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Ciúmes e Anseios de (Im)Potência Masculina: Leitura Psicodinâmica Sob uma Ótica de Gênero

Resumo

Vivências subjetivas do ciúme são atravessadas por dimensões culturais e de gênero. Na perspectiva dos estudos das masculinidades, objetiva-se uma análise hermenêutica de como homens cisgênero entendem, nomeiam e experienciam esse afeto. Trata-se de pesquisa qualitativa com entrevistas narrativas e análise de conteúdo. Participaram do estudo 8 sujeitos em relacionamentos heteroafetivos com queixas sobre sentir e/ou receber ciúmes. Na categoria “elas ciumentas, eles fortalecidos”, analisa-se o ciúme recebido. Discute-se sobre o ciúme sentido em três categorias: “enciumar-se em meio às questões narcísicas da (im)potência”; “perceber e se esquivar: das ambivalências do afeto ciumento”; “um ciúme disfarçado, mas que exige delas submissão”. Uma leitura gendrada das questões emocionais e narcísicas evidenciaram como experiências ciumentas masculinas se articulam ao dispositivo da eficácia.

Palavras-chaves:
ciúme; gênero; masculinidades; dispositivo da eficácia.

Abstract

Subjective experiences of jealousy are crossed by cultural and gender dimensions. From a perspective of masculinity studies, this article aims to offer a hermeneutic analysis of how cisgender men understand, designate, and experience this affection, through qualitative research containing narrative interviews and content analysis. The participants were 8 subjects in heterosexual relationships with complaints about feeling and/or receiving jealousy. The received jealousy is analyzed under the category “jealous women, strengthened men”. The feeling of jealousy is discussed through three categories: “feeling jealous amid the narcissistic issues of (im)potency”; “noticing and avoiding: the ambivalences of jealous affection”; “a disguised jealousy that demands submission from women”. A gendered reading of emotional and narcissistic issues showed how experiences of male jealousy are linked to the efficacy dispositif.

Keywords:
jealousy; gender; masculinities; efficacy dispositif.

As tradicionais histórias sobre ciúme na cultura ocidental têm um ponto em comum em seus enredos: os ciumentos são homens. Da história bíblica de Caim, do clássico shakespeariano Otelo até o conflito machadiano entre Bentinho, Capitu e Escobar. Inclusive, o paralelo entre a obra de Shakespeare e de Machado Assis é mencionado pelos críticos literários, mas também pelo próprio narrador de Dom Casmurro: Santiago refere a si mesmo como Otelo, embora enfatize uma diferença fundamental entre as histórias, visto que entende que sua Desdêmona (no caso, Capitu) seria culpada (Assis, 2020Assis, M. de. (2020). Dom Casmurro. Editora Antofágica.; Caldwell, 2008Caldwell, H. (2008). O Otelo brasileiro de Machado de Assis. Ateliê Editorial.).

Dom Casmurro seria, afinal, a história sobre a desilusão amorosa de Bentinho decorrente da traição de sua amada Capitu ou sobre seu ciúme excessivo operando uma lógica quase delirante que convence (o narrador e seus leitores) da infidelidade da esposa? Se hoje esse debate pode ecoar nas análises literárias é em razão da postura crítica e investigativa de Caldwell (2008Caldwell, H. (2008). O Otelo brasileiro de Machado de Assis. Ateliê Editorial.) que em 1960 se propôs a refletir sobre tal veredito após a constatação de que “praticamente três gerações - pelo menos de críticos - julgaram Capitu culpada” (p.100) e pouco exploraram o comportamento ciumento de Bentinho.

Dessa problematização, evidencia-se o quanto tradicionalmente há uma forte associação entre ciúme masculino e sofrimento amoroso em enredos marcadamente trágicos. Os elevados números de feminicídio no Brasil também evidenciam o quanto o comportamento ciumento masculino está presente em situações de violências cometidas contra mulheres (Ávila et al., 2020Ávila, T. P., Medeiros, M. N., Chagas, C. B., Vieira, E. N., Magalhães, T. Q. S., & Passeto, A. S. de Z. (2020). Políticas públicas de prevenção ao feminicídio e interseccionalidades. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 10(2), 376-408. https://doi.org/doi: 10.5102/rbpp.v10i2.6800
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; Fernandes et al., 2018Fernandes, V. D. S., Takaki, D. Z., & Paula, F. S. de. (2018). Raio X do FEMINICÍDIO em SP: é possível evitar a morte. Núcleo Gênero MPSP.).

É possível - e urgente - questionar que premissas sustentam tais dinâmicas, pois se enciumar-se não é uma experiência unicamente masculina, porque os desfechos ciumentos trágicos são preponderantemente protagonizados por homens? A experiência ciumenta, afinal, ocorre de modo diferenciado em homens e mulheres? Ou, como questionado em estudo anterior: “existiria alguma particularidade nos homens, ou nesse lugar, para que se sentissem tão afetados pela relação com o outro, produzindo um ciúme tão agressivo para si e para os outros?” (Reis, 2015Reis, D. (2015). Ciúme, dominação masculina e masoquismo mortífero. In F. Belo (Ed.), Os ciúmes dos homens (pp. 41-56). KBR Editora., p. 43).

Para a Psicanálise, o ciúme precisa ser compreendido enquanto uma questão de economia libidinal e não de estruturação psíquica. Como explica (Freud, 1922/2019bFreud, S. (2019b). Sobre alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e na homossexualidade. In: Obras incompletas de Sigmund Freud: Neurose, Psicose e Perversão (pp. 193-207). Autêntica Editora. (Original publicado em 1922).), esse afeto “não é de forma alguma racional, isto é, oriundo de vínculos atuais, proporcionais às efetivas circunstâncias e inteiramente dominado pelo Ego consciente, pois ele está profundamente arraigado no inconsciente” (p. 193).

A discussão psicanalítica sobre ciúme está essencialmente vinculada às dinâmicas narcísicas que envolvem tanto a percepção de si enquanto sujeito faltante e limitado, quanto o desejo direcionado ao outro que move-se a partir dessa falta, mas busca caminhos para negá-la ou suplantá-la (Brasil, 2009Brasil, A. (2009). Psicopatologia da Vida Amorosa. Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37, 9-21. http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psi-46376
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; Lachaud, 2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud.; Quinet, 2009Quinet, A. (2009). Somos sempre ciumentos? Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37(1939), 131-136. https://appoa.org.br/uploads/arquivos/revistas/revista37-1.pdf
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). Ao aproximar esse afeto da angústia, tem-se que “o ciúme é, portanto, o outro lado do desejo - é o sinal da incompletude do sujeito” (Quinet, 2009Quinet, A. (2009). Somos sempre ciumentos? Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37(1939), 131-136. https://appoa.org.br/uploads/arquivos/revistas/revista37-1.pdf
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, p. 135). Deste modo, entende-se o ciúme como uma das

formas de simbolização do desamparo. O ciumento diz claramente: Não ame ninguém para além de mim; sem seu amor, eu morro - desamparo invertido e transformado num insaciável desejo de onipotência, onipresença e onisciência. O ciumento quer tudo do objeto, quer ser o único a produzir alegria no objeto de amor, quer saber de tudo dele, quer estar presente o tempo todo. Numa palavra, quer ter poder total sobre seu alvo amado. (Belo, 2015Belo, F. (2015). Os ciúmes dos homens em “Quadrinhos de Estória” e “Desenredo”, de Guimarães Rosa. In F. R. R. Belo (Ed.), Os ciúmes dos homens (pp. 57-74). KBR Editora., p. 66)

Se a demanda ciumenta de requerer um lugar único e majestoso para o outro pode ser lida enquanto uma reivindicação narcísica (Brasil, 2009Brasil, A. (2009). Psicopatologia da Vida Amorosa. Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37, 9-21. http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psi-46376
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), a frustração dessa idealização (de si, do outro e da própria concepção amorosa) desencadeia um processo de luto narcísico (Lachaud, 2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud.) ao fazer emergir questões relacionadas à castração e à indubitável impossibilidade de suplência total do sujeito (para si mesmo e para o outro). Neste ponto, a compreensão psicanalítica diferencia as direções tomadas por homens e mulheres em relação ao complexo de Édipo, ao de castração e, consequentemente, à relação fálica de perceber-se - mais ou menos - faltante ou potente (Freud, 2006Freud, S. (2006). Sobre o Narcisismo. In ESB, Vol XIV (pp. 75-110). Editora Imago. (Original publicado em 1914)., 2019aFreud, S. (2019a). O declínio do Complexo de Édipo. In:Obras incompletas de Sigmund Freud: Amor, sexualidade, feminilidade (pp. 247-258). Autêntica Editora. (Original publicado em 1924).). A feminilidade seria, então, associada à falta, enquanto o masculino se aproximaria da lógica da Lei e do poder.

