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Comportamento e seleção pelas consequências: a análise do comportamento no Brasil entre o dogma e a ciência

Behavior and selection by consequences: behavior analysis in Brazil - between dogma and science

Comportement et sélection par conséquences : l’analyse comportementale au Brésil - entre dogme et science

El comportamiento y la selección por consecuencias: el análisis del comportamiento en Brasil entre el dogma y la ciência

Resumo

Considerando-se as recentes discussões sobre a definição de comportamento e do modelo de seleção por consequências conduzidas por pesquisadores brasileiros, discutimos a necessidade de maior participação das contribuições da análise experimental do comportamento no debate de conceitos da área e mais interação da área com outros sistemas em Psicologia. Criticamos o isolamento em relação à produção de conhecimento de outras áreas e a adoção de figuras de autoridade a partir da qual se possa fazer a avaliação das novidades da área. Para tanto, a análise do contexto no qual Skinner propôs seu modelo de seleção por consequências precisa ser feita para clara compreensão das contribuições mais importantes dessa proposta. Mostramos que a discussão sobre a distinção operante-respondente e a pertinência da noção de metacontingências são exemplos de revisão conceitual feita com base em dados e articulação entre áreas de pesquisa com epistemologias e metodologias diferentes, mas possíveis de serem articuladas.

Palavras-chave:
análise do comportamento; ciência; psicologia; seleção por consequências; isolamento

Abstract

Based on recent discussions about the definition of behavior and the selection by consequences approach conducted by Brazilian researchers, this essay discusses the need for greater participation of the contributions from experimental behavior analysis this debate and more interaction of the field with other systems in Psychology. The paper criticizes its isolation with respect to knowledge production in other areas and the adoption of authority figures from which novelties in the field can be evaluated. Hence, Skinner’s model of selection by consequences must be analyzed in context for a clear understanding of its most important contributions to Psychology. The essay argues that discussions on the operant-responder distinction and about metacontingencies are examples of conceptual revision based on data and articulation between areas of research with different epistemologies and methodologies.

Keywords:
behavior analysis; science; psychology; selection by consequences; isolation

Résumé

A partir des récentes discussions sur la définition du comportement l’approche de la sélection par conséquences menées par des chercheurs brésiliens, cet éssai discute la nécessité d’une plus grande participation des contributions de l’analyse expérimentale du comportement à ce débat et d’une plus grande interaction du domaine avec d’autres systèmes de la psychologie. L’article critique son isolement par rapport à la production de connaissances dans d’autres domaines et l’adoption de figures d’autorité à partir desquelles les nouveautés dans le domaine peuvent être évaluées. Ainsi, le modèle de séléction par conséquences de Skinner doit être analyser en context pour une compréhension claire de ses contributions les plus importantes à la psychologie. L’essai soutien que les discussions sur la distinction opérant-répondeur est un exemple de révision conceptuelle basée sur les données et l’articulation entre des domaines de recherche avec des épistémologies et des méthodologies différentes.

Mots-clés:
analyse comportamentale; science; psychologie; sélection par conséquences; isolement

Resumen

Desde la perspectiva de discusiones recientes sobre la definición de conducta y el modelo de selección por consecuencias realizadas por investigadores brasileños, en este ensayo discutimos la necesidad de una mayor participación de los aportes del análisis experimental de la conducta en el debate de conceptos en el área y una mayor interacción del área con otros sistemas en Psicología. Criticamos el aislamiento en relación a la producción de conocimiento de otras áreas y la adopción de una figura de autoridad a partir de la cual se evalúe las novedades en el área. Por tanto, el análisis del contexto en el que Skinner propuso su modelo de selección por consecuencias debe realizarse para una clara comprensión de los aportes más importantes de esta propuesta. La discusión sobre la distinción operante-respondedor es un ejemplo de revisión conceptual basada en datos y articulación entre áreas de investigación con diferentes epistemologías y metodologías, pero posibles de articularlas.

Palabras clave:
análisis de comportamiento, ciencias, psicología, selección de consecuencias; aislamiento

A análise do comportamento é uma área da psicologia que pode ser caracterizada como um sistema multidimensional (Tourinho & Sério, 2010Tourinho, E. Z., & Sério, T. M. A. P. (2010). Definições contemporâneas da análise do comportamento. In E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs.), Análise do comportamento: investigações históricas, conceituais e aplicadas (pp. 1-13). São Paulo, SP: Roca.), que congrega (i) reflexões de cunho conceitual sobre o objeto e métodos da psicologia (Rachlin, 2017Rachlin, H. (2017). The escape of the mind. New York: Oxford University Press.; Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operacional analysis of psychological terms. Phychological Review, 52, 270-277. doi: 10.1037/h0062535
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, 1974Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Vintage.); (ii) pesquisa empírica destinada à compreensão e discussão de princípios básicos do comportamento, em geral com metodologia N=1 - também conhecida como metodologia do sujeito como seu próprio controle (Sidman, 1960Sidman, M. (1960). Tactics of scientific research: evaluating experimental data in psychology. New York: Basic Books.); (iii) pesquisa aplicada (Baer, Wolf, & Risley, 1968Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97. doi: 10.1901/jaba.1968.1-91
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); e (iv) diferentes formas de atuação aplicada. Essa área defende o estudo do comportamento como objeto em si mesmo, e não como resultado de processos subjacentes a ele, fisiológicos, mentais ou localizados no sistema nervoso central. Isso não quer dizer excluir causas do comportamento que envolvam a fisiologia ou o cérebro e não impede o estudo da interação de processos fisiológicos com o comportamento. A ideia de comportamento como objeto em si enfatiza apenas o compromisso com o estudo do comportamento como um fenômeno que se desenvolve a parir de interações contínuas com o ambiente, físico, social, histórico e biológico (Todorov, 2012Todorov, J. C. (2012). A psicologia como e estudo de interações. Brasília, DF: Walden4.). Análise de interações desse tipo usualmente é feita a partir da noção de contingência (relações de dependência ambiente-ambiente ou comportamento-ambiente) e do exame de efeitos cumulativos dessas contingências sobre mudanças no comportamento.

Este artigo reflete sobre o gradual afastamento dessa área das suas bases empíricas e, especialmente, daquilo que pode ser considerado pesquisa básica sobre os processos comportamentais. A pesquisa que se faz sob o rótulo de Análise Experimental do Comportamento (AEC) é eminentemente uma pesquisa com o objetivo de desenvolver a teoria do comportamento. Essa pesquisa permite a revisão constante dos conceitos da área e a busca de sínteses de princípios comportamentais com base no recurso da experimentação. Também é relevante para esta discussão a preocupação de Gimenes (2016Gimenes, L. S. (2016). Análise do Comportamento e outros sistemas. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 12, 3-5. doi: 10.18542/rebac.v12i1.4018
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) sobre a necessidade da Análise do Comportamento interagir com outros sistemas em Psicologia, permitindo “uma evolução mais fértil, propiciando ganhos para todos os sistemas e não apenas para si próprio” (p. 4).

Este trabalho não pretende ser uma revisão exaustiva da literatura e não tem a pretensão de debater a área como um todo. Também não busca fazer críticas diretas a autores ou linhas de discussão. Nossa ideia principal é tentar descrever certo zeitgeist contemporâneo no qual algumas questões teóricas da área estão se desenvolvendo. Nosso argumento, em síntese, é que o afastamento do debate com outros sistemas teóricos e o pouco uso das contribuições recentes da própria AEC implicam em afastamento do compromisso da área com a ciência de modo geral, levando ao dogmatismo e ao uso do argumento de autoridade - em geral centralizado na figura de um autor ou conjunto de autores - a partir dos quais novidades no campo investigativo devem ser avaliadas.

