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Transmissão Intergeracional de Modelos Relacionais e Táticas de Resolução de Conflitos

Resumo

A pesquisa objetivou caracterizar as concepções sobre continuidades e descontinuidades na transmissão intergeracional de modelos relacionais e de táticas de resolução de conflitos conjugais e parentais. Trata-se de um estudo qualitativo do qual participaram 12 casais, que responderam a uma entrevista semiestruturada. Por meio de análise de conteúdo categorial temática, os dados foram divididos nos eixos temáticos Continuidades Intergeracionais e Descontinuidades Intergeracionais. As continuidades indicaram tanto a repetição de aspectos positivos e construtivos dos modelos familiares quanto o predomínio de táticas destrutivas, tais como a evitação entre os cônjuges e o uso de punição corporal com a criança. As descontinuidades evidenciaram a ruptura com padrões negativos ou destrutivos e a incorporação de uma parentalidade positiva e diferenciada da família de origem.

Palavras-chave:
transmissão intergeracional; relações conjugais; relações pais-criança; família de origem; conflito conjugal

Abstract

This study aimed to characterize concepts of continuities and discontinuities in the intergenerational transmission of relational models, as well as marital and parental conflict resolution tactics. This was a qualitative study, in which 12 couples attended a semi-structured interview. Through thematic content analysis, the data was divided into two main themes: Intergenerational Continuities and Intergenerational Discontinuities. The continuities indicated both the repetition of positive and constructive aspects of family models, as well as the prevalence of destructive tactics, such as avoidance between spouses and the use of corporal punishment with the child. The discontinuities revealed a break from negative or destructive patterns and the adoption of positive parenting, in contrast to that of the family of origin.

Keywords:
intergenerational patterns; marital relations; parent-child relations; family of origin; marital conflict

A transmissão intergeracional concebe que a natureza e a qualidade da parentalidade são intergeracionalmente transmitidas, com os pais exercendo a criação dos filhos de forma semelhante à que eles próprios experimentaram enquanto cresciam (Serbin & Karp, 2003Serbin, L., & Karp, J. (2003). Intergenerational studies of parenting and the transfer of risk from parent to child. Current Directions in Psychological Science, 12(4), 138-142. https://doi.org/10.1111/1467-8721.0
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). O termo intergeracional está ligado à noção de reciprocidade, de passagem de processos de uma geração para a outra, mas não, necessariamente, de permanência (Falcke & Wagner, 2014Falcke, D., & Wagner, A. (2014). A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: Definição de conceitos [Family dynamics and the phenomenon of transgenerationality: Definition of concepts]. In A. Wagner (Ed.), Como se perpetua a família? A transmissão de modelos familiares [How is the family perpetuated? The transmission of family models]. EDIPUCRS.).

Teorias psicológicas distintas fornecem explicações para os processos pelos quais essa transmissão ocorre, dentre essas, a do apego (Bowlby, 1990Bowlby, J. (1990). Apego [Attachment]. Martins Fontes.), a da aprendizagem social (Bandura, 1978Bandura, A. (1978). Aprendizaje social y desarrollo de la personalidad [Social learning and personality development]. Alianza.), e a dos sistemas familiares (Bowen, 1978Bowen, M. (1978). Family therapy and clinical practice. Rowman and Littlefield Publishers.). Salvo as particularidades de cada uma dessas teorias, todas argumentam que a criança tende a repetir padrões relacionais, comportamentais e sociais aprendidos na família, ao se tornar adulta, e com seus próprios filhos.

A acepção do efeito spillover, que enfatiza a associação entre qualidade conjugal e qualidade da relação pais-criança (Erel & Burman, 1995Erel, O., & Burman, B. (1995). Interrelatedness of marital relations and parent-child relations: A meta-analytic review. Psychological Bulletin, 118(1), 108-132. https://doi.org/10.1037/0033-2909.118.1.108
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; Hameister et al., 2015Hameister, B. R., Barbosa, P. V., & Wagner, A. (2015). Marital conflict and parenting: Systematic review of the spillover. Arquivos Brasileiros de Psico logia, 67, 140-155. https://www.redalyc.org/pdf/2290/229042579011.pdf
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; Vian et al., 2019Vian, M., Mosmann, C. P., & Falcke, D. (2018). Repercussions of conjugality in internalizing and externalizing symptoms of adolescent children. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, e34431. http://doi.org/10.1590/0102.3772e34431
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), também é utilizada para fundamentar a transmissão intergeracional. De forma análoga, o conceito é usado para explicar a transmissão do conflito conjugal através de gerações, seja pela desregulação emocional dos membros da díade conjugal, que passa de pais para filhos (Li et al., 2019Li, D., Li, D., Wu, N., & Wang, Z. (2019). Intergenerational transmission of emotion regulation through parents’ reactions to children’s negative emotions: Tests of unique, actor, partner, and mediating effects. Children and Youth Services Review, 101, 113-122. https://doi.org/10.1007/s10826-013-9768-4
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; Kim et al., 2009Kim, H. K., Pears, K. C., Capaldi, D. M., & Owen, L. D. (2009). Emotion dysregulation in the intergenerational transmission of romantic relationship conflict. Journal of Family Psychology, 23(4), 585-595. https://doi.org/10.1037/a0015935
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), seja pela vivência das interações agressivas na família de origem que modelam o comportamento da criança, levando-a a agir similarmente com seus parceiros românticos quando adulta (Cui et al., 2010Cui, M., Durtschi, J. A., Donnellan, M. B., Lorenz, F. O., & Conger, R. D. (2010). Intergenerational transmission of relationship aggression: A prospective longitudinal study. Journal of Family Psychology, 24(6), 688-697. https://doi.org/10.1037/a0021675
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).

Essa tendência à manutenção de uma estabilidade nos modelos comportamentais e relacionais da família, através das gerações, tem sido estudada sob o conceito de continuidade (Patterson, 1998Patterson, G. R. (1998). Continuities - A search for causal mechanisms: Comment on the special section. Developmental Psychology, 34(6), 1263-1268. https://doi.org/10.1037/0012-1649.34.6.1263
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). Pesquisas de caráter prospectivo e longitudinal mostraram que a parentalidade em uma geração prediz as continuidades das práticas parentais na geração seguinte, em um grau de modesto a moderado (Kerr et al., 2009Kerr, D. C. R., Capaldi, D. M., Pears, K. C., & Owen, L. D. (2009). A prospective three generational study of fathers’ constructive parenting: Influences from family of origin, adolescent adjustment, and offspring temperament. Developmental Psychology, 45(5), 1257-1275. https://doi.org/10.1037/a0015863
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; Neppl et al., 2009Neppl, T. K., Conger, R. D., Scaramella, L. V., & Ontai, L. L. (2009). Intergenerational continuity in parenting behavior: Mediating pathways and child effects. Developmental Psychology, 45(5), 1241-1256. https://doi.org/10.1037/a0014850
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). Esse grau de correlação parece ocorrer em diferentes populações, localizações geográficas, intervalos de aplicação dos estudos em anos e tipos de instrumentos de medida utilizados (Conger et al., 2009Conger, R. D., Belsky, J., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Closing comments for the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1276-1283. https://doi.org/10.1037/a0016911
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; Li et al., 2018Li, X., Cao, H., Zhou, N., Ju, X., Lan, J., Zhu, Q., & Fang, X. (2018). Daily communication, conflict resolution, and marital quality in Chinese marriage: A three-wave, cross-lagged analysis. Journal of Family Psychology, 32(6), 733-42. https://doi.org/10.1037/fam0000430
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). Tais resultados indicam que as crianças, ao longo do tempo, passam a acreditar que qualidades relacionais e práticas específicas da parentalidade, usadas com elas, são apropriadas e eficazes. Assim, elas as adotam com seus próprios filhos quando se tornam pais (Conger et al., 2009Conger, R. D., Belsky, J., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Closing comments for the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1276-1283. https://doi.org/10.1037/a0016911
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; Savelieva et al., 2017Savelieva, K., Keltikangas-Järvinen, L., Pulkki-Råback, L., Jokela, M., Lipsanen, J., Merjonen, P., ... & Hintsanen, M. (2017). Intergenerational transmission of qualities of the parent-child relationship in the population-based Young Finns Study. European Journal of Developmental Psychology, 14(4), 416-435. https://doi.org/10.1080/17405629.2016.1230057
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).