Seria problemático, contudo, “considerar a construção do feminino e do masculino como eternizados, ‘a-priori’ universais e a-historicizados. São construções de categorias quase míticas porque fundantes, porque constituem o ‘impensado’ das diferenças de gênero” (Machado, 1998Machado, L. Z. (1998). Violência Conjugal: os espelhos e as marcas. Série Antropologia, 240, 02-42. http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie240empdf.pdf
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, p. 18). Logo, defende-se a importância de compreender as resoluções subjetivas para a angústia de castração circunscritas às dimensões culturais e históricas que atravessam os processos de subjetivação. Afinal, como destaca Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris), em culturas sexistas o tornar-se pessoa/sujeito está indissociado das performances e dos scripts culturais que conformam o tornar-se homem ou mulher. Nessa perspectiva, o que se propõe é uma leitura gendrada tanto do conceito de narcisismo quanto de masculino.

Uma premissa básica no debate sobre masculinidade é que esta não é mero reflexo de uma essência mítica ou inata, nem manifestação de uma natureza biológica, mas é um construto social, histórico e simbólico que demarca definições sobre masculino e sobre relações de gênero (Colling & Tedeschi, 2019Colling, A. M., & Tedeschi, L. A. (2019). Dicionário Crítico de Gênero (2a Edição). Editora UFGD.; Connell & Messerschmidt, 2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://www.scielo.br/j/ref/a/cPBKdXV63LVw75GrVvH39NC
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; Kimmel, 1998Kimmel, M. S. (1998). A produção simultânea de masculinidades. Horizontes Antropológicos, 4(9), 103-117. https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007
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; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris). Entende-se que, embora seja evidente uma pluralidade de masculinidades, estas se organizam de modo hierárquico entre si e em relação às mulheres.

Do conceito de masculinidade hegemônica, apreende-se que há um padrão de atitudes, valores e ideais em relação aos quais os sujeitos buscam/precisam se posicionar para serem (re)conhecidos enquanto homens (Connell & Messerschmidt, 2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://www.scielo.br/j/ref/a/cPBKdXV63LVw75GrVvH39NC
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). Estas configurações de práticas sociais a respeito do masculino estão enredadas em relações de poder que instituem lógicas normativas e ideológicas sobre o tornar-se homem, mas sobretudo, sobre um tornar-se homem honrado, legitimado e valorado positivamente.

Uma análise histórica da cultura ocidental permite identificar como há uma socialização dos homens voltada para o exercício do poder (Saffioti, 2011Saffioti, H. I. B. (2011). Gênero, Patriarcado e Violência (2a). Editora Fundação Perseu Abramo.), em que

a construção cultural das categorias do masculino está se fazendo num campo minado onde se enredam, se misturam e se fundem as identificações com a ideia de portador da lei simbólica (e, portanto, também a ela submisso), produtor arbitrário de lei (e, portanto, sem estar ou precisar a ela se submeter), agente do poder e agente da violência. Tais são as armadilhas das concepções de masculinidade. (Machado, 2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In M. R. Schpun (Ed.), Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo Editorial & Santa Cruz do Sul: Edunisc., p.72)

Aponta-se, além disso, a respeito das constantes provas sobre a própria masculinidade, especialmente perante outros homens - por serem eles próprios que (se) avaliam e (se) legitimam (Kimmel, 1998Kimmel, M. S. (1998). A produção simultânea de masculinidades. Horizontes Antropológicos, 4(9), 103-117. https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007
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). A ideia de que é necessário provar-se enquanto homem demonstra quão contraditório pode ser essa lógica de potência atribuída ao masculino, dado que essa necessidade de reafirmar-se constantemente revela também um risco permanente de perda de poder e de status (Colling & Tedeschi, 2019Colling, A. M., & Tedeschi, L. A. (2019). Dicionário Crítico de Gênero (2a Edição). Editora UFGD.), que é vivido subjetivamente como uma interpelação identitária ao resgatar demandas narcísicas sobre perceber-se sujeito/homem (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris).

Como demonstrado por Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris), na cultura brasileira, os processos de subjetivação dos homens pautam-se pelo dispositivo da eficácia: as injuções identitárias sobre ser homem estruturam-se a partir de demandas sobre as virilidades sexuais e laborativas. Ser potente sexualmente e com poder laborativo/financeiro são parâmetros de afirmação sobre a masculinidade que se organizam em paralelo a uma ordem negativa: opor-se àquilo que possa os identificar ou os aproximar do que seria visto como feminino - sensibilidade, fragilidade, passividade, cuidado, amorosidade.

Evidencia-se, assim, como há uma interpelação para um embrutecimento afetivo dos homens, no qual os valores de virilidade e de dominação são associados a um “exercício de si mesmo, não apenas no controle sobre as próprias ações, mas também, inclusive, no controle das emoções” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, p. 178). Trata-se, portanto, de uma discussão que envolve tanto dimensões culturais e políticas a respeito de identidade de gênero e socialização masculina; quanto a apreensão das emoções como fenômeno social e simbólico.

Os estudos do campo da Antropologia das Emoções demonstram como as percepções sensoriais, as repercussões emocionais de dada vivência e as formas possíveis de expressar afetos refletem normas coletivas - mais ou menos - implícitas e traduzem, dentro das circunstâncias singulares de cada sujeito, uma inteligibilidade simbólica e culturalmente construída sobre cada sentimento (Le Breton, 2019Le Breton, D. (2019). Antropologia das Emoções. Editora Vozes.).

De uma análise contextual identifica-se como as experiências emocionais são atravessadas por concepções morais; por posições subjetivas demarcadas em relações de poder; e por processos de aprendizagem e de identificação social (Rezende & Coelho, 2010Rezende, C. B., & Coelho, M. C. (2010). Antropologia das Emoções. Editora FGV.). Como aponta Le Breton (2019Le Breton, D. (2019). Antropologia das Emoções. Editora Vozes.), o “desencadear das emoções é necessariamente um dado cultural tramado no âmago do vínculo social e nutrido por toda a história do sujeito. Ele mostra aos outros uma maneira pessoal de ver o mundo e ser afetado por ele” (p. 146).

Nessa perspectiva, o desenho dessa pesquisa baseia-se na busca por entender o ciúme como uma emoção inscrita (e prescrita) em uma gramática cultural que se expressa por uma diversidade de sentidos que tomam forma na história individual, mas também nos pactos coletivos que sustentam as masculinidades. Logo, destaca-se dois pontos fundamentais que serão explorados neste artigo: como o fenômeno do ciúme se configura nas vivências subjetivas e como é atravessado por questões de gênero. Objetiva-se empreender uma análise hermenêutica de como homens cisgênero (pessoas do sexo masculino que se identificam como homens) entendem, nomeiam e experienciam os ciúmes.