A reflexão aqui apresentada parte de material recentemente publicado por autores predominantemente de instituições brasileiras nos periódicos científicos Interação em Psicologia e Revista Brasileira de Análise do Comportamento (Rebac). As edições especiais dessas revistas tratam, respectivamente, do modelo de seleção pelas consequências de B. F. Skinner (Carrara, 2016Carrara, K. (2016). Consequências nas práticas culturais: Efeitos sobre indivíduos ou grupos? Interação em Psicologia, 20, 246-256. doi: 10.5380/psi.v20i3.47378
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; Carvalho Neto, Guimarães, Sarmiento, & Leão, 2016Carvalho Neto, M. B., Guimarães, T. M. M., Sarmiento, A. R., & Leão, M. F. F. C. (2016). O (não) lugar do reflexo no modo causal de seleção pelas consequências de Skinner. Interação em Psicologia, 20, 305-309. doi: 10.5380/psi.v20i3.47705
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; Hunziker, 2016Hunziker, M. H. L. (2016). Considerações sobre o modelo de seleção pelas consequências: o que mudou em 28 anos? Interação em Psicologia, 20, 310-318. doi: 10.5380/psi.v20i3.50043
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; Leão & Carvalho Neto, 2016Leão, M. F. F. C., & Carvalho-Neto, M. B. (2016). Afinal, o que é seleção por consequências? Interação em Psicologia, 20, 286-294. doi: 10.5380/psi.v20i3.47438
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; Lopes & Laurenti, 2016Lopes, C. E., & Laurenti, C. (2016). Elementos neo-lamarckistas do selecionismo skinneriano. Interação em Psicologia, 20, 257-267. doi: 10.5380/psi.v20i3.47386
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; Micheletto, 2016Micheletto, N. (2016). Seleção pelas consequências: desdobramentos para a noção de ciência de B. F. Skinner. Interação em Psicologia, 20, 295-304. doi: 10.5380/psi.v20i3.47455
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; Tonneau, 2016Tonneau, F. (2016). Reforçamento operante e seleção natural: a analogia inútil. Interação em Psicologia, 20, 279-285. doi: 10.5380/psi.v20i3.47412
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; Vargas, 2016Vargas, J. (2016). From operant conditioning to selection by consequences. Interação em Psicologia, 20, 243-245. doi: 10.5380/psi.v20i3.49113
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; Zilio, 2016Zilio, D. (2016). Selecionismo, metáforas e práticas culturais: Haveria um terceiro tipo de seleção no nível cultural? Interação Em Psicologia, 20, 268-278. doi: 10.5380/psi.v20i3.47398
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) e da definição de comportamento (Botomé, 2013Botomé, S. P. (2013). O conceito de comportamento operante como problema. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 19-46. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2130
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; Carrara & Zilio, 2013Carrara, K., & Zilio, D. (2013). O comportamento diante do paradigma behaviorista radical. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 1-18. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2129
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; Lazzeri, 2013Lazzeri, F. (2013). Um estudo sobre definições de comportamento. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 47-65. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2131
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; Todorov & Henriques, 2013Todorov, J. C., & Henriques, M. B. (2013). O que não é e o que poderia vir a ser comportamento. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 74-78. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2133
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; Tonneau, 2013Tonneau, F. (2013). Comportamento e a pele. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 66-73. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2132
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). Neste artigo, buscamos contribuir ao debate sugerindo que tanto a definição de comportamento quanto o debate crítico sobre a noção de seleção pelas consequências demandam a inserção da área no contexto mais geral da ciência. Assim, a ciência básica da própria área, AEC, não pode estar ausente desse debate. Também não pode faltar a busca de interações com temas atuais que se desenvolvem na fronteira da ciência, aspecto praticamente ausente nos artigos das duas edições especiais dos periódicos mencionados.

Isolamento e o debate crítico sobre a noção de seleção pelas consequências

O modelo de seleção pelas consequências de B. F. Skinner (1981Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213(4507), 501-504. Recuperado de https://bit.ly/3H0RGZm
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) é mencionado em quase todos os artigos das duas edições especiais. Isso reafirma a importância da noção de seleção pelas consequências para a delimitação do campo de interesse da Análise do Comportamento, seu objeto e os métodos para abordar esse objeto (Andery, Micheletto, & Sério, 2009Andery, M. A. P. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. A. (2009). Modo causal de seleção por consequências e a explicação do comportamento. In M. A. P. A. Andery, N. Micheletto, & T. M. A. S. (Orgs.), Comportamento e causalidade (pp. 31-48). Recuperado de https://bit.ly/3LHhwFl
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). A proposta desse modelo explicativo foi originalmente publicada na revista Science em 1981. Em 1984, a revista Behavior and Brain Sciences republicou o artigo como “alvo” para críticas na forma de réplicas de diversos autores, com espaço também para tréplicas de B. F. Skinner. A primeira crítica, na sequência do artigo republicado, foi feita por George W. Barlow, então professor de biologia da Universidade da Califórnia, Berkeley. O título, nada lisonjeiro, foi “Skinner sobre seleção: um estudo de caso do isolamento intelectual”. Barlow (1984Barlow, G. W. (1984). Skinner on selection: a case study of intellectual isolation. The Behavioral and Brain Sciences, 7, 481-482. doi: 10.1017/S0140525X00026741
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) destacou como o artigo de Skinner discutia comportamento, segundo ele, ignorando informações relevantes e atuais na época referente à evolução do comportamento. É possível discutir o quanto a crítica de Barlow foi justa no momento. Mas é uma crítica que não deixa de denunciar o problema do isolamento que parece ter sempre marcado a produção da área, com reflexos importantes para a produção atual. Na análise do contexto atual, sobretudo na produção brasileira, tentaremos mostrar que essa questão do isolamento está estreitamente relacionada ao problema do dogmatismo, em especial ao problema do uso do argumento de autoridade para tratar de questões contemporâneas da área.

A década de 1970 foi marcada por debates de grande impacto para o desenvolvimento da psicologia experimental, debates com relação direta com as preocupações que Skinner abordaria mais tarde em seu artigo de 1981. Como exemplo disso, podemos mencionar o livro Teoria da Aprendizagem Social, publicado em 1977Bandura, A. (1977). Social learning theory. Englewood Cliffs: Prentice Hall. por Albert Bandura. A obra foi impactante, entre vários motivos, por destacar a importância da aprendizagem por observação para a constituição do que tem sido chamado de cognição social. Em 1973, Nikolaas Tinbergen, Karl Ritter Von Frisch e Konrad Lorenz foram laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por suas contribuições para a etologia e o estudo do comportamento animal. Ainda nesse contexto, houve também o impacto de produções externas à psicologia experimental e mais relacionadas à divulgação científica. Caso emblemático é o livro O gene egoísta, do biólogo Richard Dawkins (1976Dawkins, R. (1976). The selfish gene. Oxford: Oxford University Press.), trabalho de fundamental relevância na popularização do debate em torno das unidades na seleção natural e o papel da cultura na constituição das características da espécie humana. Essas discussões, que precedem o artigo de Skinner de 1981, estão no centro de debates mais recentes sobre ontogênese, cognição social e seleção cultural (Tomasello, 2019Tomasello, M. (2019). Becoming human: a theory of ontogeny. Cambridge, MA: Harvard.; Whiten, Hinde, Laland, & Stringer, 2011Whiten, A., Hinde, R. A., Laland, K. N., & Stringer, C. B. (2011). Culture evolves. Philosophical Transactions of the Royal Socity B, 366(1567), 938-948. doi: 10.1098/rstb.2010.0372
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).

Colocado neste contexto, o artigo de Skinner pode ser entendido como uma reflexão sobre a participação da Análise do Comportamento nessa esfera estimulante de produção de novidades e descobertas. A menção à observação como estratégia de aprendizagem social, a análise do papel da evolução e a proposta de cultura como sistema que evolui surgiram exatamente do debate com sistemas “externos” à área, não como decorrência natural do sistema teórico de Skinner ou de informações produzidas por outros analistas do comportamento. Um dos méritos do artigo sobre seleção pelas consequências parece ser, nesse sentido, justamente mostrar um panorama estimulante de produção de conhecimento relevante para a psicologia. Um panorama em que Skinner não se furtava a lembrar do papel das consequências do comportamento (inegavelmente sua principal contribuição para a Psicologia) e as implicações filosóficas que o pensamento selecionista traz para os campos da evolução das espécies, do comportamento e da cultura. Esse é o motivo pelo qual a crítica de Barlow pode ser vista como injusta à época: porque não via em Skinner a preocupação de mostrar que a análise do comportamento poderia participar do debate, contribuindo para responder questões intricadas sobre unidades de análise, biologia, cultura e comportamento que vinham sendo debatidas em psicologia experimental e em suas áreas de fronteira. Em certo sentido, Seleção pelas consequências buscava exatamente a conexão do estudo do comportamento operante com áreas de fronteira da ciência psicológica.

