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Uma Cientista Ímpar: Carolina Martuscelli Bori

UMA CIENTISTA ÍMPAR: CAROLINA MARTUSCELLI BORI

Maria Isaura Pereira de Queiroz

Faculdade de Filosofia, Letras Ciências Humanas - USP

Conheci Carolina Martuscelli Bori em 1955, quando ambas havíamos efetuado cada qual uma pesquisa em lugares diferentes do país, sobre manifestações religiosas que então haviam chamado a atenção de jornalistas. Uma delas, em área rural de Minas Gerais, ligava-se a uma seita protestante denominada Adventismo da Promessa; Carolina fez então parte de uma equipe da Universidade de S. Paulo que partiu para o Catulé, onde foi feita a indagação. A outra tinha lugar na cidade de Tambaú, no Estado de S. Paulo, e coube-me estudá-la. O Prof. Paulo Duarte, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, muito interessado por tais ocorrências, foi levado a promover as duas pesquisas que estavam dando lugar a importantes notícias de jornal. Uma equipe foi formada para o primeiro estudo, que se efetuou sob a direção do antropólogo italiano Carlo Castaldi, então trabalhando no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; Carolina Martuscelli, assistente de Psicologia Educacional na USP, foi encarregada de analisar os aspectos psicológicos do fenômeno. Para o caso de Tambaú, fui designada com um estudante para realizar o trabalho.

Muito interessado também na divulgação de pesquisas, o Prof. Paulo Duarte, que dirigia a Editora Anhembi, resolveu reunir ambas num mesmo volume que se denominou Estudos de Sociologia e Historia, publicado em 1957. Data de então meu primeiro encontro com Carolina, numa mesma rápida reunião para a feitura do livro. Embora pertencêssemos à mesma Faculdade, a localização dos Departamentos e seus horários não facilitavam encontros. Logo que foi publicado o livro, tomei conhecimento da contribuição de minha colega. Impressionou-me seu domínio das teorias que fora levada a utilizar, assim como a gama de instrumentos de que lançara mão para penetrar a fundo na psique dos entrevistados; a análise do material colhido, efetuada com pleno domínio dos processos utilizados, numa redação clara e elegante, mostravam o que levara os infelizes componentes do grupo a comportamentos tão desviados do normal. Seria muito interessante para mim estreitar relações com uma especialista que, além de muito simpática, se mostrava de excelente quilate em sua área de trabalho. Seus conhecimentos me permitiriam ampliar a visão dos fatos sociais, que eu era levada a encarar de um ponto de vista exclusivamente sociológico, dada a formação que tivera; poderia então completá-la com a visão de uma outra vertente, dilatando assim a sua compreensão.

Mas a aproximação não teve lugar nesse momento; permanecemos no convívio distante do "bom dia" e "boa tarde". Várias circunstâncias me levavam a uma diminuição de relacionamentos em geral, no afã de vencer as etapas de uma carreira que começara com bastante atraso. Uma circunstância inesperada veio nos aproximar; no início de 1971, procurou-me o Prof. Simão Mathias, do Instituto de Química, indagando da possibilidade de ser organizada uma mesa redonda de sociólogos para a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que teria lugar em Curitiba, no mês de Julho; respondi afirmativamente e, então, comecei uma colaboração com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, uma colaboração que não apenas muito me honrou, mas me permitiu uma aproximação de colegas de outras áreas, entre elas Carolina.

O novo encontro revigorou e aprofundou a impressão que o primeiro contato, tão breve, havia dado: estava mesmo diante de uma cientista de elevado nível, dando grande soma de contribuições à sua área e a áreas afins, e, o que a tornava mais agradável, com total ausência de ostentação do seu saber. Um outro aspecto me aproximava dela, aspecto que considerava muito importante: o desejo de difundir ao máximo as ciências no Brasil, principalmente entre os jovens. Era esta a direção para a qual se voltava seu trabalho na SBPC, e, com relação a este tópico, nossos caminhos se emparelhavam.

A colaboração numa atividade para a qual nossa maneira de ver e de julgar nos aproximava, foi se fortalecendo nestes vinte e seis anos de um convívio que aprofundou o conhecer recíproco e, também, o conhecimento da sociedade que é a nossa, do povo que é o nosso, das condições e dificuldades que este atravessa e que, dentro de nossas possibilidades, procuramos melhorar. A maneira de pensar que compartilhamos faz-nos seguir caminhos paralelos porque provenientes de fontes do saber que não são as mesmas; mas justamente porque não são as mesmas, trazem um enriquecimento indiscutível na compreensão da sociedade em que vivemos. Nossos caminhos são inter-relacionados, permitindo que de um ponto de vista seja encarado o outro, comparando-se as similitudes e as diferenças e buscando-se, com tais descobertas, o melhor conhecimento do todo.

Vim assim seguindo a ascensão de Carolina Martuscelli Bori no interior da SBPC; seu valor e sua dedicação foram sendo reconhecidos e a levaram à vice-presidência, e em seguida à presidência da entidade. Em cada um dos níveis em que trabalhou, o desempenho mostrou sua grande eficiência e dedicação na resolução de problemas o mais das vezes muito delicados, e colocou-a em posição ímpar no quadro da entidade. São estes os traços essenciais para retratar Carolina Martuscelli Bori: cientista que defende de maneira firme e despretensiosa os seus pontos de vista; que age com simplicidade e moderação até mesmo nas discussões mais inflamadas; que se dedica com afinco à expansão da Ciência em nosso país, principalmente entre os jovens; que procura com afinco a solução dos problemas da entidade à qual veio se aplicando, lutando constantemente por sua continuidade e ampliação.

  • MARTUSCELLI, C. Estudo psicológico do grupo. In: A apariçăo do demônio no Catulé - estudos de sociologia e história. Săo Paulo, Ed. Anhembi, 1957. p.84-125.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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