Método

Esta pesquisa qualitativa busca uma “congruência entre os paradigmas teóricos (que fundamentam a definição do objeto e a formulação do problema) e os métodos e técnicas empregados (para abordar a realidade empírica)” (Fontanella et al., 2008Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: Contribuições teóricas. Cadernos de Saude Publica, 24(1), 17-27. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2008000100003
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, p. 19). Desse modo, foram desafios constantes: a compreensão sobre o universo da pesquisa, a estratégia para acessar a amostra e os caminhos metodológicos para a escuta dos sujeitos.

Considerando a dimensão íntima e privada do objeto de estudo, a amostragem por bola de neve (Vinuto, 2016Vinuto, J. (2016). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, 22(44), 203-220. https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/tematicas/article/view/2144/0
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) se revelou promissora para identificar possíveis sujeitos interessados em participar da pesquisa. Neste intuito, um texto sobre a pesquisa foi elaborado e divulgado em diferentes redes de contato, em que se enfatizava o convite para a participação, bem como o pedido para que o mesmo fosse reencaminhado amplamente em suas respectivas redes.

O convite informava ser uma pesquisa em Psicologia que objetivava compreender sobre o ciúme na experiência amorosa e que seguia os devidos cuidados éticos. O convite para uma entrevista individual era destinado a homens que mantinham relacionamentos heteroafetivos e que identificavam o ciúme como um fator presente e impactante em suas vivências pessoais e amorosas. Foi disponibilizado também o link de um formulário virtual para os interessados informarem: dados para contato; idade; renda familiar; autoidentificação racial; e demanda sobre ciúme.

O acompanhamento das respostas ao formulário representou uma etapa metodológica. A maioria dos registros se deu nos primeiros dias após a divulgação e com a diminuição da taxa de resposta, optou-se pelo fechamento da amostra inicial. Procedeu-se com uma primeira análise das 76 respostas ao formulário, adotando como critérios de exclusão: cadastros com informações incompletas, respostas em duplicidade ou fora do perfil estipulado. Deste procedimento, definiu-se um espectro de 67 sujeitos interessados na pesquisa.

Na etapa seguinte, identificou-se que 46,3% declararam se afetar pelo ciúme que uma parceira (ou ex) sentiam deles; 14,9% por sentir muito ciúme; 22,4% se afetavam por ambos contextos; e 16,1% preencheram a opção “outros”, especificando situações diversas desde não sentir “nenhum ciúme” a identificar como um ciúme “apenas moderado”. Essa amostra inicial revelou-se diversa também em termos de idade, identificação racial e renda familiar.

Dado o caráter qualitativo deste estudo, o foco na compreensão e na interpretação do problema de pesquisa e a proposta de realizar entrevistas em profundidade, optou-se por uma amostragem intencional delimitada, por critérios de saturação teórica, em oito sujeitos entrevistados (Fontanella & Júnior, 2012Fontanella, B. J. B., & Júnior, R. M. (2012). Saturação Téorica em Pesquisas Qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicologia Em Estudo, 17(1), 63-71. https://doi.org/10.1590/S1413_73722012000100008
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; Minayo, 2012Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000300007
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). Os atributos essenciais nesta definição amostral foram definidos de modo a garantir tanto uma diversidade étnico-racial e etária; quanto uma variedade em termos de como os dilemas ciumentos se apresentavam em suas vivências.

Um panorama descritivo das respostas ao formulário dos sujeitos da pesquisa aponta que: dois identificaram sentir muito ciúme (Marcelo , 42 anos, pardo; e Luciano, 22, preto); três queixavam do ciúme de parceiras (Martin, 54, pardo; Vicente, 22, pardo; e Alfredo, 25, negro); dois apontaram dilemas ciumentos em ambas as situações (Felipe, 28, branco; e Ronaldo, 25, branco); e um deles preencheu o campo “outros” descrevendo que tinha um ciúme moderado (Joel, 55, pardo).

Em razão da pandemia de COVID-19, foi necessário realizar as entrevistas virtualmente por meio de videoconferências. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi preenchido em um formulário online e encaminhado por e-mail a todos os participantes. As entrevistas duraram em média 90 minutos, foram gravadas em aúdio e vídeo, e transcritas na íntegra.

A técnica de entrevista narrativa foi empregada dado sua proposta de “gerar histórias” (Bauer & Gaskell, 2002Bauer, M. W., & Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático (2a). Editora Vozes., p. 105) em uma conversa marcada por uma postura não diretiva da pesquisadora, sem roteiro estruturado e com abertura para o sujeito abordar suas vivências com seu ritmo e linguagem próprios. As entrevistas iniciaram-se com o convite para os participantes relatarem livremente suas histórias relacionadas a ciúme e, apenas após indicarem o término de seus relatos, a pesquisadora explorava certas temáticas que já haviam sido definidas previamente na pesquisa como relevantes para este estudo. Neste ponto, questionava-se como os sujeitos comparavam as experiências de sentir e receber ciúme; e como (e se) percebiam alguma associação entre questões raciais e suas experiências ciumentas e/ou amorosas.

Nesta interlocução com os sujeitos da pesquisa, adotou-se uma postura ativa da pesquisadora ao indagar, interpretar e estabelecer uma perspectiva crítica, em um trabalho de campo cujos resultados são construídos e não meramente coletados ou contemplados (Minayo, 2012Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000300007
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). De modo similar, há o entendimento de que o “movimento classificatório que privilegia o sentido do material de campo não deve buscar nele uma verdade essencialista, mas o significado que os entrevistados expressam” (Minayo, 2012Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000300007
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, p. 624).

Depois de transcritas as entrevistas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo para analisá-las (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.). Nesta perspectiva, em uma primeira etapa, as duas pesquisadoras leram separadamente as entrevistas buscando identificar temas mais frequentes e relevantes das narrativas. Posteriormente, empreendeu-se discussões entre elas a fim de comparar pontos de vista, identificar temáticas transversais ao material transcrito, elencar as categorias de análise e estabelecer um diálogo entre os fundamentos teóricos e a escuta dos sujeitos. A apresentação e discussão dos resultados a seguir está orientada no sentido de ir

construindo um relato composto por depoimentos pessoais e visões subjetivas dos interlocutores, em que as falas de uns se acrescentam às dos outros e se compõem com ou se contrapõem às observações ... [para] tecer uma história ou uma narrativa coletiva, da qual ressaltam vivências e experiências com suas riquezas e contradições. (Minayo, 2012Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000300007
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, p. 623)

Resultados e Discussão

Considerando que as emocionalidades permeiam as experiencias subjetivas e que o foco da pesquisa foi compreender como elas se configuram e são (re)significadas, as categorias de análise serão apresentadas a partir de uma diferenciação entre sentir ciúme e recebe-lo de uma parceira. As reflexões sobre o ciúme recebido serão apresentadas em uma única categoria de análise nomeada “elas ciumentas, eles fortalecidos”; já as experiências do afeto sentido serão discutidas em três categorias distintas: “enciumar-se em meio às questões narcísicas da (im)potência”; “perceber e se esquivar: das ambivalências do afeto ciumento”; e “um ciúme disfarçado, mas que exige delas submissão”.

