Teoria da história de vida: uma perspectiva evolucionista para a compreensão do desenvolvimento humano

Life history theory: an evolutionary perspective for understanding human development

Théorie de l’histoire de vie : perspective évolutionniste pour comprendre le développement humain

Teoría del ciclo de vida: una perspectiva evolutiva para comprender el desarrollo humano

Resumo

Desenvolvida na biologia para entender a evolução das espécies, a teoria da história de vida passou a ser aplicada na psicologia para compreender as diferenças individuais no desenvolvimento em resposta a condições ambientais específicas. Devido ao seu potencial heurístico para compreensão do comportamento humano, o objetivo deste trabalho foi descrever a incorporação da THV pela psicologia, apresentando seus fundamentos teóricos e conceituais nesse novo campo, tais como contínuo rápido-lento, covariação entre traços psicológicos e estratégias de história de vida. Discutimos com base em trabalhos empíricos as previsões da teoria sobre a influência da imprevisibilidade e severidade ambientais nos traços psicológicos. São revisados trabalhos nas áreas do desenvolvimento, comportamento sexual e antissocial, personalidade e psicopatologia. São apresentadas críticas e contracríticas do seu uso na psicologia. Finalmente, abordamos limitações dos estudos de THV na psicologia. Argumentamos que estudos nessa área podem contribuir para o desenvolvimento de soluções aos problemas sociais atuais.

Palavras-chave:
psicologia evolucionista; ambiente de desenvolvimento; plasticidade; diferenças individuais

Abstract

Although developed in biology to comprehend how organisms evolve, life history theory (LHT) has come to be applied in psychology to understand individual differences in development in response to specific environmental conditions. Due to its heuristic potential for understanding human behavior, this work aimed to describe the assimilation of LHT by psychology, presenting its theoretical and conceptual foundations in this new field, such as the fast-slow continuum, the covariation among psychological traits, and the life history strategies. We discuss, based on empirical works, the theory’s predictions about the influence of environmental unpredictability and harshness on psychological traits. We review studies in the field of development, sexual and antisocial behavior, personality, and psychopathology. Criticisms and counter-criticisms of its use in psychology are also presented. Finally, we list some of the limitations of LHT studies in psychology. We argue that studies in this area can contribute to the development of solutions to current social problems.

Keywords:
evolutionary psychology; developmental environment; plasticity; individual differences

Résumé

Développée en biologie pour comprendre l’évolution des espèces, la théorie de l’histoire de vie (THV) a été appliquée en psychologie pour comprendre les différences individuelles dans le développement en réponse à des conditions environnementales spécifiques. Grace à son potentiel heuristique pour comprendre le comportement humain, l’objectif de cet essai était de décrire l’incorporation de la THV par la psychologie, en présentant ses fondements théoriques et conceptuels dans ce nouveau domaine, tels que le continuum rapide-lent, la covariation entre des traits psychologiques et les stratégies de l’histoire de vie. Nous discutons, basés sur des travails empiriques, des pronostics de la théorie concernant l’influence de l’imprévisibilité et de la sévérité de l’environnement sur les traits psychologiques. Nous révisons des travaux dans les domaines du développement, du comportement sexuel et antisocial, de la personnalité et de la psychopathologie. Les critiques et contre-critiques de son utilisation en psychologie sont également présentées. Enfin, nous énumérons des limites théoriques et méthodologiques des études de THV en psychologie. Nous soutenons que les études dans ce domaine peuvent contribuer à l’élaboration de solutions aux problèmes sociaux actuels.

Mots-clés :
psychologie évolutionniste; environnement de développement; plasticité; différences individuelles

Resumen

La teoría de la historia de la vida (THV) ha sido desarrollada en la biología para comprender la evolución de las especies y ha sido aplicada en la psicología para comprender las diferencias individuales en el desarrollo humano en respuesta a condiciones ambientales específicas. Dado este potencial heurístico para comprender el comportamiento humano, el objetivo de este trabajo fue describir la incorporación de la THV por la psicología, presentando su marco teórico y conceptual en este nuevo campo, como el continuo rápido-lento, la covariación entre rasgos psicológicos y las estrategias de historia vital. Se discuten las predicciones de esta teoría sobre la influencia de la imprevisibilidad y la severidad ambiental en los rasgos psicológicos. Se realizó una revisión de los trabajos en los campos de desarrollo, comportamiento sexual y antisocial, personalidad y psicopatología. Además, se presentan críticas y contracríticas a su uso en la psicología. Por último, se exponen limitaciones de los estudios de la THV en este campo. Esta discusión permite constatar que los estudios en este campo pueden contribuir al desarrollo de soluciones a algunos de los problemas sociales actuales.

Palabras clave:
psicología evolutiva; entorno de desarrollo; plasticidad; diferencias individuales

A teoria da história de vida (THV) é um ramo da ecologia e da biologia evolutiva que busca explicar como os organismos alocam tempo e energia ao longo do seu ciclo de vida em crescimento, sobrevivência e reprodução (Del Giudice, 2020; Lordelo et al., 2011; Nettle & Frankenhuis, 2020; Sear, 2020). Desde a década de 1980, vem sendo aplicada na psicologia para compreender o efeito de diferentes condições ambientais sobre o desenvolvimento humano expresso em diferenças individuais como respostas adaptativas a esses ambientes (Del Giudice, 2020; Nettle & Frankenhuis, 2020).

Atualmente, a THV oferece um modelo explicativo integrado para diversos comportamentos, inclusive grandes questões da psicologia, como o desenvolvimento, a personalidade, motivação e psicopatologia (Ellis & Del Giudice, 2019; Simpson, Griskevicius, Kuo, Sung & Collins, 2012; Del Giudice, 2014, Lordelo et al., 2011; Loureto et al., 2020; Nascimento, Hanel, Monteiro, Gouveia & Little, 2018; Ramos, Daly, Seidl-de-Moura & Nadanovsky, 2017). Contudo, seus aspectos centrais nos estudos psicológicos vêm sendo criticados pelo suposto distanciamento da biologia evolutiva e pela dificuldade metodológica em analisar as histórias de vida em humanos (Sear, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020), o que poderia colocar em dúvida sua pertinência na compreensão do comportamento humano.

Discussões recentes apontam que o termo “teoria da história de vida” pode estar sendo utilizado para descrever dois programas de pesquisa com objetivos, métodos e conceitos próprios - o primeiro originado na biologia evolutiva, e o segundo teoricamente derivado do primeiro, desenvolvido na psicologia -, que apesar de compartilharem muitos aspectos históricos, constituem na atualidade dois programas distintos (Nettle & Frankenhuis, 2020). O reconhecimento da distinção entre os dois programas é necessário, porque as previsões esperadas para o comportamento humano podem ser diferentes a depender do programa, ou até mesmo opostas. Devido à necessidade de reconhecer as diferenças entre os programas desenvolvidos na biologia evolutiva e na psicologia, pesquisadores adotaram o termo THV-E para se referir à teoria da história da vida desenvolvida na biologia, enquanto o termo THV-P se refere à teoria desenvolvida na psicologia (Nettle & Frankenhuis, 2020; Yang, Zhu, Lu & Chang, 2022).

Como essa distinção é relativamente recente, a ausência desse reconhecimento pode levar pesquisadores a cometer erros conceituais, como a confusão de princípios próprios da biologia, como seleção r e seleção K com o contínuo rápido e lento, próprio da psicologia (e.g. Loureto, 2021; Loureto et al., 2020). Além disso, pesquisadores supõem existir uma continuidade completa entre eles (e.g. Chua, Lukaszewski & Manson, 2020; Loureto et al., 2020; Martinez et al., 2022). Tal constatação sugere que, apesar das discussões terem avançado no reconhecimento da distinção conceitual e de previsões entre os dois programas, ainda persistem ambiguidades e equívocos que precisam ser não somente reconhecidos, como também evitados.

Adicionalmente, enquanto a produção internacional sobre THV-P é extremamente fértil, não se observa padrão semelhante na produção nacional sobre o tema. Uma pesquisa no Google Acadêmico com os termos “teoria da história de vida” e “psicologia” revela uma quantidade relativamente baixa produzida em língua portuguesa, focada principalmente em materiais como teses e dissertações.

Dado que as discussões mais recentes sobre THV-P são escassamente reconhecidas por pesquisadores no Brasil e no exterior e que a produção nacional carece de discussões abrangentes e detalhadas sobre o tema, o objetivo deste trabalho foi examinar, por meio de uma revisão narrativa, as evidências empíricas recentes da THV-P em humanos. Primeiramente, descrevemos a THV-E como uma teoria que deriva da biologia evolutiva, focando em aspectos centrais que descrevem esse campo. Em segundo, apresentamos e discutimos a THV-P, focando nos seus modelos principais, e analisamos quais as relações desse novo campo com a THV-E. Em terceiro, discutimos as evidências empíricas em favor dos modelos da THV-P, organizadas por grandes áreas de interesse da psicologia, tais como desenvolvimento humano, comportamento sexual e reprodutivo e personalidade e psicopatologia. Em seguida, examinamos as críticas e contracríticas do uso da THV-P na psicologia, esclarecendo pontos de convergência e divergência em relação à abordagem biológica, assim como possibilidades de conciliação. Finalmente, abordamos algumas das limitações teóricas e metodológicas dos estudos de THV na psicologia. Consideramos, ainda, que o conjunto de evidências apresentadas têm potencial para compreender o comportamento humano e que são de interesse para planejar intervenções na sociedade.

Apesar desse grande esforço, esta pesquisa não pretende constituir uma revisão exaustiva da literatura. Por esse motivo, considerando os objetivos, o espaço e a natureza do trabalho, as referências citadas ao longo dele podem ser utilizadas por aqueles que buscam maior aprofundamento das questões que não puderam ser extensamente desenvolvidas. A justificativa de se utilizar uma revisão narrativa para o objetivo proposto aqui se deve ao fato de que tal método busca identificar e sumarizar publicações que descrevem e discutem o estado da arte de um tema a partir de uma perspectiva teórica e contextual, consistindo em uma análise crítica da literatura publicada (Ferrari, 2015; Rother, 2007). Revisões narrativas apresentam diferentes níveis de evidência, incluindo uma organização histórica, apresentando os resultados em referência a um quadro conceitual (Ferrari, 2015). Elas têm a possibilidade de discutir criticamente material previamente publicado, buscando oferecer uma síntese dentro de um quadro conceitual para avaliar um tema, tópico ou uma questão teórica (Ferrari, 2015; Rother, 2007).