Apesar das evidências sobre continuidades na transmissão intergeracional, percebe-se que a parentalidade experimentada em uma geração não é, necessariamente, repetida na próxima. Esse fenômeno denomina-se descontinuidade e se refere a modificações nos padrões de comportamentos e heranças geracionais. Assim, as continuidades são explicadas por conceitos chamados de mecanismos mediadores e, as descontinuidades, relacionadas a mecanismos moderadores (Belsky et al., 2009Belsky, J., Conger, R. D., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Introduction to the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1201-1204. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/a0016245
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; Conger et al., 2009Conger, R. D., Belsky, J., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Closing comments for the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1276-1283. https://doi.org/10.1037/a0016911
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).

Os mecanismos mediadores dizem respeito às experiências da infância. Logo, pessoas que tiveram uma criação que envolveu disciplina punitiva (agressão psicológica e castigo físico), tenderão a exercer comportamentos similares com seus próprios filhos (Niu et al., 2018Niu, H., Liu, L., & Wang, M. (2018). Intergenerational transmission of harsh discipline: The moderating role of parenting stress and parent gender. Child Abuse & Neglect, 79, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.01.017
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). Da mesma forma, pessoas que, enquanto criança, vivenciaram relações positivas na família estarão mais propensas a desempenhar atitudes semelhantes, ao se tornarem pais (Belsky et al., 2009Belsky, J., Conger, R. D., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Introduction to the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1201-1204. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/a0016245
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). Os mecanismos moderadores estão associados ao contexto e às relações que as pessoas estabelecem ao longo da vida e se referem a todas as condições que fazem com que a transmissão ocorra ou não. A experiência de vivenciar relações estreitas de apoio com outras pessoas, tais como cônjuge ou terapeuta, pode fazer com que o “ciclo se quebre”, ou seja, cause um rompimento com padrões comportamentais e relacionais aprendidos na infância (Belsky et al., 2009Belsky, J., Conger, R. D., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Introduction to the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1201-1204. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/a0016245
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). Além disso, há uma série de variáveis sociodemográficas, bem como características de personalidade que podem funcionar como fatores moderadores (Conger et al., 2009Conger, R. D., Belsky, J., & Capaldi, D. M. (2009). The intergenerational transmission of parenting: Closing comments for the special section. Developmental Psychology, 45(5), 1276-1283. https://doi.org/10.1037/a0016911
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).

Além das práticas parentais, destaca-se que há, também, uma tendência de associação entre o relacionamento conjugal dos genitores e a relação de casal dos filhos (Dennison et al., 2014Dennison, R. P., Koerner, S. S., & Segrin, C. (2014). A dyadic examination of family-of-origin influence on newlyweds’ marital satisfaction. Journal of Family Psychology, 28(3), 429-435. https://doi.org/10.1037/a0036807
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). O modelo parental de conjugalidade tem relevância para a escolha do cônjuge, seja como uma referência a ser seguida ou evitada (Silva et al., 2010Silva, I. M., Menezes, C. C., & Lopes, R. C. S. (2010). Looking for “the better half”: Motivations for marital choice. Estudos de Psicologia, 27(3), 383-391. http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v27n3/10.pdf
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). Estudos embasam a noção de que satisfação e qualidade conjugal são transmitidas intergeracionalmente (Dennison et al., 2014Dennison, R. P., Koerner, S. S., & Segrin, C. (2014). A dyadic examination of family-of-origin influence on newlyweds’ marital satisfaction. Journal of Family Psychology, 28(3), 429-435. https://doi.org/10.1037/a0036807
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; Falcke et al., 2008Falcke, D., Wagner, A., & Mosmann, C. P. (2008). The relationship between family-of-origin and marital adjustment for couples in Brazil. Journal of Family Psychotherapy, 19(2), 170-186. https://doi.org/10.1080/08975350801905020
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). De modo oposto, testemunhar e experimentar agressão conjugal entre os pais na infância prediz comportamentos agressivos entre parceiros íntimos (Cui et al., 2010Cui, M., Durtschi, J. A., Donnellan, M. B., Lorenz, F. O., & Conger, R. D. (2010). Intergenerational transmission of relationship aggression: A prospective longitudinal study. Journal of Family Psychology, 24(6), 688-697. https://doi.org/10.1037/a0021675
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), reforçando a ideia de que a hostilidade conjugal na família de origem é importante preditor de interações negativas com o parceiro no casamento (Whitton et al., 2008Whitton, S. W., Waldinger, R. J., Schulz, M. S., Allen, J. P., Crowell, J. A., & Hauser, S. T. (2008). Prospective associations from family-of-origin interactions to adult marital interactions and relationship adjustment. Journal of Family Psychology, 22(2), 274-286. https://doi.org/10.1037/0893-3200.22.2.274
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).

Dentre os comportamentos aprendidos nas famílias de origem e que a criança tende a replicar, incluem-se as táticas de resolução de conflitos, as quais podem ser construtivas ou destrutivas (Hare et al., 2009Hare, A. L., Miga, E. M., & Allen, J. P. (2009). Intergenerational transmission of aggression in romantic relationships: The moderating role of attachment security. Journal of Family Psychology, 23(6), 808-818. https://doi.org/10.1037/a0016740
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). As táticas construtivas envolvem resolução bem-sucedida dos conflitos, permeadas por discussões calmas, explicações, compromisso, afeto, humor, desculpas, acordos e percepções positivas de conflitos não resolvidos; as destrutivas, abarcam agressão ou violência, hostilidade verbal e não verbal, interrupção abrupta do conflito, ameaças à integridade da família e conflitos sobre temas relacionados à criança (Cummings & Davies, 2010Cummings, E. M., & Davies, P. T. (2010). Marital conflict and children: An emotional security perspective. Guilford Press.). As táticas destrutivas podem comprometer o funcionamento da criança, por reduzir seu senso de segurança emocional. Há evidências de que a baixa capacidade de regulação emocional é transmitida através de gerações e está associada a estratégias inapropriadas de interação com parceiros românticos (Kim et al., 2009Kim, H. K., Pears, K. C., Capaldi, D. M., & Owen, L. D. (2009). Emotion dysregulation in the intergenerational transmission of romantic relationship conflict. Journal of Family Psychology, 23(4), 585-595. https://doi.org/10.1037/a0015935
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).

Posto isso, entende-se que o relacionamento entre os pais costuma ser o primeiro e o mais frequente modelo de troca interpessoal entre parceiros românticos que uma criança testemunha, o qual está ligado às formas pelas quais ela negociará relacionamentos íntimos mais tarde (Hare et al., 2009Hare, A. L., Miga, E. M., & Allen, J. P. (2009). Intergenerational transmission of aggression in romantic relationships: The moderating role of attachment security. Journal of Family Psychology, 23(6), 808-818. https://doi.org/10.1037/a0016740
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). Assim, a relação conjugal dos pais desempenha um papel importante no desenvolvimento social das crianças, ajudando-as a moldar o seu comportamento nas interações entre pares. Igualmente, as práticas parentais e as maneiras como a família de origem lida com os conflitos, de forma construtiva ou destrutiva, podem refletir no comportamento dos filhos. Desse modo, considerando a reverberação do relacionamento conjugal na relação parental, o objetivo do presente estudo foi caracterizar as concepções sobre continuidades e descontinuidades na transmissão intergeracional de modelos relacionais e de táticas de resolução de conflitos conjugais e parentais.

Método

Participantes

Participaram do estudo 12 casais heterossexuais, com pelo menos um filho, perfazendo o total de 24 respondentes (12 mulheres e 12 homens). O tempo médio de união conjugal foi de 13 anos (DP = 5.34), sendo o mínimo seis anos e o máximo 24 anos. A idade das mulheres variou entre 23 e 46 anos e a dos homens, entre 26 e 48 anos. Cinco crianças eram do sexo feminino e sete, do masculino, cujas idades variaram entre 5 e 7 anos. A escolaridade das mulheres variou de 11 a 18 anos e a dos homens, de 8 a 18 anos. A renda familiar mensal variou de R$700,00 a R$4.000,00, sendo a média de R$ 2.456.67 (DP = 1.003.36). A jornada de trabalho tanto das mulheres quanto dos homens variou de 20 a 44 horas semanais. Todos os participantes integravam um projeto de pesquisa mais abrangente, desenvolvido por meio de parceria entre uma universidade brasileira e duas canadenses. Para o presente estudo, foram selecionados casais que participaram da primeira etapa do projeto, quando responderam a instrumentos quantitativos.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico. Desenvolvido para o projeto de pesquisa do qual o estudo faz parte. Investiga composição familiar, idades e número de pessoas que vivem na casa, escolaridade, profissão, renda e carga horária de trabalho.