Considerando o trabalho de Skinner, o isolamento pode ter tido até mesmo seu lado positivo, como aparece em sua autobiografia, na seguinte passagem:

por anos eu tive a sublime fé de que a verdade prevaleceria. Eu estava muito satisfeito de publicar meus trabalhos em qualquer lugar; aqueles que precisassem poderiam acha-los. (Foi um princípio útil, por me permitir a continuar trabalhando em isolamento quando isolamento era provavelmente mais valoroso do que ser influente). (Skinner, 1983Skinner, B. F. (1983). A matter of consequences: part three of an autobiography. New York: Knopf., p. 163)

Nesse caso, o isolamento pode ser entendido como uma estratégia imediata para obter espaço no debate. Se considerarmos o zeitgeist da época, o isolamento permitiu a Skinner produzir conhecimento com métodos alternativos aos que eram utilizados primordialmente na psicologia experimental, com predominância de controle entre sujeitos e estatísticas para avaliar a diferença entre grupos. Cruz (2016Cruz, R. N. (2016). A fundação do JEAB e o isolamento histórico da Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32, 1-9. doi: 10.1590/0102-3772e323215
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) destaca o fato de que o Journal of Compartive and Physiological Psychology chegou a apresentar como diretriz editorial a rejeição a trabalhos com delineamento intrassujeito. Assim, o que Skinner fez foi produzir conhecimento sem se ocupar em atender qualquer exigência para além dos dados e das perguntas que surgiam de suas pesquisas. Mas isso não significa que Skinner não estava inserido no debate das principais questões contemporâneas na ciência psicológica e suas áreas de fronteira. A breve análise aqui apresentada sobre o contexto de publicação do artigo “seleção pelas consequências” parece mostrar muito bem isso, mas esse contexto é praticamente ignorado por Leão e Carvalho Neto (2016Leão, M. F. F. C., & Carvalho-Neto, M. B. (2016). Afinal, o que é seleção por consequências? Interação em Psicologia, 20, 286-294. doi: 10.5380/psi.v20i3.47438
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) em análise sobre o modelo de seleção pelas consequências de Skinner, feita com base em textos selecionados do autor. Uma análise focada em textos de Skinner não parece mostrar o significado mais profundo da proposta do modelo de seleção pelas consequências. Ao contrário, sugere um Skinner sob controle unicamente de sua produção anterior, e não um autor preocupado com as questões contemporâneas da ciência psicológica e em inserir a Análise do Comportamento nesses debates.

A crítica de Barlow (1984Barlow, G. W. (1984). Skinner on selection: a case study of intellectual isolation. The Behavioral and Brain Sciences, 7, 481-482. doi: 10.1017/S0140525X00026741
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) é justa e profética se considerarmos uma Análise do Comportamento que se desenvolve apenas tomando como referência o que ela mesma produz/produziu. Essa é uma forma de isolamento que pode ser sentida tanto na ausência de integração com outras áreas de fronteira (como a biologia e antropologia), como também na ausência do uso de contribuições da própria AEC para a reflexão sobre comportamento. Em ambos os casos, a consequência é o afastamento do debate conceitual das práticas científicas correntes. E o perigo desse afastamento é o dogmatismo, o uso de ideias e reflexões descoladas de seu contexto de origem, como verdades em si amparadas por argumento de autoridade. Buscar definir seleção pelas consequências sem esse contexto que tentamos ilustrar aqui traz inevitavelmente esse perigo. Nesse caso, a figura de Skinner deixa de ser a do cientista do comportamento buscando espaço em debates correntes e “quentes” da ciência psicológica, e passa a ser a da autoridade a partir da qual novidades da área são avaliadas. Nesse lugar, diferenças em posições do que seja seleção, mudanças em terminologia, novas propostas e tentativas de avanço passam a ser vistas como “inconsistências” que precisam ser resolvidas à luz da autoridade de Skinner.

Uma simples investigação das referências dos artigos publicados nas duas edições especiais dos periódicos Interação em Psicologia e Revista Brasileira de Análise do Comportamento traz informações interessantes a respeito de isolamento e uso da figura de autoridade: há grande concentração de citações de trabalhos publicados nas décadas de 1980 e 1990, a maior parte de Skinner ou de autores da própria área. Na discussão sobre a definição de comportamento, há mais citações de material das décadas de 1950 e 1960 em função das publicações de Skinner no período. Com exceção de Carrara (2016Carrara, K. (2016). Consequências nas práticas culturais: Efeitos sobre indivíduos ou grupos? Interação em Psicologia, 20, 246-256. doi: 10.5380/psi.v20i3.47378
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), Lopes e Laurenti (2016Lopes, C. E., & Laurenti, C. (2016). Elementos neo-lamarckistas do selecionismo skinneriano. Interação em Psicologia, 20, 257-267. doi: 10.5380/psi.v20i3.47386
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) e Tonneau (2016Tonneau, F. (2016). Reforçamento operante e seleção natural: a analogia inútil. Interação em Psicologia, 20, 279-285. doi: 10.5380/psi.v20i3.47412
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), as referências dos artigos das edições especiais são predominantemente internas, isto é, há pouca tentativa de estabelecer conexão da Análise do Comportamento com áreas de fronteira da ciência psicológica, ou mesmo com o braço empírico e investigativo atual da própria área de AEC.

Isolamento e dogmatismo

O desenvolvimento de modelos e conceitos não é linear, não é necessariamente liderado por um autor particular e é frequentemente marcado pelo debate, pela contraposição de ideias e produção de pesquisa empírica. Produção de conhecimento é essencialmente um esforço coletivo e marcado pelo debate e reconstrução de ideias. Isolamento1 1 O recorte de nosso texto envolve apenas Análise do Comportamento. Na incapacidade de afirmar se isso é limitado a esta ciência psicológica ou se é uma característica de toda ou outras áreas da psicologia, preferimos não tecer comentários ou comparações entre as diferentes subáreas da psicologia. ocorre quando cientistas de outras áreas desconhecem estudos, metodologias e práticas de dado campo (Dal Ben, Calixto, & Ferreira, 2017Dal Ben, R., Calixto, F. C., Ferreira, A. L. (2017). Are Brazilians behavior analysis publishing outside the box? A survey of general science media. Behavior Analysis and Pratice, 10(3), 27-278. doi: 10.1007/s40617-016-00152-x
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). Dogmatismo pode ser mais difícil de definir e identificar, mas envolve sempre o argumento de autoridade, afirmações fora de seu contexto investigativo e colocadas na forma de verdades absolutas. É nessa conjuntura que Critchfield (2014Critchfield, T. S. (2014). Skeptic’s corner : punishment - destructive force or valuable social “adhesive”? Behavior Analysis Practice, 7, 36-44. doi: 10.1007/s40617-014-0005-4
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) mostra que, por vezes, a postura dos cientistas se assemelha à adoção de dogmas. Isto é, asserções baseadas na autoridade são aceitas e tomadas como tendo caráter geral e irrefutável, podendo ser aplicadas a qualquer novo contexto investigativo.