Estas duas dimensões foram abordadas pelos sujeitos a partir de relatos que variavam tanto em termos da direcionalidade do ciúme quanto circunscritas em diferentes relações conjugais estabelecidas por eles. Metade da amostra, por exemplo, relatou suas experiências ciumentas restritas a um único vínculo amoroso (Vicente, Joel, Luciano, Marcelo), enquanto o restante abordou situações vividas em diferentes relacionamentos tanto relacionadas a ciúme recebido quanto sentido (Alfredo, Ronaldo, Felipe, Martin). Apenas duas narrativas enfatizaram exclusivamente sobre receber ciúmes de uma parceira, tendo os sujeitos (Martin e Vicente) afirmado que sentir ciúme era algo muito incomum em suas vidas; e somente um sujeito (Luciano) abordou apenas o próprio ciúme destacando que a namorada não sentia tal afeto. Já nas demais entrevistas, as histórias e as reflexões compartilhadas perpassaram tanto as experiências de sentir quanto de receber ciúme.

Sobre o ciúme recebido: elas ciumentas, eles fortalecidos

Sobre a experiência de perceber-se objeto de ciúme de uma parceira, foi comum que os sujeitos interpretassem como algo benéfico para eles por estar ligado ao “amor dela, ao cuidado pela família em si (Marcelo); e a “ser amado, ter alguém que se importa com você, que não quer te perder” (Felipe). Mesmo no caso em que o sujeito (Luciano) relatou apenas experiências do próprio ciúme enfatizando que a namorada não sentia ou demonstrava tal afeto, foi possível identificar uma semelhança com tais interpretações, dado que a ausência de ciúme dela suscitava nele dúvidas se ela de fato gostava dele.

Essa avaliação positiva do ciúme recebido foi mencionada em tom de confissão marcado por uma lógica ambivalente que envolvia perceber que a parceira está incomodada e sentir prazer com a situação, ainda que também reclamassem do ciúme dela. A fala de Ronaldo sobre como se sente ao perceber o ciúme da atual namorada é expressiva desse contexto:

Eu me sinto mal porque eu sei que ela não tá muito bem. Porque ela não fica muito bem, né? Ah, mas, ao mesmo tempo, eu gosto de saber que ela se importa assim o suficiente. Tem essa coisa, né? No fundinho, no fundinho...talvez dentro de uma caixinha secreta no meu cérebro, eu me sinto um pouco tranquilizado pelo fato de que ela tem ciúmes.

A experiência de receber o ciúme demonstra, por um lado, como eles avaliam a partir das repercussões subjetivas para si (Felipe: “eu ouso dizer que faz até bem para a autoestima, sabe?”), e por outro lado, como julgam a parceira como insegura ou imatura em razão daquele afeto. Estas duas dimensões, contudo, se retroalimentam de modo a trazer certo empoderamento aos homens em suas relações conjugais, como afirma, inclusive, um dos participantes: “mas é aí que entra a questão, porque ela sempre foi insegura e eu me sentia forte, amado, confortável” (Alfredo).

Estudos teóricos com perspectiva de gênero analisam como as relações heteroafetivas são marcadas por posições (sociais e subjetivas) hierarquicamente desiguais entre homens e mulheres. Como discutido por Lagarde (2001Lagarde, M. (2001). Claves feministas para la negociación en el amor. Puntos de Encuentro.), o apaixonamento traz uma potência de autoestima para os homens a medida que, culturalmente, espera-se que as mulheres busquem e se dediquem ao benefício e ao melhoramento do parceiro para que ele possa, então, amá-la. Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris), por sua vez, evidencia como os homens lucram com o dispositivo amoroso das mulheres: como para elas o ser escolhida e amada tem um caráter central em seus processos identitários, isso contribui para o lugar/desejo de poder masculino como aqueles que escolhem e, consequentemente, legitimam as experiências amorosas e narcísicas delas.

Contudo, apesar dessa avaliação inicial do ciúme como positivo, os entrevistados falaram de um limiar a partir do qual o consideram excessivo. O fator mencionado que mais influenciaria esse parâmetro é a tentativa da parceira de controlar a vida deles. Relatos comuns trazidos para exemplificar essa postura excessiva delas: olhar o celular, ler mensagens trocadas por eles, questionar suas ações nas redes sociais, perguntar com quem conversou. Em geral, essas posturas eram entendidas como uma “coisa chata”, que os irritava e que incomodava por estar invadindo a privacidade.

Embora tais situações fossem mencionadas como transtorno e aborrecimento, é interessante notar o quanto eles enfatizavam que não cediam a tais tentativas de controle. Essa dita resistência aparece nas narrativas em diferentes contextos, ora em uma atitude de afirmar seus desejos e singularidades (Vicente: “eu não fazia para provocar, sabe, as coisas que eu fazia das quais ela não gostava eu fazia porque era um prazer meu”); ora buscando desqualificar tal demanda (Alfredo ao negar cancelar uma amizade nas redes sociais: “eu não vou fazer isso, porque não faz sentido! Eu acredito que eu sou livre e você também é livre”); ora enfrentando com sarcasmo a situação (Martin conta que “debochava e embirrava: eu fazia questão de não dizer, algo que eu sabia que ela queria saber”).

Estes exemplos indicam como a afirmação de uma independência e de uma não subjugação às demandas feitas pelas mulheres são centrais no modo como lidam com o ciúme delas, sobretudo porque são pontos basilares dos processos identitários masculinos. Não ocupar uma posição subalterna se apresenta como parâmetro de hombridade (Kimmel, 1998Kimmel, M. S. (1998). A produção simultânea de masculinidades. Horizontes Antropológicos, 4(9), 103-117. https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007
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), o que revela tanto o desejo e a busca por legitimar-se em um lugar de dominante na relação com os outros quanto um movimento de autocentramento dos homens nos relacionamentos amorosos (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris). É possível identificar, além disso, que essa possibilidade de definir um limite ao que lhes pareceu um ciúme excessivo não foi vivenciada por eles como preocupação ou risco de sofrerem reações abusivas ou agressivas da parceira, o que se diferencia em muitos aspectos das experiências das mulheres com parceiros ciumentos (Guimarães & Zanello, 2022Guimarães, M. C., & Zanello, V. (2022). Enciumar(-se), experiência feminina? dilemas narcísicos sob a ótica interseccional de gênero. Revista de Psicología, 40(2), 1133-1174. https://doi.org/https://doi.org/10.18800/psico.202202.018).

Uma outra questão que se destacou nas narrativas refere-se à percepção sobre o ciúme ter ou não um motivo válido, em que os sujeitos avaliam que os ciúmes delas seriam injustificados caso não houvesse infidelidade deles. Ainda assim, percebeu-se que mesmo nas situações em que eles relatavam não terem sido fiéis, tal reconhecimento não era assumido para a parceira e nem minimizava as reclamações deles em relação a elas. Ronaldo ao se queixar de uma ex namorada ciumenta:

Qualquer coisa, virou quase uma paranoia, assim, né? Eu acho. Qualquer coisa era, era eu me apaixonando por alguém, entendeu? E era direcionada a uma pessoa específica. E aí isso eventualmente quebrou a nossa, acabou mesmo a relação. Devido a esses ciúmes, né? Porque não tinha, não tinha mais... não valia mais a pena para mim, né, digamos, estar com ela.

Em um momento posterior da entrevista, ele, contudo, pondera que “o chato é que, na verdade, ela tinha motivo para ter ciúmes, né?”, referindo-se ao fato de que, na época, ele se sentia apaixonado por outra mulher (a mesma, inclusive, mencionada pela sua parceira). Embora, na entrevista, haja tal reconhecimento, ele admite que sempre negava para a parceira qualquer interesse ou infidelidade dele, insistindo no discurso de que o problema do relacionamento tinha sido o ciúme excessivo e a instabilidade emocional dela.