Teoria da história de vida e biologia evolutiva

A forma como os organismos alocam tempo e energia impacta no momento dos seus eventos de vida, tais como crescimento, sobrevivência e reprodução (Nettle & Frankenhuis, 2020; Sear, 2020, Stearns & Hoekstra, 2005). Contudo, a alocação desses recursos é influenciada pelas condições ecológicas e isso pode ser medido por meio da taxa de crescimento, idade da maturidade reprodutiva, taxa de reprodução, tamanho da prole e idade de morte (Sear, 2020; Stearns & Hoekstra, 2005; Stearns & Rodrigues, 2020). Outros traços medidos são a longevidade, a fertilidade ao longo da vida e tamanho/qualidade da prole (Del Giudice, 2020). Esses traços são considerados traços de história de vida e estão diretamente relacionados à sobrevivência e reprodução, compondo os principais aspectos da aptidão dos organismos, e a variação neles é alvo da seleção natural (Stearns & Hoekstra, 2005).

Organismos que desempenham várias tarefas¹ precisam realizar escolhas, porque todas as tarefas não podem ser otimizadas simultaneamente, dessa forma, investir mais tempo e energia no desenvolvimento diminui o que pode ser investido na reprodução, e vice-versa (Ellis & Del Giudice, 2019; Stearns & Hoekstra, 2005). Esse impasse ou conflito existe porque tempo e energia são recursos limitados e a capacidade ou habilidade dos organismos de investir no desenvolvimento somático, no crescimento, por exemplo, diminui sua capacidade de investir na procura por parceiros sexuais e criar os filhos, ou seja, investir na sua reprodução. Em outras palavras, os organismos, quando jovens, geram pouca ou nenhuma prole, porém o crescimento cessa quando a reprodução aumenta a aptidão mais do que o crescimento (Del Giudice et al, 2015). Esses impasses, conhecidos como trade-offs, ocorrem quando a mudança em um traço que aumenta a aptidão causa simultaneamente uma mudança em outro traço que diminui a aptidão (Ellis & Del Giudice, 2019; Stearns & Hoekstra, 2005), uma vez que o investimento em um traço ocorre à custa do investimento em outros (Ellis et al., 2012).

Uma vez que a energia que os organismos produzem é limitada, as suas escolhas de como investi-la priorizam respostas adaptativas às condições ambientais nas quais se encontram (Ellis, Figueredo, Brumbach & Schlomer, 2009; Ellis & Del Giudice, 2019). Essa alocação de recursos é selecionada naturalmente para aumentar as chances de reprodução dos indivíduos antes da morte, de acordo com a ecologia local, privilegiando, por exemplo, uma reprodução mais precoce em locais com alta mortalidade. Condições diferentes (como baixa mortalidade e alta competitividade) favoreceriam a reprodução tardia (Ellis et al., 2009). Essas escolhas são inconscientes, não planejadas, nem racionalizadas mesmo que sejam realizadas por seres humanos, pois o termo “escolha” não se refere a um processo deliberado de tomada de decisão, dado que descreve a forma pela qual animais não humanos alocam seus recursos diante das condições ambientais em que estão, em que os indivíduos não estão cientes sobre a sua existência e o modo como operam.

Os organismos alocam sua energia em esforço somático e esforço reprodutivo. O esforço somático é definido como o investimento direcionado para o crescimento e manutenção do corpo e aprendizado. O esforço reprodutivo subdivide-se em três: o esforço para o acasalamento, que se refere ao esforço para encontrar e atrair parceiros e conceber uma prole; o esforço parental, ligado ao investimento em recursos em uma prole já concebida; e o nepotista, referente ao investimento realizado em parentes geneticamente relacionados, que não sejam seus filhos (Ellis & Del Giudice, 2019). Dessa forma, os trade-offs existentes são aqueles relacionados às escolhas dos organismos em investir no esforço somático à custa do investimento reprodutivo e vice-versa. Outros trade-offs importantes são o esforço para o acasalamento versus o esforço parental, quantidade versus qualidade, reprodução futura versus reprodução atual (Stearns & Hoekstra, 2005).

Os traços de história de vida são conectados por trade-offs, uma vez que, conforme mencionado, a mudança no aumento da aptidão em um traço está relacionada à mudança em outro traço que reduz a aptidão. Os trade-offs apresentam componentes genéticos e fisiológicos. O componente genético é observado por meio de correlações genéticas entre os dois traços, indicando que alguns genes afetam ambos os traços. Correlações genéticas podem ser descritas como uma fração da correlação fenotípica entre dois traços e podem ser atribuídas aos efeitos genéticos aditivos (Stearns & Hoekstra, 2005).

O componente fisiológico diz respeito à forma como os organismos são construídos fisiologicamente, e também à composição de tipos de conexões entre os diferentes traços (Stearns & Hoekstra, 2005). Algumas dessas conexões são herdadas dos ancestrais e refletem a história filogenética da espécie, sendo por esse motivo as mesmas para todos os indivíduos. Outras conexões, contudo, variam entre indivíduos, seja por interações únicas com o ambiente ao longo do desenvolvimento, seja pela variação nos genes que afetam os traços especificamente envolvidos em um trade-off (Stearns & Hoekstra, 2005).

Por muito tempo as diferenças entre as espécies foram descritas em termos de seleção r e K, o que implica dizer que algumas espécies estariam sob pressão da seleção r e outras sobre a pressão da seleção K. Os biólogos evolucionistas, para identificar o tipo de seleção em vigor, utilizam indicadores das alocações de energia dos organismos como idade da primeira reprodução, fertilidade dependente da idade e mortalidade dependente da idade (Del Giudice, 2020). A seleção r descreve a taxa de crescimento populacional (r) e está associada a altas taxas de mortalidade, densidade populacional baixa e temporário crescimento populacional. Também é comum ser observada em ambientes mais variados, resultando em maiores taxas de crescimento. A seleção K, por sua vez, acontece quando a população se aproxima do seu tamanho máximo, ou seja, na ausência de crescimento, portanto r = 0, descrito como o equilíbrio do tamanho populacional. Contextos de seleção K tendem a ocorrer em ecologias estáveis, que permitem às populações alcançar e manter altas taxas de densidade populacional. É importante mencionar que seleção r e seleção K são variações contínuas nas condições de vida das espécies, e, portanto, não significam instâncias absolutas (Del Giudice, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020).

Alguns autores, entretanto, têm evitado utilizar a discussão das histórias de vida em termos de seleção r e seleção K (Nettle & Frankenhuis, 2020; Sear, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020), porque com o passar do tempo foi proposto que as espécies se distribuíam em um contínuo r/K, com algumas adotando estratégias mais r e outras mais K (Parry, 1981; Pianka, 1970). Na verdade, é possível distinguir até quatro diferentes definições para seleção r e seleção K, e não raro os mesmos autores empregam mais de uma definição em um mesmo trabalho (ver Parry, 1981). Embora a classificação de uma espécie enquanto r ou K fosse relativa à comparação dela com outra espécie (Pianka, 1970), essa forma de contínuo r/K tem sido severamente criticada por ter sido aperfeiçoada com a inclusão de novos fatores não previstos nos modelos originais (Stearns & Rodrigues, 2020) ou por não encontrar suporte com os dados empíricos (Sear, 2020). O contínuo r/K parece ter sido ainda mais criticado quando pesquisadores do comportamento humano o transpuseram do nível das espécies para o nível da variação entre indivíduos da espécie humana (Nettle & Frankenhuis, 2020; Sear, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020), ou seja, as diferenças entre os indivíduos refletiriam estruturalmente as diferenças entre as espécies. Em outras palavras, as diferenças entre indivíduos espelhariam as diferenças entre as espécies nos traços biodemográficos de história de vida (maturação, mortalidade, longevidade, fertilidade etc.).

Teoria da história de vida na psicologia

Se a THV-E apresenta grande diversidade em relação aos pressupostos teóricos e conceituais, algo semelhante é observado na THV-P. Dada a ausência de uma proposta teórica integrada e coesa, o mais correto é afirmar que existem diferentes modelos (Ellis, 2004) que se supõem baseados na THV-E. Esses modelos buscam compreender as estratégias reprodutivas, especialmente aquelas relacionadas aos marcos do início da vida sexual, como idade da menarca, idade da primeira relação sexual, idade do nascimento do primeiro filho, entre outros (Ellis, 2004; Sear, Sheppard & Coall, 2019). Posteriormente, hipóteses e predições desses modelos foram testados em outros aspectos do comportamento humano, como o comportamento de risco, o comportamento antissocial, a personalidade e a psicopatologia, compreendidos como extensões ou componentes das estratégias sexuais (Barbosa & Silva Júnior, 2023; Brüne, Ghiassi & Ribbert, 2010; Del Giudice, 2014; Ellis et al., 2012; de Mello & Silva Júnior, 2023; de Souza & Silva Júnior, 2023; Silva Júnior, Ramos & Corrêa, 2022).

Ellis (2004) identifica seis modelos diferentes para explicar marcos do amadurecimento sexual, também chamado de ritmo de vida (pace of life). São eles: THV-E propriamente dita; teoria energética; e quatro modelos sobre as influências psicossociais na puberdade, a teoria da supressão do estresse, a teoria da aceleração psicossocial (teoria da susceptibilidade diferencial), a teoria do investimento paterno e a teoria do desenvolvimento infantil. Além desses, modelos mais recentes têm sido propostos, como o modelo adaptativo da calibração da responsividade ao estresse (Del Giudice, Ellis & Shirtcliff, 2011; Ellis & Del Giudice, 2019). Explorar os detalhes de cada um desses modelos, suas semelhanças e diferenças foge ao objetivo deste trabalho, além de tarefa semelhante já ter sido realizada anteriormente mais de uma vez (Ellis, 2004; Ellis et al., 2011). Contudo, fornecemos a seguir uma visão geral sobre eles.

Embora a maioria desses modelos estejam, conforme seus proponentes, baseados na THV-E, cada um invoca mecanismos proximais diferentes para explicar a aceleração da puberdade e das estratégias reprodutivas. Por exemplo, a teoria da supressão do estresse postula que a escassez de recursos, bem como estressores psicossociais, retardam o desenvolvimento e a reprodução até que adversidades diminuam. A teoria da aceleração psicossocial, elaborada por Belsky, Steinberg e Draper (1991), postula que a ausência paterna, e mais amplamente o ambiente familiar e extrafamiliar estressante, aceleram a puberdade porque as experiências iniciais desenvolvem na criança a compreensão da disponibilidade e previsibilidade de recursos no ambiente, o quão confiáveis são os outros e quão duráveis são os relacionamentos interpessoais (Ellis, 2004; Sear et al., 2019).