Um exemplo histórico do isolamento foi apontado por Cruz (2016Cruz, R. N. (2016). A fundação do JEAB e o isolamento histórico da Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32, 1-9. doi: 10.1590/0102-3772e323215
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), que destaca que a fundação do Journal of the Experimental Analysis of Behavior (JEAB) decorreu, em partes, pela rejeição de trabalhos sofrida pelos pioneiros da AEC em periódicos da época. Durante o processo de criação do JEAB, a interação com outros sistemas de psicologia foi debatida. Um grupo defendia como politica editorial o aceite de trabalhos de outras perspectivas teórico-metodológicas. Já o outro grupo defendia o aceite apenas de trabalhos que utilizassem o delineamento experimental de sujeito único com tópicos definidos pela área. O segundo grupo sagrou-se vencedor. Essa política ainda vigora, como pode ser observado no editorial de Odum (2015Odum, A. L. (2015). Editorial. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 104, 205-208. doi: 10.1002/jeab.184
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), ao afirmar que o JEAB tem como objetivo principal a publicação de “experimentos relevantes ao comportamento de organismos individuais” (p. 205). A preocupação com o isolamento tem recebido atenção por parte dos pesquisadores em análise do comportamento. Nos últimos anos, é possível notar produções que debatem a questão (Dal Ben et al., 2017Dal Ben, R., Calixto, F. C., Ferreira, A. L. (2017). Are Brazilians behavior analysis publishing outside the box? A survey of general science media. Behavior Analysis and Pratice, 10(3), 27-278. doi: 10.1007/s40617-016-00152-x
https://doi.org/10.1007/s40617-016-00152...
; Strapasson, Zuge, & Cruz, 2017Strapasson, B. A., Zuge, P. R., Cruz, R. N. (2017). O isolamento da análise do comportamento no Brasil: uma análise bibliométrica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cogntiva, 19, 91-114. doi: 10.31505/rbtcc.v19i1.954
https://doi.org/10.31505/rbtcc.v19i1.954...
; Todorov, 2016Todorov, J. C. (2016). No princípio era o isolamento voluntário, agora temos que correr para recuperar o tempo perdido. Acta Comportamentalia , 24, 195-199. Recuperado de https://bit.ly/3BB2L2i
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). A preocupação com o dogmatismo também tem aparecido em produção da área (Critchfield, 2014Critchfield, T. S. (2014). Skeptic’s corner : punishment - destructive force or valuable social “adhesive”? Behavior Analysis Practice, 7, 36-44. doi: 10.1007/s40617-014-0005-4
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; Hunziker, 2017Hunziker, M. H. L. (2017). Dogmas sobre o controle aversivo. Acta Comportamentalia , 25, 85-100.).

Práticas científicas e conceitos da análise do comportamento

Ao debater a noção de comportamento (especialmente operante), Botomé (2013Botomé, S. P. (2013). O conceito de comportamento operante como problema. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 19-46. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2130
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) afirma que é “difícil entender e examinar o conhecimento e a tecnologia referentes ao comportamento humano sem considerar aspectos que histórica, social, científica e metodologicamente têm caracterizado a área de conhecimento que está na sua origem: a Análise Experimental do Comportamento” (p. 21). A própria análise de Botomé, contudo, não faz qualquer uso de dados produzidos em AEC para debater noções como reforço, classe de respostas e probabilidade do comportamento. AEC parece ser apenas aquilo que aparece na década de 1930, a pesquisa empírica de Skinner nos laboratórios de comportamento operante descrita em detalhes em Skinner (1938Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms: An experimental analysis. New York: Appleton-Century-Crofts .). AEC é história que confere autoridade às noções examinadas, e não instrumento para investigação e revisão continuada desses mesmos conceitos.

As contribuições de Skinner que podem servir de base para definição de comportamento têm sofrido recorrentes revisões a partir da literatura experimental. A discussão sobre a noção de contingência de três termos é um bom exemplo disso. Proposta como unidade de análise por Skinner (1969Skiner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcament: A theorical analysis. Acton, MA: B. F. Skinner Foundation.), essa noção pode ser vista como um ponto de partida importante para a análise do comportamento. Mas não é uma noção definitiva, não é livre da necessidade de ajustes, incrementos e mesmo revisão por pessoas que, a partir de uma influência intelectual comum, avançam em relação ao conhecimento original que as influenciou (De Rose, 1999De Rose, J. C. (1999). O que e um skinneriano? Uma reflexão sobre mestres, discípulos e influência intelectual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1, 67-74.). Exemplos dessas revisões são as tentativas da expansão da unidade de análise de três termos para contingências de quatro ou cinco termos (Sidman, 1994Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Authors Cooperative.), ou tentativas de considerar o comportamento como acontecendo em “contextos alternativos” que permitem múltiplas escolhas (Goldiamond, 1974Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional approach to social problems: ethical and constitutional issues raised by applied behavior analysis. Behaviorism, 2, 1-84. doi: 10.5210/bsi.v11i2.92
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, 1975Goldiamond I. (1975). Alternative sets as a framework for behavioral formulations and research. Behaviorism, 3, 49-85.). Revisões das noções de “resposta”, “estímulo”, “reforço” e “fortalecimento” são corriqueiras em publicações especializadas, e exemplos da base empírica para essas revisões são os efeitos de “excitação” (arousal, em inglês) descrito por Killeen, Hanson, & Osborne (1978Killeen, P. R., Hanson, S. J., & Osborne, S. R. (1978). Arousal: its genesis and manifestation as response rate. Psychological Review, 85, 571-581. doi: 10.1037/0033-295X.85.6.571
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), indução (Staddon, 1977Staddon, J. E. R. (1977). Schedule-induced behavior. In W.K. Honig & J. E. R. Staddon (Orgs.), Handbook of operant behavior (pp. 125-152). Englewood Cliffs: Prentice-Hall.) e a possibilidade de mostrar “força” do comportamento por medidas relativas de escolha e preferência (Herrnstein, 1961Herrnstein, R. J. (1961). Relative and absolute strength of a response as a function of frequency of reinforcement. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 4(3), 267-272. doi: 10.1901/jeab.1961.4-267
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). Há ainda a análise de Nevin (1974Nevin, J. A. (1974). Response strength in multiple schedules. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 21, 389-408. doi: 10.1901/jeab.1974.21-389
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), que sugere a resistência a mudanças como medida da força da resposta em substituição à noção skinneriana de taxa absoluta de respostas.

Essas linhas de investigação e debates mostram que não é possível um conceito ou uma definição de comportamento independentes da discussão experimental que acompanha e dá significado para a maior parte dos conceitos utilizados na área, que afinal são definidos empiricamente. Uma definição de comportamento não pode ser datada ou atribuída a um autor específico ou a um tipo particular de linha de investigação. Isso porque o conceito de comportamento é reinventado e ampliado a cada descoberta em AEC. Acompanhar essa dinâmica, analisar criticamente as condições em que essas descobertas foram realizadas e seus limites deveria ser a grande tarefa para quem busca uma definição para comportamento. Apesar dessas discussões terem papel central na pesquisa em AEC, poucas dessas questões aparecem na discussão sobre a definição de comportamento feita na edição especial da Revista Brasileira de Análise do Comportamento. Ao contrário, evidências e descobertas em AEC, que tornam a ciência do comportamento dinâmica e viva, parecem ser evitadas ou usadas apenas quando podem ser tratadas como reafirmação a respeito do que já se sabia sobre comportamento. Botomé (2013Botomé, S. P. (2013). O conceito de comportamento operante como problema. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 9, 19-46. doi: 10.18542/rebac.v9i1.2130
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), por exemplo, considerou que o artigo “Rethinking reinforcement: alocation, induction and contingency”, de W. Baum, publicado em 2012 no Journal of the Experimental Analysis of Behavior trata de “importantes questões” a respeito da noção de comportamento (apesar de não especificar quais seriam essas questões). Mais do que “importantes questões”, a proposta de Baum (2012Baum, W. M. (2012). Rethinking reinforcement: allocation, induction and contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 97, 101-124. doi: 10.1901/jeab.2012.97-101
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) é uma posição crítica a respeito da noção molecular de “fortalecimento do comportamento” em que se baseia a discussão de Botomé. O artigo de Baum (2012Baum, W. M. (2012). Rethinking reinforcement: allocation, induction and contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 97, 101-124. doi: 10.1901/jeab.2012.97-101
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) coloca em suspeita muitos dos termos-chave tradicionais para se tratar do comportamento operante (Baum, 2003Baum, W. M. (2003). The molar view of behavior and its usefulness in behavior analysis. The Behavior Analyst Today, 4, 78-81. doi: 10.1037/h0100009
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), inclusive a própria noção de “classe de respostas” debatida por Botomé como central na definição de comportamento. Uma análise molar como a de Baum abre mão da noção tradicional de comportamento como uma sequência de respostas seguidas temporalmente por reforçadores, de forma que a ideia de “aumentar de frequência no futuro” é substituída pela ideia de alocação de comportamento em alternativas em determinado recorte temporal. Independentemente da posição que se possa ter sobre o debate molar/molecular (Simonassi, Bernardy, & Santos, 2012Simonassi, L. E., Bernardi, J. L., & Santos, A. C. G. (2012). Porque a análise de Baum (2012): “Rethinking reinforcement: allocation, induction and contingency” é importante. Perspectivas em Análise do Comportamento , 3, 142-150. doi: 10.18761/perspectivas.v3i2.237
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), é importante destacar que a discussão feita por Baum mostra de fato o uso da AEC para debater o que seja comportamento. Esforços investigativos e seus resultados são utilizados como guia para análise e revisão de conceitos. O conceito de comportamento ganha substância e pode ser colocado à prova pelo trabalho experimental corrente. Noções como reforço, discriminação etc. podem, assim, ser avaliadas de acordo com os critérios de generalidade e confiabilidade de dados experimentais, tal como sugerido por Sidman (1960Sidman, M. (1960). Tactics of scientific research: evaluating experimental data in psychology. New York: Basic Books.).