Entrevista semiestruturada. Elaborada para o projeto de pesquisa do qual o estudo faz parte. Investiga relações conjugais, parentais e intergeracionais, bem como conflitos e táticas de resolução, a partir de nove perguntas norteadoras (p. ex.: Como você lembra que era o relacionamento entre seus pais quando você era criança? Há coisas na relação de casal de seus pais que você tem como modelo na sua relação com a sua esposa/marido? Há coisas que os seus pais faziam com você na forma de educar quando você era criança que você percebe fazer igual com seu filho?)

Procedimentos

A coleta de dados foi previamente agendada e realizada no domicílio dos participantes. O casal respondeu à entrevista semiestruturada em conjunto, aplicada por uma dupla de psicólogas. O tempo da coleta variou entre 60 e 90 minutos. Ao término da visita, era realizado o acolhimento dos sentimentos e das percepções do casal sobre a experiência da entrevista, seguido dos agradecimentos e da despedida.

Análise de Dados

As entrevistas foram gravadas, transcritas, organizadas e analisadas, conforme análise de conteúdo categorial temática (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo [Content analysis]. Edições 70.). Os dados foram agrupados em categorias com o recurso do software Atlas.ti 5.0., o qual se constitui como uma ferramenta adequada quando a categorização ocorre via processo de acervo (classificação analógica e progressiva dos elementos, na qual cada categoria somente é definida no final de cada operação). Após sucessivas leituras do corpus (12 entrevistas), foram definidos elementos de análise, cuja classificação possibilitou a construção de subcategorias e suas respectivas categorias, as quais embasam o fenômeno central estudado. O uso do referido software forneceu recursos para a organização dos dados e a formação das categorias. Essa categorização passou pela avaliação de duas juízas experts no tema e foi aprovada para uso com pequenos ajustes.

Considerações Éticas

O projeto do qual o presente estudo faz parte foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o Certificado nº 520/2009. Para preservar o sigilo dos informantes, os casais foram identificados pela letra C, seguida pelo número que indica a ordem em que as entrevistas ocorreram (C1, C2, C3, e assim por diante, até C12).

Resultados

A seguir, são apresentados os resultados do processo de análise categorial temática. As categorias e subcategorias foram organizadas em dois eixos temáticos, a saber: “Continuidades Intergeracionais” e “Descontinuidades Intergeracionais”.

Continuidades Intergeracionais

O eixo temático continuidades intergeracionais se refere aos modelos relacionais e táticas de resolução de conflitos conjugais e parentais que os casais identificaram repetir de suas famílias de origem, mencionados pelos 12 casais participantes. Esse eixo engloba quatro categorias de continuidades, a saber: “Modelo conjugal harmônico da família de origem”; “Modelo conjugal conflituoso da família de origem”; “Modelo parental positivo da família de origem”; e “Modelo parental negativo da família de origem”.

Modelo conjugal harmônico da família de origem. Essa categoria envolve aspectos positivos do relacionamento conjugal das famílias de origem que os casais relataram ter como modelo e repetir na relação conjugal atual. Abrange duas subcategorias: “Continuidade de comprometimento com o cônjuge”; e “Continuidade de táticas construtivas de resolução de conflitos”.

A continuidade de comprometimento com o cônjuge foi descrita por 10 casais, os quais mencionaram que, assim como seus genitores, buscavam manter uma parceria recíproca, permeada por união, companheirismo, respeito e dedicação para a relação. Além disso, também referiram se inspirar na relação conjugal dos pais, no sentido de honrar o casamento, de batalhar juntos, dividir tarefas e dívidas: “O que eu trago como modelo, assim, eu lembro da minha mãe sempre batalhadora, junto com o meu pai, e os dois trabalhando juntos...” (C11; 7 anos de união).

Com relação às continuidades das táticas construtivas de resolução de conflitos, quatro casais referiram resolver os problemas e as desavenças conjugais de forma respeitosa, com comunicação aberta e sem agressões físicas: “Uma coisa que é bem saudável que eu sempre me lembro do relacionamento [dos genitores] é o respeito. Já discutimos, lógico, mas ninguém chegou a vias de fato, de dar um tapa, de se exaltar” (C3; 7 anos de união). De forma semelhante, os participantes identificaram como continuidade o comportamento do casal de evitar interações conflitivas na frente dos filhos, com o intuito de protegê-los, tal como seus pais faziam na infância, ilustrado através do seguinte relato: “Essas coisas [discussões/brigas] aconteciam mais dentro do quarto, de porta fechada... A gente não via, eu não lembro. Até mesmo nós [casal], também, quando brigamos, (...), tenta não demonstrar pra ele [filho] o que se passou... Era igual, assim” (C7; 9 anos de união).

Modelo conjugal conflituoso da família de origem. Essa categoria abarca táticas destrutivas de resolução de conflitos e aspectos negativos do relacionamento conjugal da família de origem que os casais referiram repetir na relação atual, os quais são apresentados em três subcategorias: “Continuidade da evitação como tática de resolução de conflitos conjugais”; “Continuidade da hostilidade como tática de resolução de conflitos conjugais”; e “Continuidade da adição como geradora de conflitos conjugais”.

A continuidade da evitação como tática de resolução de conflitos conjugais, mencionada por quatro díades, caracteriza-se pelo afastamento temporário do cônjuge e pelo silêncio em detrimento da conversa, a qual pode ser exemplificada pela história de um participante que contou que seus pais, quando brigavam, chegavam a ficar dois meses sem se falar. Ao ser questionado sobre aspectos que percebia repetir na relação de casal atual, contou que quando briga com a esposa, também deixa de falar com ela, porém, por tempo menor do que seus genitores: “dois dias sem se falar” (C11; 7 anos de união).

A continuidade da hostilidade como tática de resolução de conflitos conjugais, cuja ocorrência foi mencionada por um único casal, o qual teve um histórico importante de violência conjugal nas famílias de origem, inclui discussões com agressões verbais e físicas: “A gente já se agrediu, já separamos, já voltamos... Hoje em dia, chegamos a um ponto que a gente, acredito eu, que a gente tá maduro e consegue discutir, lógico, a gente se exalta ainda, exalta, discute” (C11; 7 anos de união).

A continuidade da adição como geradora de conflitos conjugais, descrita por duas díades, caracteriza-se pelo uso de alguma substância por um dos membros do casal, como o álcool, fato que incita conflito com o cônjuge. Participantes que tiveram um dos genitores alcoolista indicaram repetir o comportamento de adição: “Eu tive, um pouco, esse processo de alcoolismo... Não que eu era alcoólatra. Vamos supor, meu pai, ele bebe direto. Todo dia. Duas, três cervejinhas... Eu não, mas assim... Ah! Um fim de semana, um churrasco... Pá! Enchia! Uma festa... Pá! Enchia!” (C1; 6 anos de união). Tal continuidade implicava em conflito conjugal nas suas famílias de origem e se mostrava como desencadeadora de conflitos conjugais na relação atual: “Aconteceu de a gente [casal] ter várias discussões, brigas, por causa disso [adição]. É uma coisa que repete, né? Lá dos nossos pais, assim” (C1; 6 anos de união).

Modelo parental positivo da família de origem. Essa categoria se refere a relatos dos bons exemplos da relação parental que os membros do casal experienciaram em suas famílias de origem e que procuravam perpetuar na relação com seus filhos. Abarca quatro subcategorias: “Continuidade do envolvimento parental”; “Continuidade de incentivo à educação”; “Continuidade de transmissão de valores” e “Continuidade de práticas de disciplina”.

