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Desenvolvimento e Propriedades Psicométricas Iniciais da Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca

Development and Initial Psychometric Properties of the Migraine Functional Disability Scale

Desarrollo y Propiedades Psicométricas Iniciales de la Escala de Discapacidad Funcional por Migraña

Resumo

O objetivo deste estudo foi desenvolver um instrumento capaz de medir o nível de incapacitação funcional causado por enxaqueca. Na primeira etapa, a partir de análise da literatura e entrevistas com oito pessoas diagnosticadas com enxaqueca, foram construídos 54 itens que descrevem prejuízos no funcionamento dos indivíduos quando passam por uma crise de enxaqueca. As análises semântica e de conteúdo resultaram na exclusão de 14 itens. Na segunda etapa, participaram 354 enxaquecosos. Foram investigadas a estrutura interna por análises fatoriais exploratórias, a fidedignidade por ômega de Mcdonald e estabelecida normatização inicial por percentis. O instrumento, nomeado como Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca, ficou composto por 20 itens, divididos em três fatores: Limitação de atividades (9 itens, ω = 0,90), Impacto emocional (6 itens, ω = 0,87) e Impacto cognitivo (5 itens, ω = 0,90). Os resultados, ainda que iniciais, indicam que o instrumento é promissor no rastreio de sinais de incapacitação causada pela enxaqueca.

Palavras-chave:
Enxaqueca; validação de instrumentos; cefaleia; construção do teste; psicometria

Abstract

This study aimed to develop an instrument capable of measuring the level of functional impairment caused by migraine. In the initial phase, based on literature analysis and interviews with eight individuals diagnosed with migraine, 54 items were constructed describing impairments in individuals’ functioning during a migraine episode. Semantic and content analyses led to the exclusion of 14 items. In the second phase, 354 migraineurs participated. The internal structure was investigated using exploratory factor analyses, reliability was assessed using McDonald’s omega, and initial standardization was established by percentiles. The instrument, named the Migraine Functional Impairment Scale, consisted of 20 items divided into three factors: Activity Limitation (9 items, ω = .90), Emotional Impact (6 items, ω = .87), and Cognitive Impact (5 items, ω = .90). Although preliminary, the results suggest promising potential for the instrument in screening for signs of migraine-related impairment.

Keywords:
Migraine Headache; Test Validity; Headache; Test Construction; Psychometrics

Resumen

El objetivo de este estudio fue desarrollar un instrumento capaz de medir el nivel de incapacidad funcional causada por la migraña. En la primera etapa, a través del análisis de la literatura y entrevistas con ocho personas diagnosticadas con migraña, se construyeron 54 ítems que describen los perjuicios en el funcionamiento de los individuos durante una crisis de migraña. Los análisis semántico y de contenido resultaron en la exclusión de 14 ítems. En la segunda etapa, participaron 354 individuos con migraña. Se investigó la estructura interna mediante análisis factoriales exploratorios, la confiabilidad mediante el índice omega de McDonald y se estableció la normalización inicial mediante percentiles. El instrumento, denominado Escala de Incapacidad Funcional por Migraña, quedó compuesto por 20 ítems, divididos en tres factores: Limitación de Actividades (9 ítems, ω = .90), Impacto Emocional (6 ítems, ω = .87) e Impacto Cognitivo (5 ítems, ω = .90). Aunque preliminares, los resultados sugieren que el instrumento es prometedor para la detección de signos de incapacidad causada por la migraña.

Palabras clave:
Jaqueca; Validación de test; Cefalalgia; Construcción de test; Psicometría

Desenvolvimento e Propriedades Psicométricas Iniciais da Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca

A enxaqueca ou migrânea é uma doença neurológica caracterizada por dores de cabeça unilaterais, latejantes, associadas à fotofobia, fonofobia, náusea, vômitos e, em muitos pacientes, alodinia, um tipo de sensibilidade cutânea (American Headache Society, 2019American Headache Society. (2019). The American Headache Society position statement on integrating new migraine treatments into clinical practice. Headache: The Journal of Head and Face Pain, 59(1), 1-18. https://doi.org/10.1111/head.13456.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; Diener et al., 2020Diener, H. C., Tassorelli, C., Dodick, D. W., Silberstein, S. D., Lipton, R. B., Ashina, M., ... & International Headache Society Clinical Trials Committee. (2020). Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of preventive treatment of migraine attacks in episodic migraine in adults. Cephalalgia, 40(10), 1026-1044.https://doi.org/10.1177/0333102419828967
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). De acordo com a Classificação Internacional das Dores de Cabeça, ela é uma cefaleia primária não associada com dano orgânico ao cérebro, vasos cerebrais ou outras estruturas do sistema nervoso, tendo como principais formas a enxaqueca sem aura e a enxaqueca com aura. Na enxaqueca com aura, a dor é precedida ou acompanhada por sintomas neurológicos reversíveis, como distúrbios visuais, motores, sensoriais e verbais, o que não ocorre na enxaqueca sem aura (Kincses et al., 2019Kincses, Z. T., Veréb, D., Faragó, P., Tóth, E., Kocsis, K., Kincses, B., Király, A., Bozsik, B., Párdutz, Á., Szok, D., Tajti, J., Vécsei, L., Tuka, B., & Szabó, N. (2019). Are migraine with and without aura really different entities? Front. Neurol., 10, 982. https://doi.org/10.3389/fneur.2019.00982
https://doi.org/https://doi.org/10.3389/...
).

Outra classificação está relacionada com a frequência dos episódios, sendo possível dividi-la em enxaqueca crônica e episódica (Headache Classification Committee of the International Headache Society, 2018Headache Classification Committee of the International Headache Society. (2018). The international classification of headache disorders. Cephalalgia , 38(3), 1-211. https://doi.org/10.1177/0333102417738202
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). Indivíduos com enxaqueca episódica têm um histórico de menos de 15 ataques mensais de dores de cabeça, cada um durando de 4 a 72 horas. Aqueles com enxaqueca crônica passam pelo menos 15 dias por mês com dor de cabeça, durante pelo menos três meses em sequência (Diener et al., 2020Diener, H. C., Tassorelli, C., Dodick, D. W., Silberstein, S. D., Lipton, R. B., Ashina, M., ... & International Headache Society Clinical Trials Committee. (2020). Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of preventive treatment of migraine attacks in episodic migraine in adults. Cephalalgia, 40(10), 1026-1044.https://doi.org/10.1177/0333102419828967
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). Existem outras classificações alternativas e mais detalhadas, como a proposta por Irimia et al. (2021Irimia, P., Garrido-Cumbrera, M., Santos-Lasaosa, S., Aguirre-Vazquez, M., Correa-Fernández, J., Colomina, I., & Pozo-Rosich, P. (2021). Impact of monthly headache days on anxiety, depression and disability in migraine patients: Results from the Spanish Atlas. Scientific Reports, 11(1), 1-9. https://doi.org/10.1038/s41598-021-87352-2
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). Nela, pacientes com até quatro crises por mês são nomeados como tendo enxaqueca episódica de baixa frequência (LFEM), de cinco a oito crises, como enxaqueca episódica de média frequência (MFEM), de nove a 14 crises por mês, enxaqueca episódica de alta frequência (HFEM) e aqueles com mais de 15 dias de crise são incluídos no grupo usual de enxaqueca crônica.

A enxaqueca pode ser confundida com outros tipos de dores de cabeça, especialmente a cefaleia tensional, dificultando o diagnóstico (Parreira, Luzeiro, & Monteiro, 2020Parreira, E., Luzeiro, I., & Monteiro, J. M. P. (2020). Chronic and refractory migraine: how to diagnose and treat. Revista Científica da Ordem dos Médicos, 33(11), 753-760. https://doi.org/10.20344/amp.12004
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). No entanto, difere na medida em que é um distúrbio incapacitante com alta prevalência, que impacta em aspectos pessoais e socioeconômicos do indivíduo e da sociedade (Headache Classification Committee of the International Headache Society, 2018Headache Classification Committee of the International Headache Society. (2018). The international classification of headache disorders. Cephalalgia , 38(3), 1-211. https://doi.org/10.1177/0333102417738202
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). Carneiro et al. (2019Carneiro, A. F., Cavalcante Neto, P. G., Ferreira, J. F. I. S., Garcia, B. F., Silva, F. A. C., & Leal, P. R. L. (2019). A prevalência de cefaleia e fatores psicossociais associados em estudantes de medicina no Ceará. Revista de Medicina, 98(3), 168-179. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v98i3p168-179
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) observaram que pessoas com enxaqueca se automedicam mais, ingerem mais psicoestimulantes, são mais ansiosas, mais depressivas, mais sedentárias, mais estressadas e dormem menos que aquelas com cefaleia do tipo tensional.