O mecanismo proximal sugerido seria o apego infantil (Belsky et al., 1991; Sear et al., 2019), em que as crianças desenvolvem modelos baseados na proximidade, contato e segurança na presença da figura de apego (estilo seguro), ou sentimentos de desconforto com a proximidade e resistência em interação com a figura de apego (estilo evitativo). As crianças podem ainda buscar mais contato físico do que a figura de apego está disposta a oferecer ao mesmo tempo em que a rejeita - estilo ansioso-ambivalente (Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978; Bowlby, 1999).

A teoria do investimento paterno é uma derivação da teoria da aceleração psicossocial, cujo foco está nos efeitos da qualidade e características da ecologia da família, incluindo a qualidade do relacionamento entre pai e filha, a ausência paterna e como eles se relacionam com as experiências mais amplas da criança em relação ao estresse e suporte. A diferença em relação à teoria de Belsky et al. (1991) é que a teoria do investimento paterno estabelece como marco fundamental na aceleração da puberdade a qualidade do investimento paterno na regulação do desenvolvimento sexual das filhas como um efeito causal independente dos efeitos de outros estressores psicossociais (Ellis, 2004).

Os modelos psicossociais são os mais influentes na psicologia evolucionista e compartilham a visão que as experiências precoces na primeira infância guiam o desenvolvimento subsequente na adolescência e na fase adulta, por meio de respostas adaptativas e flexíveis às condições ambientais (Ellis et al., 2011; Sear et al., 2019). Contudo, o modelo da aceleração psicossocial tem sido, de longe, o mais influente deles (Sear et al., 2019). A função evolucionária das experiências iniciais (primeiros cinco ou sete anos de vida) é, segundo esse modelo, informar a criança sobre disponibilidade e previsibilidade de recursos, confiança nos outros e duração dos relacionamentos interpessoais mais próximos.

Segundo esse modelo, os estilos de apego seguro, ansioso e evitativo, desenvolvidos na primeira infância, afetam o desenvolvimento de fases subsequentes da vida porque cada estilo de apego compõe uma estratégia reprodutiva, qualitativa (seguro) ou quantitativa (evitativo e ansioso) (Belsky et al., 1991). Derivada da teoria do apego infantil, uma estratégia reprodutiva qualitativa seria aquela na qual os indivíduos desenvolvem laços de confiança, cooperação mútua, relacionamentos duradouros e de alta qualidade, focando em poucos parceiros sexuais e na dedicação ao cuidado com os filhos. Quando os indivíduos desenvolvem apego seguro com seus cuidadores principais, eles deveriam retardar o início da maturação sexual e desenvolver uma estratégia qualitativa. Contrariamente, uma estratégia quantitativa seria aquela na qual o indivíduo desenvolve desconfiança em relação aos outros, os veem como oportunistas e autossuficientes, apresentam relacionamentos menos duradouros e estáveis e maior número de filhos. Quando os indivíduos desenvolvem padrões de apego inseguros com seus cuidadores, eles deveriam antecipar o início da maturação sexual e desenvolver uma estratégia quantitativa (Belsky, 1997; Belsky et al., 1991).

Estudos demonstram certa correspondência entre os estilos de apego infantil em relação às figuras de apego, e os estilos apresentados na vida adulta com parceiros românticos, mas uma associação direta não é tão evidente (Fraley & Roisman, 2019). Tanto o apego infantil quanto o apego adulto parecem ser universais psicológicos encontrados em todas as culturas nas quais foram investigados (Norenzayan & Heine, 2005; Schmitt et al., 2004), porém com grande variação cultural nos níveis do estilo predominante e no estilo considerado socialmente desejável em cada cultura (Friedman et al., 2010; Schmitt et al., 2004). Acredita-se que enquanto um sistema motivacional evoluído (Ainsworth et al., 1978), o apego é sensível às condições de criação e condições culturais mais amplas, promovendo formas culturalmente específicas de adaptação e desenvolvimento (Simpson, Rholes, Eller & Paetzold, 2022).

Na vida adulta, investiga-se que os estilos de apego podem estar associados às estratégias reprodutivas, nas quais o estilo seguro está associado a relacionamentos mais estáveis, duradouros e com maior satisfação conjugal, enquanto os estilos inseguros estão associados à maior número de parceiros sexuais, relacionamentos menos estáveis e duradouros e com baixa satisfação (Friedman et al., 2010; Martins, Marengo, Casalecchi, Figueiredo & Silva Júnior, 2023). Isso pode acontecer porque os modelos de funcionamento interno de indivíduos com apego inseguro estão baseados em crenças de desvalor, percepção de rejeição ou abandono (Collins, 1996), o que pode comprometer a qualidade de um relacionamento amoroso (Collins & Read, 1990).

O conceito de estratégia utilizado para descrever a orientação sociossexual dos indivíduos deriva da sua concepção na ecologia comportamental, na qual estratégias comportamentais são facultativas e o grau em que elas são adaptativas depende das opções disponíveis aos indivíduos, como as condições físicas, econômicas e sociais (Belsky et al., 1991). Uma vez que as condições iniciais de criação e as experiências na primeira infância guiam o desenvolvimento de estratégias reprodutivas na vida adulta, os proponentes da teoria da aceleração psicossocial a veem como conectada à THV-E (Belsky, 1997).

Com o passar do tempo, a noção de estratégias reprodutivas foi ampliada para a noção de estratégias de história de vida, que descrevem as decisões de alocar tempo e energia em resposta aos trade-offs de história de vida. Essa noção ampliada se justifica porque as estratégias reprodutivas estão conectadas a diversos trade-offs que não somente o de esforço somático versus reprodutivo, mas também aos trade-offs qualidade versus quantidade, esforço parental versus esforço para o acasalamento e reprodução atual versus reprodução futura (Del Giudice, Gangestad & Kaplan, 2015). Da mesma forma que o termo escolha, o termo estratégia não implica que nenhum aspecto consciente esteja operando, pois não há suposição de que os processos são racionais ou planejados conscientemente (Belsky et al., 1991). É importante notar que o termo estratégias de história de vida não se limita ao uso na THV-P, sendo extensamente utilizado na THV-E, concebidas como resultado da seleção natural (Braendle, Heyland & Flatt, 2011).

Segundo os teóricos da THV-P, considerando que os traços diretos de história de vida afetam o crescimento, a maturação, a sobrevivência e a reprodução (Stearns & Hoekstra, 2005), a seleção deve atuar também sobre traços morfológicos, fisiológicos e comportamentais, que regulam a expressão dos primeiros (Del Giudice, 2020). Esses traços são conhecidos como traços relacionados de história de vida, por terem a função mediadora de calibrar respostas adaptativas a depender das condições ambientais (Del Giudice, 2020). Dessa forma, estratégias de história de vida podem ser descritas como combinações sinérgicas de traços morfológicos, fisiológicos e comportamentais coadaptados (Braendle et al., 2011).

Teóricos da THV-P defendem que a transição para a fase reprodutiva implica em mudanças nos sistemas motivacionais e comportamentais, como o início da atividade sexual, competição por recursos e ativação de comportamentos associados ao cuidado parental (Belsky et al., 1991; Del Giudice et al., 2015; Ellis et al., 2011, 2012, 2012; Ellis & Del Giudice, 2019). Sendo assim, as estratégias de história de vida devem organizar o comportamento em múltiplos domínios, como o comportamento de risco, autorregulação, agressão, exploração, acasalamento e cuidado parental (Del Giudice et al., 2015; Ellis & Del Giudice, 2019).

A inclusão de outros traços comportamentais (e.g. desconto de futuro, comportamento de risco, personalidade etc.) como componentes das estratégias reprodutivas se justifica, assim, porque eles funcionam de modo a promover as estratégias quantitativas e qualitativas. Por exemplo, o bullying no contexto escolar é interpretado como uma estratégia antissocial que tem como função assegurar/controlar recursos (físicos, sociais e sexuais), por meio dos quais os indivíduos alcançam popularidade e status social (Ellis et al., 2012). O bullying pode ser uma forma de competição intrassexual, na medida em que os bullies tendem a namorar e se envolver em contextos de busca por parceiros amorosos mais cedo que os não bullies, e também tendem a ser admirados por membros do sexo oposto, ao mesmo tempo em que são vistos negativamente pelos membros do mesmo sexo (Ellis et al., 2012).

Os múltiplos domínios do comportamento estão implicados nas estratégias de história de vida, porque eles são modulados por genes, pelo sistema endócrino (Stearns & Hoekstra, 2005) e por processos psicológicos (Del Giudice et al., 2015). O comportamento de risco, por exemplo, apresenta correlações genéticas tanto com variáveis relacionadas à puberdade, como a idade da primeira relação sexual, idade do nascimento do primeiro filho e número de parceiros sexuais, como com traços de personalidade, como a extroversão (Abdellaoui & Verweij, 2021). Como previamente mencionado, correlações genéticas indicam que a correlação entre dois traços se deve ao fato de que alguns genes afetam ambos os traços (Stearns & Hoekstra, 2002).

Por seu turno, o sistema endócrino molda o fenótipo, regulando diversos tecidos, órgãos e traços comportamentais durante períodos de desenvolvimento, e ativa alterações de comportamento, fisiologia e morfologia em resposta a ambientes físicos e sociais variáveis (Cox, McGlothlin & Bonier, 2016; Vitousek & Schoenle, 2019). Não por acaso, os sistemas endócrinos que regulam as alocações de história de vida são conservados em diversas espécies (Vitousek & Schoenle, 2019), como a testosterona, que regula trade-offs relacionados ao comportamento parental, ao acasalamento e à sobrevivência (Hau & Wingfield, 2011). Como os hormônios podem simultaneamente regular muitos traços (pleiotropia hormonal), eles são importantes mediadores de trade-offs da história de vida entre crescimento, reprodução e sobrevivência (Vitousek & Schoenle, 2019).