Seis casais, inspirados no modelo de criação realizado por seus genitores, referiram a continuidade do envolvimento parental, que se expressa através de atividades de interação direta ou indireta com a criança, conforme o exemplo: “Carinho e atenção, cantar as musiquinhas. Minha mãe é muito carinhosa, até meio doida, porque ela canta, dança, conta história. Então, eu trago bastante isso pra ele [filho]” (C10; 20 anos de união). Mais especificamente, pelas falas dos participantes, a continuidade do envolvimento abarca dar carinho, atenção, cuidar, conversar e sair sempre com os filhos.

A continuidade de incentivo à educação também foi destacada por cinco casais que apresentaram a compreensão de que a educação formal é algo importante e que deve ser encorajada e viabilizada à criança, tal como seus pais fizeram em sua infância. Esse estímulo à educação se caracteriza pelo incentivo ao estudo, pela busca dos casais em oferecer uma boa educação e pela ajuda nas tarefas da escola: “Eles [genitores] sempre incentivaram a gente pra estudar. Aí, é isso que eu quero passar para meus filhos” (C6, 10 anos de união).

Seis casais também expressaram a continuidade da transmissão de valores, os quais eles vivenciaram como importantes nas suas famílias de origem e que buscavam continuar, ensinando-os aos filhos. Os valores que emergiram das falas dos cônjuges incluíram: refeições com a família reunida; religiosidade, fé e oração em família; honestidade; caridade e solidariedade; e polidez ao lidar com as pessoas: “A fé, a oração na família... É uma coisa que eu procuro muito seguir adiante e passar para os filhos também. (...). Ser honesto, isso aí, isso eu tenho muito orgulho tanto do meu pai como da minha mãe” (C9; 24 anos de união).

A continuidade de práticas de disciplina também foi mencionada por seis casais como modelo de criação dos filhos que esses têm dos genitores. As práticas parentais que os casais identificaram repetir envolviam, principalmente, reprimir a criança quando ela fazia algo errado; sentar, conversar, pedir e dar explicações à criança sobre um problema ou comportamento; dar um voto de confiança e autonomia à criança: “Na conversa, no diálogo, meus pais conversavam bastante com a gente, de colocar as coisas certas e erradas, assim, eu coloco isso pro [filho]” (C10; 20 anos de união). Entretanto, inspirados em suas vivências da infância, os pais também relataram pôr a criança de castigo e privá-la de privilégios: “Ficou de castigo uma semana. Tudo que ele [filho] queria, eu lembrava ele se ele merecia ou não” (C7; 9 anos de união).

Modelo parental negativo da família de origem. Essa categoria se refere a aspectos negativos ou destrutivos da parentalidade experienciados na família de origem, que os membros do casal percebiam utilizar com a criança de igual maneira ou em menor intensidade, a qual engloba duas subcategorias: “Continuidade da agressão psicológica como tática de resolução de conflito com a criança”; e “Continuidade da punição corporal como tática de resolução de conflito com a criança”.

A continuidade da agressão psicológica como tática de resolução de conflito com a criança, mencionada por um casal, foi um aspecto de repetição que abrange comportamentos parentais que envolvem ameaças ou incitação de medo na criança: “Eu cato o chinelo na mão e falo: ‘Ó [filho]! Cinco minutos pra você ir pro banheiro tomar banho!’ Quando ele gruda no computador, ele esquece da vida, aí, você [mãe] tem que dá uma... Mas eu só promessa também” (C3; 7 anos de união).

A continuidade da punição corporal como tática de resolução de conflito com a criança, descrita por duas díades, envolve a utilização de força física pelos pais (com ou sem uso de objetos), para obrigar a criança a fazer determinadas atividades ou com a finalidade de educá-la. Desse modo, puxões de orelha, palmadas e chineladas foram práticas que os casais referiram exercer com os filhos, tal como eles receberam de seus próprios pais. Entretanto, alguns entrevistados diferenciaram a intensidade da punição corporal sofrida na infância e a perpetrada atualmente com a criança, conforme os exemplos a seguir: “Hoje em dia apanhar é uma palmada, né? Minha mãe me batia com aquelas fitas métrica de costureira, de tirar medida. Eu lembro que eu cresci apanhando de fita métrica, eu tinha pavor. Aquilo lá deixava aqueles vergões na perna. A gente [casal] jamais, a gente nunca deixou uma marca nas nossas filhas. Por mais que a gente fale que a gente bate, mas o nosso bater é uma palmada na bunda” (C11; 7 anos de união). Corroborada por seu companheiro: “Então, eu vejo que mudou a relação, assim, no nosso tempo, se tivesse qualquer coisa na frente, batia, e hoje em dia, se leva uma palmada, um apertãozinho no braço, elas [filhas] fazem um drama” (C11; 7 anos de união).

Descontinuidades Intergeracionais

O eixo temático descontinuidades intergeracionais se refere a modelos relacionais e de táticas de resolução de conflitos conjugais e parentais das famílias de origem que os casais afirmaram não perpetuar na relação conjugal e parental atual, as quais foram referidas por nove casais. Esse eixo engloba duas categorias de descontinuidades, quais sejam: “Modelo conjugal conflituoso da família de origem”; e “Modelo parental negativo da família de origem”.

Modelo conjugal conflituoso da família de origem. Diz respeito à busca por romper com as táticas destrutivas de resolução de conflitos utilizadas na família de origem e as tentativas de incorporar táticas construtivas na relação conjugal atual. Envolve duas subcategorias: “Descontinuidades do uso de táticas destrutivas de resolução de conflitos conjugais”; e “Decisão de resolver conflitos conjugais de forma diferente dos pais”.

As descontinuidades do uso de táticas destrutivas de resolução de conflitos conjugais foram descritas por dois casais. Uma participante referiu a descontinuidade da evitação com o cônjuge, ou seja, a interrupção do hábito de adotar o silêncio como tática de resolução de conflito com o esposo: “Um exemplo errado deles [pais], (...) se eu e o meu marido temos um problema, (...) eu falo o que tem que falar e depois deu, não sou de ficar fazendo bico porque sei o quanto isso prejudica a família ” (C9; 24 anos de união). De forma semelhante, outra entrevistada citou a descontinuidade da hostilidade como tática de resolução de conflitos conjugais. Os membros da díade conjugal identificaram ter rompido com modelos de táticas de resolução de conflitos que envolviam agressão física e/ou psicológica, tal como seus pais faziam na infância, inclusive para proteger os filhos: “Olha, bem no começo do nosso relacionamento, já aconteceu [brigas hostis]. Hoje, assim, a gente já tá mais maduro quanto a isso, também por causa das meninas [filhas]. E porque a gente percebeu que se ele [esposo] já passou por isso na vida e eu já passei por isso na minha vida [com as famílias de origem], não tem porque a gente repetir os mesmos atos que a gente não gostava de tá presenciando... de fazer com que as nossas filhas tivessem que presenciar isso” (C11; 7 anos de união).

Quatro díades também mencionaram a decisão de resolver conflitos conjugais de forma diferente dos pais, a qual ocorreu através de um processo consciente dos membros do casal, considerando o modelo negativo oferecido pelos genitores no que se refere à relação conjugal e às táticas de resolução de conflitos: “Como marido e mulher, assim, não tem. Tipo, eu tirei tudo que eu vi de ruim [na minha família de origem], eu transformei em bom” (C2; 15 anos de união); “Totalmente diferente, inclusive a forma com que a gente resolve conflito entre eu e a [esposa] também é diferente dos meus pais. Então, as coisas que aconteceram de errado com meus pais, eu tento corrigir pra não acontecer com a gente. Eu tiro isso aí como um exemplo. Tanto das coisas certas como das coisas erradas. Aí, eu tiro a minha conclusão e eu tento fazer em cima disso. Isso ajuda bastante” (C8; 14 anos de união).

Modelo parental negativo da família de origem. Essa categoria abarca aspectos do modelo negativo da parentalidade vivenciados na família de origem que os membros do casal referiram não repetir com os filhos. Abrange quatro subcategorias: “Descontinuidade da adição”; “Descontinuidade da punição corporal como tática de resolução de conflito com a criança”; “Incorporação de uma parentalidade positiva e diferenciada da família de origem”; e “Mecanismos moderadores propulsores das descontinuidades”.

Uma participante relatou a descontinuidade da adição como uma decisão consciente de não desenvolver vícios, com base na experiência negativa com os pais na infância. Essa subcategoria é ilustrada por meio do seguinte relato: “Até hoje, eu não bebo, não fumo, não gosto, não faço nada disso, por tudo que eu passei quando eu era criança, adolescente... Por causa deles [pais]” (C6, 10 anos de união).