A revisão sistemática e metanálise de Wang et al. (2015Wang, X., Zhou, H. B., Sun, J. M., Xing, Y. H., Zhu, Y. L., & Zhao, Y. S. (2015). The prevalence of migraine in university students: A systematic review and meta-analysis. European Journal of Neurology, 23(3), 464-475. https://doi.org/10.1111/ene.12784
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) com estudantes universitários de diferentes lugares do mundo mostrou que há uma grande variação na prevalência relatada de enxaqueca, com números estimados entre 2,4% e 48,5%, sendo mais comum em mulheres (21,7%) que em homens (11,3%). Os autores discutem que tais resultados são comparáveis aos de outros estudos com adultos não universitários. Em Ashina et al. (2021Ashina, M., Katsarava, Z., Do, T. P., Buse, D. C., Pozo-Rosich, P., Özge, A., Krymchantowski, A. V., Lebedeva, E. R., Ravishankar, K., Yu, S., Sacco, S., Ashina, S., Younis, S., Steiner, T. J., & Lipton, R. B. (2021). Migraine: Epidemiology and systems of care. Lancet, 397(10283), 1485-1495. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32160-7
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), são apresentados dados que variam entre 8 e 21 mil casos para cada 100 mil habitantes em todo o mundo, sendo também maior a frequência em mulheres. Os autores apontam ainda que o uso de metodologias diferentes dificulta a comparação entre os dados dos países.

No Brasil, a revisão de literatura de Queiroz e Silva Junior (2015Queiroz, L. P., & Silva Junior, A. A. (2015). The prevalence and impact of headache in Brazil. Headache , 55(1), 32-38. https://doi.org/10.1111/head.12511.
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) encontrou seis estudos epidemiológicos publicados no país, desde 2002. Neles, a prevalência de enxaqueca no último ano variou entre 10,7% e 22,1%, sendo mais comum em mulheres (entre 16,2% e 28,8%) que em homens (entre 3,9% e 14,2%). Além disso, os dados dos diferentes estudos mostraram que a enxaqueca pode estar mais associada a pessoas brancas, com baixa pressão sanguínea, que tomam contraceptivos orais, com baixa renda familiar, idade entre 20 e 29 anos, com alto nível de educação, que não praticam exercícios regularmente. Entre 15,3% e 23% das pessoas com diagnóstico de enxaqueca tiveram incapacitação severa devido às dores, especialmente mulheres. Nos anos após esta revisão, outros estudos seguiram investigando a enxaqueca no Brasil.

Carvalho et al. (2018Carvalho, R. C., Maglioni, C. B., Machado, G. B., Araújo, J. E., Silva, J. R. T., & Silva, M. L. (2018). Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: A national internet-based survey study. BrJP, 1(4), 331-338. https://doi.org/10.5935/2595-0118.20180063
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) identificaram que 35,6% das pessoas com dor crônica relataram ter sentido enxaqueca, sendo 6% apontando-a como a principal dor crônica sentida. Benhaddi, Zeidman, Ramirez-Campos e McCabe (2019Benhaddi, H., Zeidman, R., Ramirez-Campos, V., & McCabe, S. (2019). Burden of migraine across Argentina, Brazil, Chile, and Mexico: Results from a systematic literature review. Journal of the Neurological Sciences, 405, 48. https://doi.org/10.1016/j.jns.2019.10.1644
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) indicaram que a prevalência de enxaqueca no Brasil variou entre 6,9% e 16,3% e que pacientes com enxaqueca passam em média 6,7 horas em serviço de emergência a cada vez. Carneiro et al. (2019Carneiro, A. F., Cavalcante Neto, P. G., Ferreira, J. F. I. S., Garcia, B. F., Silva, F. A. C., & Leal, P. R. L. (2019). A prevalência de cefaleia e fatores psicossociais associados em estudantes de medicina no Ceará. Revista de Medicina, 98(3), 168-179. http://dx.doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v98i3p168-179
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) investigaram a prevalência de dores de cabeça em estudantes de medicina do Ceará, observando que 18,1% relataram ter tido pelo menos uma crise de enxaqueca, especialmente antes de provas. Okamura, Goldbaum, Madeira, & Cesar (2020Okamura, M. N., Goldbaum, M., Madeira, W., & Cesar, C. L. G. (2020). Prevalência e fatores associados de cefaleia entre adolescentes: Resultados de um estudo de base populacional. Revista Brasileira de Epidemiologia, 23, e200067. https://doi.org/10.1590/1980-549720200067
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) estimaram a prevalência de cefaleia em adolescentes entre 15 e 19 anos e encontraram que 7,8% preenchiam critério para enxaqueca. Embora os autores não analisem a enxaqueca de forma independente a outros tipos de dores de cabeça, os resultados mostraram que há maior probabilidade de cefaleia em meninas, em pessoas com transtorno mental comum, com problemas de visão, com dores nas costas e com sinusite. O estudo de Peres et al. (2019Peres, M. F. P., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., Katsarava, Z., & Steiner, T. J. (2019). Migraine: A major debilitating chronic noncommunicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. The Journal of Headache and Pain, 20, 85. https://doi.org/10.1186/s10194-019-1036-6
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) indicou que 15,2% da amostra de dois estudos nacionais (N = 3.848) tinham todos os critérios para diagnóstico de enxaqueca, enquanto outros 14,3% tinham provável diagnóstico. Tal resultado coloca a enxaqueca como a segunda doença crônica não transmissível do país e como a doença incapacitante número um em adultos. Ou seja, pelo menos uma em cada quatro pessoas pode ter sintomas de enxaqueca no Brasil. Seguindo critérios propostos por Stovner et al. (2014Stovner, L. J., Al, J. M., Birbeck, G. L., Gururaj, G., Jensen, R., Katsarava, Z., Queiroz, L. P., Scher, A. I., Tekle-Haimanot, R., Wang, S., & Steiner, T. J. (2014). The methodology of population surveys of headache prevalence, burden and cost: Principles and recommendations from the global campaign against headache. J Headache Pain, 15(1), 5. https://doi.org/10.1186/1129-2377-15-5
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), 9,5 milhões de brasileiros precisariam de algum tipo de intervenção para prevenir crises de enxaqueca.

A enxaqueca, ainda que episódica, é responsável por alterar significativamente a vida dos indivíduos. Essa mudança pode ser verificada pelo impacto funcional, definido como qualquer prejuízo que o indivíduo tem em seu funcionamento quando está com enxaqueca e que não teria se não estivesse com dor. Os impactos mais amplamente estudados são na redução da produtividade laboral, que ocorre pelo absenteísmo, em que o trabalhador falta ao trabalho ou pelo presenteísmo, em que ele se encontra no ambiente de trabalho, mas não consegue ser produtivo (Leonardi & Raggi, 2019Leonardi, M., & Raggi, A. (2019). A narrative review on the burden of migraine: when the burden is the impact on people’s life. The Journal of Headache and Pain, 20(1), 1-11. https://doi.org/10.1186/s10194-019-0993-0
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).