O que nos interessa aqui não é uma discussão moralista sobre as particularidades do desejo amoroso de Ronaldo, mas problematizar como há um manejo dos dilemas ciumentos da parceira direcionado a tentar deslegitimar as queixas delas utilizando-se de estratégias de manipulação psicológica. Este fenômeno descrito na literatura como gaslighting (Abramson, 2014Abramson, K. (2014). Turning up the lights on gaslighting. Philosophical Perspective, Ethics, 28, 1-30. https://doi.org/10.1111/phpe.12046
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) apareceu também em outras narrativas, configurando-se pela intencionalidade dos sujeitos em utilizar-se dessas estratégias a fim de desqualificar a mulher e, ao mesmo tempo, preservar-se em um lugar de saber/poder sobre o outro. Neste ponto, é importante que se nomeie estas práticas enquanto uma violência psicológica que repercute seriamente na saúde mental de quem sofre situações de gaslighting.

Por fim, foi possível perceber como os discursos sobre ciúmes podem facilmente reforçar estereótipos de gênero de modo a manter/estabelecer uma relação desigual de poder, em que caberia as mulheres silenciar-se sobre seus incômodos para não trazer desarmonia à família ou desconforto aos parceiros, os quais usufruem do privilégio de ser os que escolhem e decidem sobre o vínculo amoroso (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris).

Sobre o ciúme sentido

Enciumar-se em meio às questões narcísicas da (im)potência. A experiência de sentir ciúme se configura em torno de 3 dimensões: o próprio sujeito, a pessoa amada, e aquela vista como rival. Embora seja comum a associação do ciúme com o medo da infidelidade de uma parceira, as narrativas desta pesquisa revelaram que essa vinculação não necessariamente domina as experiências ciumentas masculinas.

Ao mencionarem os contextos em que se percebiam ciumentos, seus incômodos foram retratados estando mais direcionados às outras pessoas do que à própria parceira. Felipe avalia: “é por isso que eu falo que eu acho que eu confio, que o problema não é eu não confiar nela, né. É sempre pensando na intenção do outro, e não na intenção dela”. Ronaldo tentando traduzir seus incômodos: “é uma questão, às vezes, de saber, por exemplo, se o cara é muito bonito, se é muito inteligente dependendo, né? Sei lá, se é bem-sucedido [risos], né? Eu fico pensando quão interessante ela ia achar esse cara, entendeu?”. Enquanto Alfredo destaca: “eu acho que a questão dos ciúmes é o que aquela pessoa é, o que aquela pessoa representa e quais sentimentos aquela pessoa está despertando na pessoa que eu amo, né?”.

Estas falas devem ser analisadas por dois prismas. Por um lado, há um enfoque sobre o outro ser mais “bonito ou mais requisitado - todas as meninas estavam interessadas nele, queriam beijar ele” (Luciano); ou “se a pessoa é muito forte, ou alta, ou com capacidade provedora, ou muito inteligente, ou bem-sucedida” (Ronaldo). A partir de uma lógica de comparação em relação a si próprio, há uma interpelação identitária do sujeito relacionada à potência: e se eu não for tão potente quanto o outro? E se o outro homem for mais poderoso que eu?. Ou seja, emergem questões próprias ao dispositivo da eficácia que pautam a subjetivação masculina: sendo o outro mais potente, será mais homem que eu? Serei deslegitimado como homem/sujeito? (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris).

Por outro lado, essa suposta ameaça é posta em prova quando o sujeito se questiona sobre como a parceira enxerga e trata o outro. Neste ponto, um simples olhar, “algo inevitável em qualquer relacionamento, na medida em que revela a marca da presença do outro, terceiro, expondo a falta e a diferença” (Arreguy, 2004Arreguy, M. E. (2004). Dois romances, tempos distintos: uma reflexão sobre o amor e o ciúme na atualidade. Revista Mal Estar e Subjetividade, 4(1), 112-130. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482004000100006
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, p. 118) é interpretado como um desvio (do olhar e da conduta) da mulher. A fala de Alfredo ilustra o sentir-se inferior e/ou excluído daquela interação:

Do que eu me senti ameaçado? Foi a forma que tudo aconteceu né. Dela querer tirar foto dele, dela ter a iniciativa de ir conversar com ele, dela dizer a frase “Ah os nossos olhares foram de [sic] encontro” isso soou como uma frase romântica, né? Tipo a forma que ela falava sabe? que me deixou daquele jeito, porque é o que eles tanto tão conversando ali, que papo é esse que tá ali. O que que eles tão conversando que até agora ela não sentiu minha falta? Onde que eu entro nessa conversa, entendeu?

Como explicitado neste exemplo, o medo de que a parceira tenha um relacionamento extraconjugal se torna secundário quando o sujeito se depara com a possibilidade de ela descobrir no outro algo que a atraia e que ele próprio não tem, não sabe ou não pode supri-la. Perceber-se em falta revela dilemas narcísicos para qualquer sujeito, estando no centro da problemática ciumenta (Brasil, 2009Brasil, A. (2009). Psicopatologia da Vida Amorosa. Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37, 9-21. http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psi-46376
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; Lachaud, 2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud.). Contudo, é fundamental compreender como a experiência psíquica de corte narcísico se configura a partir de um gendramento que interpela questões identitárias distintas para homens ou mulheres.

No caso dos homens, a angústia de castração é retomada nas experiências ciumentas quando ele se dá conta que é impossível ser esse sujeito pleno e completo (idealizado por ele próprio) que ocuparia um lugar de suplência total para o objeto amado. Ao se deparar com a impossibilidade narcísica de ser um todo, há o questionamento: como ela é capaz de gozar sem mim? Como discute Lachaud (2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud.), “ser ciumento é ser ciumento de TODO. O ciúme é reivindicação do TODO. É investir, de modo imaginário, uma posição suposta TODA. Ser ciumento é dizer não à falta” (p. 81).

Neste ponto, desejos da parceira não supridos por ele ou interesses não direcionado para os interesses dele, são percebidos como ameaça e desencadeiam uma lógica ciumenta. Como os ciúmes de Marcelo ao perceber que a esposa era mais compreensiva com os funcionários da empresa dela do que com ele; ou de Felipe quando soube que a companheira contou algo pessoal dela para um amigo antes de contar para ele; ou de Luciano ao queixar-se da simpatia e dos sorrisos da namorada. Aliás, em diferentes narrativas apareceu um incômodo ciumento associado ao tempo ou à dedicação da parceira aos familiares (especialmente pais e irmãos dela), revelando que qualquer evento ou pessoa que receba o investimento afetivo da mulher pode ser percebido por eles como um constrangimento ou uma desconsideração a eles próprios.

Por isso, embora a preocupação com relações extraconjugais não seja predominante nas narrativas, não é possível descartar por completo a problemática da traição, uma vez que o sujeito se sente traído por não receber tudo da parceira - desde sorriso, olhar, compreensão, tempo, até o desejo como um todo. E nesse apelo narcísico de uma castração não resolvida, esse não recebimento de tudo do outro é entendido não enquanto uma característica da própria subjetivação humana, mas como uma afronta daquela que não teria cumprido a promessa romântica de entrega total ou como uma humilhação provocada por aquele sujeito-rival que lhe rouba o desejo da parceira (Brasil, 2009Brasil, A. (2009). Psicopatologia da Vida Amorosa. Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, 37, 9-21. http://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psi-46376
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).

A forma como os homens se refere aos ditos rivais, inclusive, revela um incômodo, mas sobretudo uma admiração por eles. Afinal, como nos lembra a Psicanálise, esse incômodo está diretamente relacionado a tal admiração, uma vez que a experiência frustrada de um Eu Ideal estabelece a busca por um Ideal de Eu que parece inalcançável para si na mesma proporção que parece alcançado pelos outros (Freud, 2006Freud, S. (2006). Sobre o Narcisismo. In ESB, Vol XIV (pp. 75-110). Editora Imago. (Original publicado em 1914).). Como destaca Lachaud (2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud.), “se o ciúme atinge esse narcisismo, é talvez menos porque ‘eu não sou tão bom quanto o outro’ do que porque o outro tem, em meu imaginário, o que eu não tenho” (p. 35).