Outro aspecto que emergiu no relato de três díades foi a descontinuidade da punição corporal como tática de resolução de conflito com a criança, a qual se refere à ruptura, pelos membros da dupla conjugal, com o modelo parental da família de origem de utilizar violência física como tática para resolver desacordos com os filhos: “Mas assim, minha mãe, a gente apanhava e muito. Nossa! É coisa assim que eu evito. Eu acho que bater é uma violência. Olha, o [filho] mesmo, praticamente, não ganhou uma palmada” (C9; 24 anos de união).

Oito díades também identificaram a incorporação de uma parentalidade positiva e diferenciada da família de origem como um aspecto de descontinuidade. Nesse sentido, os cônjuges referiram a introdução de novos comportamentos parentais e formas mais positivas de lidar com a criança, as quais eles destacaram como uma prática diferenciada daquela vivida com seus pais na infância. Dentre os comportamentos que os casais afirmaram desempenhar com os filhos, estavam: promover um relacionamento parental que fosse o inverso ou diferente do vivido na infância; dar objetos ou brinquedos; explicar sobre a importância de estudar; conversar, ajudar e brincar; ser presente e participativo na vida deles. Essa descontinuidade pode ser expressa através dos seguintes depoimentos: “O que eu não tive eu tento dar pro [filho]. (...) Essa questão de carinho, de conversa, de coisa... Eu tento dar pra ele” (C3; 7 anos de união); “‘Filha, é importante estudar por isso, por isso e por isso’ e eu acho que faltou essa orientação por parte dele, o pai mostrar que é importante ir pra escola” (C8; 14 anos de união). “Eu tento participar ao máximo. Então, sempre tô ali, acompanho, vou na creche, conheço os professores, busco, levo. (...) Eu penso que tenho que ser pras minhas filhas tudo o que o meu pai não foi pra mim” (C11; 7 anos de união).

Os cônjuges também identificaram mecanismos moderadores propulsores das descontinuidades, os quais constituem fatores impulsionadores da mudança e que contribuíram para a não repetição de comportamentos aprendidos nas famílias de origem, tendo sido mencionados por três díades. A adesão a uma filosofia de vida; o exemplo de relacionamento dos tios como um modelo diferente a ser seguido; e o relacionamento com o cônjuge, o qual serve como referência que ensina outra forma de se relacionar, são fatores que propiciaram a descontinuidade, tal como no depoimento que segue: “Acho que a gente [casal] tá aprendendo e um tá melhorando o outro. Invés de piorar, acho que tá melhorando. Isso é bom” (C3; 7 anos de união).

Discussão

O presente estudo evidenciou continuidades e descontinuidades na transmissão intergeracional de modelos relacionais e táticas construtivas e destrutivas de resolução de conflitos conjugais e parentais. Entretanto, as continuidades foram identificadas por um maior número de casais e de forma mais diversificada, sendo que aspectos positivos dos modelos das famílias de origem se sobressaíram em comparação aos negativos. Em contrapartida, as descontinuidades intergeracionais merecem especial destaque, por indicarem a ruptura com padrões conjugais e parentais disfuncionais ou destrutivos, e a incorporação de novos comportamentos e táticas mais construtivas de resolução de conflitos nas relações entre casais e pais-criança. Esse resultado corrobora achados de outros estudos nacionais envolvendo casais, que indicaram a relevância do modelo conjugal dos pais para a vivência da conjugalidade dos filhos, os quais identificaram repetir padrões de suas famílias de origem, principalmente aspectos positivos, e buscaram evitar reproduzir os exemplos considerados ruins (Bueno et al., 2013Bueno, R. K., Souza, S. A., Monteiro, M. A., & Teixeira, R. H. M. (2013). Process of differentiation of couples from their families of origin. Psico, 44(1), 16-25. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/9420
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
; Silva et al., 2010Silva, I. M., Menezes, C. C., & Lopes, R. C. S. (2010). Looking for “the better half”: Motivations for marital choice. Estudos de Psicologia, 27(3), 383-391. http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v27n3/10.pdf
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).

As continuidades do modelo conjugal harmônico, evidenciado pelo comprometimento com o cônjuge e pelo uso de táticas construtivas de resolução de conflitos, estão em consonância com outros estudos que indicaram que pessoas que tiveram melhores vivências com suas famílias de origem, bem como avaliaram de forma mais positiva o relacionamento conjugal de seus pais, tenderam a repetir esses padrões e a apresentar melhor qualidade na sua própria relação de casal (Dennison et al., 2014Dennison, R. P., Koerner, S. S., & Segrin, C. (2014). A dyadic examination of family-of-origin influence on newlyweds’ marital satisfaction. Journal of Family Psychology, 28(3), 429-435. https://doi.org/10.1037/a0036807
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; Falcke et al., 2008Falcke, D., Wagner, A., & Mosmann, C. P. (2008). The relationship between family-of-origin and marital adjustment for couples in Brazil. Journal of Family Psychotherapy, 19(2), 170-186. https://doi.org/10.1080/08975350801905020
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). Ademais, conforme Dennison et al. (2014Dennison, R. P., Koerner, S. S., & Segrin, C. (2014). A dyadic examination of family-of-origin influence on newlyweds’ marital satisfaction. Journal of Family Psychology, 28(3), 429-435. https://doi.org/10.1037/a0036807
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), o estilo de resolução de conflitos das famílias de origem de cada membro do casal está associado ao estilo utilizado por cada cônjuge no casamento atual.

Os resultados também revelaram as continuidades do modelo conjugal conflituoso, os quais englobaram relatos de repetição de táticas destrutivas de resolução de desavenças entre o casal, marcadas por hostilidade e evitação. A perpetuação da relação conjugal permeada por hostilidade e violência, manifestada de diferentes formas, é apontada por outros estudos (Cui et al., 2010Cui, M., Durtschi, J. A., Donnellan, M. B., Lorenz, F. O., & Conger, R. D. (2010). Intergenerational transmission of relationship aggression: A prospective longitudinal study. Journal of Family Psychology, 24(6), 688-697. https://doi.org/10.1037/a0021675
https://doi.org/10.1037/a0021675...
; Haack & Falcke, 2020Haack, K. R., & Falcke, D. (2020). Is jealousy a mediator between experiences in the family of origin and physical violence in conjugality? Psico -USF, 25(3), 425-437. http://doi.org/10.1590/1413-82712020250303
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; Kim et al., 2009Kim, H. K., Pears, K. C., Capaldi, D. M., & Owen, L. D. (2009). Emotion dysregulation in the intergenerational transmission of romantic relationship conflict. Journal of Family Psychology, 23(4), 585-595. https://doi.org/10.1037/a0015935
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; Whitton et al., 2008Whitton, S. W., Waldinger, R. J., Schulz, M. S., Allen, J. P., Crowell, J. A., & Hauser, S. T. (2008). Prospective associations from family-of-origin interactions to adult marital interactions and relationship adjustment. Journal of Family Psychology, 22(2), 274-286. https://doi.org/10.1037/0893-3200.22.2.274
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). Dentre as possíveis explicações que favorecem essa continuidade, destaca-se a baixa regulação emocional, a qual passa de pais para filhos (Li et al., 2019Li, D., Li, D., Wu, N., & Wang, Z. (2019). Intergenerational transmission of emotion regulation through parents’ reactions to children’s negative emotions: Tests of unique, actor, partner, and mediating effects. Children and Youth Services Review, 101, 113-122. https://doi.org/10.1007/s10826-013-9768-4
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), que inclui comportamentos de agressividade, raiva e hostilidade, e tem sido associada à manutenção de interações conjugais conflitivas, ao longo das gerações (Kim et al., 2009Kim, H. K., Pears, K. C., Capaldi, D. M., & Owen, L. D. (2009). Emotion dysregulation in the intergenerational transmission of romantic relationship conflict. Journal of Family Psychology, 23(4), 585-595. https://doi.org/10.1037/a0015935
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; Marasca et al., 2017Marasca, A. R., Razera, J., Pereira, H. J. R., & Falcke, D. (2017). Marital physical violence suffered and committed by men: Repeating family patterns? Psico -USF, 22, 99-108. https://doi.org/10.1016/0273-2297(92)90004-L
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).