A enxaqueca é apontada como a segunda causa mundial de anos vividos com incapacitação e a primeira para pessoas com menos de 50 anos (Ashina et al., 2021Ashina, M., Katsarava, Z., Do, T. P., Buse, D. C., Pozo-Rosich, P., Özge, A., Krymchantowski, A. V., Lebedeva, E. R., Ravishankar, K., Yu, S., Sacco, S., Ashina, S., Younis, S., Steiner, T. J., & Lipton, R. B. (2021). Migraine: Epidemiology and systems of care. Lancet, 397(10283), 1485-1495. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32160-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Kowacs et al., 2019Kowacs, F., Roesler, C. A. P., Piovesan, E. J., Sarmento, E. M., Campos, H. C., Maciel Jr, J. A., Calia, L. C., Barea, L. M., Ciciarelli, M. C., Valença, M. M., Costa, M. E. N. M., Peres, M. F. P., Kowacs, P. A., Rocha-Filho, P. A. S., Silva-Néto, R. P., Villa, T. N. & Jurno, M. E. (2019). Consensus of the Brazilian Headache Society on the treatment of chronic migraine. Arquivos de Neuro Psiquiatria, 77(7), 509-520. https://doi.org/10.1590/0004-282X20190078
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; Machado, Loureiro, & Pimenta, 2022Machado, G. C. O. G., Loureiro, G. B., & Pimenta, M. R. C. (2022). Prevalência da migrânea em estudantes de medicina de uma faculdade particular de Belo Horizonte. Brazilian Journal of Health Review, 5(5), 20226-20231. https://doi.org/10.34119/bjhrv5n5-194
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; Parreira et al., 2020Parreira, E., Luzeiro, I., & Monteiro, J. M. P. (2020). Chronic and refractory migraine: how to diagnose and treat. Revista Científica da Ordem dos Médicos, 33(11), 753-760. https://doi.org/10.20344/amp.12004
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; Peres et al., 2019Peres, M. F. P., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., Katsarava, Z., & Steiner, T. J. (2019). Migraine: A major debilitating chronic noncommunicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. The Journal of Headache and Pain, 20, 85. https://doi.org/10.1186/s10194-019-1036-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
). No Brasil, é a quarta causa mais comum de faltas no trabalho, na escola e em tarefas domésticas (Oliveira, Queiroz, Rocha-Filho, Sarmento, & Peres, 2020Oliveira, A. B., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., & Peres, M. F. P. (2020). Annual indirect costs secondary to headache disability in Brazil. Cephalalgia , 40(6), 597-605. https://doi.org/10.1177/0333102419889357
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). Estima-se que 24,7% da população enxaquecosa e 19,3% da população que apresenta provável enxaqueca possuam critérios para incapacitação, sendo que 12,3% dos enxaquecosos e 7,1% de prováveis enxaquecosos apresentaram incapacitação severa (Peres et al., 2019Peres, M. F. P., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., Katsarava, Z., & Steiner, T. J. (2019). Migraine: A major debilitating chronic noncommunicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. The Journal of Headache and Pain, 20, 85. https://doi.org/10.1186/s10194-019-1036-6
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). Outra pesquisa epidemiológica brasileira apontou que 23% das pessoas com enxaqueca apresentam grau severo de incapacitação (Queiroz & Silva Junior, 2015Queiroz, L. P., & Silva Junior, A. A. (2015). The prevalence and impact of headache in Brazil. Headache , 55(1), 32-38. https://doi.org/10.1111/head.12511.
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). Por isso, a enxaqueca tem importantes consequências sociais, afetando o desempenho no trabalho, o desenvolvimento de carreira, os relacionamentos interpessoais e causando perdas econômicas significativas (Ashina et al., 2021Ashina, M., Katsarava, Z., Do, T. P., Buse, D. C., Pozo-Rosich, P., Özge, A., Krymchantowski, A. V., Lebedeva, E. R., Ravishankar, K., Yu, S., Sacco, S., Ashina, S., Younis, S., Steiner, T. J., & Lipton, R. B. (2021). Migraine: Epidemiology and systems of care. Lancet, 397(10283), 1485-1495. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32160-7
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). Estima-se que, no Brasil, o prejuízo financeiro causado por faltas ao trabalho ou produtividade reduzida por causa da enxaqueca seja de quase 34 bilhões de dólares anuais (Oliveira et al., 2020Oliveira, A. B., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., & Peres, M. F. P. (2020). Annual indirect costs secondary to headache disability in Brazil. Cephalalgia , 40(6), 597-605. https://doi.org/10.1177/0333102419889357
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).

A enxaqueca não deve ser considerada uma doença apenas de causas biológicas, mas multideterminadas, envolvendo também componentes psicológicos, sociais, cognitivos, comportamentais e culturais que se influenciam mutuamente (Capitão, Scortegagna, & Baptista, 2005Capitão, C. G., Scortegagna, S. A., & Baptista, M. N. (2005). A importância da avaliação psicológica na saúde. Avaliação Psicológica, 4(1), 75-82. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712005000100009
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Por exemplo, uma série de estudos mostra que a enxaqueca está relacionada a comorbidades psiquiátricas, como a depressão, ansiedade e distúrbios do sono, com as quais estabelece relações bidirecionais. Ou seja, ao mesmo tempo em que sofre influência desses transtornos, também os influencia (Diener et al., 2020Diener, H. C., Tassorelli, C., Dodick, D. W., Silberstein, S. D., Lipton, R. B., Ashina, M., ... & International Headache Society Clinical Trials Committee. (2020). Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of preventive treatment of migraine attacks in episodic migraine in adults. Cephalalgia, 40(10), 1026-1044.https://doi.org/10.1177/0333102419828967
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
; Dikmen, Yavuz, & Aydinlar, 2014Dikmen, P. Y., Yavuz, B. G., & Aydinlar, E. I. (2014). The relationships between migraine, depression, anxiety, stress and sleep disturbances. Acta Neurological Belgian, 115, 117-122. https://doi.org/10.1007/s13760-014-0312-0
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; Irimia et al., 2021Irimia, P., Garrido-Cumbrera, M., Santos-Lasaosa, S., Aguirre-Vazquez, M., Correa-Fernández, J., Colomina, I., & Pozo-Rosich, P. (2021). Impact of monthly headache days on anxiety, depression and disability in migraine patients: Results from the Spanish Atlas. Scientific Reports, 11(1), 1-9. https://doi.org/10.1038/s41598-021-87352-2
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; Minen et al., 2016Minen, M. T., Dhaem, O. B., Diest, A. K. V., Powers, S., Schwedt, T. J., Lipton, R. & Silbersweig, D. (2016). Migraine and its psychiatric comorbidities. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 87, 1-9. https://doi.org/10.1136/jnnp-2015-312233
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
; Parreira et al., 2020Parreira, E., Luzeiro, I., & Monteiro, J. M. P. (2020). Chronic and refractory migraine: how to diagnose and treat. Revista Científica da Ordem dos Médicos, 33(11), 753-760. https://doi.org/10.20344/amp.12004
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; Peres et al., 2017; Yamada & Mercante, 2022Yamada, A. M. L., & Mercante, J. P. P. (2022). The bidirectional relation of migraine and affective disorders. Headache Medicine, 13(1), 1-3. https://doi.org/10.48208/Headache Med.2022.12
https://doi.org/https://doi.org/10.48208...
). Se não tratadas, as comorbidades podem intensificar o risco de cronificação e incapacitação da enxaqueca, reduzindo a qualidade de vida e impactando negativamente no resultado dos tratamentos (Minen et al., 2016Minen, M. T., Dhaem, O. B., Diest, A. K. V., Powers, S., Schwedt, T. J., Lipton, R. & Silbersweig, D. (2016). Migraine and its psychiatric comorbidities. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 87, 1-9. https://doi.org/10.1136/jnnp-2015-312233
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
; Peres et al., 2019Peres, M. F. P., Queiroz, L. P., Rocha-Filho, P. S., Sarmento, E. M., Katsarava, Z., & Steiner, T. J. (2019). Migraine: A major debilitating chronic noncommunicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. The Journal of Headache and Pain, 20, 85. https://doi.org/10.1186/s10194-019-1036-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
). Portanto, debilidades em outras áreas, como a social e a emocional, também devem ser investigadas (Kawata et al., 2019Kawata, A. K., Hareendran, A., Shaffer, S., Mannix, S., Thach, A., Desai, P., Mikol, D. D., Ortmeier, B., Bayliss, M., & Buse, D. C. (2019). Evaluating the psychometric properties of the Migraine Functional Impact Questionnaire (MFIQ). Headache: The Journal of Head and Face Pain , 59(8), 1253-1269. https://doi.org/10.1111/head.13569
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
). Nesse sentido, é fundamental desenvolver maneiras padronizadas e objetivas de realizar avaliação psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde, considerando metas não apenas biológicas, mas também afetivas, cognitivas e comportamentais (Capitão et al., 2005Capitão, C. G., Scortegagna, S. A., & Baptista, M. N. (2005). A importância da avaliação psicológica na saúde. Avaliação Psicológica, 4(1), 75-82. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712005000100009
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

