Acessibilidade / Reportar erro

Projetos de Vida Éticos de Professores e seus significados afetivos

Teachers’ Ethical Purposes and affective meanings

Projets de vie éthiques pour les enseignants et leurs significations affectives

Proyectos de vida éticos de los docentes y sus significados afectivos

Resumo:

Este estudo qualitativo investigou, por meio de entrevistas autobiográficas, os significados afetivos dos projetos de vida de cinco educadores brasileiros reconhecidos publicamente por seu compromisso com a educação. Partindo de uma perspectiva teórico-metodológica dos Modelos Organizadores do Pensamento e da Neurociência dos Afetos, objetivou-se avançar na compreensão do papel das emoções na construção de projetos de vida éticos. Destaca-se, como fenômeno comum, a integração das metas pessoais com metas para além de si, reguladas pelo sentimento de bem-estar vivido na profissão docente e no cuidado do outro e pelos sentimentos de dor e indignação diante da violência, ressignificados como motores para a transformação da realidade.

Palavras-chave:
projeto de vida; professor; ética; sentimentos

Abstract:

This qualitative study investigated, by autobiographical interviews, the affective meanings in the life plans of five Brazilian educators who are publicly recognized for their deep commitment to education. Starting from the theoretical-methodological perspective of the Organizing Models of Thinking and Affective Neuroscience, this study aimed to advance the understanding of the role of feelings in the construction of ethical life plans. This research highlights, as a common phenomenon, the integration of personal objectives with goals beyond the self, which are regulated by the well-being experienced in the teaching profession, in caring for others, and by feelings of pain and indignation in the face of violence that are resignified as drivers to transform reality.

Keywords:
purpose; teacher; ethics; feelings

Résumé :

Cette étude qualitative a investigué, à travers des entretiens avec une approche autobiographique, les significations affectives des projets de vie de cinq éducateurs brésiliens publiquement reconnus pour leur engagement envers l’éducation. Basé sur une approche théorico-méthodologique des Modèles Organisateurs de la Pensée et des Neurosciences des Affects, il visait à avancer dans la compréhension du rôle des sentiments dans la construction de projets de vie éthiques. Comme un phénomène courant, il souligne l’intégration d’objectifs personnels avec des objectifs collectifs, régulés par le sentiment de bien-être ressenti dans le métier d’enseignant et dans le soin des autres et par des sentiments de douleur et d’indignation face à la violence, resignifiés comme moteurs de transformation de la réalité.

Mot-clé :
projet de vie; professeur; éthique; sentiments

Resumen:

Este estudio cualitativo buscó en entrevistas autobiográficas los significados afectivos de los proyectos de vida de cinco educadores brasileños reconocidos públicamente por su compromiso con la educación. Desde una perspectiva teórico-metodológica de los modelos organizadores del pensamiento y de la neurociencia de los afectos, se pretendió avanzar en la comprensión del rol de las emociones en la construcción de los proyectos de vida éticos. Se destaca como fenómeno común la integración de metas personales con metas colectivas, reguladas por el sentimiento de bienestar experimentado en la profesión docente y en el cuidado del otro, y por sentimientos de dolor e indignación ante la violencia resignificados como impulsores de la transformación de la realidad.