Essa experiência psíquica de corte narcísico é vivenciada subjetivamente em uma particularidade que está necessariamente circunscrita em um contexto histórico e cultural e, por isso mesmo, precisa ser lida a partir dessa contextualização. Neste ponto, os parâmetros dessa idealização de si e do rival se conectam com a configuração da própria masculinidade hegemônica. Deste conceito, apreende-se que há um espectro de ações e posturas que os sujeitos deveriam adotar para se colocarem em um lugar de legitimidade enquanto homem e de poder frente aos outros homens e às mulheres (Connell & Messerschmidt, 2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://www.scielo.br/j/ref/a/cPBKdXV63LVw75GrVvH39NC
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).

A conformação histórica da masculinidade hegemônica em uma cultura sexista e patriarcal como a brasileira (Chauí, 2003Chauí, M. (2003). Ética, política e violência. In T. Camacho (Ed.), Ensaios sobre violência (pp. 39-59). Edufes.) apresenta a promessa de um lugar privilegiado aos homens na sociedade e na família como aquele que representa a Lei (Machado, 2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In M. R. Schpun (Ed.), Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo Editorial & Santa Cruz do Sul: Edunisc.) e que lucra com o cuidado e a dedicação das mulheres (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris). Esses privilégios, contudo, se vinculam a uma lógica hierarquizada que envolve tanto a disputa entre os homens (masculinidades dominantes x subalternas) quanto a subjugação das mulheres.

Não é por acaso que nas narrativas sobre os ciúmes evidencia-se o sentir-se traído nesta promessa/desejo de ser o “todo poderoso”, e as tentativas de inferiorizar outros homens e de desqualificar as mulheres. Tal dinâmica será abordada nas categorias seguintes que tratarão das interpretações dos sujeitos sobre suas experiências ciumentas e sobre o modo com que lidam com as mesmas.

Perceber e se esquivar: das ambivalências do afeto ciumento. Ao discorrerem sobre o próprio ciúme, a maioria dos participantes fez menção a sentir-se inseguro, não confiante e/ou com autoestima baixa. Para Luciano, seus problemas no passado com ciúme excessivo estavam relacionados a uma “questão de falta de autoconfiança, autoestima”, avaliando que o fato de ser um homem gordo impactava diretamente neste ponto. Muitos identificaram como problemático o sentir ciúme por ser uma experiência que os vulnerabilizava. Alfredo, por exemplo, reconhece que se sente “impotente” e Felipe enfatiza sobre ser algo que o “desestabiliza emocionalmente: é uma coisa que desafia um pouco a minha lógica, sabe? Porque eu não quero sentir aquilo, eu não entendo porque que aquilo acontece e logicamente eu acho um sentimento que ele é ruim, que ele é danoso”.

Ficou evidente, porém, uma resistência dos sujeitos em se aprofundar nessa questão: mesmo quando mencionavam esses incômodos, logo o discurso era direcionado para afirmações de “que se você não tiver o ciúme, eu acho que o relacionamento não vai muito bem não” (Joel) ou “porque se tem amor, tem ciúmes, né” (Alfredo). Em alguns casos, como de Joel, sob a justificativa de que “é normal sentir ciúme”, nem mesmo se admitia tal desconforto, apesar de ter declarado interesse em participar da pesquisa e relatado diversos episódios em que o próprio ciúme tinha o incomodado.

Nota-se que existe uma ambivalência em torno de perceber/assumir o incômodo ciumento, principalmente, porque esse afeto interpela narcisicamente o sujeito e coloca em cheque sua masculinidade. Em outras palavras, o ciúme traz questionamentos sobre os lugares em que cada um se posiciona (ou deseja) dentro do enquadre da masculinidade hegemônica, escancarando, inclusive, angústias de posições subalternizadas como a de homens negros em contextos racistas. Luciano, por exemplo, identifica que a questão racial (se identifica como preto) tem “papel significativo” na sua autoestima. Nota-se, porém, uma lógica dupla em seu discurso: ele associa seu ciúme à baixa autoestima e associa sua autoestima à experiência racial. Quando questionado, porém, sobre as conexões entre sentir ciúme e suas vivências como um homem negro, ele nega tal relação.

De todo modo, ao longo da pesquisa foi possível identificar diferentes mecanismos de defesa frequentemente utilizados pelos sujeitos como uma forma de preservar-se (ou preservar seu status de legitimidade enquanto homem): a racionalização, a negação e o isolamento. No processo de racionalização, há uma tentativa de evitar entrar em contato com angústias, dissociando o afeto da experiência vivida, enquanto uma nova narrativa é elaborada (Laplanche & Pontalis, 2011Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (2011). Vocabulário da Psicanálise (4a edição). Martins Fontes.). Os exemplos anteriores evidenciam tal dinâmica: assim que o desconforto da vivência ciumenta é mencionado, o discurso se reveste de afirmações de que é um sentimento “normal” ou uma situação corriqueira. Em outras circunstâncias, destacou-se a negação daquele afeto e uma tentativa de substituir por outra leitura da situação: “isso não é ciúme, é só um cuidado com ela (Joel); eu não fazia por ciúme, fazia por preocupação” (Marcelo).

Interessante notar o quanto esses mecanismos inconscientes se ancoram em discursos e práticas culturais que têm forte legitimidade na sociedade e por isso mesmo, acabam sendo endossados nessa dialética. Nesse sentido, é possível visualizar como as falas dos sujeitos são atravessadas por uma pedagogia dos afetos que revelam uma sociabilidade pautada na romantização do ciúme e na ideologia do amor romântico. O que também repercute na experiência das mulheres de, em certa medida, romantizar ou normalizar o ciúme recebido (Guimarães & Zanello, 2022Guimarães, M. C., & Zanello, V. (2022). Enciumar(-se), experiência feminina? dilemas narcísicos sob a ótica interseccional de gênero. Revista de Psicología, 40(2), 1133-1174. https://doi.org/https://doi.org/10.18800/psico.202202.018). Se o ideário do amor romântico exalta a entrega total ao relacionamento, a idealização do outro e o sofrimento inerente ao medo da perda (Freire Costa, 1998Freire Costa, J. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rocco.) cabe problematizar, contudo, como tais scripts demarcam expectativas desiguais e são mantidos a partir de performances distintas interpeladas a homens e mulheres (Lagarde, 2001Lagarde, M. (2001). Claves feministas para la negociación en el amor. Puntos de Encuentro.; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris).

O isolamento, por sua vez, funciona de modo similar à racionalização na medida em que também é uma estratégia de impedir uma tomada de consciência sobre a angústia, mas neste mecanismo o que ocorre é um investimento libidinal em uma questão específica na tentativa de estabelecer um corte que interromperia demais associações e reflexões sobre suas vivências. Laplache & Pontalis (2011Laplanche, J., & Pontalis, J.-B. (2011). Vocabulário da Psicanálise (4a edição). Martins Fontes.) enfatizam o quanto este é um “modo arcaico de defesa contra a pulsão” (p.258).

Alfredo, por exemplo, depois de mencionar todo o incômodo pela namorada ter olhado, tirado foto, puxado assunto, se aproximado de outro homem, conclui que o problema foi apenas por ela não lhe apresentar para o homem em questão. O mecanismo de isolamento pode ser constatado não apenas através dessas explicações simplistas e desconectadas, mas, sobretudo, quando tal fato é aparentemente resolvido, mas os dilemas ciumentos persistem e, rapidamente, se reorganizam em torno de outra demanda.