Atualmente, existem alguns instrumentos capazes de investigar o quanto a enxaqueca impacta funcionalmente na vida das pessoas. Diener et al. (2020Diener, H. C., Tassorelli, C., Dodick, D. W., Silberstein, S. D., Lipton, R. B., Ashina, M., ... & International Headache Society Clinical Trials Committee. (2020). Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of preventive treatment of migraine attacks in episodic migraine in adults. Cephalalgia, 40(10), 1026-1044.https://doi.org/10.1177/0333102419828967
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
) recomendam cinco deles em suas diretrizes para estudos com enxaqueca episódica. O Headache Impact Test (HIT-6) [Teste de Impacto da Dor de Cabeça] (Kosinski et al., 2003Kosinski, M., Bayliss, M. S., Bjorner, J. B., Ware Jr., J. E., Garber, W. H., Batenhorst. A., Cady, R., Dahlof, C. G. H., Dowson, A., & Tepper, S. (2003). A six-item short-form survey for measuring headache impact: The HIT-6. Quality of Life Research, 12, 963-974. https://doi.org/10.1023/a:1026119331193
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
) é um instrumento de autorrelato composto por seis itens que mensuram o impacto da dor de cabeça no dia a dia (função social, dor, sofrimento emocional, bem-estar, funcionamento cognitivo e vitalidade). O HIT-6 possui pontos de corte que permitem classificar que a dor de cabeça não tem impacto na qualidade de vida ou que o impacto é moderado, substancial ou severo (Houts, Wirth, McGinley, Cady, & Lipton, 2020Houts, C. R., Wirth, R. J., McGinley, J. S., Cady, R., & Lipton, R. B. (2020). Determining Thresholds for Meaningful Change for the Headache Impact Test (HIT-6) Total and Item-Specific Scores in Chronic Migraine. Headache: The Journal of Head and Face Pain , 60(9), 2003-2013. https://doi.org/10.1111/head.13946
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
). A escala possui estudos psicométricos que indicam validade e confiabilidade adequadas (Rendas-Baum et al., 2014Rendas-Baum, R., Yang, M., Varon, S. F., Bloudek, L. M., DeGryse, R. E., & Kosinski, M. (2014). Validation of the Headache Impact Test (HIT-6) in patients with chronic migraine. Health and quality of life outcomes, 12, 117. https://doi.org/10.1186/s12955-014-0117-0
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
).

O Migraine Disabililty Assessment (MIDAS), desenvolvido a partir do final da década de 1990 (Lipton, 1998Lipton, R. B. (1998). Establishing the clinical utility of the Migraine Disability Assessment (MIDAS) Questionnaire. Eur J Neurol, 5(3), S253. Recuperado de https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11703471/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11703471...
) e consolidado no início dos anos 2000 (Lipton, Stewart, Sawyer, & Edmeads, 2001Lipton, R. B., Stewart, W. F., Sawyer, J., & Edmeads, J. G. (2001). Clinical utility of an instrument assessing migraine disability: the Migraine Disability Assessment (MIDAS) questionnaire. Headache , 41(9), 854-861. https://doi.org/10.1111/j.1526-4610.2001.01156.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
), é um instrumento que avalia o grau em que a enxaqueca incapacita a vida do indivíduo. Possui cinco itens que investigam em quantos dias, dos três meses anteriores, a pessoa não conseguiu trabalhar, teve rendimento reduzido no trabalho, foi incapaz de realizar o trabalho em casa, teve rendimento reduzido no trabalho de casa e perdeu de atividades sociais e de lazer, devido à enxaqueca. Além disso, possui duas questões adicionais, que não são pontuadas, mas medem a frequência e intensidade da dor (Ferreira et al., 2021Ferreira, P. L., Luzeiro, I., Lopes, M., Jorge, A., Silva, B., & Ferreira, L. (2021). Validity and reliability of the Portuguese version of the modified Migraine Disability Assessment. BMC Neurol, 21(58), 1-11. https://doi.org/10.1186/s12883-021-02085-z
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
). No Brasil, foi adaptado por Fragoso (2002Fragoso, Y. D. (2002). MIDAS (Migraine Disability Assessment): A valuable tool for work-site identification of migraine in workers in Brazil. Sao Paulo Medical Journal, 120(4), 118-121. https://dx.doi.org/10.1590/S1516-31802002000400006
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) em versão para adultos e Rocha-Filho e Hershey (2017Rocha-Filho, P. A. S., & Hershey, A. D. (2017). Pediatric Migraine Disability Assessment (PedMIDAS): Translation into brazilian portuguese and cross-cultural adaptation. Headache: The Journal of Head and Face Pain, 57, 1409-1415. https://doi.org/10.1111/head.13159
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
), em versão para crianças e adolescentes. Recentemente, Ferreira et al. (2021)Ferreira, P. L., Luzeiro, I., Lopes, M., Jorge, A., Silva, B., & Ferreira, L. (2021). Validity and reliability of the Portuguese version of the modified Migraine Disability Assessment. BMC Neurol, 21(58), 1-11. https://doi.org/10.1186/s12883-021-02085-z
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
encontraram resultados satisfatórios de consistência interna, validade de conteúdo, estrutura interna e critério para uma versão em português de Portugal.

O Migraine-Specific Quality of Life Questionnaire version 2.1 (MSQ) é um instrumento de autorrelato composto por 14 itens que medem o impacto limitante da enxaqueca em três fatores da qualidade de vida relacionada à saúde do paciente ao longo das últimas quatro semanas (Rendas-Baum, Bloudek, Maglinte, & Varon, 2013Rendas-Baum, R., Bloudek, L. M., Maglinte, G. A., & Varon, S. F. (2013). The psychometric properties of the Migraine-Specific Quality of Life Questionnaire version 2.1 (MSQ) in chronic migraine patients. Quality of Life Research : An international journal of quality of life aspects of treatment, care and rehabilitation, 22(5), 1123-1133. https://doi.org/10.1007/s11136-012-0230-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). O primeiro avalia o funcionamento restritivo, o segundo, o funcionamento preventivo e o terceiro, o funcionamento social.

O Migraine Functional Impact Questionnaire versão 2.0 (MFIQ v.2) (Hareendran et al., 2018Hareendran, A., Skalicky, A., Mannix, S., Lavoie, S., Desai, P., Bayliss, M., Thach, A. V., Mikol, D. D., & Buse, D. C. (2018). Development of a new tool for evaluating the benefit of preventive treatments for migraine on functional outcomes - The Migraine Functional Impact Questionnaire (MFIQ). Headache, 58(10), 1612-1628. https://doi.org/10.1111/head.13420
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; Kawata et al., 2019Kawata, A. K., Hareendran, A., Shaffer, S., Mannix, S., Thach, A., Desai, P., Mikol, D. D., Ortmeier, B., Bayliss, M., & Buse, D. C. (2019). Evaluating the psychometric properties of the Migraine Functional Impact Questionnaire (MFIQ). Headache: The Journal of Head and Face Pain , 59(8), 1253-1269. https://doi.org/10.1111/head.13569
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
) é um instrumento de autorrelato composto por 26 itens, com escala de resposta de 5 pontos responsáveis por avaliar o impacto da enxaqueca no cotidiano nos últimos sete dias. É composto por quatro fatores, Funcionamento Físico (PF) com cinco itens, Atividades Usuais (UA) com 11 itens, Funcionamento Social (SF) com cinco itens, e Funcionamento Emocional (EF) com cinco itens.

O Migraine Physical Function Impact Diary (Hareendran et al., 2017Hareendran, A., Mannix, S., Skalicky, A., Bayliss, M., Blumenfeld, A., Buse, D. C., Desai, P. R., Ortmeier, B. G., & Sapra, S. (2017). Development and exploration of the content validity of a patient-reported outcome measure to evaluate the impact of migraine - the Migraine Physical Function Impact Diary (MPFID). Health Qual Life Outcomes, 15(1), 224. https://doi.org/10.1186/s12955-017-0799-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1186/...
) é um instrumento de autorrelato composto por 13 perguntas que focam no impacto diário causado pela enxaqueca em atividades cotidianas e no prejuízo físico. Os itens estão agrupados em três fatores: Impacto em atividades cotidianas (8 itens), Impacto geral em atividades cotidianas (1 item) e Prejuízo físico (8 itens). O instrumento conta com uma escala ordinal de resposta tipo Likert de 5 pontos e contém evidências de validade de conteúdo no uso em avaliações de intervenções para enxaqueca, obtidas a partir de entrevistas com juízes especialistas e entrevistas cognitivas com o público-alvo.