O trabalho científico na investigação de processos comportamentais básicos relacionados com as contribuições de Skinner algumas vezes é tomado como ciência da Análise do Comportamento, ou até mesmo como ciência de Skinner (Micheletto, 2016Micheletto, N. (2016). Seleção pelas consequências: desdobramentos para a noção de ciência de B. F. Skinner. Interação em Psicologia, 20, 295-304. doi: 10.5380/psi.v20i3.47455
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). Embora isso possa ser verdade, a questão merece cuidado. Um autor ou um conjunto de autores pode aderir a certas práticas científicas e até criar práticas novas. No entanto, a rigor, um campo científico não pertence a uma área, não é posse de alguém, de um autor ou de uma instituição. Ciência é um processo coletivo, um conjunto de estratégias construídas para observar regularidades e investigar fenômenos de interesse. Assim, seria mais correto dizer que a Análise do Comportamento de hoje, com seus conceitos e métodos, é o resultado de um esforço em ciência feito no passado por pessoas que desenvolveram os princípios, métodos e intervenções que hoje caracterizam a área. Uma área que se baseia em práticas científicas continua nesse esforço permanentemente. Ciência básica tem passado, mas não se restringe a ele; práticas científicas são instrumentos atuais para reflexão de nossos principais instrumentos conceituais. Uma área constituída foge dos dogmas quando usa a novidade científica para se repensar como área.

Interações operante-respondente como exemplo do trabalho de revisão conceitual guiado por evidências

Um exemplo de revisão conceitual que considera a produção de conhecimento oriundo de pesquisas básicas está acontecendo recentemente com a discussão das interações operante-respondente, um tema candente desde as primeiras contribuições de Skinner (1938Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms: An experimental analysis. New York: Appleton-Century-Crofts ., 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Free Press.) para a psicologia. As primeiras formulações de Skinner sobre comportamento buscavam definir operante como aquilo que “não era reflexo” (Todorov, 2002Todorov, J. C. (2002). A evolução do conceito de operante. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 18, 123-127. doi: 10.1590/S0102-37722002000200002
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). Depois do trabalho a respeito de esquemas de reforço em parceria com Charles Ferster (Ferster & Skinner, 1957Ferster, C. B., & Skinner, B. F. (1957). Schedules of reinforcement. Acton: Copley Publishing Group.) e do avanço de outras frentes de pesquisa básica e aplicada (Honig 1966Honig, W. K. (1966). Operant behavior: areas of research and application. New York: Appleton-Century-Crofts.), a noção de operante ganhou “identidade” e espaço na área. Uma definição de operante como o comportamento que produz consequências e é afetado por essas consequências e pelo contexto em que elas foram produzidas foi proposta por Skinner (1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Free Press., 1969Skiner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcament: A theorical analysis. Acton, MA: B. F. Skinner Foundation.), nos livros Ciência e comportamento humano e Contingências de reforço: uma análise teórica.

Paralelamente ao trabalho básico de Skinner e de seus colaboradores sobre comportamento operante, a pesquisa sobre condicionamento respondente se desenvolveu sem nunca precisar “pedir licença” para analistas do comportamento (Rescorla & Solomon, 1967Rescorla, R. A., & Solomon R. L. (1967). Two-process learning theory: relationships between pavlovian conditioning and instrumental learning. Psychology Review, 74, 151-182. doi: 10.1037/h0024475
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). Rescorla (1966Rescorla, R. A. (1966). Pavlovian conditioning. American Psychologist, 43, 151-160. doi: 10.1037/0003-066X.43.3.151
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, 1968Rescorla, R. A. (1968). Probability of shock in the presence and absence of CS in fear conditioning. Journal of Comparative and Physiological Psychology, 66, 1-5. Recuperado de https://bit.ly/3LP0DbH
https://bit.ly/3LP0DbH...
, 1988Rescorla, R. A. (1988). Pavlovian conditioning. It’s not what you think it is. The American Psychologist, 43, 151-160. Recuperado de https://bit.ly/3BEkxll
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), por exemplo, apresentou dados empíricos de que o processo de condicionamento respondente depende mais do estabelecimento de contingências entre estímulos do que do mero emparelhamento. Com base nessas contribuições, Rescorla (1988Rescorla, R. A. (1988). Pavlovian conditioning. It’s not what you think it is. The American Psychologist, 43, 151-160. Recuperado de https://bit.ly/3BEkxll
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) sustentou que “muito do pensamento moderno sobre condicionamento pavloviano deriva largamente da tradição associacionista da filosofia. Essa tradição vê o condicionamento como aprendizagem que resulta da exposição a relações entre eventos do ambiente” (p. 152). Tal aprendizagem é o “meio principal pelo qual o organismo representa a estrutura de seu mundo” (p. 152). Essa abordagem poderia ser facilmente classificada como “mentalista” e descartada por aqueles de formação tradicional em Análise do Comportamento. Acontece que os dados experimentais produzidos sobre condicionamento respondente, a quantificação desse processo, a descoberta e o exame cuidadoso de fenômenos como bloqueio e sombreamento (Rescorla & Wagner, 1972Rescorla, R. A., & Wagner, A. R. (1972). A theory of pavlovian conditioning: variations in the effectiveness of reinforcement and nonreinforcement. In A. H. Black & W. F. Prokasy (Eds.), Classical conditiong II: current research and theory (pp 64-99). New York: Applenton-Century-Crofts.; Siegel & Allan, 1996Siegel, S., & Allan, L. G. (1996). The widespread influence of the Rescorla-Wagner model. Psychonomic Bulletin & Review, 3, 314-321. doi: 10.3758/BF03210755
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) mostraram que o condicionamento respondente simplesmente não podia ser ignorado em uma descrição completa do comportamento operante. Pesquisadores têm olhado para isso recentemente em busca de novas sínteses para a noção do que seja comportamento. Domjan (2016Domjan, M. (2016). Elicited versus emitted behavior: time to abandon the distinction. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 2, 231-245. doi: 10.1002/jeab.197
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), por exemplo, explora a possibilidade de abandonar a distinção entre comportamento eliciado e evocado. Donahoe e Palmer (2004Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (2004). Learning and complex behavior. Richmond, MA: Ledgetop.), de modo semelhante, sugerem uma “teoria unificada do reforço”, em que a diferença entre operantes e respondentes é vista como um contínuo definido ao que um reforçador é contingente, se a um estímulo antecedente (contingência estímulo-estímulo) ou a um comportamento (contingência comportamento-estímulo). Nesse sentido, é possível observar propostas que abordam uma conexão entre os processos de condicionamento reflexo e condicionamento operante. Ambas são resultado de ampla revisão de evidências experimentais sobre os processos de reforçamento operante (tradição da análise do comportamento) e pesquisa sobre condicionamento pavloviano (de orientação mais cognitiva, como pode ser visto pelas citações apresentadas anteriormente). Como novas sínteses do que seja o comportamento (operante ou respondente, ou algo novo entre essas duas noções), as propostas de autores como Domjan (2016Domjan, M. (2016). Elicited versus emitted behavior: time to abandon the distinction. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 2, 231-245. doi: 10.1002/jeab.197
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) e Donahoe e Palmer (2004Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (2004). Learning and complex behavior. Richmond, MA: Ledgetop.) permitem retomar as posições de Skinner sobre noções como reforço, seleção e contingência. Não apenas retomar e examinar as novas evidências à luz da autoridade, mas, essencialmente, rever e ampliar as posições anteriores. Portanto, ao contrário do que sugerem Carvalho Neto et al., (2016Carvalho Neto, M. B., Guimarães, T. M. M., Sarmiento, A. R., & Leão, M. F. F. C. (2016). O (não) lugar do reflexo no modo causal de seleção pelas consequências de Skinner. Interação em Psicologia, 20, 305-309. doi: 10.5380/psi.v20i3.47705
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), o condicionamento respondente ou pavloviano pode, sim, ser abordado de um ponto de vista selecionista (Donahoe, Burgos, Palmer, 1993Donahoe, J. W., Burgos, J. E., Palmer D. C. (1993). A selectionist approach to reinforcement. Journal of the Experimental Analysis of Behavior , 60, 17-40. doi: 10.1901/jeab.1993.60-17
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; Donahoe & Palmer, 2004Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (2004). Learning and complex behavior. Richmond, MA: Ledgetop.). Mas isso exige aceitar que diferentes posições em ciência não são meras “inconsistências”, e sim decorrência natural de um sistema que se baliza pelas evidências de sua ciência, não pelo argumento da autoridade.

