazer conexões entre eventos e aumentando a chance de criação de novos significados (Paivio & Angus, 2017Paivio, S., & Angus, L. (2017). Narrative processes in emotion-focused therapy for complex trauma. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/0000041-000
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).

Como apontam Angus & Greenberg (2011Angus, L. E., & Greenberg, L. S. (2011). Working with narrative in emotion-focused therapy: Changing stories, healing lives. American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/12325-000
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), o terapeuta tem muito risco de “se perder” em narrativas do tipo superficial, pois estas dificultam a compreensão e o induzem a fazer uma série de inferências com o intuito de buscar esclarecimentos. Entre os segmentos 15 e 16, em que há uma mudança produtiva, percebe-se que a aluna/terapeuta não cai nesta armadilha e aborda com bastante precisão os sentimentos relacionados à experiência central, conforme ilustrado a seguir:

C: E me deixa mais frustrada ainda que logo depois que eu saí, enfim, meu pai voltou com aquela situação que eu achei que já tava tudo bem, isso me deixa mais impotente ainda, sabe? Enfim, não me ocorreu muito nas últimas semanas… T: Uhum. C: Não sei se meus irmãos me contam tudo. T: E como tu tá se sentindo com isso de achar que os teus irmãos estão escondendo coisas de ti? C: Pois é, eu… como eu disse antes, um pouco traída, né… E… Eu não sei, eu sinto até raiva, mas eu me culpo por sentir essa raiva. Eu acho que essa… essa coisa toda assim, começou mais quando eu comecei a me fazer essas perguntas, sabe, que eu te falei antes, quando eu comecei a pensar qual era o sentido das coisas pra mim, qual que… como eu me sentia com tal coisa… e eu comecei a dar um pouquinho mais de atenção, embora eu ainda esteja considerando isso muito egoísta.

Angus, Levitt e Hardtke (1999Angus, L., Levitt, H., & Hardtke, K. (1999). The narrative processes coding system: Research applications and implications for psychotherapy practice. Journal of clinical psychology, 55(10), 1255-1270. https://doi.org/b9w8jm
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) afirmam que em momentos de mudança terapêutica surgem transições dialéticas entre revelação narrativa da memória autobiográfica (processos narrativos externos), diferenciação emocional (processos narrativos internos) e construção de sentido (processos narrativos reflexivos). Justamente é este tipo de mudança que percebe-se nestes segmentos: de uma narrativa externa (irmãos não contarem tudo), a cliente/aluna segue para um movimento de exploração e simbolização do significado propiciada pela intervenção (“E como tu tá se sentindo com isso de achar que os teus irmãos estão escondendo coisas de ti?”), para, por fim, mergulhar em uma reflexão característica de uma narrativa interna, explorando o sentido do sofrimento (sentir-se traída). A intervenção terapêutica nestes segmentos parece ter facilitado a mudança narrativa-emocional na direção de uma ressignificação da experiência. Ao invés de se concentrar em “o que aconteceu” (irmãos não contaram tudo para ela), a cliente/aluna volta-se para uma descrição e elaboração de emoções dolorosas e experiências ligadas à narrativa da memória pessoal, abordando então a questão sob a ótica de “o que foi sentido” durante um evento. No exemplo das falas, vemos uma transição entre um relato externalizado e queixoso com relação aos irmãos (self em relação aos irmãos), para uma diferenciação emocional interna e construção de sentido incipiente, que permite que a cliente comece a relatar o sentimento de sentir-se traída (self em relação ao próprio self).

Considerações finais

Embora não possam ser feitas generalizações, este trabalho de análise microanalítica da sessão simulada pode ser considerado um primeiro passo importante para o desenvolvimento de uma proposta metodológica de investigação de habilidades terapêuticas combinada com a análise de sistemas de codificação narrativo-emocionais. Os resultados demonstraram a possibilidade de identificar a tomada de decisão clínica e o impacto das intervenções terapêuticas imediatamente anteriores às mudanças narrativas ocorridas na sessão ilustrativa. Além disso, a codificação narrativa-emocional da sessão utilizando o NEPCS 2.0, juntamente com a análise das intervenções psicoterapêuticas pelo PCEPS, revelou uma boa adesão da aluna/terapeuta ao modelo humanista-experiencial, especialmente no que se refere às intervenções centradas na pessoa.