Na entrevista de Felipe ele reconhece que estava se “contradizendo”: ele tinha atribuído seu ciúme, inicialmente, a uma amizade da sua companheira que ele não conhecia, mas depois que conheceu o amigo dela, justificava seu incômodo alegando que os dois conversavam no telefone em horários “estranhos”. Felipe então percebe essa dinâmica e discorre sobre ela: “eu fico me apegando e tento trazer elementos que no fundo não têm sentido, eu sei disso, né, mas fico tentando achar pelo em ovo para justificar aquilo, para justificar os ciúmes, pra justificar o que eu tô sentindo”.

Estes mecanismos tentam operacionalizar respostas para as ambivalências imbricadas ao afeto ciumento. O que se evidencia é como a dúvida do ciumento parece se configurar para que não haja solução possível, como se fosse uma demanda de “verificação que nenhuma prova jamais poderá satisfazer. Encontrar o que ele busca, não o acalmaria” (Lachaud, 2001Lachaud, D. (2001). Ciúmes. Companhia de Freud., p. 118).

A problemática da impotência revela um luto narcísico dos sujeitos, mas para além disso, exprime uma reivindicação masculina pela manutenção de seus privilégios. Marcelo diz que não gosta de “usar a palavra ciúme”, enquanto Alfredo destaca: “eu não falo pra ela [que é ciúme]. Porque, acho que ela se aproveitaria desse meu ponto fraco. Eu não queria admitir isso pra ela, não queria que ela achasse que eu era fraco, ou que eu estava na mão dela”. Este ponto revela como a manifestação emocional de sentimentos como o ciúme é percebida como uma ameaça à ideia de virilidade e, por isso, “eles se silenciam para priorizar suas próprias necessidades e manter o sentimento de autossuficiência” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, p. 119).

Um ciúme disfarçado, mas que exige delas submissão. Como exposto, a negação do ciúme enquanto um mecanismo de defesa ocorre a um nível inconsciente buscando estabelecer uma rejeição de dada realidade psíquica e, consequentemente, das angústias associadas a ela. Contudo, a partir das entrevistas foi possível identificar um outro processo de negativa em relação ao ciúme que se estabelece em um âmbito consciente e que se evidencia a partir das estratégias construídas por eles para responder e manejar os dilemas ciumentos em seus relacionamentos.

Neste processo, os sujeitos, apesar de reconhecerem e se referirem ao seu ciúme na entrevista, enfatizavam que não assumiam tal afeto para suas parceiras. Embora não nomeassem como tal, os sujeitos manifestavam seus incômodos demonstrando para as parceiras uma insatisfação em relação às atitudes delas. Estas queixas estiveram, sobretudo, relacionadas a: estilo de roupa, tempo dedicado aos familiares delas, jeito que conversavam com outras pessoas, suas interações nas redes sociais, postura simpática e/ou amizades que mantinham.

Fica evidente como nessa dinâmica há uma reprodução de estereótipos de gênero: mulheres como indefesas, ingênuas, influenciáveis; e homens como aqueles que teriam que mandar, ensinar e/ou tutelar as escolhas das mulheres. Luciano reclama com a parceira por ela ser “amigável e ingênua” e não perceber que “muito homens se aproximavam dela com segundas intenções”. Joel admite que um episódio “ultrapassou o ciúme normal” quando ele percebeu um homem olhando com insistência para sua esposa:

a forma como a pessoa olhava, né?...eu diria para você que fisicamente eu tive uma reação louca, que eu nunca tinha pensado, né? Porque a vontade que eu tive foi de pegar o cara e quebrar ele mesmo com uma barra daquela lá da academia, né?.

Joel conta que a esposa “sequer” tinha observado tal olhar, o que na lógica dele reforçava a imagem da esposa como incapaz de se proteger sem a presença dele. Marcelo, por sua vez, ao reclamar que a esposa usava roupas justas ou curtas enfatiza: “por ser uma mulher casada e estar com aquele tipo de roupa, eu não acho isso legal, porque provoca, chama atenção de outras pessoas. Enfim, eu digo ‘você tem que pegar minha opinião, se preservar’”.

Logo, os sujeitos revestem suas questões ciumentas com discursos sobre cuidado buscando disfarçar suas tentativas de controle sob o lema de um romantismo e/ou de uma preocupação. Marcelo, apesar de relatar diversas situações de conflito envolvendo a roupa que a esposa usava, justifica-se: “Eu nunca cheguei a falar assim ‘tira!’ Nunca falei isso, nunca mesmo. Eu falo ‘isso não está legal, não está legal, tem alguma outra roupa para você usar?’”. Já Joel comenta: “eu olho assim e falo ‘Olha, vai devagar, segura ai’. Mas não impeço, entendeu? Não impeço de acontecer. Minha esposa fez lipoaspiração, mexeu nos seios e tal, aí eu falei pra ela assim ‘Tu vai querer usar blusa sem sutiã?’[risos]”.

Estes exemplos evidenciam que há um desejo/atitude de controlar o outro sendo expresso de uma forma considerada carinhosa, o que pode ser denominado como opressão com carinho (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris). Marcelo, inclusive, ressalta diversas vezes na entrevista que percebe uma melhora grande dele, porque ao invés de brigar, ele tenta convencer a parceira de que determinados comportamentos dela seriam equivocados ou inadequados. Quando questionado na entrevista da percepção dele sobre como a esposa entendia essas mudanças ou como ela se sentia nas situações de ciúme, Marcelo afirma que não sabe dizer e que nunca tinha pensado sobre isso.

Como explica Machado (1998Machado, L. Z. (1998). Violência Conjugal: os espelhos e as marcas. Série Antropologia, 240, 02-42. http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie240empdf.pdf
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), “ao invés de qualquer indagação sobre os desejos das mulheres, nos relatos masculinos, os comportamentos femininos são reduzidos à aproximação ou distanciamento ao ideal do comportamento feminino, ao qual cabe a eles controlar” (p. 36). Ou seja, embora algumas mudanças comportamentais possam ser identificadas (por exemplo, argumentar ao invés de brigar), permanece a dificuldade em reconhecer a alteridade e a autonomia das mulheres, em uma demanda de se afirmar (e ser reconhecido) como aquele que teria a autoridade para avaliar e avalizar as mulheres e suas subjetividades.

Além do mais, evidencia-se o quanto há uma expectativa de que as parceiras sejam as responsáveis por acolher e por resolver os incômodos ciumentos deles. Logo, há uma heteroresponsabilização delas acompanhada de uma desresponsabilização deles, corroborando os resultados de pesquisa sobre a experiência ciumenta nas vivências das mulheres (Guimarães & Zanello, 2022Guimarães, M. C., & Zanello, V. (2022). Enciumar(-se), experiência feminina? dilemas narcísicos sob a ótica interseccional de gênero. Revista de Psicología, 40(2), 1133-1174. https://doi.org/https://doi.org/10.18800/psico.202202.018). Ronaldo apresenta o seguinte relado:

às vezes sinto ciúmes e sinto que falar com ela vai resolver esse ciúme, sabe? Que vai passar. Aí eu converso com ela e eu me sinto bem assim. É uma coisa que talvez seja mais fácil para um homem fazer do que para uma mulher, eu acho. Eu não sei muito bem porque eu acho isso, mas eu acho que talvez seja mais fácil, eu acho, colocar a carga do meu ciúme, é... não é colocar minha carga do ciúmes nela, mas é como se ela conseguisse aliviar essa carga, né? De alguma forma. É, é... ela consegue, né?