Porém, considerando a realidade brasileira, tais instrumentos possuem uma ou mais das seguintes limitações: (1) ou fornecem apenas uma medida geral da incapacitação causada pela enxaqueca, sem especificar quais áreas estão sendo afetadas; (2) ou focam apenas no impacto em atividades laborais; (3) ou não possuem adaptação ao português brasileiro; (4) ou são instrumentos desenvolvidos com amostras estrangeiras, sem normas nacionais de interpretação; (5) ou possuem restrições comerciais que impedem o uso gratuito, inclusive para pesquisa.

Sendo assim, considera-se importante o desenvolvimento de um instrumento que possa identificar a incapacitação também em áreas específicas; que essas áreas incluam aspectos relacionados a uma incapacitação também sobre variáveis psicológicas; que sejam desenvolvidos integralmente a partir de amostras nacionais; que tenham normas de interpretação nacionais; e que sejam sem restrição de acesso, tanto para pesquisa quanto para prática de diferentes profissionais, como psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros, considerando que a enxaqueca é uma doença multideterminada, que envolve diversos componentes que devem ser avaliados.

Além disso, pensando nas contribuições que a avaliação psicológica poderia propor para um mundo melhor, conforme as Metas Globais para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Gallardo-Pujol, Ziegler, & Iliescu, 2022Gallardo-Pujol, D., Ziegler, M., & Iliescu, D. (2022). Can Psychological Assessment Contribute to a Better World? European Journal of Psychological Assessment, 38(5), 347-355. https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000739
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), um instrumento como esse poderia contribuir diretamente para atender a meta 3 (boa saúde e bem-estar) e indiretamente para o alcance da meta 8 (trabalho decente e crescimento econômico). Parece existir um consenso na área de saúde sobre a necessidade de boas métricas, capazes de identificar as características da enxaqueca, possibilitando melhores intervenções (Hareendran et al., 2018Hareendran, A., Skalicky, A., Mannix, S., Lavoie, S., Desai, P., Bayliss, M., Thach, A. V., Mikol, D. D., & Buse, D. C. (2018). Development of a new tool for evaluating the benefit of preventive treatments for migraine on functional outcomes - The Migraine Functional Impact Questionnaire (MFIQ). Headache, 58(10), 1612-1628. https://doi.org/10.1111/head.13420
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
). Também parece existir um consenso de que a enxaqueca não possui apenas características físicas e biológicas, mas também importantes componentes sociais e emocionais que precisam ser considerados na promoção de qualidade de vida a partir da redução da sua frequência, severidade e duração (American Headache Society, 2019American Headache Society. (2019). The American Headache Society position statement on integrating new migraine treatments into clinical practice. Headache: The Journal of Head and Face Pain, 59(1), 1-18. https://doi.org/10.1111/head.13456.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; Diener et al., 2020Diener, H. C., Tassorelli, C., Dodick, D. W., Silberstein, S. D., Lipton, R. B., Ashina, M., ... & International Headache Society Clinical Trials Committee. (2020). Guidelines of the International Headache Society for controlled trials of preventive treatment of migraine attacks in episodic migraine in adults. Cephalalgia, 40(10), 1026-1044.https://doi.org/10.1177/0333102419828967
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). Assim, a partir de boas medidas de avaliação, é possível propor melhores intervenções, capazes de levar a maior saúde e bem-estar, inclusive no trabalho, colaborando para a produtividade laboral e consequentemente para o crescimento econômico (Capitão et al., 2005Capitão, C. G., Scortegagna, S. A., & Baptista, M. N. (2005). A importância da avaliação psicológica na saúde. Avaliação Psicológica, 4(1), 75-82. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712005000100009
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

Dessa forma, o objetivo geral deste estudo foi desenvolver um novo instrumento para medir o grau de incapacitação funcional causado pela enxaqueca. Os objetivos específicos foram: (a) elaborar e verificar a validade de conteúdo dos itens; (b) definir e investigar a qualidade da estrutura interna do instrumento; (c) investigar a fidedignidade da escala; e (d) apresentar normas iniciais para interpretação dos resultados.

Método

O método para o desenvolvimento do instrumento seguiu procedimentos teóricos, experimentais e analíticos, conforme etapas descritas em Pasquali (2010Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica: Fundamentos e práticas. Artmed).

Etapa 1 - Procedimentos Teóricos e Experimentais

Participantes

Oito pessoas participaram dessa etapa, sendo sete mulheres e um homem, com idades entre 25 e 55 anos (M = 34,0, DP = 10,4), uma com ensino médio, duas com ensino superior incompleto e cinco com ensino superior completo e média de 6,1 (DP = 6,5) crises de enxaqueca relatadas por mês, há mais de 12 meses. A amostra foi selecionada por conveniência, a partir da divulgação da pesquisa em redes sociais e aplicativos de mensagem. O critério de inclusão era ser maior de 18 anos e relatar ter diagnóstico de enxaqueca.

Instrumentos

ID-Migraine (Mattos, Souza, Moreira Filho, Jurno, & Velarde, 2017Mattos, A. C. M. T., Souza, J. A., Moreira Filho, P. F., Jurno, M. E., & Velarde, L. G. C. (2017). ID-Migraine™ questionnaire and accurate diagnosis of migraine. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 75(7), 446-450. https://doi.org/10.1590/0004-282x20170069
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Instrumento breve de autorrelato composto por três itens com escala de resposta dicotômica (sim ou não), capaz de avaliar a presença ou não de enxaqueca em pacientes atendidos em nível primário de atenção. Os itens avaliam sensibilidade à luz, ocorrência de náuseas e abandono de atividade durante um episódio de enxaqueca. Respostas afirmativas a dois ou mais critérios podem ser consideradas como diagnóstico positivo para enxaqueca. Em amostra brasileira de 232 participantes, o ID-Migraine apresentou sensibilidade de 92% (IC de 95% 88% a 95%), especificidade de 60% (IC de 95% 43% a 77%) e valor positivo preditivo positivo de 93% (IC 95% 89% a 96%) (Mattos et al., 2017). O ID-Migraine foi usado neste estudo como instrumento de rastreio, selecionando para a amostra pessoas que possuem critérios para enxaqueca.

Roteiro de entrevista semiestruturado, elaborado para este estudo. Continha a pergunta base “Quais prejuízos você tem quando está em uma crise de enxaqueca?” e as perguntas adicionais: (a) “O que você sente no corpo quando está com enxaqueca?” (b) “O que muda na sua rotina?” (c) “O que muda na sua relação com as outras pessoas?” (d) “O que muda nas suas atividades de lazer?” (e) “O que muda no seu funcionamento emocional?”. As perguntas foram elaboradas com base nos conteúdos dos fatores do Migraine Functional Impact Questionnaire. Por ser um roteiro semiestruturado, perguntas adicionais poderiam ser incluídas para aprofundar as respostas, conforme cada entrevista se desenvolvia.

Coleta de Dados

As entrevistas foram realizadas de forma remota, pela plataforma Google Meet e gravadas com autorização dos participantes. Todos responderam ao ID-Migraine para confirmar o diagnóstico de enxaqueca e, em seguida, as perguntas do roteiro de entrevista. Decidiu-se encerrar a coleta de informações após a oitava entrevista, uma vez que, desde a quinta pessoa entrevistada, não apareciam novos conteúdos, evidenciando uma saturação das respostas.

As respostas de cada entrevista que indicavam uma incapacitação funcional foram transcritas. Em seguida, os pesquisadores agruparam as respostas semelhantes, fazendo uma descrição única para a incapacitação relatada em diferentes entrevistas. A partir dela, os itens foram elaborados, conforme as regras propostas por Pasquali (2010Pasquali, L. (2010). Instrumentação psicológica: Fundamentos e práticas. Artmed). Os itens construídos foram então enviados a cinco estudantes universitários que, exercendo o papel de juízes semânticos, avaliaram em uma escala entre zero (nada) a 10 (totalmente), o quanto a redação de cada uma das questões era adequada. Também poderiam fazer sugestões para melhorar a qualidade da redação dos itens. Em seguida, três psicólogos, com experiência em tratamento para dor crônica, usaram a mesma escala de resposta e avaliaram o quanto o item representava, de fato, uma incapacitação causada por enxaqueca. Com isso, foram finalizados os procedimentos teóricos.