Metacontingências, dogmatismo e os problemas da extensão metafórica

Outro debate abordado nas duas edições especiais é sobre a noção de metacontingências, um procedimento que permite compreender a seleção de comportamentos inter-relacionados (Baia & Sampaio, 2019Baia, F. H., & Sampaio, A. A. S. (2019). Distinguishing units of analysis, procedures, and processes in cultural selection: Notes on metacontingency terminology. Behavior and Social Issues, 28, 204-220. doi: 10.1007/s42822-019-00017-8
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; Glenn et al., 2016Glenn, S. S., Malott, M. E., Andery, M. A. P. A., Benvenuti, M., Houmanfar, R. A., Sandaker, I., . . . Vasconcelos, L. A. (2016). Toward consistent terminology in a behaviorist approach to cultural analysis. Behavior and Social Issues , 25, 11-27. doi: 10.5210/bsi.v25i0.6634
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;). O debate na Análise do Comportamento pode ser resumido na pergunta colocada por Andery e Sério (1997Andery, M. A., & Sério, T. M. (1997). O conceito de metacontingências: afinal, a velha contingência de reforçamento é insuficiente? In R. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (Vol. 1, pp. 106-116). Santo André, SP: ARBytes.) sobre seleção de práticas culturais: “afinal, a velha contingência de reforçamento é insuficiente?” (p. 149). A resposta para essa pergunta tem variado. Para alguns, a noção se justifica por permitir uma agenda de pesquisa a respeito de fenômenos que não podem ser explicados pelas unidades de análise já disponíveis, que contribuem para uma explicação/descrição de comportamentos de indivíduos (Andery, 2011Andery, M. A. P. A. (2011). Comportamento e cultura na perspectiva da análise do comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 2, 203-217. doi: 10.18761/perspectivas.v2i2.69
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; Tourinho, 2009Tourinho, E. Z. (2009). A análise comportamental da cultura: introdução a uma agenda de pesquisa. In M. R. Souza & F. C. S. Lemos. (Orgs.), Psicologia e compromisso social: unidade na diversidade (pp. 235-251). São Paulo, SP: Escuta.). Para outros, fenômenos de grupo e fenômenos culturais podem ser compreendidos pelos princípios já consolidados na Análise do Comportamento: a seleção recairia sempre sobre o comportamento individual, mesmo quando se trata de analisar comportamentos de pessoas em grupos, microculturas ou culturas (Carrara & Zilio, 2015Carrara, K., & Zilio, D. (2015). Análise comportamental da cultura: contingências ou metacontingência como unidade de análise? Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 11, 135-146. doi: 10.18542/rebac.v11i2.1944
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; Krispin, 2016Krispin, J. V. (2016). What is the metacontingency? Deconstructing claims of emergence and cultural-level of selection. Behavior and Social Issues , 25, 28-41. doi: 10.5210/bsi.v25i0.6186
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; Zilio, 2019Zilio, D. (2019). On the function of science: an overview of 30 years of publications on metacontingency. Behavior and Social Issues , 28, 46-76. doi: 10.1007/s42822-019-00006-x
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).

Tomar uma posição nesse debate pode não ser fácil, porque há argumentos convincentes para ambas as posições. As evidências, embora interessantes, não parecem ainda persuasivas o suficiente para uma tomada de posição mais definitiva sobre a noção de metacontingência. As primeiras propostas e reformulações da noção de metacontingências foram feitas com base na lógica interna do conceito e aplicação a exemplos já existentes, como pode ser visto na análise do desenvolvimento do conceito feita por Martone e Todorov (2007Martone, R. C., & Todorov, J. C. (2007). O desenvolvimento do conceito de metacontingência. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 3(2), 181-190. doi: 10.18542/rebac.v3i2.830
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). Esse “caminho conceitual” é possível e necessário, mas limitado pelo que já sabemos da nossa própria área de conhecimento e de outras áreas, que frequentemente nos emprestam modelos de se produzir conhecimento não totalmente adequados. Ciência é a produção da novidade, fundamental para pensar conceitos de modo consistente e crítico. Esse é o caminho que leva à experimentação na Análise do Comportamento. Assim, trabalhos experimentais inspirados na noção de metacontingências têm sido feitos utilizando-se diferentes tarefas e estratégias experimentais (Cihon, Borba, Lopez, Kazaoza, & Carvalho, 2020Cihon T. M., Borba A., Lopez C. R., Kazaoka K., Carvalho L. C. (2020) Experimental analysis in culturo-behavior science: the search for basic processes. In T. M. Cihon & M. A. Mattaini (Eds.), Behavior science perspectives on culture and community. Behavior analysis: theory, research, and practice (pp. 119-150). New York: Springer. doi: 10.1007/978-3-030-45421-0_6
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; Martins & Leite, 2016Martins, J. C. T., & Leite, F. L. (2016). Metacontingências e macrocontingências: revisão de pesquisas experimentais brasileiras. Acta Comportamentalia , 24, 453-469. Recuperado de https://bit.ly/3s3FG5a
https://bit.ly/3s3FG5a...
);