Entretanto, as mudanças produtivas estiveram mais associadas às intervenções de especificidade experiencial e as improdutivas mais associadas a uma opção majoritária por intervenções do tipo resposta-reflexo. Como foi apontado na discussão, as características narrativas da cliente giraram em torno de padrões desadaptativos repetitivos que exigiram da aluna/terapeuta uma condução voltada para uma maior especificidade experiencial. A dificuldade da aluna em corresponder a esta exigência, coaduna com a literatura relacionada a jovens terapeutas, que sugere uma compreensão estereotipada e simplificada dos estudantes da teoria humanista. As orientações pedagógicas relacionadas à não-direção (não dar conselhos ou fazer interpretações), muito demarcadas na perspectiva centrada na pessoa, podem ter provocado intervenções terapêuticas menos associadas à especificidade experiencial. Tal aspecto pode explicar em parte as mudanças narrativas improdutivas da sessão relacionadas às intervenções centradas na pessoa; porém são necessários novos estudos para que tal hipótese seja confirmada.

Uma limitação deste estudo é o fato de que a sessão não foi conduzida com um cliente real e, como tal, os marcadores de processos narrativo-emocionais identificados eram representativos de uma sessão de terapia encenada (não real). Por essa razão, futuros estudos são necessários para que se possa comparar programas pedagógicos de desenvolvimento de habilidades terapêuticas que tomem como base tanto sessões psicoterápicas reais quanto simuladas, com o intuito de identificar diferenças significativas para o treinamento de competências clínicas.

Em conclusão, é importante destacar que o foco específico deste estudo estava centrado nas habilidades psicoterapêuticas, com os marcadores narrativos desempenhando um papel central como elementos guias para a tomada de decisões clínicas. A estudante que assumiu o papel de cliente na sessão ilustrada desempenhou uma função crucial no fomento do desenvolvimento das habilidades psicoterapêuticas. Ao proporcionar uma narrativa única e uma variedade de oportunidades para o manejo e a tomada de decisão clínica na simulação, ela contribuiu significativamente para os resultados do estudo.

Portanto, sugere-se que a simulação no papel de cliente oferece uma oportunidade para o desenvolvimento espontâneo e experiencial de "habilidades psicoterapêuticas em ação", conforme enfatizado na literatura pertinente para a formação de jovens terapeutas. Pesquisas adicionais são necessárias para explorar e aperfeiçoar o uso de sessões simuladas de psicoterapia no desenvolvimento de competências terapêuticas, melhorando assim a formação de futuros psicólogos e profissionais de saúde mental.

Agradecimentos

Gostaria de expressar minha sincera gratidão à Professora Lynne Angus (York University/Toronto, Canadá) pelo seu inestimável apoio e orientação durante a codificação da sessão, assim como seu encorajamento constante para a conclusão deste estudo. Além disso, estendo minha sincera apreciação aos alunos e bolsistas de pesquisa: Jéssica de Matos Nunes (CAPES/UFCSPA), João Pedro Borges Ferrari (PIBIC/CNPq) e Marina Helena Dias da Costa (PIC/UFCSPA). Sua dedicação, trabalho árduo e comprometimento com este projeto de pesquisa foram fundamentais para sua bem-sucedida realização

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  • 1
    É considerado um segmento o período que compreende o total de um minuto de sessão. Na apresentação dos resultados, em alguns trechos, será utilizada a abreviação “seg.” para a palavra “segmento”, seguida de exemplos de fala.
  • Declaração de disponibilidade de dados

    O autor não autoriza a divulgação de dados da pesquisa.

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Alexander Hochdorn

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2022
  • Aceito
    13 Mar 2023
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