Os processos psicológicos, por sua vez, dizem respeito à habilidade de detectar pistas que no ambiente ancestral ou no ambiente atual predizem desfechos futuros, produzindo comportamento adaptativo (Young, Frankenhuis & Ellis, 2020). Esses sistemas integrados vão subsidiar as alocações de tempo e energia, influenciando os traços diretos de história de vida (taxa de crescimento, idade da maturidade reprodutiva, taxa de reprodução, número da prole e idade de morte) (Del Giudice, 2020; Del Giudice et al., 2015; Frankenhuis, 2016; Young et al., 2020).

Dessa forma, propõe-se que os efeitos regulatórios de genes, hormônios e mecanismos psicológicos afetam múltiplos traços, promovendo o que se convencionou chamar de covariação entre os traços. A correlação entre comportamento de risco, extroversão e variáveis relacionadas à puberdade é um exemplo de covariação. A covariação permite a expressão conjunta dos traços ao longo do desenvolvimento, devido aos efeitos pleiotrópicos - ou seja, a propriedade de um único gene afetar mais de um fenótipo (Jobling, Hollox, Hurles, Kivisild & Tyler-Smith, 2014).

A covariação vem sendo empiricamente testada e tem sido alvo de severas críticas por pesquisadores da THV-E e THV-P (Fenneman & Frankenhuis, 2020; Frankenhuis & Nettle, 2020; Sear, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020), mesmo que ela tenha evidências de ocorrer também no nível genético (Ver Abdellaoui & Verweij, 2021; Hugh-Jones & Abdellaoui, 2022). Uma vez que a covariação de traços multivariados não é perfeitamente homogênea, a depender das condições de desenvolvimento, haverá variação individual em como os traços aparecem correlacionados, e nem sempre eles apresentarão correlações de grandes magnitudes (Del Giudice, 2020), o que costuma ser invocado como um argumento contrário à existência da covariação (Zietsch & Sidari, 2020).

Teoria da história de vida e desenvolvimento humano

O interesse da psicologia evolucionista no desenvolvimento está na identificação de processos comuns que ocorrem ao longo da vida dos humanos e como esses processos podem ter sido selecionados naturalmente. A THV-P, em específico, foca nos marcadores temporais que influenciam a adoção de estratégias de história de vida diante dos desafios ambientais. Dessa forma, compreende-se o desenvolvimento a partir da interação entre indivíduo e ambiente, permeada por fatores que irão desencadear diferentes comportamentos em cada indivíduo (Hernández-Blasi, 2021). O que distingue essa de outras teorias que abordam as influências familiares e extrafamiliares sobre o desenvolvimento humano é a sua previsão de que as influências ambientais precoces afetam as estratégias de história de vida na adolescência e vida adulta (Belsky, 1997; Ellis & Del Giudice, 2019), enquanto outras teorias (teoria do desenvolvimento infantil) não fazem essa associação (Ellis, 2004).

Assim, na psicologia evolucionista, a THV-P é uma teoria do desenvolvimento que prediz que as condições ambientais nas quais o indivíduo se desenvolve afetam as estratégias adotadas na vida adulta, aumentando a aptidão (Hernández-Blasi, 2021). A mudança de foco para diferenças individuais no desenvolvimento implica em maior preocupação em considerar as condições ambientais para explicar a plasticidade no desenvolvimento e as diferenças individuais (Del Giudice, 2020; Nettle & Frankenhuis, 2020).

A mudança de foco das diferenças entre as espécies, distinção da THV-E, para as diferenças entre os indivíduos na THV-P assume três importantes princípios. O primeiro afirma que a variação nas condições ambientais ao longo do desenvolvimento produzirá diferenças individuais conhecidas como estratégias de história de vida. O segundo princípio, consequentemente, postula que as diferenças entre os ambientes são diferenças quantitativas, relacionadas ao nível de exposição a pistas ambientais que modulam nos indivíduos uma calibração ou ajuste a essas condições, acelerando ou retardando a maturação, impactando no tempo em que ocorre a transição para puberdade. As diferenças individuais expressas de forma quantitativa se referem, ao se convencionou chamar, de contínuo rápido-lento, uma extrapolação dos modelos de seleção r/K, que explica as diferenças individuais como respostas ao nível de exposição das pistas ambientais (Ellis et al., 2009). É nesse sentido que os propositores de modelos na THV-P defendem que o contínuo rápido-lento - i.e. a variação entre indivíduos nas estratégias de história de vida mais aceleradas ou lentas - refletiria a variação entre as espécies nos traços de história de vida, que eram anteriormente conhecidas como contínuo r/K.

Finalmente, o terceiro princípio assume que as estratégias de história de vida são um conjunto de traços psicológicos flexíveis que covariam entre si em função das pistas ambientais. A chegada da puberdade, por exemplo, causa mudanças comportamentais importantes, que não se restringem ao comportamento sexual, mas afetam outros domínios psicossociais, tais como o comportamento impulsivo, o comportamento de risco em relação à saúde e ao sexo, e o comportamento antissocial, como o bullying (Ellis et al., 2009, 2012; Ellis & Del Giudice, 2019; Yang et al., 2022).

Em desenvolvimentos posteriores da teoria da aceleração psicossocial de Belsky et al., foi proposto que as condições iniciais de criação (i.e. nos primeiros cinco anos de vida) podem ser melhor compreendidas quando se consideram causas ambientais relacionadas à THV-E, como a mortalidade extrínseca (Ellis et al., 2009). Esse é um tipo de mortalidade causada por fatores ambientais como predação, doenças e eventos climáticos (Stearns & Hoekstra, 2005), que seriam independentes das decisões ou estratégias dos organismos. Além da mortalidade, foi incluída também a morbidade, definida como lesões, doenças e outras fontes de estresse não letais que podem impactar a aptidão dos organismos (Ellis et al., 2009).

Ellis et al. (2009) avançam o argumento de que os níveis de mortalidade e morbidade, bem como a sua variação temporal e espacial, são os aspectos ambientais mais fundamentais para se compreender a evolução e desenvolvimento das estratégias de história de vida, sendo inclusive moderadas por outros fatores investigados na THV-E, como a disponibilidade de recursos do ambiente, a densidade populacional, níveis de competição intraespecífica e mortalidade dependente da idade. Na sua conceituação, Ellis et al. (2009) distinguem o que eles chamam de severidade e imprevisibilidade ambientais, em que severidade pode ser definida como a taxa de mortalidade e morbidade em idades específicas, enquanto a imprevisibilidade pode ser definida como variação temporal e espacial nos níveis de mortalidade e morbidade (Ellis et al., 2009; Young et al., 2020). Além disso, Ellis et al. (2009) introduzem o conceito de contínuo rápido-lento e atribuem à severidade e imprevisibilidade o papel de organizar a covariação dos traços envolvidos nas estratégias de história de vida que se distribuem ao longo desse contínuo.

Apesar dessa importante conceituação, nem sempre os estudos utilizaram medidas diretas de severidade e imprevisibilidade, ou até mesmo as mesmas definições (e.g. Belsky, Schlomer & Ellis, 2012; Chua et al., 2020; Dinh, Haselton & Gangestad, 2022; Young et al., 2020). Nesses casos são utilizados indicadores que, em tese, estão associados à mortalidade e morbidade extrínsecas (Belsky et al., 2012). O conceito de imprevisibilidade parece ser o mais inconstante, uma vez que, de maneira genérica, pode ser definido como a incerteza sobre desfechos ambientais futuros (Frankenhuis, 2016), ou mais especificamente como a variação nos níveis de severidade (Ellis et al., 2009; Young et al., 2020).

Exemplos de pistas ambientais relacionadas à imprevisibilidade identificados na literatura são a ausência do pai biológico nos primeiros anos de vida, divórcio dos pais, desemprego dos pais e mudanças constantes de residências, ao passo que as pistas de severidade são a percepção de mortalidade e morbidade no ambiente, ter sido vítima de algum crime ou ter presenciado violência contra seus parentes, baixo status socioeconômico, abusos físicos na infância e ter que se proteger da violência na vizinhança (Belsky et al., 2012; Brumbach, Figueredo & Ellis, 2009; Chua et al., 2020; Ramos et al., 2017; Simmons et al., 2019; Szepsenwol, Zamir & Simpson, 2019; Young et al., 2020).

Indivíduos que se desenvolvem em ambientes marcados por maior severidade e imprevisibilidade desenvolvem uma estratégia acelerada de história de vida (Del Giudice, 2014; Ellis et al., 2012; Nettle & Frankenhuis, 2020), caracterizada pela iniciação sexual precoce, maior número de parceiros sexuais, maior número de filhos, maior propensão ao comportamento de risco no âmbito sexual e da saúde, preferência por recompensas imediatas (desconto de futuro) e maiores níveis de comportamentos e traços de personalidade antissociais (Hartman, Li, Nettle & Belsky, 2017; Mell, Safra, Algan, Baumard & Chevallier, 2018; Jonason & Lavertu, 2017; Ramos et al., 2017). Em contraste, indivíduos que se desenvolveram em ambientes de maior previsibilidade e menor severidade desenvolvem uma estratégia lenta de história de vida, marcada pela iniciação sexual tardia, menor número de parceiros sexuais, menor número de filhos, maior aversão ao risco, menor desconto de futuro e comportamentos e personalidade mais pró-sociais (Loureto et al., 2020; Simmons et al., 2019; Szepsenwol et al., 2019).

Esses traços covariam como parte de estratégias de história de vida, porque permitem a capacidade de planejamento futuro e acúmulo de recursos. Em um ambiente com baixa mortalidade e alta competitividade por recursos, seria mais adaptativo apresentar maiores níveis desses traços - estratégia lenta. Inversamente, em ambientes com maiores chances de mortalidade antes da reprodução seria mais adaptativo apresentar o padrão oposto, i.e., maior desconto futuro e comportamentos antissociais - estratégia acelerada (Simmons et al., 2019; Wells et al., 2019).

Essas estratégias são descritas de forma contínua entre os indivíduos, não havendo, portanto, uma distinção categórica ou absoluta entre elas. Além disso, a covariação entre os traços, de acordo com o tipo de estratégia, foi selecionada no tempo evolutivo não por ser intrinsecamente positiva ou negativa, mas pelos traços psicológicos agregados representarem soluções aos problemas impostos diferencialmente por cada ambiente individual de desenvolvimento ontogenético (Ellis & Del Giudice, 2019).