A noção de metacontingência é um tema razoavelmente recente e tem sido alvo de interessantes debates envolvendo especialmente a comunidade brasileira de Análise do Comportamento. Atualmente, a noção de metacontingência tem sido compreendida e discutida no contexto de uma emergente “ciência culturo-comportamental” ou “análise cultural de sistemas” (Cihon & Mattaini, 2019Cihon, T. M., & Mattaini, M. A. (2019). Editorial: cultural and behavioral systems science. Perspectives on Behavior Science, 42, 699-711. doi: 10.1007/s40614-019-00237-8
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; Mattaini, 2020Mattaini, M. (2020). Cultural system analysis: An emergency science. In T. M. Cihon & M. A. Mattaini (Eds.), Behavior Science perspectives on culture and community. Behavior analysis: theory, research, and practice (pp. 43-66). New York: Springer . doi: 10.1007/978-3-030-45421-0_6
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). Metacontingências podem ser definidas como “uma relação contingente entre: (1) recorrentes contingências comportamentais entrelaçadas (CCEs) que geram um produto agregado (PA) e (2) eventos ou condições ambientais selecionadoras” (Glenn et al., 2016Glenn, S. S., Malott, M. E., Andery, M. A. P. A., Benvenuti, M., Houmanfar, R. A., Sandaker, I., . . . Vasconcelos, L. A. (2016). Toward consistent terminology in a behaviorist approach to cultural analysis. Behavior and Social Issues , 25, 11-27. doi: 10.5210/bsi.v25i0.6634
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). Por ser contingente aos comportamentos entrelaçados de dois ou mais indivíduos, a ação do ambiente externo pode ser chamada de “consequência cultural”. As consequências culturais seriam responsáveis pela seleção e manutenção de contingências comportamentais entrelaçadas e seus produtos (Glenn, 1991Glenn, S. S. (1991). Process and content in behavioral and cultural phenomena. Behavior and Social Issues , 1, 1-14. doi: 10.5210/bsi.v1i2.163
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). Como novo conceito, a noção ainda tem uso bastante diverso na área. Todorov (2012Todorov, J. C. (2012). Contingências de seleção cultural. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 8, 49-59. doi: 10.18542/rebac.v8i2.1315
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), por exemplo, mostrou que a noção tem tido pelo menos três diferentes usos na literatura: (i) para análise de fenômenos sociais não recorrentes, como movimentos sociais; (ii) descrição de correlações entre comportamento e consequências, como em leis; e (iii) como unidade de análise para estudo experimental da relação entre contingências comportamentais entrelaçadas, seus produtos e consequências. Baia e Sampaio (2019Baia, F. H., & Sampaio, A. A. S. (2019). Distinguishing units of analysis, procedures, and processes in cultural selection: Notes on metacontingency terminology. Behavior and Social Issues, 28, 204-220. doi: 10.1007/s42822-019-00017-8
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) esclarecem que metacontingências devem ser tratadas como procedimento; a unidade de análise é o culturante - composto por CCEs e PA; e os processos seriam aumento culturante e diminuição culturante, cujos efeitos são similares aos processos de reforçamento e punição para operantes.

Zilio (2016Zilio, D. (2016). Selecionismo, metáforas e práticas culturais: Haveria um terceiro tipo de seleção no nível cultural? Interação Em Psicologia, 20, 268-278. doi: 10.5380/psi.v20i3.47398
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) criticou a noção de metacontingência sugerindo que a noção seria uma extensão metafórica do processo de seleção natural aplicado à evolução das culturas. O argumento é verdadeiro e metáforas podem ser perigosas no processo de produção de conhecimento. O problema é que a própria ideia de “seleção” tal como aplicada ao comportamento operante, o segundo nível de variação e seleção de B. F. Skinner, também é uma extensão metafórica (Tonneau, 2016Tonneau, F. (2016). Reforçamento operante e seleção natural: a analogia inútil. Interação em Psicologia, 20, 279-285. doi: 10.5380/psi.v20i3.47412
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). Essa extensão metafórica é mais difícil de perceber do que quando as palavras “variação” e “seleção” são aplicadas à evolução das culturas. Mas isso pode depender muito mais das experiências individuais e do costume do que de um contato consistente com a literatura sobre seleção cultural, tema que tem recebido considerável atenção recentemente, exigido um esforço multidisciplinar e provocado discussão sobre a rígida separação entre ciências humanas, biológicas e exatas (Boyd & Richerson, 1985Boyd, R., & Richerson, P. J. (1985). Culture and the evolutionary process. Chicago: University of Chicago Press.). A ideia de que a extensão metafórica da noção de metacontingência é mais frágil do que a extensão metafórica da noção de operante só é verdadeira quando se compartilha de um mesmo referencial, leituras e “autores autoridade”. É um tipo de “concordância por pares” que fornece uma perigosa sensação de consistência que só se mantém na medida em que se conserva o isolamento em relação à ciência psicológica e de fronteira que se desenvolve à nossa volta, e na medida em que conceitos são tratados à parte, abstraídos, descolados das práticas investigativas que os originaram.

A noção de metacontingência enfatiza a participação do comportamento individual na origem e evolução de práticas culturais. Como sugere Andery (2011Andery, M. A. P. A. (2011). Comportamento e cultura na perspectiva da análise do comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 2, 203-217. doi: 10.18761/perspectivas.v2i2.69
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), a noção permite tratar a cultura como uma “variável dependente”. O conceito de metacontingências não envolve a “seleção de grupo” - no sentido biológico que encontramos em Wilson (1975Wilson, D. S. (1975). A theory of group selection. Proceedings of the National Academy of Sciences, 72,143-146. doi: 10.1073/pnas.72.1.143
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) -; na verdade, o conceito descreve um procedimento para o estudo do que acontece quando o comportamento de várias pessoas ou outros organismos está envolvidos em contingências comportamentais entrelaçadas (Baia & Sampaio, 2019Baia, F. H., & Sampaio, A. A. S. (2019). Distinguishing units of analysis, procedures, and processes in cultural selection: Notes on metacontingency terminology. Behavior and Social Issues, 28, 204-220. doi: 10.1007/s42822-019-00017-8
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; Glenn et al., 2016Glenn, S. S., Malott, M. E., Andery, M. A. P. A., Benvenuti, M., Houmanfar, R. A., Sandaker, I., . . . Vasconcelos, L. A. (2016). Toward consistent terminology in a behaviorist approach to cultural analysis. Behavior and Social Issues , 25, 11-27. doi: 10.5210/bsi.v25i0.6634
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). A contribuição dos estudos em Análise do Comportamento tem sido na direção de mostrar que uma cultura, como ambiente social, evolui em função das consequências que permitem a manutenção desse ambiente social. E essa sensibilidade consente que os organismos tornem-se sensíveis a consequências responsáveis pela manutenção daquele ambiente social, ainda que tais consequências impliquem em reforçadores de menor magnitude para o indivíduo comparando-se à consequência para o grupo (Baia, Azevedo, Segantini, Macedo, & Vasconcelos, 2015Baia, F. H., Azevedo, F. F., Segantini, S. M., Macedo, R. P., & Vasconcelos, L. A. (2015). Efeitos de diferentes magnitudes de consequências individuais e culturais sobre culturantes. Acta Comportamentalia, 23(3), 257-272. Recuperado de https://bit.ly/36mB8yq
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).

Sobre unidades de análise, Zeiler (2017Zeiler, M. D., & Thompson, T. (2017). Behavioral units: a historical introduction. In T. Thompson & M. D. Zeiler (Eds.), Analysis and integration of behavioral units (p. 367). Abingdon: Routledge.) afirmou que:

Nós questionamos, entretanto, se a lista de unidades de Skinner é completa. Com as pesquisas sendo desenvolvidas, a lista parece requerer mais unidades do que apenas operante. . . . Pesquisas podem envolver variáveis que determinam como classes genéricas são construídas e os fatores responsáveis por formas particulares de comportamento coordenado, mas nunca é necessário um nível de análise não comportamental. (p. 5)