De acordo com Kim et al. (2009Kim, H. K., Pears, K. C., Capaldi, D. M., & Owen, L. D. (2009). Emotion dysregulation in the intergenerational transmission of romantic relationship conflict. Journal of Family Psychology, 23(4), 585-595. https://doi.org/10.1037/a0015935
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), essa transmissão intergeracional da baixa habilidade de regular as emoções pode estar ligada ao efeito spillover (Erel & Burman, 1995Erel, O., & Burman, B. (1995). Interrelatedness of marital relations and parent-child relations: A meta-analytic review. Psychological Bulletin, 118(1), 108-132. https://doi.org/10.1037/0033-2909.118.1.108
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), o qual preconiza que as emoções parentais transbordam e contagiam os filhos, propiciando, assim, um mecanismo para a perpetuação de conflito conjugal. De forma semelhante, outros autores também usaram o efeito spillover para explicar a associação entre comportamentos agressivos com parceiros íntimos na fase adulta e vivência e testemunho de agressão entre os pais na família de origem (Cui et al., 2010Cui, M., Durtschi, J. A., Donnellan, M. B., Lorenz, F. O., & Conger, R. D. (2010). Intergenerational transmission of relationship aggression: A prospective longitudinal study. Journal of Family Psychology, 24(6), 688-697. https://doi.org/10.1037/a0021675
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). Assim sendo, esse transbordamento da tensão ocasionada pelos conflitos, sustentado pelo efeito spillover, parece ocorrer tanto no contexto imediato das relações entre os subsistemas conjugal e parental, quanto a longo prazo, devido às suas repercussões que comprometem as relações íntimas dos filhos através das gerações.

Ressalta-se que a complementaridade de padrões conjugais violentos pode ser vinculada à teoria de Bowen (1978Bowen, M. (1978). Family therapy and clinical practice. Rowman and Littlefield Publishers.), que preconiza que as pessoas escolhem o par de acordo com seu nível de diferenciação da família de origem. Desse modo, o padrão de comunicação hostil, vivenciado na família de origem, pode contribuir para a seleção do parceiro romântico (Whitton et al., 2008Whitton, S. W., Waldinger, R. J., Schulz, M. S., Allen, J. P., Crowell, J. A., & Hauser, S. T. (2008). Prospective associations from family-of-origin interactions to adult marital interactions and relationship adjustment. Journal of Family Psychology, 22(2), 274-286. https://doi.org/10.1037/0893-3200.22.2.274
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). Quanto menor o grau de diferenciação das suas famílias de origem, maior a dificuldade dos cônjuges em constituir a sua própria família, acordar valores, negociar regras, estabelecer uma relação madura, com equilíbrio entre intimidade e individualidade (Bowen, 1978Bowen, M. (1978). Family therapy and clinical practice. Rowman and Littlefield Publishers.).

A tática de evitação, apontada no presente estudo como um padrão geracional de resolução de conflitos entre casais, é amplamente difundida nas pesquisas sobre conflitos conjugais (Bolze et al., 2013Bolze, S. D. A., Schmidt, B., Crepaldi, M. A., & Vieira, M. L. (2013). Marital relationship and tactics of conflict resolution between couples. Actualidades en Psicología, 27(114), 71-85. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=133232388006
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=13...
; Hameister et al., 2015Hameister, B. R., Barbosa, P. V., & Wagner, A. (2015). Marital conflict and parenting: Systematic review of the spillover. Arquivos Brasileiros de Psico logia, 67, 140-155. https://www.redalyc.org/pdf/2290/229042579011.pdf
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). Pondera-se, entretanto, que a utilização da evitação não é necessariamente uma tática destrutiva (Costa & Mosmann, 2015Costa, C. B., & Mosmann, C. P. (2015). Marital conflict resolution strategies: Perceptions of a focus group. Psico, 46(4), 472-482. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2015.4.20606
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). O afastamento temporário dos membros do casal para poder pensar e discutir a questão calmamente mais tarde pode ser compreendido como uma estratégia construtiva, bem como a proteção dos filhos. Assim, parece que o que diferencia a tática destrutiva é quando o afastamento se caracteriza pela resolução do conflito propriamente dito para um dos cônjuges, e o outro, por sua vez, fica com a necessidade de voltar a falar no assunto, o que pode acarretar mágoas e ressentimentos ao longo do tempo.

Em contrapartida, no que se refere às táticas de resolução de conflitos conjugais, os resultados também mostraram a descontinuidade do uso de táticas destrutivas (evitação e hostilidade), bem como a decisão, relatada por participantes, de resolver conflitos de forma diferente dos pais. Esse resultado reforça a ideia de que não se pode cair na armadilha de considerar que todo aquele que vivencia experiências desagradáveis, na sua família de origem, irá perpetuar esse comportamento (Razera et al., 2016Razera, J., Mosmann, C. P., & Falcke, D. (2016). The interface between quality and violence in marital relationships. Paidéia (Ribeirão Preto), 26, 71-79. http://doi:10.1590/1982-43272663201609
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).

O abuso de álcool como desencadeador de conflitos conjugais também consistiu em fator de repetição do comportamento da família de origem. A transmissão do alcoolismo entre gerações é considerada complexa e multideterminada, por envolver fatores genéticos e do contexto familiar que se complementam para a expressão do fenômeno (Coteti et al., 2014Coteti, A.-G., Andreea-Irina, I., Damian, S.-I., Neagu, M., & Beatrice-Gabriela, I. (2014). Like parent, like child? Considerations on intergenerational transmission of alcoholism. Revista Romaneasca Pentru Educatie Multidimensional: Journal for Multidimensional Education, 6(2), 39-53. http://dx.doi.org/10.18662/rrem/2014.0602.04
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). O abuso de álcool por um dos membros do casal se relaciona às interações conflitivas (Colossi & Falcke, 2013Colossi, P. M., & Falcke, D. (2013). Screams of silence: Psychological violence in the couple. Psico, 44(3), 310-318. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/11032
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). Por outro lado, o esforço para a descontinuidade do alcoolismo, também evidenciado neste estudo, é corroborado por outra pesquisa que aponta que adultos podem evitar o consumo de bebida alcoólica por perceberem seus pais como alcoolistas e o seu risco potencial para desenvolver tal comportamento (Haller & Chassin, 2010Haller, M. M., & Chassin, L. (2010). The reciprocal influences of perceived risk for alcoholism and alcohol use over time: Evidence for aversive transmission of parental alcoholism. Journal of Studies on Alcohol and Drugs, 71(4), 588-596. https://doi.org/10.15288%2Fjsad.2010.71.588
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).

As continuidades do modelo parental positivo da família de origem evidenciaram a repetição de aspectos referentes ao envolvimento dos pais com a criança, incentivo à educação, transmissão de valores e práticas de disciplina. Pesquisas sobre parentalidade indicam que alguns padrões de práticas parentais tendem a ser reproduzidos pelas gerações subsequentes (Madden et al., 2015Madden, V., Domoney, J., Aumayer, K., Sethna, V., Iles, J., Hubbard, I., … Ramchandani, P. (2015). Intergenerational transmission of parenting: Findings from a UK longitudinal study. The European Journal of Public Health, 25(6), 1030-1035. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv093
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; Marin et al., 2013Marin, A. H., Martins, G. D. F., Freitas, A. P. C. d. O., Silva, I. M., Lopes, R. d. C. S., & Piccinini, C. A. (2013). Transmissão intergeracional de práticas educativas parentais: Evidências empíricas. Psico logia: Teoria e Pesquisa, 29(2), 123-132. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013000200001
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; Raby et al., 2015Raby, K. L., Lawler, J. M., Shlafer, R. J., Hesemeyer, P. S., Collins, W. A., & Sroufe, L. A. (2015). The interpersonal antecedents of supportive parenting: A prospective, longitudinal study from infancy to adulthood. Developmental Psychology, 51(1), 115-123. https://doi.org/10.1037/a0038336
https://doi.org/10.1037/a0038336...
), especialmente aqueles concernentes à parentalidade positiva, com suporte e conexão emocional (Savelieva et al., 2017Savelieva, K., Keltikangas-Järvinen, L., Pulkki-Råback, L., Jokela, M., Lipsanen, J., Merjonen, P., ... & Hintsanen, M. (2017). Intergenerational transmission of qualities of the parent-child relationship in the population-based Young Finns Study. European Journal of Developmental Psychology, 14(4), 416-435. https://doi.org/10.1080/17405629.2016.1230057
https://doi.org/10.1080/17405629.2016.12...
), envolvimento e investimento (Raby et al., 2015Raby, K. L., Lawler, J. M., Shlafer, R. J., Hesemeyer, P. S., Collins, W. A., & Sroufe, L. A. (2015). The interpersonal antecedents of supportive parenting: A prospective, longitudinal study from infancy to adulthood. Developmental Psychology, 51(1), 115-123. https://doi.org/10.1037/a0038336
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; Schofield et al., 2014Schofield, T. J., Conger, R. D., & Neppl, T. K. (2014). Positive parenting, beliefs about parental efficacy, and active coping: Three sources of intergenerational resilience. Journal of Family Psychology, 28(6), 973-978. https://doi.org/10.1037/fam0000024
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).