Os procedimentos experimentais foram iniciados com um pré-teste, em que os oito participantes das entrevistas iniciais foram convidados a ler os itens refinados após os procedimentos teóricos e avaliar, também em uma escala de zero a dez, o quanto representavam uma incapacitação causada por enxaqueca. Também foi feita uma verificação sobre a compreensão dos itens e do funcionamento do instrumento. Foi perguntado a cada participante se ele tinha dúvidas sobre as instruções, sobre os itens, sobre a escala de medida, sobre a marcação das respostas e se tinha alguma sugestão que pudesse melhorar o uso do instrumento por outras pessoas. Por fim, finalizando os procedimentos experimentais, foi planejada a coleta de dados que deu suporte para os procedimentos analíticos.

Análise de Dados

As respostas quantitativas dos juízes foram avaliadas por meio do cálculo do V de Aiken, que tem como objetivo analisar o grau de concordância entre juízes e possui como vantagem a obtenção de intervalos de confiança (veja Merino-Soto, 2023Merino-Soto, C. (2023). Aiken’s V coefficient: Differences in content validity judgments. MHSalud: Revista En Ciencias Del Movimiento Humano Y Salud, 20(1), 1-10. https://doi.org/10.15359/mhs.20-1.3
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para mais detalhes). Para tal, foi utilizado o programa Visual Basic ICAiken e itens com valores abaixo de 0,60 foram excluídos por terem baixa validade semântica ou validade de conteúdo, não representando adequadamente o construto (Soto & Segovia, 2009). Cada sugestão de ajuste na redação dos itens e nas instruções da escala foi lida e discutida pelos autores do estudo, sendo implementadas quando todos concordavam que ela tornaria o instrumento mais compreensível para o público-alvo.

Etapa 2 - Procedimentos Analíticos

Participantes

Participaram dessa etapa 354 pessoas com critérios para enxaqueca, com idades entre 18 e 62 anos (M = 30,2, DP = 9,8, Mdn = 27), sendo 80,8% mulheres, 18,6% homens e 0,6% outros gêneros. Em relação à escolaridade, a maioria tinha ensino superior finalizado ou em andamento (66,7%), seguido por pós-graduação finalizada ou em andamento (17,7%), ensino médio completo (15,3%) e ensino fundamental completo (0,3%). A maior parte da amostra morava na região Nordeste (54,5%), seguida por Sudeste (29,1%), Sul (9,9%), Centro-Oeste (4,8%) e Norte (1,7%). Os participantes relataram que a intensidade da dor que sentem em cada episódio de enxaqueca é, em média, de 7,58 (DP = 1,65), em uma escala entre zero e 10.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico, construído especificamente para esta pesquisa. Possui perguntas com o objetivo de coletar informações sobre idade, gênero, nível de escolaridade, região do país e grau estimado de intensidade da dor sentida em episódios de enxaqueca.

ID-Migraine (Mattos et al., 2017Mattos, A. C. M. T., Souza, J. A., Moreira Filho, P. F., Jurno, M. E., & Velarde, L. G. C. (2017). ID-Migraine™ questionnaire and accurate diagnosis of migraine. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 75(7), 446-450. https://doi.org/10.1590/0004-282x20170069
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), descrito anteriormente, na apresentação dos instrumentos da Etapa 1 do estudo.

Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca (EIFE), nome dado ao instrumento desenvolvido na primeira etapa deste estudo. Detalhes sobre a configuração final da escala (número de itens, de fatores, formato de resposta) serão relatados na seção de resultados, uma vez que são informações relacionadas ao desenvolvimento do instrumento.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada com os participantes sendo recrutados a partir de divulgação da pesquisa nas redes sociais do grupo de pesquisa ao qual o projeto está vinculado. A partir da demonstração de interesse em participar do estudo, era enviado um link do Formulários Google, contendo as informações éticas e os instrumentos de pesquisa (questionário sociodemográfico, ID-Migraine e a EIFE, nessa ordem). As respostas foram automaticamente registradas em uma planilha do programa Microsoft Excel. Os respondentes que não alcançaram critério para enxaqueca, de acordo com a pontuação do ID-Migraine, foram excluídos da amostra usada na análise dos dados.

Análise de Dados

Os dados foram analisados inicialmente pelo software RStudio (RStudioTeam, 2020R Studio Team. (2020). RStudio: Integrated Development for R. [Computer software]. http://www.rstudio.com/
http://www.rstudio.com/...
). Utilizando o pacote EGANet (Golino & Christensen, 2023Golino, H. F., & Christensen, A. P. (2023). EGAnet: Exploratory Graph Analysis - A framework for estimating the number of dimensions in multivariate data using network psychometrics. R package version 2.0.3. Recuperado de https://r-ega.net
https://r-ega.net...
), foi realizada uma Análise Gráfica Exploratória (EGA) (Golino & Epskamp, 2017Golino, H. F., & Epskamp, S. (2017) Exploratory graph analysis: A new approach for estimating the number of dimensions in psychological research. PLoS ONE, 12(6), e0174035. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0174035
https://doi.org/https://doi.org/10.1371/...
) com o intuito de verificar a dimensionalidade do instrumento. O procedimento seguinte, realizado pelo software JASP 0.16.4 (Jasp Team, 2022JASP Team (2022). JASP(Version 0.16.4)[Computer software]), foi a realização de Análise Fatorial Exploratória (AFE). A medida de adequação amostral dos dados foi verificada pelo índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), considerando como adequados valores acima de 0,70 (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, L. R. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Bookman.). O método de extração escolhido foi o Ordinary Least Squares, com uso de matriz de correlação policórica. A rotação adotada foi Oblimin.

Foram estabelecidos três critérios para manter um item na versão final do instrumento: (1) ele deveria ter carga fatorial igual ou maior que 0,50 em somente um fator; (2) deveria ter uma diferença de pelo menos 0,20 entre a maior e a segunda maior carga fatorial nos fatores; (3) não poderia ter carga fatorial entre 0,32 e 0,49 em mais de um fator. Para a análise da fidedignidade da estrutura por consistência interna foi considerado o valor do ômega de McDonald (ω), mas também apresentado o do coeficiente alfa de Cronbach (α) e, para o estabelecimento de normas, as pontuações geradas para os fatores do instrumento foram organizadas em percentis.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil (CAAE: 44865521.0.0000.5087) e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (CEP - UFMA) com o parecer 4.754.07.

Resultados

Etapa 1 - Procedimentos Teóricos e Experimentais

As entrevistas realizadas com as oito pessoas diagnosticadas com enxaqueca geraram respostas sobre incapacitação causada por ela. Alguns exemplos dos conteúdos das falas dos participantes são: “Não consigo fazer nada, nem levantar direito da cama, nem pensar. Tenho sensação de borrão, dificuldade de concentração. (...) Me sinto frustrada” (Participante 1). “Tenho prejuízo financeiro, pois deixo de trabalhar. (...)Tenho alterações de humor, fico irritada. (...) Deixo de fazer atividades de lazer, deixo de responder mensagens. Fico menos comunicativa, prefiro ficar sozinha em um ambiente silencioso. Se não for preciso, prefiro não interagir, respondo só o básico. Fico meio grossa (...) Evito trabalhar nos dias de crise intensa, pois a atenção fica prejudicada e isso pode afetar no trabalho” (Participante 2). “Tenho dificuldade de ficar presente, então desmarco alguns compromissos sociais. Me isolo, preciso deitar e ficar quieta. (...) Me sinto um fardo por mobilizar pessoas para me ajudar. (...) Fico irritada e chateada por estar perdendo tempo. Me sinto frustrada. (...) Sinto falta de controle por não conseguir controlar a enxaqueca. (...) Sinto vergonha por pedir ajuda. (...) Os pensamentos não fluem, não raciocino direito, fica tudo travado” (Participante 3). “Atrapalha o trabalho (...) não consigo ler, fazer yoga, ver série, brincar com o cachorro. (...) Fico muito triste, me isolo, sinto que estou perdendo tempo, fico frustrada por não poder fazer nada. (...)Meu raciocínio muda, troco as sílabas de lugar, penso a frase correta, mas na hora de falar inverto” (Participante 4). “Não consigo executar tarefas com 100% da capacidade, evito interação social, adio tarefas para depois da crise. (...) Não consigo pensar direito, é cansativo pensar, evito executar tarefas. (...) Fico ansioso quando sinto que vou ter enxaqueca. (...) Evito pensar em algo complexo, o que gera ansiedade por deixar tarefas pendentes” (Participante 5). “Fico triste pela falta de controle da situação, frustrada por ter que abortar planos, interrompo a vida porque não consigo fazer nada, me isolo” (Participante 6). “Me isolo, não converso com as pessoas, fico para baixo, angustiada, é um dia perdido” (Participante 7). “Sinto falta de concentração, por conta das dores intensas e alteração da visão. E aí não consigo trabalhar, estudar” (Participante 8).