Em ambientes em que há alta severidade e imprevisibilidade na infância, os indivíduos tendem a desenvolver estratégias aceleradas marcadas pela reprodução precoce e por comportamentos antissociais. O estudo de Mell et al. (2018) exemplifica a testagem dessa hipótese a partir do trade-off entre esforço somático e esforço reprodutivo. As variáveis relacionadas à estratégia reprodutiva foram medidas em participantes franceses e observou-se que indivíduos adultos que experienciaram maior severidade durante a infância tiveram a primeira relação sexual e o primeiro filho mais precocemente. Em outro estudo, a severidade ambiental também influenciou fatores psicológicos mais característicos de uma estratégia acelerada de história de vida de adolescentes norte-americanos (13 a 17 anos) em conflito com a lei, que apresentaram maior agressão e baixa expectativa de vida (Simmons et al., 2019).

Um estudo com uma amostra de jovens brasileiros encontrou que os participantes que relataram níveis mais altos de imprevisibilidade na infância, em comparação com aqueles que relataram níveis mais baixos, apresentaram menor probabilidade de alcançar determinados marcos da vida, como ter um diploma universitário e iniciar uma carreira profissional. Nesse estudo, a imprevisibilidade foi mensurada pela escala de imprevisibilidade familiar, que contém itens sobre cuidado/apoio dos cuidadores, refeições e recursos financeiros (Luquine-Júnior et al., 2017).

Alguns estudos sobre a susceptibilidade das estratégias de história de vida às condições ambientais parecem ser relevantes para a psicologia do desenvolvimento, pois indicam relações de variáveis entre distintas etapas do desenvolvimento (Hernández-Blasi, 2021). Hartman et al. (2017) identificaram, por meio de estudo longitudinal, que a imprevisibilidade e severidade ambiental nos primeiros anos de vida influenciaram negativamente as condições de saúde, a idade da menarca e positivamente o comportamento de risco dos adolescentes. A imprevisibilidade foi mensurada por meio de respostas das mães dos jovens, avaliada do nascimento até os cinco anos de idade, e identificava a quantidade de mudanças parentais, mudanças de casa e mudanças no status de emprego dos responsáveis. Em outro estudo, observou-se que as mesmas condições ambientais na infância aumentavam as chances de uma pessoa envolver-se em conflitos com amigos na adolescência (Szepsenwol et al., 2019).

Comportamento sexual e reprodutivo

A relação entre as condições de vida e o início da carreira reprodutiva oferece a possibilidade de compreender os trade-offs relacionados ao esforço parental. Lordelo et al. (2011), em um estudo com 600 mulheres brasileiras, encontraram que a idade da primeira relação sexual foi menor nas mulheres com menor renda, menor escolaridade e maior estresse percebido. De forma semelhante, a idade da mãe quando do nascimento do primeiro filho foi menor em cidades do interior e cidades pequenas, mulheres com menor renda, menor escolaridade e maior estresse percebido. Esses resultados são condizentes com as predições da THV-P, pois as condições de vida de maior imprevisibilidade e severidade ambiental caracterizada pelo menor acesso a recursos por meio da renda e escolaridade e maior estresse induziram um comportamento sexual mais precoce e aceleraram a reprodução.

Assim como a idade da primeira relação sexual e do nascimento do primeiro filho, a sociossexualidade é considerada um indicador comportamental das estratégias da história de vida. A sociossexualidade diz respeito às diferenças individuais na maior ou menor disposição de as pessoas engajarem em sexo sem compromisso, sendo expressa dentro de um contínuo de variação de indivíduos menos propensos ao sexo sem compromisso - restrito, até aqueles mais propensos, irrestritos (Nascimento et al, 2018). A orientação sociossexual seria a operacionalização da estratégia qualitativa versus quantitativa proposta por Belsky et al. (1991). A restrição sociossexual caracteriza-se pela busca por proximidade emocional e comprometimento antes de se engajar em relações sexuais, compondo um elemento de estratégias lentas de desenvolvimento. Em contrapartida, a irrestrição caracteriza-se pelo engajamento em relações sexuais com menos envolvimento emocional e menos comprometimento, compondo estratégias rápidas (Del Giudice, 2014). De acordo com a THV-P, a irrestrição sexual (estratégia quantitativa) estaria relacionada à maior exposição a pistas de severidade e imprevisibilidade ambientais (Brumbach, Figueredo & Ellis, 2009).

O estudo de Chen (2017) buscou investigar as relações entre o apego inseguro, a sociossexualidade e o controle coercitivo de recursos, definido como o uso de manipulação e violência para controlar recursos de terceiros. Os resultados mostraram que o apego evitativo esteve associado a um maior controle coercitivo de recursos, o que, por sua vez, levou a uma sociossexualidade mais irrestrita. A associação entre esses diferentes traços era esperada porque eles deveriam covariar como parte da estratégia acelerada. Indivíduos com estilos de apego inseguro podem ser mais propensos a se envolverem em estratégias reprodutivas de curto prazo e a usarem controle coercitivo de recursos como meio de aumentar seu sucesso reprodutivo - como proposto por Belsky et al. (1991).

Ao analisarem uma grande base de dados longitudinais, Szepsenwol et al. (2019) encontraram que ter experimentado mudanças menos frequentes no status de emprego dos pais e no status de coabitação e residência durante os primeiros quatro anos de vida previu maior restrição sexual aos 23 anos de idade. Porém, o efeito da imprevisibilidade na infância foi parcialmente mediado pela percepção de maior apoio materno e apego seguro dos participantes. Existem evidências de que na vida adulta maiores níveis de ciúmes e estratégias coercitivas no relacionamento amoroso são perpetrados por indivíduos com estilos de apego ansioso e evitativo (Barbaro, Sela, Atari, Shackelford, & Zeigler-Hill, 2019; Barbaro et al., 2021; He & Tsang, 2017). Estes, por sua vez, estão associados aos estilos parentais (severos ou insensíveis) e às condições de imprevisibilidade e severidade ambientais (Szepsenwol & Simpson, 2019).

Esses estudos apontam para a existência de covariação entre o apego adulto e práticas coercitivas nos relacionamentos, porém, ela é encontrada também entre irrestrição sexual e outras medidas psicológicas, tais como a percepção de ser um parceiro atraente, traços antissociais, personalidade e agressão (Jonason, et al., 2009; Nascimento et al., 2018; Szepsenwol et al., 2019). Em conjunto, a maior previsibilidade ambiental resulta em estratégias sexuais promotoras de relacionamentos mais duradouros, enquanto a imprevisibilidade desenvolve nos indivíduos estratégias promotoras de relacionamentos mais numerosos e passageiros, por meio dos estilos de apego inseguros e da irrestrição sexual no início da idade adulta - também como proposto pelos modelos de THV-P (Belsky, 1997; Belsky et al., 1991; Ellis et al., 2009).

Comportamento de risco, personalidade e psicopatologias

Devido à adolescência ser considerada um ponto de inflexão no desenvolvimento, caracterizada por mudanças no âmbito da sexualidade, comportamento sexual, entre outros (Ellis et al., 2012), ela vem sendo muito estudada para compreender como os jovens desenvolvem estratégias nas condições ambientais em que vivem. Nessa direção, diversos estudos mostram associação entre comportamento antissocial de adolescentes e condições de imprevisibilidade e severidade, as quais apresentam efeitos sobre traços de história de vida (Brumbach et al., 2009). No contexto brasileiro, um estudo encontrou relação entre uma infância marcada por alta imprevisibilidade (medida por uma escala que inclui fatores de cuidado, recursos financeiros, alimentação e disciplina) e comportamentos de risco, incluindo entrar em brigas com dano físico (Andrade-Silva, Tokumaru & Howat-Rodrigues, 2016). Em um contexto distinto, adolescentes do sexo masculino em conflito com a lei nos Estados Unidos relataram maior vitimização, maior hostilidade parental, ofensas mais frequentes e maiores níveis de agressão nos seus relacionamentos (Simmons et al., 2019). Além disso, jovens norte-americanos expostos a ambientes mais imprevisíveis (mais mudanças de residência, emprego e coabitação com diferentes pessoas) até os primeiros cinco anos de vida apresentaram mais problemas com a lei devido a atividades criminosas no início da vida adulta (Simpson et al., 2012). A importância dessas condições ambientais na infância também demonstra efeitos significativos sobre o comportamento violento perpetrado contra o parceiro íntimo na idade adulta (Szepsenwol et al., 2019).

No que se refere às características de personalidade, considera-se que ambientes mais previsíveis produzem comportamentos mais pró-sociais, maior empatia e cooperação, ao passo que ambientes mais imprevisíveis produzem comportamentos mais competitivos e egoístas (Belsky et al., 1991). Seguindo esse raciocínio, as estratégias lentas estão associadas a traços de personalidade tais como maior sociabilidade (cooperação) e realização (planejamento e controle); por outro lado, as estratégias aceleradas estão associadas a traços de extroversão e abertura às experiências. Indivíduos com estratégias aceleradas apresentam maior tendência a correr riscos que indivíduos com estratégias lentas, uma vez que temem perder o controle e se irritam quando algo sai do seu planejamento (Del Giudice, 2014).

Os traços aversivos da personalidade, como narcisismo e psicopatia subclínicos e maquiavelismo, que compõem o que veio a ser conhecido como tríade sombria, têm apresentado associações com menor autocontrole, tendência de descontar o futuro e maiores níveis de transtorno de déficit de atenção (Del Giudice, 2014; Jonason & Tost, 2010). Indivíduos com maior psicopatia e narcisismo subclínicos, por exemplo, apresentaram maior preferência por relacionamentos de curto-prazo com o mínimo de envolvimento afetivo e maior objetividade para o encontro sexual - sugerindo maior ênfase na estratégia quantitativa (Jonason et al., 2009).

Loureto et al. (2020) demonstraram que a tomada de risco orientada à obtenção de status, outra faceta socialmente aversiva da personalidade, esteve associada à maior agressão e atividade sexual e empatia reduzida, além de ter se correlacionado negativamente com a estratégia de história de vida lenta, como previsto pela THV-P. Nesse caso, o trade-off inferido a partir das variáveis indicaria que a tendência à maior atividade sexual estaria facilitando a reprodução atual - em contraponto à reprodução tardia -, característica da estratégia rápida. Já as demais características agiriam indiretamente como facilitadoras para obtenção de recursos por meio de condutas coercitivas, visto que as resoluções tendem a ser mais imediatas.