O incentivo à educação formal se mostrou tanto como um aspecto de continuidade, à medida que os casais informaram que buscavam manter o estímulo ao estudo, como seus pais faziam na infância; quanto como uma nova prática incorporada por aqueles que não tiveram essa orientação nas famílias de origem. Neste sentido, achados sobre mobilidade intergeracional da educação apontam que esta varia em função de características sociodemográficas (nível socioeconômico, etnia, região geográfica de habitação e escolaridade dos pais) (Ferreira & Veloso, 2003Ferreira, S. G., & Veloso, F. A. (2003). Mobilidade intergeracional de educação no Brasil [Intergenerational mobility of education in Brazil]. Pesquisa e Planejamento Econômico, 33(3), 487-513. http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5022/1/PPE_v33_n03_Mobilidade.pdf
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). Desse modo, hipotetiza-se que o fato de os participantes do presente estudo terem, na época da coleta de dados, de oito a 18 anos de escolaridade, e renda compatível ao estrato socioeconômico B2 (ABEP, 2011Associação Brasileira de Pesquisa e Mercado. (2011). Critério de Classificação Econômica Brasil [Economic Classification Criteria Brazil]. ABEP. http://www.abep.org/criterio-brasil
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), contribuiu para a valorização do acesso à educação como um aspecto de transmissão. Além disso, outra pesquisa com famílias brasileiras de classe média indicou a promoção do estudo e da profissão dos filhos como principal meta da família (Cerveny & Berthoud, 2010Cerveny, M. C. O., & Berthoud, C. M. E. (2010). Família e ciclo vital: Nossa realidade em pesquisa [Family and life cycle: Our reality in research] (2ª ed.). Casa do Psicólogo.).

No que tange à continuidade de valores, semelhante aos achados desta pesquisa, um estudo nacional identificou a transmissão de amor, caridade, retidão de conduta e honestidade como aspectos positivos que norteiam a criação dos filhos (Weber et al., 2006Weber, L. N. D., Selig, G. A., Bernardi, M. G., & Salvador, A. P. V. (2006). Continuity of the parental styles through the generations. Paidéia (Ribeirão Preto), 16, 407-414. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300011
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). Crenças religiosas também são identificadas como fenômenos de transmissão que se mantêm mais estáveis através das gerações (Min et al., 2012Min, J., Silverstein, M., & Lendon, J. P. (2012). Intergenerational transmission of values over the family life course. Advances in Life Course Research, 17(3), 112-120. https://doi.org/10.1016/j.alcr.2012.05.001
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), tal como apontado por este estudo. Os valores transmitidos de uma geração à outra, geralmente, associam-se a temas que, historicamente, são relevantes para a família, à cultura e àquilo que os pais julgam como importantes (Falcke & Wagner, 2014Falcke, D., & Wagner, A. (2014). A dinâmica familiar e o fenômeno da transgeracionalidade: Definição de conceitos [Family dynamics and the phenomenon of transgenerationality: Definition of concepts]. In A. Wagner (Ed.), Como se perpetua a família? A transmissão de modelos familiares [How is the family perpetuated? The transmission of family models]. EDIPUCRS.; Tam, 2015Tam, K.-P. (2015). Understanding intergenerational cultural transmission through the role of perceived norms. Journal of Cross-Cultural Psychology, 46(10), 1260-1266. https://doi.org/10.1177/0022022115600074
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).

No que diz respeito a práticas parentais, essas apareceram tanto como fenômenos de continuidade quanto de descontinuidade. Repreender a criança quando ela faz algo errado, pedir e fornecer explicações, promover a autonomia e aplicar castigos que envolvam privação de privilégios foram identificados como fenômenos de transmissão. Esses resultados estão em consonância com outros estudos que identificaram um incremento na comunicação com os filhos e na demonstração de envolvimento afetivo (Weber et al., 2006Weber, L. N. D., Selig, G. A., Bernardi, M. G., & Salvador, A. P. V. (2006). Continuity of the parental styles through the generations. Paidéia (Ribeirão Preto), 16, 407-414. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300011
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), a continuidade de comportamento de apoio parental (afeto, demandas de autonomia, aceitação, monitoramento, envolvimento e estabelecimento de regras) e a descontinuidade de comportamento de controle dos pais (disciplina punitiva e gratificação material) (Roskam, 2013Roskam, I. (2013). The transmission of parenting behaviour within the family: An empirical study across three generations. Psychologica Belgica, 53(3), 49-64. https://doi.org/10.5334/pb-53-3-49
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).

Por outro lado, tal como evidenciado por este estudo, Madden et al. (2015Madden, V., Domoney, J., Aumayer, K., Sethna, V., Iles, J., Hubbard, I., … Ramchandani, P. (2015). Intergenerational transmission of parenting: Findings from a UK longitudinal study. The European Journal of Public Health, 25(6), 1030-1035. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv093
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) apontam para evidências da transmissão intergeracional tanto de comportamentos parentais positivos quanto negativos. As práticas parentais coercitivas, caracterizadas principalmente pela punição corporal como tática de resolução de conflitos com a criança, apareceram tanto como continuidades quanto como descontinuidades do modelo parental negativo da família de origem, tal como em outras pesquisas (Marin et al., 2013Marin, A. H., Martins, G. D. F., Freitas, A. P. C. d. O., Silva, I. M., Lopes, R. d. C. S., & Piccinini, C. A. (2013). Transmissão intergeracional de práticas educativas parentais: Evidências empíricas. Psico logia: Teoria e Pesquisa, 29(2), 123-132. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013000200001
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; Niu et al., 2018Niu, H., Liu, L., & Wang, M. (2018). Intergenerational transmission of harsh discipline: The moderating role of parenting stress and parent gender. Child Abuse & Neglect, 79, 1-10. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.01.017
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; Wang et al., 2014Wang, M., Xing, X., & Zhao, J. (2014). Intergenerational transmission of corporal punishment in China: The moderating role of marital satisfaction and gender. Journal of Abnormal Child Psychology, 42(8), 1263-1274. https://doi.org/10.1007/s10802-014-9890-9
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). O estudo de Friedson (2016Friedson, M. (2016). Authoritarian parenting attitudes and social origin: The multigenerational relationship of socioeconomic position to childrearing values. Child Abuse & Neglect, 51, 263-275. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2015.10.001
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), por exemplo, mostra que a aprovação da palmada é comum em todo o espectro socioeconômico e pode exigir várias gerações para as pessoas se desviarem desse padrão. As descontinuidades, por sua vez, estão associadas ao relacionamento conjugal, no sentido de que há uma influência recíproca entre os cônjuges que afeta o seu comportamento e sua relação com a criança (Rothenberg et al., 2016Rothenberg, W. A., Hussong, A. M., & Chassin, L. (2016). Intergenerational continuity in high-conflict family environments. Development and Psychopathology, 28(01), 293-308. https://doi.org/10.1017%2FS0954579415000450
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).