Considerando a passagem de Zeiler, seria estranho esperar que a chamada “contingência de três termos” fosse um instrumento consolidado para a análise do comportamento social e cultura, e não apenas um ponto de partida. Em certo sentido, toda a pesquisa comportamental é uma pesquisa em busca de novos elementos que definem e ampliam a própria noção de contingência como uma relação condicional entre ambiente e comportamento. Assim, ampliações e reformulações na noção de contingência de três termos são recorrentemente propostas e avaliadas na análise de temas como motivação, comportamento simbólico, indução, aprendizagem de conceitos etc. Por que seria diferente na análise do comportamento social? Estudos experimentais têm sugerido que a unidade de análise metacontingência permite a alteração de comportamentos sem que seja necessário atuar diretamente nas contingências individuais (Vichi, Glenn, & Andery, 2009Vichi, C., Glenn, S. S., & Andery, M. A. P. A. (2009). A metacontingency experiment: effects of contingent consequences on patterns of interlocking contingencies of reinforcement. Behavior and Social Issues , 18, 41-57. doi: 10.5210/bsi.v18i1.2292
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). Com arranjos inspirados na noção, padrões de comportamento individual podem ser alterados sem afetar a produção de consequências individuais (Cavalcanti, Leite, & Tourinho, 2014Cavalcanti, D. E., Leite, F. L., & Tourinho, E. Z. (2014). Seleção de práticas culturais complexas: avaliação experimental de um análogo do procedimento de aproximação sucessiva. Psicologia e Saber Social, 3(1), 2-21. doi: 10.12957/psi.saber.soc.2014.12199
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). A análise sobre a noção de metacontingências não se esgota nos experimentos já feitos e publicados. De fato, a noção parece mostrar que sabemos ainda muito pouco a respeito do que acontece quando uma consequência é contingente a comportamentos envolvidos em contingências comportamentais entrelaçadas. Uma contingência de reforço especifica uma relação de dependência entre eventos comportamentais e ambientes na forma condicional “se… então”. Mas o que acontece quando essa condicionalidade envolve um “se” que exige interação entre indivíduos? A análise experimental apenas começou a mostrar alguns efeitos que podem ser utilizados para exame de conflitos entre demandas para o comportamento do indivíduo e para o mesmo indivíduo como parte de um grupo.

Considerações finais

Apesar do isolacionismo estar no “DNA da Análise do Comportamento”, como apontado por Todorov (2016Todorov, J. C. (2016). No princípio era o isolamento voluntário, agora temos que correr para recuperar o tempo perdido. Acta Comportamentalia , 24, 195-199. Recuperado de https://bit.ly/3BB2L2i
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), há esperanças. Hoje é possível notar partilhamento de políticas editoriais entre os periódicos Journal of the Experimental Analysis of Behavior, Journal of the Applied Behavior Analysis, e The Behavior Analyst (atualmente renomeado como Perspectives on Behavioral Science). Há ainda tentativas de discutir a necessidade de publicar outside the box, tendo o The Behavior Analyst dedicando um número especial para a questão. Também a posição dogmática tem sido questionada, tanto com a publicação de trabalhos sobre o assunto (Azoubel, 2017Azoubel, M. S. (2017). Considerações sobre o dogmatismo teórico no Behaviorismo Radical. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 13(2), 19-27. doi: 10.18542/rebac.v13i2.5902
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) como pela publicação de textos em português ou em periódicos internacionais de impacto que questionam e ampliam definição de conceitos oriundos da pesquisa básica em AEC das décadas de 1930 e 1940 (Simon, Bernardy, & Cowie, 2020Simon, C., Bernardy, J. L., & Cowie, S. (2020). On the “Strength” of Behavior. Perspectives on Behavior Science , 43, 677-696. doi: 10.1007/s40614-020-00269-5
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; Simonassi, Bernardy, & Bernardy, 2020Simonassi, L. E., Bernardy, J. L., & Bernardy, J. V. (2020). Outras funções do reforçador: reflexões sobre a descrição do reforçamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva , 22, 1-17. doi: 10.31505/rbtcc.v22i1.1185
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).

A maior conexão dos debates teóricos ou conceituais da área com a pesquisa básica parece ser o elemento essencial para solução do isolamento e dogmatismo na Análise do Comportamento. A condução de pesquisa experimental sobre tópicos contemporâneos em psicologia experimental exigiria naturalmente o diálogo com outras áreas. Em seu tempo, pode ter sido importante para Skinner se manter isolado para propor sua teoria. Mas esse cenário já se foi. A teoria está sempre em construção, portanto é tempo de dialogar com outros campos do saber. A postura atual de alguns analistas do comportamento parece endossar que o isolamento é o melhor caminho quando não é. O isolamento poderá conduzir ao fim dessa teoria. A morte por endogenia é um risco que se apresenta de modo interno à comunidade. Especialmente no caso da comunidade brasileira, em que os campos de filosofia, pesquisa básica e aplicada parecem se distanciar.

Como apontado por Laurenti, Lopes, & Araújo, (2016Laurenti, C., Lopes, C. E., & Araújo, S. F. (2016). A necessidade de pesquisa teórica em psicologia. In C. Laurenti, C. E. Lopes, & S. F. Araújo (Eds.), Pesquisa teórica em psicologia: aspectos filosóficos e metodológicos (pp. 7-12). São Paulo, SP: Hogrefe Cetepp.), a explicitação e esclarecimento de problemas teórico-conceituais contribui para uma postura menos dogmática. Nessa visão, a pesquisa empírica fornece informações sobre a realidade (física ou social), e assim produz descobertas que alimentam discussões que podem ser abordadas pela pesquisa teórico-conceitual (Lopes, 2016Lopes, C. E. (2016). Relações entre pesquisa teórica e pesquisa empírica em psicologia. In C. Laurenti, C. E. Lopes, & S. F. Araújo (Eds.), Pesquisa teórica em psicologia: aspectos filosóficos e metodológicos (pp. 15-40). São Paulo, SP: Hogrefe Cetepp .). As novidades trazidas pela pesquisa empírica são organizadas pela filosofia sem que se perca a coerência conceitual na formulação de uma teoria do comportamento (Tourinho, 1999Tourinho, E. Z. (1999). Estudos conceituais na análise do comportamento. Temas em Psicologia, 7, 213-222. Recuperado de https://bit.ly/3gZdNVA
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). Debates sobre conceitos e filosofia dão sentido a dados produzidos no contexto da investigação científica. Da mesma forma, dados, descobertas e novos procedimentos para a investigação do comportamento deveriam sempre ser utilizados como base para revisões conceituais em um processo de retroalimentação que não pode ser unidirecional: nem do dado para a teoria, nem da teoria para o dado empírico.

Donahoe (2004Donahoe, J. W. (2004). Interpretation and experimental-analysis: An underappreciated distinction. European Journal of Behavior Analysis, 5, 83-89.) sugere diferenciar a AEC de trabalhos “interpretativos”, nos quais controle experimental não é possível, desejado ou necessário. A posição pode ser interessante como defesa do espaço da pesquisa conceitual, teórica ou histórica na área. Mas falha terrivelmente por não considerar que o que se busca sempre na ciência básica é construir bases firmes para a interpretação de fenômenos de interesse. A pesquisa básica é essencialmente a pesquisa teórica que utiliza do método experimental para avaliação de posições em certa área do conhecimento. Não se busca outra coisa em um experimento que não seja examinar interpretações sobre um campo de interesse. Ciência não compete com filosofia, trabalham juntas para a interpretação do mundo.

Ciência básica e teoria estão intimamente interligadas no trabalho coletivo e saudável de avaliação de uma área complexa como a Análise do Comportamento. Isolamento de nenhum tipo pode ser favorável ao desenvolvimento de uma área, e o dogmatismo é uma consequência que parece inevitável quando uma área é pensada isolada do contexto das ciências.

Por fim, provavelmente é possível que “uma incursão pela história da Biologia, com suas ramificações que vão desde a Biologia Funcional à Biologia Evolutiva” (Leão & Carvalho Neto, 2016Leão, M. F. F. C., & Carvalho-Neto, M. B. (2016). Afinal, o que é seleção por consequências? Interação em Psicologia, 20, 286-294. doi: 10.5380/psi.v20i3.47438
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, p. 293) possa lançar luz a questões sobre as ciências do comportamento. Mas também é verdade que questões atuais das ciências do comportamento podem ser debatidas no próprio contexto do desenvolvimento da psicologia experimental, ciência de onde se originou e com a qual mantém intricada relação.

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    O recorte de nosso texto envolve apenas Análise do Comportamento. Na incapacidade de afirmar se isso é limitado a esta ciência psicológica ou se é uma característica de toda ou outras áreas da psicologia, preferimos não tecer comentários ou comparações entre as diferentes subáreas da psicologia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2021
  • Revisado
    30 Nov 2021
  • Aceito
    29 Jan 2022
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