Segundo Del Giudice (2014), uma análise evolucionista da psicopatologia interpreta os transtornos mentais como níveis extremos dos traços de personalidade e como consequência das estratégias lentas e aceleradas. Características de ansiedade e depressão, características do espectro autista, transtorno alimentar do tipo perfeccionista/supercontrolado (anorexia) e transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo são mais frequentes em estrategistas lentos, por exemplo. Contrariamente, nas estratégias aceleradas predominam características do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, do espectro de esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno de personalidade Borderline, transtorno alimentar de perfil desregulado (bulimia) e transtorno de personalidade antissocial (Brüne, 2014; Brüne et al., 2010; Del Giudice, 2014). O traço de neuroticismo, por exemplo, apresenta correlação genética positiva com depressão maior, anorexia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, ao passo que maiores níveis de extroversão, como já mencionado, apresentam correlação genética negativa às variáveis relacionadas ao início precoce da puberdade (Abdellaoui & Verweij, 2021).

Em consonância com essa proposta, um estudo com mulheres diagnosticadas com bulimia e anorexia e um grupo controle verificou que as bulímicas são mais propensas a apresentarem estratégias de desenvolvimento aceleradas, enquanto as anoréxicas tendem a apresentar estratégias mais lentas (Nettersheim et al., 2018). Além disso, as características dos transtornos alimentares covariaram com outras medidas das estratégias de história de vida, como, por exemplo, função executiva reduzida, menor valor percebido como parceira sexual e maior competição intrassexual, encontradas como parte de estratégias aceleradas. Esses resultados apontam que os transtornos alimentares podem ser compreendidos, em parte, como estratégias de competição sexual condizentes com as estratégias lentas e aceleradas (Nettersheim et al., 2018).

A THV-P prediz que as estratégias aceleradas de história de vida teriam associação com o transtorno de personalidade Borderline, haja vista as características desse transtorno como alta responsividade ao estresse, desregulação emocional, comportamento de risco, maior número de parceiros e vigilância aumentada em relação à fidelidade dos parceiros amorosos (Brüne, 2014; Del Giudice, 2014; Del Giudice et al., 2015). De acordo com essas premissas, pacientes com esse transtorno apresentaram mais frequentemente experiências adversas nas fases mais precoces de vida, tais como negligência emocional, punição de ambos os pais e relatos de abuso sexual. Em relação ao seu comportamento, eles apresentaram relacionamentos íntimos mais instáveis quando comparados a um grupo controle, porém não foram observadas diferenças significativas com o grupo controle na idade da primeira relação sexual (Brüne et al., 2010).

Críticas e réplicas ao uso da THV na psicologia

Apesar de diversos estudos confirmarem as hipóteses principais da THV-P, o seu desdobramento da biologia para a psicologia pode ter resultado muito mais no desenvolvimento de dois programas independentes de pesquisa que na continuidade do mesmo programa em diferentes áreas do conhecimento (Nettle & Frankenhuis, 2020). Há ainda quem considere que uma maior aderência ao estudo da THV em humanos tenha sido feita pela antropologia, por ter se mantido mais próxima ao estudo dos traços diretos de história de vida (Sear, 2020), como a idade da primeira reprodução, fertilidade dependente da idade e mortalidade dependente da idade. Por outro lado, a psicologia do desenvolvimento tem feito um esforço de investigar aspectos psicológicos ao mesmo tempo em que investiga os traços diretos, porém é a psicologia da personalidade que tem mais se distanciado do modelo da biologia (Sear, 2020).

Uma das possíveis razões apontadas para a psicologia da personalidade ter se distanciado do modelo da biologia evolutiva é o fato desses estudos não especificarem um aspecto importante da THV-E, que são os trade-offs, e pelo fato de os estudos em psicologia da personalidade não medirem as variáveis de interesse da THV-E como fertilidade, mortalidade e idade ao ter o primeiro filho (Sear, 2020). Há dúvidas também se os instrumentos psicométricos utilizados são capazes de detectar as alocações de recursos, o que resulta novamente em problemas para identificar os trade-offs. É importante destacar que, dos estudos descritos nesta revisão, poucos de fato analisaram trade-offs, limitando, portanto, a interpretação das associações estabelecidas entre diferentes traços em relação à THV.

Por exemplo, a relação entre a estratégia rápida e a tríade sombria da personalidade tem sido feita na literatura desde o modelo apresentado por Ellis et al. (2004), porém, algumas das críticas referentes à THV-P têm permitido uma análise crítica que envolve os princípios supracitados (Barbosa & Silva Júnior, 2023). As evidências parecem demonstrar uma relação entre condições ambientais severas e os subfatores da tríade sombria, o que estaria de acordo com o que se assume pela THV-P (Jonason et al., 2016; Jonason et al., 2020). Porém, as evidências não são tão diretas em relação à percepção do ambiente de desenvolvimento, pois, contrariamente ao previsto, indivíduos com maiores níveis de narcisismo subclínico têm a percepção de ambientes de desenvolvimento mais privilegiados e fáceis (Jonason et al., 2016).

Barbosa e Silva Júnior (2023) observaram que as evidências em relação aos trade-offs vivenciados por indivíduos com maiores níveis de tríade sombria apontam que há prevalência de comportamentos voltados para a reprodução atual (vs. futura) e esforço para o acasalamento (vs. parental), o que está de acordo com a hipótese de que a tríade faria parte de uma estratégia acelerada. O trade-off de quantidade vs. qualidade de filhos ainda não é conclusivo, possivelmente pela dificuldade de mensurar esse último impasse. É possível concluir que há evidências que apontam uma relação entre o contínuo rápido-lento e a tríade sombria, porém são necessários mais estudos, com delineamentos distintos, para afirmar com maior segurança que os traços aversivos da personalidade fazem parte de uma estratégia rápida de história de vida (Barbosa & Silva Júnior, 2023).

De acordo com Del Giudice (2020), a aparente falta de aderência de estudos na psicologia com as medidas usualmente analisadas na biologia e na antropologia deve-se pela distinção entre os traços diretos de história de vida e os traços relacionados de história de vida. Como mencionado previamente, a biologia e antropologia têm focado nas medidas populacionais de história de vida, tais como taxa de crescimento, idade da maturidade sexual, tamanho/qualidade da prole, longevidade e fertilidade - os traços diretos de história de vida (Del Giudice, 2020; Nettle & Frankenhuis, 2020; Sear, 2020). Já a psicologia tem focado em traços relacionados de história de vida nos domínios do comportamento de risco, desconto de futuro, sociossexualidade, comportamento parental, além de efeitos hormonais sobre o crescimento, comportamento sexual, imunidade e resposta ao estresse (Ellis & Del Giudice, 2019; Del Giudice, 2020; Nettle & Frankenhuis, 2020).

A pertinência de investigar os traços relacionados de história de vida como coerentes com a perspectiva da THV-E baseia-se em três premissas fundamentais: (1) que eles devem ser suficientemente estáveis no indivíduo para serem tratados como diferenças individuais; (2) que devem covariar com traços diretos de história de vida e/ou outros produtos de alocações de história de vida, como número de parceiros sexuais e idade do nascimento do primeiro filho; (3) que devem contribuir para mediar as alocações de recursos, ou no mínimo funcionar como indicadores dos traços que contribuem para as alocações (Del Giudice, 2020).

A mudança de paradigma da análise de diferentes espécies para as diferenças individuais, de seleção para plasticidade e de traços diretos de história de vida para traços relacionados, constitui para muitos pesquisadores uma extensão do paradigma biológico. As justificativas para insistir na continuidade entre os dois programas se sustentam em analogias afirmando que o efeito seletivo que o ambiente exerce sobre os indivíduos deve ser o mesmo efeito sobre as populações (Nettle & Frankenhuis, 2020) e que o paradigma lento-rápido se assemelha estruturalmente à variação entre as espécies (Del Giudice, 2020).

A correspondência entre a variação populacional com a variação interindividual é conhecida como aposta ecológica (ecological gambit), que implica a premissa de que as relações observadas em nível grupal se mantêm em nível individual por apresentarem a mesma função. Quando essa premissa é automática ou não é verdadeira, estamos diante da falácia ecológica, a antagonista da aposta ecológica (Pollet, Tybur, Frankenhuis & Rickard, 2014). A falta de distinção entre aposta ecológica e falácia ecológica pode explicar o fato de alguns pesquisadores não reconhecerem que a plasticidade observada no desenvolvimento espelha os efeitos da seleção sobre as médias encontradas na população (Ver Stearns & Rodrigues, 2020).

Portanto, é necessário conhecer os mecanismos que produzem covariação entre e dentre populações. Embora não se possa garantir que a aposta ecológica se mantém verdadeira em todos os casos, pode haver razões conceituais para tratar a suposição entre níveis (populações × indivíduos) como biologicamente plausíveis (Del Giudice, 2020), como, por exemplo, a investigação de correlação genética entre os trade-offs. Além disso, pesquisadores de ciências evolucionistas podem desenvolver novas bases de dados demográficos ou explorar bases existentes que cobrem dados em múltiplos níveis para testar suas hipóteses (Pollet et al., 2014).

Considerando que traços em nível populacional são médias de produtos individuais, os mesmos trade-offs deveriam ser esperados tanto no nível populacional quanto no nível individual. A título de exemplo, o desejo por relacionamentos sexuais casuais ou por relacionamentos de longo prazo desempenham, em nível comportamental, um papel na mediação do trade-off entre o esforço parental e o esforço para o acasalamento, de tal forma que essas disposições são negativamente correlacionadas (Del Giudice, 2020).

Estudos populacionais em psicologia devem ser encorajados pela possibilidade de compreenderem os efeitos ambientais sobre os aspectos psicológicos em larga escala, que obviamente afetam um grande número de pessoas que vivem sob aquelas condições. Por exemplo, estudos apontaram a relação entre fatores socioeconômicos com comportamento de risco e reprodutivo e violência urbana no Canadá, demonstrando que as taxas de homicídio e desigualdade de renda estiveram associadas com a reprodução precoce e menor expectativa de vida (Wilson & Daly, 1997).