Considera-se que o principal aspecto de descontinuidade foi a incorporação de uma parentalidade positiva e diferenciada da família de origem. Esse resultado está em consonância com outro estudo brasileiro, que indicou aperfeiçoamento nas práticas educativas desempenhadas por duas gerações, o qual aponta para uma busca de não repetição, com os filhos, das estratégias educativas indesejáveis vivenciadas pelos pais com seus genitores na infância (Wagner, 2005Wagner, A. (2005). Família e educação: Aspectos relativos a diferentes gerações [Family and education: Aspects relating to different generations]. In T. Féres-Carneiro (Ed.), Família e Casal: Efeitos da Contemporaneidade [Family and Couple: Effects of Contemporaneity] (pp. 33-49). PUC-Rio.). Uma relação menos severa e mais amigável, permeada por diálogo e maior liberdade, bem como o desejo do homem de ser um pai mais presente e participativo na vida do filho, também são constatados como aspectos de diferenciação (Jablonski, 2010Jablonski, B. (2010). The division of household labor between men and women in everyday marriage life. Psico logia: Ciência e Profissão, 30(2), 262-275. http://www.scielo.br/pdf/pcp/v30n2/v30n2a04
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), além de mais envolvimento, afeto e comunicação (Weber et al., 2006Weber, L. N. D., Selig, G. A., Bernardi, M. G., & Salvador, A. P. V. (2006). Continuity of the parental styles through the generations. Paidéia (Ribeirão Preto), 16, 407-414. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300011
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).

Os mecanismos moderadores propulsores das descontinuidades forneceram uma ideia do quanto as questões relacionais e contextuais podem promover mudanças pessoais, relacionais e comportamentais. Assim como citado pelos participantes, a adesão a uma filosofia de vida, o exemplo de relacionamento de outras pessoas como um modelo diferente a ser seguido; e o relacionamento com o cônjuge parece ser uma importante fonte de recursos geradores de transformações. Schofield et al. (2009Schofield, T. J., Conger, R. D., Martin, M. J., Stockdale, G. D., Conger, K. J., & Widaman, K. F. (2009). Reciprocity in parenting of adolescents within the context of marital negativity. Developmental Psychology, 45(6), 1708-1722. https://doi.org/10.1037/a0016353
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) apontaram que cônjuges tendem a mudar a parentalidade um do outro, ao longo do tempo. Logo, se um cônjuge que foi criado de forma hostil tem um parceiro que fornece um modelo diferente de parentalidade, é menos propenso a exercer práticas educativas da família de origem (Schofield et al., 2009Schofield, T. J., Conger, R. D., Martin, M. J., Stockdale, G. D., Conger, K. J., & Widaman, K. F. (2009). Reciprocity in parenting of adolescents within the context of marital negativity. Developmental Psychology, 45(6), 1708-1722. https://doi.org/10.1037/a0016353
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).

Esses resultados indicam que não se pode adotar uma postura linear e determinista sobre os fenômenos de transmissão, ou seja, a compreensão de que as pessoas são “prisioneiras” do seu passado (Falcke et al., 2008Falcke, D., Wagner, A., & Mosmann, C. P. (2008). The relationship between family-of-origin and marital adjustment for couples in Brazil. Journal of Family Psychotherapy, 19(2), 170-186. https://doi.org/10.1080/08975350801905020
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). Desse modo, abre-se a possibilidade de um entendimento que tanto considere a repetição de modelos como a recusa dos casais em seguir os padrões dos pais (Scorsolini-Comin et al., 2016Scorsolini-Comin, F., Fontaine, A. M. G. V., & Santos, M. A. dos. (2016). Dating satisfaction and subjective well-being: Associations with parental marital relationship. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3), 1-8. http://doi.org/10.1590/0102-3772e32325
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). Falcke et al. (2008Falcke, D., Wagner, A., & Mosmann, C. P. (2008). The relationship between family-of-origin and marital adjustment for couples in Brazil. Journal of Family Psychotherapy, 19(2), 170-186. https://doi.org/10.1080/08975350801905020
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) discutem que a história de vida de cada um e suas vivências com as famílias de origem parecem exercer um poder para que as continuidades ocorram somente para aquilo que se justifique como de permanência necessária. Assim, com o passar do tempo, pelo contato com as pessoas, com distintas experiências e modelos relacionais, os quais podem funcionar como mecanismos moderadores, as pessoas podem adquirir recursos para lidar de formas diferentes com seus relacionamentos familiares, promovendo as descontinuidades.

Ademais, dada a complexidade das relações parentais, vários estudos se propõem a explicar a ocorrência das descontinuidades intergeracionais. Dentre as explicações possíveis, cientistas sociais enfatizam o papel de normas sociais na regulação de práticas disciplinares (Bicchieri & Muldoon, 2014Bicchieri, C., & Muldoon, R. (2014). Social norms. In E. N. Zalta (Ed.), The Stanford Encyclopedia of Philosophy (2014 Ed.). Spring. http://plato.stanford.edu/archives/spr2014/entries/social-norms/
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). Apesar de não ter sido expresso pelos participantes, é provável que as descontinuidades e a incorporação de novas práticas parentais estejam também relacionadas a dispositivos (debates, campanhas, leis) que foram constituídos em vários países nas últimas décadas, para a proteção e a promoção do desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes (Roskam, 2013Roskam, I. (2013). The transmission of parenting behaviour within the family: An empirical study across three generations. Psychologica Belgica, 53(3), 49-64. https://doi.org/10.5334/pb-53-3-49
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). No Brasil, o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1988, e a criação dos conselhos tutelares podem ter contribuído como mecanismo moderador para a incorporação de novos modos de agir com os filhos.

Considera-se que o presente estudo apresentou uma ampla gama de fenômenos que os participantes identificaram continuar ou descontinuar a partir de suas famílias de origem. Constatam-se a não linearidade e a heterogeneidade de padrões de repetição e rompimento, evidenciando a coexistência de modelos tradicionais e contemporâneos, tal como apontado por outros estudos (Marin et al., 2013Marin, A. H., Martins, G. D. F., Freitas, A. P. C. d. O., Silva, I. M., Lopes, R. d. C. S., & Piccinini, C. A. (2013). Transmissão intergeracional de práticas educativas parentais: Evidências empíricas. Psico logia: Teoria e Pesquisa, 29(2), 123-132. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013000200001
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; Weber et al., 2006Weber, L. N. D., Selig, G. A., Bernardi, M. G., & Salvador, A. P. V. (2006). Continuity of the parental styles through the generations. Paidéia (Ribeirão Preto), 16, 407-414. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2006000300011
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).

Considerações Finais

O presente estudo apresentou as continuidades e as descontinuidades intergeracionais no que se refere a modelos relacionais e a táticas de resolução de conflitos conjugais e parentais. Os mecanismos mediadores que atuaram para as continuidades parecem estar mais relacionados à manutenção de valores e a princípios das famílias de origem. Os moderadores, relacionados às descontinuidades, entretanto, parecem estar vinculados a fatores relacionais e circunstâncias contextuais e sociais, ou seja, a modos diferentes de agir e de se relacionar, que os casais conheceram ao longo da vida, com pessoas e nos diversos ambientes de interação dos quais participaram.

Conhecer concepções sobre continuidades e descontinuidades dos modelos de relacionamento conjugal e parental, das táticas construtivas e destrutivas de resolução de conflitos e, especialmente, identificar os mecanismos mediadores e moderadores significativos, permite reunir subsídios para intervenções preventivas e promotoras do desenvolvimento dos indivíduos e das famílias, em diversos contextos. Em serviços de atenção à saúde, de assistência social ou nas escolas, podem ser criados, por exemplo, espaços de reflexão com os pais. Ao identificarem as continuidades e as descontinuidades intergeracionais, os pais podem fazer escolhas e realizar mudanças.

Com relação às limitações do estudo, salienta-se o caráter retrospectivo das informações. Pondera-se que as lembranças das vivências da infância podem ser distorcidas e nem sempre são confiáveis. No entanto, as recordações tendem a ser contadas de acordo com a forma como as experiências foram internalizadas. Assim, compreende-se que o que importa para a continuidade ou a descontinuidade de um fenômeno intergeracional é a maneira como esse foi vivido e elaborado pela pessoa. Desse modo, considera-se que entrevistas retrospectivas se constituem como um recurso metodológico válido para realizar estudos sobre transmissão entre gerações. Entretanto, em condições favoráveis, indicam-se pesquisas futuras sobre o tema, com delineamento longitudinal.

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Editado por

Editor Responsável

Janari Pedroso

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2023
  • Aceito
    14 Jul 2023
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