O teor das entrevistas que se repetiram foi agrupado pelos pesquisadores. Por exemplo, nos trechos apresentados anteriormente, observa-se repetições de incapacitações como “gera frustração”, “atrapalha o pensamento”, “impede de trabalhar”, “limita atividades de lazer”, “reduz interações sociais”, “causa tristeza”. Assim, foram listadas 54 descrições de incapacitações no funcionamento dos indivíduos, causadas pelos episódios de enxaqueca.

Todas as descrições de incapacitação foram transformadas em itens a serem mensurados por uma escala de intensidade com valores entre 0 - nada a 10 - totalmente. O enunciado adotado foi: “Nos últimos 3 meses, o quanto as dores de cabeça (fizeram você): descrição da incapacitação…”. Em seguida, foram elaboradas as instruções de aplicação do instrumento, nomeado então como Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca (EIFE).

Com base nos resultados da análise semântica, nenhum item foi excluído, mas foram feitas alterações menores na redação de 16 deles, conforme sugestão dos juízes. Na análise de validade de conteúdo, a partir dos coeficientes de V de Aiken, 14 itens foram excluídos por não alcançarem o valor mínimo de 0,60 (Soto & Segovia, 2009Soto, C. M., & Segovia, J. L. (2009). Confidence intervals for the content validity: A visual basic computer program for the Aiken’s V. Anales de Psicología, 25, 169-171. Recuperado de https://psycnet.apa.org/record/2009-08527-019
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) estabelecido previamente, ou seja, especialistas ou público-alvo consideraram que os itens representavam insuficientemente uma incapacitação gerada por enxaqueca. Os 40 itens que tiveram seu conteúdo aprovado estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Validade de Conteúdo da Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca (EIFE)

Etapa 2 - Procedimentos Analíticos

A dimensionalidade do instrumento, avaliada via EGA, apontou a existência de três fatores (Figura 1). A medida de adequação amostral geral (KMO = 0,95) e as medidas de adequação individuais variando entre 0,89 e 0,97 foram classificadas como ótimas.

Figura 1
Dimensionalidade da EIFE a partir de Análise Gráfica Exploratória.

Após a execução de uma primeira rodada da Análise Fatorial Exploratória, 16 itens foram excluídos por não alcançarem uma carga fatorial de pelo 0,50 em pelo menos um dos fatores. Em uma segunda rodada, com os 24 itens restantes, outros dois foram excluídos pelo mesmo motivo. Foram realizadas outras duas rodadas de análise fatorial exploratória com os itens restantes e em cada uma delas, um item foi eliminado por não alcançar carga a fatorial mínima estabelecida previamente. Na quinta rodada, uma estrutura coerente teoricamente e psicometricamente foi obtida com 20 itens distribuídos em três fatores. As tabelas suplementares com os dados completos de cada rodada podem ser lidas em https://osf.io/dgm6s/, onde também pode ser obtida uma versão do instrumento para aplicação em formato lápis e papel.

O primeiro fator, com nove itens, foi nomeado como Limitação de atividades. O segundo, com seis itens, de Impacto emocional. O terceiro, Impacto cognitivo, ficou com cinco itens. Na Tabela 2, é apresentada a estrutura fatorial, com as respectivas cargas fatoriais de cada item, assim como as porcentagens de variância explicada e os valores de fidedignidade.

Tabela 2
Análise Fatorial Exploratória da Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca (EIFE)

Como cada item é pontuado de zero a dez, para o fator Limitação de atividades, a pontuação máxima é 90 pontos, para o fator Impacto cognitivo, 60 pontos e para o fator Impacto emocional, 50 pontos. Utilizando os escores brutos, a correlação entre os fatores 1 e 2 foi de 0,61, entre os fatores 2 e 3 de 0,52 e entre os fatores 1 e 3 foi de 0,51.

As pontuações para interpretação por percentis são apresentadas na Tabela 3. Na mesma tabela há uma sugestão de classificação a partir dos percentis. Aqueles muito baixos (entre 1 e 15) foram classificados como ausência de incapacitação, aqueles abaixo da média (entre 16 e 50), como incapacitação leve, aqueles acima da média (entre 51 e 85), como moderada e aqueles muito altos (entre 86 e 99), como incapacitação elevada.

Tabela 3
Postos Percentílicos dos Escores Brutos da Escala de Incapacitação Funcional por Enxaqueca (EIFE)

Discussão

Os resultados do estudo mostraram que a incapacitação funcional causada por enxaqueca atinge uma grande variedade de aspectos na vida de um indivíduo. Foram mais de 50 descrições de prejuízos que as dores podem causar nas pessoas. A partir do refinamento teórico, feito por meio da análise da validade de conteúdo, foi possível ir reduzindo os descritores para aqueles considerados mais representativos da incapacitação. É possível afirmar, portanto, que a EIFE abrange diferentes aspectos da incapacitação funcional relacionada à enxaqueca, atingindo níveis satisfatórios de validade de conteúdo.

O pré-teste também foi fundamental, pois o público-alvo da escala pôde entrar em contato com as questões que fundamentam a EIFE, possibilitando aos pesquisadores verificarem que a escala pode ser entendida e respondida corretamente por seu público-alvo. Embora a avaliação da validade de conteúdo seja uma etapa fundamental quando se busca construir um novo instrumento, ela é apenas o início de um processo que deve abranger outras medidas para avaliar outras evidências de validades e de fidedignidade. Por isso, os resultados da análise da estrutura interna dos itens que permaneceram após a validade de conteúdo trouxeram mais informações sobre como a incapacitação funcional causada por enxaqueca se organiza. Cada um dos fatores encontrados explica uma parcela da incapacitação.

O fator Limitação de atividades agrupa itens que avaliam o quanto a enxaqueca impede que a pessoa realize atividades do cotidiano. A limitação vai desde pensamentos improdutivos causados por conta da dor ou da preocupação, até déficits na interação social ou completa exclusão dela, por meio de cancelamentos de compromissos sociais e laborais. O fator Impacto emocional engloba os itens que medem o grau em que a enxaqueca está relacionada aos estados emocionais negativos. Irritação, ansiedade, impaciência, preocupação, tristeza e cansaço foram os estados emocionais negativos captados pelo instrumento.

O fator Impacto cognitivo reúne itens responsáveis por avaliar o quanto a enxaqueca impede a pessoa de exercer suas funções cognitivas em plena capacidade. Atividades como armazenar e recuperar informações, planejamento, capacidade de prestar atenção e resolução de problemas são percebidas como prejudicadas durante crises de enxaqueca e são analisadas por esse fator. Não há um consenso sobre o que causa o impacto cognitivo durante as crises de enxaqueca. A revisão sistemática conduzida por Gil-Gouveia, Oliveira e Martins (2015Gil-Gouveia, R., Oliveira, A. G., & Martins, I. P. (2015). Assessment of cognitive dysfunction during migraine attacks: A systematic review. Journal of Neurology, 262, 654-665. https://doi.org/10.1007/s00415-014-7603-5
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) sugere haver poucas evidências para uma real disfunção cognitiva causada por enxaqueca e que talvez esse impacto seja mais uma percepção subjetiva do paciente que, de fato, uma disfunção cognitiva reversível. Por outro lado, Vuralli, Ayata, & Bolay (2018Vuralli, D., Ayata, C., & Bolay, H. (2018). Cognitive dysfunction and migraine. Journal of Headache and Pain, 19, 109. https://doi.org/10.1186/s10194-018-0933-4
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) mostraram um desempenho pior em testes neuropsicológicos durante ataques de enxaqueca comparado a períodos sem dor de cabeça. Independentemente da resposta, a frequência de queixas espontâneas sobre uma deterioração cognitiva durante ataques de enxaqueca é alta, principalmente em atenção, eficiência cognitiva e velocidade de processamento (Gil-Gouveia, Oliveira, & Martins, 2016Gil-Gouveia, R., Oliveira, A. G., & Martins, I. P. (2016). Subjective cognitive symptoms during a migraine attack: A prospective study of a clinic-based sample. Pain Physician, 19(1), E137-E150. Recuperado de https://www.painphysicianjournal.com/linkout?issn=&vol=19&page=E137
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), o que mantém a importância da avaliação.