Mais recentemente, em um estudo populacional brasileiro, o comportamento de risco relacionado à saúde, como sexo desprotegido, episódios de embriaguez e experimentação de tabaco e outras drogas foi investigado em 47.371 adolescentes de 10 a 19 anos em 27 capitais do Brasil. Os resultados demonstram que a vitimização violenta se associou com um aumento no envolvimento com comportamentos de risco relacionados à saúde em todas as capitais e para ambos os sexos. Contudo, a magnitude dessas associações variou segundo alguns fatores ambientais, entre os quais as taxas de mortalidade dependentes da idade de cada cidade, desigualdade de renda e razão sexual (Ramos et al., 2017). Além desses, os já citados estudos de Simpson et al (2012), Simmons et al. (2019) e Szepsenwol et al. (2019) são exemplos da importância dessa metodologia em psicologia. A relevância de estudos populacionais em psicologia torna-se cada vez maior considerando que recorrentemente encontram a associação entre condições de privação e desigualdade social com variáveis psicológicas importantes no desenvolvimento (Daly, 2020).

Outro ponto importante de destacar é que, apesar de alguns autores acreditarem existir poucas justificativas teóricas e empíricas para incluir diversos traços psicológicos como pertencentes a uma estratégia de história de vida (Sear, 2020), observamos diversos estudos que encontraram o contrário. Houve grande concordância com a noção de covariação de traços psicológicos nas associações entre idade da primeira relação sexual e nascimento do primeiro filho (Lordelo et al., 2011; Mell et al., 2018), idade da menarca e comportamento de risco (Hartman et al., 2017), restrição sexual e violência com o parceiro íntimo (Szepsenwol et al., 2019), comportamento de risco e irrestrição sexual (Nascimento et al., 2018), tomada de risco orientada ao status, comportamento agressivo, irrestrição sexual e empatia reduzida (Loureto et al., 2020), comportamento sexual de risco e uso de drogas lícitas e ilícitas (Ramos et al., 2017).

Um estudo recente confirmou predições centrais da THV ao encontrar que em 150 nações mulheres começaram a ter filhos mais cedo e maior número de filhos em locais com alta carga de patógenos e altas taxas de mortalidade infantil. Esse resultado se manteve constante mesmo quando a análise foi estatisticamente controlada por outras variáveis como o produto interno bruto (PIB) de cada país. Além disso, tanto a carga de patógenos de momentos históricos passados quanto a mortalidade infantil atual foram capazes de prever mudanças nas estratégias reprodutivas seis décadas depois. Esse estudo mostra como os indivíduos respondem diferentemente a ambientes distintos por meio de estratégias de história de vida lenta e acelerada que impactam o comportamento na vida adulta (Pelham, 2021); nesse caso, particularmente, a relação entre severidade ambiental e estratégias aceleradas. Dessa forma, verificamos que são abundantes as evidências empíricas em favor da THV.

Limitações conceituais, metodológicas e empíricas

Mesmo que se constituam como modelos diferentes e que muitas vezes suas propostas façam predições muito distintas, os autores não os consideram mutuamente exclusivos. Daí pode surgir a aparente conformidade de que todos os estudos empíricos parecem confirmar as premissas centrais da THV, seja ela da biologia ou da psicologia, e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, parecem não estar alinhados com THV-E e com outros modelos da THV-P - uma vez que os diferentes modelos não necessariamente concordam entre si sobre os mecanismos que afetam o desenvolvimento (ver Ellis, 2004).

Apesar de diversos estudos encontrarem resultados favoráveis às premissas centrais da THV-P, outros, porém, apresentam resultados mistos ou até contrários. É o caso do estudo de Chua et al. (2020), que investigou a relação entre traços diretos e relacionados de história de vida com medidas ambientais por meio de análises psicométricas de modelos de equações estruturais. Confirmando pesquisas anteriores, esse estudo encontrou que os traços diretos e relacionados de história de vida se agrupam em fatores independentes, porém fracamente relacionados, sugerindo pouca associação entre eles.

Contudo, o estudo não encontrou efeitos de medição dos traços relacionados sobre os traços diretos como seria esperado (Chua et al., 2020). Os próprios autores, porém, reconhecem que os resultados mistos podem ser devido ao fato de que alguns dos indicadores utilizados na pesquisa não são traços diretos e/ou relacionados, como altura, força física e atratividade sexual. Além disso, uma das medidas utilizadas como indicativo de severidade ambiental, a classe social, tem sido considerada em diferentes estudos um indicativo pouco confiável de severidade ambiental, uma vez que está apenas indiretamente relacionada à mortalidade extrínseca.

Conclusões semelhantes são derivadas do estudo de Schmitt (2005), que investigou a variação de sociossexualidade em 48 países a partir de diversas medidas culturais, econômicas, sociopolíticas e de igualdade de gênero. Segundo Belsky (1991), nas culturas em que predominam baixo acesso a recursos, estresse familiar e alta mortalidade, os indivíduos deveriam apresentar uma orientação sociossexual mais irrestrita - um indicativo de estratégias aceleradas de história de vida. Contudo, o trabalho de Schmitt (2005) não encontrou dados que apoiassem essa premissa. Apesar disso, o autor reconhece que o estudo apresenta duas limitações em relação ao teste adequado dessas predições. A primeira delas se refere ao fato de que as variáveis selecionadas foram apenas medidas indiretas dos constructos, enquanto a segunda afirma que as culturas com alto nível de estresse familiar não foram bem representadas no seu estudo (Schmitt, 2005).

A pesquisa de Dinh et al. (2022) também apresenta resultados mistos. Esses autores encontraram que a exposição à violência e baixa saúde apresentaram efeitos significativos sobre o início da puberdade; porém, contrariamente ao esperado, a sociossexualidade esteve negativamente associada com número de filhos, e positivamente associada com status socioeconômico (Dinh et al., 2022). Nesse estudo, o status socioeconômico foi medido como percepção de recursos disponíveis, classe social a qual o indivíduo se classifica e renda familiar, todas medidas com base na infância. Contrariamente, outro trabalho encontrou que, para indivíduos de baixo status socioeconômico, operacionalizado como o nível de renda da família na infância, incertezas econômicas aumentaram o desejo de se reproduzir mais cedo em comparação aos indivíduos de alto nível socioeconômico (Tan et al., 2022). Novamente, nota-se o uso de medidas socioeconômicas como indicativos inconsistentes de severidade ambiental, além de uma medida indireta de história de vida, como o desejo de ter filhos - algo não previsto pela THV-P.

Resultados mistos ou contrários são encontrados em relação a um aspecto central: o início da puberdade. A conceituação inicial do modelo da aceleração psicossocial está baseada na noção de que a ausência paterna provoca a aceleração da puberdade, em especial das meninas (Belsky, 2012; Belsky et al., 1991). Apesar de um conjunto de estudos empíricos inicialmente confirmarem essa previsão (Belsky, 1997, 2012; Ellis, 2004), inclusive estudos genéticos (Gaydosh, Belsky, Domingue, Boardman & Harris, 2018), outros trabalhos colocam em dúvida a generalidade desses resultados para ambos os sexos (Belsky, 2012; Sear et al., 2019) e para culturas distintas (Sheppard, Snopkowski & Sear, 2014).

Diferentes estudos têm buscado testar essa hipótese. Uma meta-análise demonstrou que a ausência paterna esteve significativamente associada à menarca precoce em 32 de 33 amostras com mais de 70 mil participantes em diferentes países (Webster, Graber, Gesselman, Crosier Schember, 2014). Contudo, a predominância de culturas WEIRD e grande presença de amostras de países de língua inglesa colocaram em dúvida novamente a generalidade dessa associação. Uma análise sobre essa associação em contextos culturais mais amplos, incluindo culturas não WEIRD, demonstrou que a relação entre ausência paterna e aceleração da puberdade para ambos os sexos é muito mais diversa que o padrão encontrado em culturas WEIRD, com muitos estudos encontrando resultados não significativos entre as variáveis (Sear et al., 2019).

Contrariamente, um estudo buscou investigar os efeitos da ausência paterna e os efeitos poligênicos sobre a idade da menarca, idade da primeira relação sexual e idade do nascimento do primeiro filho em 2.681 mulheres nos EUA (Gaydosh et al., 2018). A poligenia ocorre quando vários pares de genes interagem para determinar um único traço, cada um com efeito aditivo sobre o outro, produzindo uma distribuição contínua desse traço (Griffiths, Wessler, Carroll & Doebley, 2012). O estudo encontrou que a ausência paterna e pertencer ao grupo com altos escores poligênicos previram aceleração da puberdade para as três variáveis de puberdade. Mais importante, a ausência paterna permaneceu significativamente associada às três variáveis da puberdade mesmo depois de controlada pelas influências genéticas conhecidas sobre a idade da menarca (Gaydosh et al., 2018).

Em relação aos desafios conceituais, existem outros obstáculos relacionados à definição das variáveis ambientais, especialmente a de imprevisibilidade. Embora o uso da severidade como medida de alterações ambientais relevantes seja teoricamente fundamentado, dado o impacto que ela pode ter sobre a aptidão dos organismos, as justificativas sobre o uso da imprevisibilidade estão mais abertas à discussão. A ideia de medir e utilizar a imprevisibilidade se baseia na concepção de que o ambiente é previsível ao longo de uma vida (da infância à vida adulta), mas varia entre ciclos de vida de diferentes gerações. Nessas condições, a seleção natural favoreceria a capacidade dos organismos de se ajustarem ao ambiente com base na experiência, quando este fornece pistas para o estado ambiental futuro (Frankenhuis, 2016). Apesar das preocupações recentes de pesquisadores na busca por definições ou de medidas mais precisas sobre imprevisibilidade e severidade (Fenneman & Frankenhuis, 2020; Young et al., 2020), diversos estudos têm utilizado medidas muito distantes dos modelos propostos, como a classe social (e.g. Chua et al., 2020).

Por meio de um modelo computacional, Fenneman e Frankenhuis (2020) avaliaram como duas medidas de severidade e três de imprevisibilidade afetariam o comportamento impulsivo dos agentes computacionais simulados. As medidas de severidade incluíam a média do nível de recursos disponíveis e a média de violência; enquanto as medidas de imprevisibilidade incluíam variação nos recursos, variação na violência e indisponibilidade de recursos. Nesse modelo, o comportamento impulsivo não foi universalmente adaptativo em condições imprevisíveis e severas. Porém, a impulsividade foi adaptativa quando a qualidade do recurso foi baixa ou alta, mas não em níveis moderados. A impulsividade foi quase sempre adaptativa quando os agentes puderam prever a probabilidade dos recursos se tornarem indisponíveis. E, finalmente, a média e a variância de violência afetaram o comportamento impulsivo quando o estado dos agentes foi muito pobre ou muito bom. Esse último dado é curioso, uma vez que a severidade ambiental é tipicamente definida como a taxa de eventos negativos do ambiente que impactam a aptidão dos organismos (Fenneman & Frankenhuis, 2020).

