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Carolina Bori:a Essência de um Perfil

CAROLINA BORI: A ESSÊNCIA DE UM PERFIL

Aziz Nacib Ab’Saber

Instituto de Estudos Avançados - USP

Minhas lembranças sobre Carolina Bori remontam aos tempos em que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras funcionava no terceiro andar da Escola Normal" Caetano de Campos". Ali se trabalhava nas ciências humanas, em uma interatividade admirável. Éramos poucos. Cruzávamo-nos pelos longos corredores. Participávamos de reuniões coletivas no salão central do prédio. E, ali, as lideranças emergentes se encontravam. E a gente se conhecia.

Nos primeiros tempos da década de 40, alguns dos licenciados, de cérebros privilegiados, já estavam incorporados entre os mestres da jovem Universidade: Antônio Cândido de Melo e Souza, Lourival Gomes Machado, Aziz Simão, Eduardo França de Oliveira, Aroldo de Azevedo, Alice Piffer Canabrava. A Faculdade comportava três gerações diferentes de professores. Os mestres alienígenas que vieram colaborar com a jovem instituição universitária (franceses, portugueses, italianos). Alguns professores brasileiros que já se haviam destacado em diversas áreas especializadas das ciências humanas, lingüística e literatura (Fernando Azevedo, Noemi Silveira Rudolfer, Plínio Ayrosa). E, por fim, os jovens da primeira geração, formados pela própria Casa, reconhecidos mais tarde pelo sugestivo nome de "geração de 1945".

Foi nesse contexto de grande efervescência cultural que Carolina Bori emergiu, destacando-se logo como uma das mais promissoras personalidades das ciências da mente, na jovem Universidade. Na época, as aulas de Psicologia da Faculdade "Sedes Sapientiae" competia francamente com o trabalho desenvolvido na USP; assim como os cursos da Escola de Sociologia e Política tinham ainda uma expressão equivalente ou superior ao curso de Ciências Sociais (USP). Foi necessário um longo tempo para superar as desigualdades históricas que caracterizaram o surgimentos dos cursos de ciências humanas, pós-revolução de 32, em São Paulo.

A primeira grande tarefa de Carolina Bori - legítima herdeira cultural de Noemi Silveira Rudolfer - foi o seu esforço correto e contínuo para reduzir e superar essas diferenças tão marcantes. Colaborando com o seu Departamento de modo contínuo e ininterrupto; sofrendo injustiças inesperadas em sua carreira; mergulhada na" fogueira das vaidades" que sempre ameaçou e reduziu a força de nossa jovem Universidade, Carolina Bori venceu galhardamente. Seu segredo pessoal dependeu sempre de atributos humanos que não são dados a ser generalizados para qualquer pessoa, tais como altruísmo, serenidade, conhecimento meditado, simplicidade e comedimento, razões pelas quais veio a ocupar um lugar muito especial na comunidade científica brasileira. Seu trabalho e sua colaboração permanente com a SBPC - incluindo participação inteligente e desassombrada em momentos críticos da vida nacional - honram sobretudo sua vida e sua família. O número de discípulos que orientou e ajudou a formar nas difíceis e responsáveis atividades da Psicologia Experimental constituem um galardão a mais na sua história de vida.

A contribuição efetiva dos mestres das ciências da mente permanece incógnita, nas brumas da confidencialidade; somente conhecida e avaliada por um seleto grupo de colegas e parceiros mais próximos. Caberá ao Instituto de Psicologia a difícil tarefa de resguardar a memória desse trabalho, sob a forma de um thesaurus de valor inestimável. E, à comunidade científica de um país culturalmente muito jovem, reconhecer o tranqüilo vigor cultural de uma personalidade diferenciada, que permaneça altaneira, como uma montanha de boas qualidades, acima da planura das mediocridades habituais, onde fenecem os cínicos, os mentirosos, os eternos equivocados, e os entreguistas contumazes. É assim que um velho amigo e companheiro de grandes lutas vê a sua admirável colega Carolina Bori, às vésperas do dia dedicado à Mulher.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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