Os altos valores de força de correlação entre os fatores parecem indicar que um fator influencia fortemente o outro. Há, portanto, uma integração entre as incapacitações. Por exemplo, a limitação cognitiva leva a limitação de atividades laborais, que, por sua vez, leva a um impacto emocional, que interfere nos aspectos cognitivos e assim sucessivamente.

A estrutura fatorial da EIFE apresenta similaridades e diferenças em relação às demais estruturas de instrumentos que medem a incapacitação causada pela enxaqueca. Comparando os itens da EIFE com os do HIT-6, MIDAS, MSQ e MFIQ, foi perceber que aqueles que avaliam a limitação de atividades são comuns e recorrentes entre os instrumentos. O MFIQ v.2 apresenta um fator que aborda impactos e limitação de atividades (Impact on Usual Activities, Impact on Social Function), assim como no MSQ, no HIT-6 e no MIDAS. É, portanto, o conteúdo mais abarcado pelas escalas. Aspectos emocionais aparecem no MFIQ v.2 (Impact on Emotional function), no HIT-6 e no MSQ. Por sua vez, o fator Impacto cognitivo foi abordado apenas superficialmente no HIT-6, sendo o conteúdo menos presente nos instrumentos.

Tais resultados indicam que a EIFE é capaz de cobrir diferentes áreas de impacto da enxaqueca, unificando os inúmeros componentes presentes de forma espaçada nos outros instrumentos e avançando em relação a eles ao julgar o quanto a pessoa avaliada percebe prejuízos no seu funcionamento cognitivo. A comparação com as outras escalas, desenvolvidas em contextos diferentes da realidade brasileira também pode indicar uma estrutura teórica comum da incapacitação entre culturas, o que precisa ser mais bem investigado por estudos transculturais.

Os valores de alfa de Cronbach e ômega de McDonald dos três fatores da EIFE indicaram ótima precisão da escala. Comparada a outros instrumentos que avaliam construtos semelhantes, a EIFE atingiu níveis de precisão semelhantes. A análise de consistência interna do MFIQ, por exemplo, apresentou índices de alfa de Cronbach entre 0,91 e 0,96 (Kawata et al., 2019Kawata, A. K., Hareendran, A., Shaffer, S., Mannix, S., Thach, A., Desai, P., Mikol, D. D., Ortmeier, B., Bayliss, M., & Buse, D. C. (2019). Evaluating the psychometric properties of the Migraine Functional Impact Questionnaire (MFIQ). Headache: The Journal of Head and Face Pain , 59(8), 1253-1269. https://doi.org/10.1111/head.13569
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). Os resultados mostram que o instrumento é promissor no rastreio de sinais de incapacitação causada pela enxaqueca. Assim, profissionais da saúde que utilizarem a escala na prática profissional poderão obter uma medida confiável, o que permitirá avaliar a extensão do impacto funcional de forma mais abrangente e tomar decisões mais apropriadas e justas para cada caso.

Tão importante quanto obter escores confiáveis com um instrumento é conseguir interpretá-los adequadamente e tomar decisões com base nessa interpretação. As normas de um teste psicológico contextualizam e fornecem significado aos escores obtidos por um sujeito, classificando-o em relação a um referencial, a amostra normativa. As normas são necessárias para uniformizar a interpretação dos escores, evitando que cada profissional tenha uma interpretação diferente do resultado de um mesmo teste. Esse aspecto é importante em termos das consequências sociais da testagem ao garantir equidade na comparação e interpretação dos resultados obtidos pelo indivíduo. A apresentação de tabela normativa inicial para a EIFE proporciona um parâmetro de interpretação de escores, permitindo comparar os resultados de um indivíduo a uma amostra brasileira.

Os procedimentos de construção do instrumento e análises de dados seguiram as diretrizes estabelecidas pela literatura especializada em construção e validação de instrumentos psicológicos, o que assegura a qualidade e o rigor técnico do instrumento (Damásio & Borsa, 2017Damásio, B. F., & Borsa, J. C. (2017). Manual de desenvolvimento de instrumentos psicológicos. Vetor.). Os resultados mostraram um instrumento com evidências iniciais de alto grau de validade e precisão, além de normas estabelecidas para auxiliar na investigação da incapacitação funcional causada pela enxaqueca.

O objetivo de um tratamento para a enxaqueca é reduzir a gravidade e a duração da crise, bem como restaurar a capacidade de funcionamento, reduzindo o uso de medicamentos e promovendo o manejo geral com nenhum ou mínimo efeito colateral (Khan et al., 2021Khan, J., Al Asoom, L. I., Al Sunni, A., Rafique, N., Latif, R., Al Saif, S., ... & Borgio, J. F. (2021). Genetics, pathophysiology, diagnosis, treatment, management, and prevention of migraine. Biomedicine & Pharmacotherapy, 139, 111557. https://doi.org/10.1016/j.biopha.2021.111557
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). Nesse sentido, o surgimento de uma nova ferramenta capaz de investigar o grau de incapacitação funcional causado por esse tipo de dor de cabeça parece representar um importante avanço. Uma escala como essa pode colaborar para uma melhor avaliação, o que pode, por sua vez, subsidiar estratégias de intervenção mais eficazes. Além disso, pode permitir identificar precocemente o grau de incapacitação eliciado, auxiliando em um tratamento direcionado para a área de funcionamento mais afetada, promovendo o bem-estar do indivíduo. O paciente pode, por exemplo, ser estimulado a desenvolver novos recursos de enfrentamento em relação às distorções cognitivas que o levam a experimentar emoções negativas e emitir comportamentos desadaptativos diante da dor. O instrumento pode ser útil ainda para avaliar a evolução de uma determinada intervenção. Mais especificamente, o quanto uma intervenção foi capaz de diminuir a incapacitação funcional para uma determinada pessoa ao longo do tempo.

Algumas limitações deste estudo são a concentração de participantes da região Nordeste, pouca diversidade em relação a escolaridade e falta de análise de variáveis, como renda ou nível socioeconômico. Por isso, é necessário ter cautela na interpretação dos resultados normativos, uma vez que isso limita a possibilidade de generalização dos resultados para a população brasileira. Além disso, houve um número reduzido de juízes especialistas para a análise teórica de validade de conteúdo, por dificuldade de encontrar profissionais especialistas que aceitassem participar do estudo. Foram feitos mais de 12 convites, dos quais apenas três aceitaram participar. Por isso, o prosseguimento das investigações sobre as evidências de validade e a fidedignidade do instrumento constitui uma necessidade.

Além de corrigir as limitações relacionadas à amostra, estudos futuros precisam buscar mais evidências de validade de estrutura interna, com a realização Análises Fatoriais Confirmatórias tradicionais e multigrupo para mostrar que a estrutura interna do instrumento é estável para diferentes amostras e para diferentes grupos. É imprescindível também realizar a adição de evidências de validade convergente por meio da correlação entre a EIFE e outros testes que medem a mesma variável, tais como o HIT-6, MIDAS, MSQ e o MFIQ v.2. Também podem ser avaliadas correlações com outras variáveis, como o estresse, ansiedade, depressão, qualidade do sono, assertividade, entre outras que são descritas como relacionadas na literatura. Deve ser realizada ainda a adição de outras evidências de fidedignidade, como a estabilidade temporal.

Além disso, realizar a ampliação das normas para diferentes grupos (por exemplo, gênero e faixas etárias) e análises de curva ROC, com o objetivo de refinar os pontos de corte entre níveis de incapacitação funcional e avaliar a sensibilidade e especificidade do instrumento. Tudo isso possibilitará o acúmulo de evidências de qualidade psicométrica que o instrumento precisa para uso na prática de profissionais de saúde.

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Editado por

Editora:

Gisele Magarotto Machado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2022
  • Revisado
    01 Nov 2023
  • Aceito
    08 Jan 2024
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