Este cuidado delas seria no sentido de se submeterem às demandas deles e silenciarem suas angústias para garantir o bem estar emocional do cônjuge e a harmonia conjugal e familiar. Deste script cultural, depreende-se que um não cumprimento dessas performances de gênero, desencadeia uma lógica punitivista (Butler, 2019Butler, J. (2019). Os atos performáticos e a formação dos gêneros: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. In H. B. de Hollanda (Ed.), Pensamento Feminista: conceitos fundamentais (pp. 213-230). Bazar do Tempo.). A narrativa de Marcelo ilustra bem esse processo quando ele reclama que a esposa seria “difícil” (já que “ela não aceita essas minhas observações”) e, então, comenta sobre ele ter sido infiel:

Eu tive relacionamentos [extraconjugais] dentro do meu casamento, conheci outras pessoas, ela descobriu até um caso, então, e eu procurei isso, porque era uma pessoa que me escutava, era uma pessoa que me entendia, enfim, que estava mais de acordo com o que eu pensava talvez nesse sentido [do ciúme]. Então, talvez assim foi uma forma de punir, eu ter tido essa atitude uma forma de punir...uma forma de puni-la. É, talvez algo nesse sentido, eu querer devolver alguma coisa que ela me deu, de uma forma que ela me deixou insatisfeito.

Como é possível deduzir da lógica expressa por Márcio, a esposa teria responsabilidade, inclusive, pela traição, já que ele teria buscado relacionamentos extraconjugais porque não se sentia acolhido por ela. Ou seja, uma das consequências por ela não corresponder suficientemente bem o script de esposa compreensiva e submissa, seria a possibilidade de ser traída ou perder o status advindo do casamento.

Além dessa dinâmica de tentar culpabilizar as mulheres pelas atitudes de seus parceiros, fica evidente como há uma flexibilização em relação aos padrões de (in)fidelidade masculina. Como defende Lagarde (2001Lagarde, M. (2001). Claves feministas para la negociación en el amor. Puntos de Encuentro.), é possível identificar certo consentimento, e até estímulo social, para uma poligamia sexual por parte dos homens. Considerando a posição privilegiada de escolher e validar o relacionamento amoroso e suas parceiras, as questões que envolvem ciúme e adultério passam a se apresentar enquanto disputa de poder e afirmação de potência.

Considerações Finais

Este estudo evidenciou como as questões do ciúme transitam entre dimensões individuais e repertórios sociais revelando diferentes maneiras como os sujeitos se afetam por determinadas situações, as interpretam como ameaçadoras, e identificam possibilidades para experienciar sensações e expressar incômodos e emoções em seus relacionamentos. Por isso, a compreensão sobre esse afeto precisa incluir tanto uma contextualização das gramáticas culturais que configuram uma pedagogia afetiva quanto um olhar crítico e uma escuta atenta às vivências emocionais de cada sujeito.

Da leitura antropológica é possível situar o ciúme enquanto um sentimento moral que revela “uma relação estabelecida no íntimo do sujeito com a alteridade” (Rezende & Coelho, 2010Rezende, C. B., & Coelho, M. C. (2010). Antropologia das Emoções. Editora FGV., posição 937). Pelas análises apresentadas, ficou evidente como as sociabilidades e as moralidades de uma cultura sexista e patriarcal influenciam no modo como os homens lidam com as suas emocionalidades e reconhecem as particularidades e os desejos das mulheres.

O que se desvela neste processo, além da dimensão social das emoções, é como os padrões de masculinidades se enredam às questões narcísicas. Logo, é possível perceber como as experiências ciumentas masculinas se traduzem a partir da ótica do dispositivo da eficácia. Sobre o enciumar-se, por exemplo, se destaca o não reconhecer/assumir tal afeto para não demonstrar fraqueza; o disputar poder com outros homens em uma lógica de dominante x subalterno; e o tentar controlar e subjugar as mulheres para receber delas dedicação e obediência. Já quando se percebem objeto de ciúme de uma mulher o que se destaca é como desqualificam e reclamam das queixas ciumentas da parceira afirmando um lugar de fragilidade emocional das mulheres ao mesmo tempo que protestam/demandam por uma independência e superioridade deles (por vezes, agindo de forma violenta).

Estas duas dimensões combinam tanto a dinâmica de se desresponsabilizar pelos próprios afetos esperando que as mulheres os compreendam e se responsabilizem pelo cuidado deles e da relação amorosa; quanto a de se considerar em um lugar de autoridade como aquele que tem o saber-poder de avaliar e avalizar as mulheres, exigindo um controle da subjetividade delas. A díade “bicho danado-homem honrado”, analisada por Machado (2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In M. R. Schpun (Ed.), Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo Editorial & Santa Cruz do Sul: Edunisc.) ao discorrer sobre masculinidades, relações de gênero e os códigos relacionais da honra, figura em consonância com tal análise teórica, afinal

bicho danado remete ao que não se submete à lei social, ao que tudo pode: à pura potência. Homem honrado remete ao que se submete à lei social, desde que, em nome desta, sua posição seja a de exercer primordialmente o controle dos outros. Não se trata de homens que podem escolher ou serem postos na posição de bichos danados e homens honrados. É a própria concepção de masculino que inscreve esta dupla posição de poder (Machado, 2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In M. R. Schpun (Ed.), Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo Editorial & Santa Cruz do Sul: Edunisc., p. 71)

Neste artigo foi possível, assim, explorar sobre o engendramento das emoções e dos processos de subjetivação masculina. É necessário apontar, contudo, que os marcadores de gênero não dão conta sozinhos de explicar as vivências e as identificações dos sujeitos, especialmente se considerarmos que o sexismo da cultura brasileira está indissociado do racismo (Gonzales, 2019Gonzales, L. (2019). Racismo e sexismo na cultura brasileira. In H. B. de Hollanda (Ed.), Pensamento Feminista Brasileiro: formação e conceito (pp. 237-256). Bazar do Tempo (Original publicado em 1984).; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris). Ou seja, considera-se relevante que a leitura gendrada aqui proposta dos construtos de narcisismo e masculinidade seja articulada a uma compreensão racializada destes mesmos conceitos.

Desse modo, fica evidente como este ponto se coloca como uma limitação deste estudo e, consequentemente, como uma abertura para que mais pesquisas possam explorar tal perspectiva. Como aponta Minayo (2012Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621-626. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012000300007
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201200...
), uma obra nunca está suficientemente acabada e é fundamental um posicionamento da autoria sobre “suas condições e suas dificuldades de interpretação, pois elas fazem parte da objetivação da realidade e de sua própria objetivação” (Minayo, 2012, p. 625).

Apesar de ter sido investigado o atravessamento das questões raciais nas experiências ciumentas, este não foi um dado que se destacou, uma vez que a maioria dos entrevistados relatou não identificar ou compreender tais influências em suas vivências pessoais. Tal conjuntura foi avaliada enquanto uma limitação do próprio método da pesquisa e da complexidade em abordar sobre as repercussões do racismo nas relações de afetos e nas dinâmicas conjugais (Schucman, 2018Schucman, L. V. (2018). Famílias inter-raciais: tensões entre cor e amor. EDUFBA.).

Por fim, pontua-se que o recorte metodológico foi definido a partir do enfoque sobre as vivências de ciúme para homens cis em relacionamentos heteroafetivos. Os parâmetros em relação a contratos conjugais - monogâmicos ou não - não foram estipulados a priori como critérios de inclusão/exclusão e nem apresentaram consistência metodológica suficiente para se configurarem como uma categoria de análise (mesmo que alguns sujeitos da pesquisa tenham relatado sobre suas experiências emocionais em diferentes contextos relacionais). Estas questões apontam para a importância de que novos estudos sejam empreendidos de modo a oferecer compreensões do ciúme que também abarquem essa multiplicidade de sentidos e possibilidades das identidades de gênero, das vivências amorosas e das emocionalidades.

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Mônica Medeiros Kother Macedo

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Aceito
    29 Maio 2023
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