Outras limitações importantes incluem a baixa diversidade cultural na qual os estudos foram realizados, predominantemente em culturas ocidentais, com altos níveis de escolaridade e industrialização, ricas e democráticas (e.g. Brumbach et al., 2009; Simpson et al., 2012; Hartman et al., 2017; Szepsenwol et al., 2019). Sabemos há muito que estudos em psicologia apresentam baixa diversidade cultural, sendo alvos de severas críticas nas últimas décadas, o que pode representar um acúmulo de conhecimento muito limitado sobre aspectos psicológicos humanos, principalmente quando eles são supostos como universais ou característicos da espécie (Henrich, Heine & Norenzayan, 2010; Norenzayan & Heine, 2005; Sear et al., 2019). Grandes periódicos na psicologia têm publicado não somente pesquisas realizadas em culturas WEIRD, como também com base nesses dados limitados feito generalizações de modo pouco crítico sobre seres humanos em geral (Rad, Martingano & Ginges, 2018).

O nível de diversidade cultural nos estudos em psicologia parece variar dentro de cada área, nas quais há campos menos diversos que outros. Por exemplo, estudos sugerem que a diversidade cultural em psicologia evolucionista é maior que em psicologia social e do desenvolvimento (Pollet & Saxton, 2019). Periódicos de alto impacto em psicologia do desenvolvimento apresentam um elevado viés de artigos publicados com populações WEIRD, levantando a possibilidade que resultados específicos de uma cultura sejam erroneamente atribuídos como traços universais (Nielsen, Haun, Kärtner & Legare, 2017).

Além das dificuldades entre culturas, diferenças importantes podem ser encontradas entre populações distintas pertencentes a uma mesma cultura (Henrich et al., 2010; Pollet & Saxton, 2019). É generalizado o uso de estudantes universitários em estudos de psicologia, e isso não é diferente em estudos de psicologia evolucionista (Pollet & Saxton, 2019). Um recente trabalho demonstrou que pesquisas realizadas em países em desenvolvimento com métodos psicométricos mais abrangentes geralmente falham em medir o constructo psicológico em questão e apresentam baixa validade quando comparados a estudos realizados pela internet nos mesmos países, sugerindo que o nível de instrução formal dos participantes, entre outros fatores, pode limitar a interpretação dos resultados (Laajaj et al., 2019).

Por outro lado, estudos com THV-P tem sido mais diversos em termos populacionais ao incluir, pela virtude do seus objetivos, amostras mais variadas em termos de idade, condições socioeconômicas, indivíduos em conflito com a lei, com diferentes condições de saúde mental, incluindo amostras representativas de seus países (e.g Brumbach et al., 2009; Ellis et al., 2012; Hartman et al., 2017; Lordelo et al., 2011; Mell et al., 2018; Nettersheim et al., 2018; Richardson, Dariotis & Lai, 2017; Simmons et al., 2019).

É necessário reconhecer ainda que, embora condições ideais de desenvolvimento, como aquelas encontradas em países desenvolvidos, sejam desejáveis especialmente para minimizar diferenças socioeconômicas, elas parecem não ter sido o padrão das condições de infância ao longo da evolução da nossa espécie. Evidências historiográficas, antropológicas e primatológicas apontam que os níveis médios de ameaças (e.g. infanticídio, conflitos violentos e predação) e privações (e.g. nutricionais, sociais e cognitivas) foram maiores ao longo da evolução da nossa espécie do que em sociedades industrializadas na atualidade. Tais evidências chamam a atenção para o reconhecimento das adaptações expressas ao longo do desenvolvimento em resposta à adversidade ambiental, mesmo que seus níveis sejam expressos diferentemente no tempo e no espaço e sejam culturalmente específicos (Frankenhuis & Amir, 2022).

Considerações finais

Mesmo diante dos desafios conceituais e metodológicos enfrentados pela THV-P na atualidade, o conjunto de estudos apresentados neste trabalho demonstra resultados sistematicamente similares, especialmente com as condições de imprevisibilidade e severidade ambientais nos primeiros anos de vida. Esses resultados se mantêm relativamente constantes mesmo quando testados em culturas diferentes, quando se aplicam os instrumentos de personalidade e os instrumentos para avaliar as estratégias de histórias de vida (Lordelo et al., 2011; Loureto et al., 2020; Ramos et al., 2017). A relação entre os efeitos ambientais especialmente na infância com as medidas psicológicas na adolescência e na vida adulta demonstram o potencial da THV-P para compreender as diferenças individuais do comportamento humano nos domínios do desenvolvimento, do comportamento social e sexual e da personalidade.

A associação entre eventos críticos nos primeiros anos do desenvolvimento com as diferenças individuais em etapas posteriores é de interesse especial da psicologia, indo muito além de compreender apenas mudanças no nível individual, mas também aquelas que envolvem potencialmente populações inteiras, revelando possíveis contribuições para políticas públicas. A título de exemplo, programas sociais, como o Programa Bolsa Família, que visa à redução da mortalidade infantil, têm sido aplicados na América Latina e outros países em desenvolvimento como iniciativas bem-sucedidas em interromper o ciclo intergeracional de pobreza por meio da transferência de renda a famílias de baixa renda condicionada ao investimento desses grupos na saúde e educação das crianças, promovendo melhorias no desenvolvimento social dos países. Um estudo verificou o efeito do programa em reduzir a mortalidade entre crianças de um a quatro anos de idade, especialmente entre crianças prematuras, filhas de mães negras, residindo em municípios do quintil mais baixo de riqueza e com melhores índices de gestão do programa (Ramos et al., 2021). Resultados positivos como esses podem ser atribuídos ao fato de as mães utilizarem mais serviços de saúde, adotarem mais comportamentos maternais e a sua maior escolaridade.

A importância da investigação de estudos de história de vida, especialmente nas fases iniciais da vida, destaca-se pela relação entre ambientes marcados pela imprevisibilidade e severidade com as estratégias de história de vida aceleradas. Como previamente discutido, estratégias aceleradas são marcadas por comportamentos de risco direcionados à busca por oportunidades de acasalamento, comportamento agressivo, reprodução precoce e maior número de filhos (Ellis & Del Giudice, 2019; Ellis et al., 2012). Todas essas características estão associadas com comportamentos socialmente indesejados, especialmente entre os mais jovens, logo, mudanças sociais planejadas poderiam se beneficiar ao considerar as variáveis ambientais e psicológicas investigadas nesses estudos. Além disso, estratégias aceleradas reduzem a saúde, vitalidade e longevidade, o que novamente pode apresentar impactos sociais significativos, especialmente nas populações mais vulneráveis.

Ellis e Del Giudice (2019) discutem detalhadamente como o estresse ambiental, em especial nas fases iniciais da vida, promove estratégias adaptativas englobando aspectos fisiológicos, psicológicos e comportamentais (modelo adaptativo da calibração da responsividade ao estresse). Segundo esses autores, uma perspectiva evolucionista do desenvolvimento humano ajuda a compreender não somente a plasticidade comportamental observada em diferentes contextos, como também as diferenças individuais em resposta a fatores ambientais. Segundo esses autores, as estratégias de tratamento e prevenção que ignoram as adaptações do desenvolvimento correm o risco de perder a oportunidade de trabalhar em favor dessas adaptações quando elas promovem resultados positivos, como também incorrem na possibilidade de trabalhar contra elas na redução dos resultados indesejados (Ellis & Del Giudice, 2019). Esse raciocínio foi demonstrado por Ellis et al. (2012) ao analisar estratégias de intervenção relacionadas ao bullying em adolescentes de diversos países, em que algumas intervenções mostraram-se menos eficazes que outras, possivelmente por ignorarem aspectos adaptativos importantes do comportamento dos adolescentes.

Por fim, a revisão aqui apresentada se destaca de outros trabalhos, em especial os produzidos no Brasil, por oferecer (1) uma discussão teórica abrangente e detalhada dos fundamentos da THV na psicologia; (2) o reconhecimento da distinção entre os programas de THV desenvolvidos na biologia e na psicologia; (3) a indicação de em quais pontos eles diferem; e (4) em que medida os estudos psicológicos supostamente não correspondem aos princípios fundamentais da THV-P.

Esse último ponto é de particular relevância na discussão sobre a convergência entre os dois paradigmas, pois, frequentemente, quando estudos psicológicos são utilizados para testar hipóteses centrais da THV, os autores podem estar se referindo à THV-E, à THV-P ou a ambas, acreditando que os dois programas são uma continuidade inequívoca um do outro. Ademais, quando os resultados dos estudos psicológicos são criticados como não aderentes aos preceitos centrais da THV, os críticos utilizam não os modelos propostos na psicologia como referência, mas o modelo da THV-E (e.g. Sear, 2020; Stearns & Rodrigues, 2020), os quais podem diferir em muitos aspectos (Nettle & Frankenhuis, 2020).

Em suma, o objetivo deste trabalho foi examinar os fundamentos teóricos e conceituais da THV-P, bem como os estudos empíricos que dão suporte a esses fundamentos. Há evidências consistentes que confirmam suas previsões centrais, especialmente quando as condições ambientais são medidas nos primeiros anos de vida. Apesar disso, o apontamento de críticas sobre o uso da THV na psicologia deve alertar os pesquisadores sobre a necessidade de incorporá-las no processo de investigação (Stearns & Rodrigues, 2020). Esperamos que estudos nessa área possam ser úteis não somente em pesquisa básica, mas também em novas possibilidades de interpretação dos fenômenos psicológicos para pesquisas aplicadas. A relação entre as condições ambientais e as estratégias de história de vida podem impactar não somente as trajetórias individuais, como também das populações que vivem sob as mesmas circunstâncias, deixando margens para refletir sobre a utilidade da THV-P no planejamento de políticas públicas.

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• 1
  Tarefa” pode ser entendida como alguma demanda funcional que os indivíduos precisam resolver, no sentido de problemas adaptativos. “Escolhas” se referem às decisões que os indivíduos tomam analisando (não de forma intencional e deliberada) os custos e benefícios de priorizar determinada tarefa. Por fim, “otimização” se refere à maximização da aptidão do indivíduo (Stevens, 2008; Richardson, 1994).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Ago 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  21 Mar 2023
• Aceito
  26 Jul 2023