Palabras clave:
proyecto de vida; profesor; ética; emociones

Introdução

Nas últimas duas décadas, estudos empíricos sobre projetos de vida têm aumentado substancialmente no Brasil e no mundo. (Tirri, Moran, & Mariano, 2016 Tirri, K., Moran, S., & Mariano, J. M. (2016). Education for purposeful teaching around the world. Journal of Education for Teaching, 42(5), 526-531. doi: 10.1080/02607476.2016.1226551
10.1080/02607476.2016.1226551...
; Hill, Edmonds, Peterson Luyck, & Andrews, 2016 Hill, P. L., Edmonds, G. W., Peterson M., Luyck, K., & Andrews, J. A. (2016). Purpose in Life in Emerging Adulthood: Development and Validation of a New Brief Measure. The Journal of Positive Psychology, 11(3), 237-245. doi: 10.1080/17439760.2015.1048817
10.1080/17439760.2015.1048817...
; Arantes & Pinheiro, 2021 Arantes, V. A., & Pinheiro, V. P. G. (2021). Purposes in life of young Brazilians: identities and values in context. Estudos de Psicologia, 38, e200012. doi: 10.1590/1982-0275202138e200012
10.1590/1982-0275202138e200012...
). O interesse pela temática foi impulsionado, sobretudo, por estudos que apontam a presença do projeto de vida como um importante fator na promoção do bem-estar físico e emocional de pessoas de todas as idades (Boyle, Buchman, Barnes, & Bennet, 2009 Boyle, P. A., Barnes, L. L., Buchman, A. S., & Bennett, D. A. (2009). Purpose in life is associated with mortality among community-dwelling older persons. Psychosomatic Medicine, 71(5), 574-579. doi: 10.1097/PSY.0b013e3181a5a7c0
10.1097/PSY.0b013e3181a5a7c0...
; Boyle, Barnes, & Bennet, 2010 Boyle, P. A., Buchman, A. S., & Bennett, D. A. (2010). Purpose in life is associated with a reduced risk of incident disability among community-dwelling older persons. American Geriatric Psychiatry, 18(12), 1093-1102. doi: 10.1097/JGP.0b013e3181d6c259
10.1097/JGP.0b013e3181d6c259...
; Burrow, O’Dell & Hill, 2010 Burrow, A. L, O’Dell, A. C., & Hill, P. L. (2010). Profiles of a developmental asset: Youth purpose as a context for hope and well-being. Journal of Youth and Adolescence, 39(11), 1265-1273. doi: 10.1007/s10964-009-9481-1
10.1007/s10964-009-9481-1...
; Hill, Burrow, & Bronk, 2016 Hill, P. L., Burrow, A.L., & Bronk, K.C. (2016). Persevering with positivity and purpose: An examination of purpose commitment and positive affect as predictors of grit. Journal of Happiness Studies, 17(1), 257-269. doi: 10.1007%2Fs10902-014-9593-5
10.1007%2Fs10902-014-9593-5...
; Seligman, 2018 Seligman, M. (2018). PERMA and the building blocks of well-being. Journal of Positive Psychology, 13(4), 333-335. doi: 10.1080/17439760.2018.1437466
10.1080/17439760.2018.1437466...
).

Estudos mais recentes evidenciam ainda que o desenvolvimento de um projeto de vida é um elemento importante para a formação ética e o engajamento das pessoas em ações voltadas para o bem comum (Bundick, Remington, Morton & Colby, 2021 Bundick, M. J., Remington, K, Morton, E., & Colby, A. (2021). The contours of purpose beyond the self in midlife and later life. Applied Developmental Science, 25(1), 62-82. doi: 10.1080/10888691.2018.1531718
10.1080/10888691.2018.1531718...
; Burrow, Agans & Rainone, 2018 Burrow, A. L., Agans, J. P., & Rainone, N. (2018). Exploring purpose as a resource for promoting youth program engagement. Journal of Youth Development, 13(4), 164-178. doi: 10.5195/jyd.2018.601
10.5195/jyd.2018.601...
; Moran, 2017 Moran, S. (2017). Youth purpose worldwide: A tapestry of possibilities. Journal of Moral Education. 46(3), 231-244. doi: 10.1080/03057240.2017.1355297
10.1080/03057240.2017.1355297...
; Shiba, Kubzansky, Williams, VanderWeele, & Kim, 2021 Shiba, K., Kubzansky, L. D., Williams, D. R., VanderWeele, T. J., & Kim, E. S. (2021). Associations Between Purpose in Life and Mortality by SES. American Journal of Preventive Medicine, 60(5), 595-736. doi: 10.1016/j.amepre.2021.02.011
10.1016/j.amepre.2021.02.011...
; Steptoe & Fancourt, 2019 Steptoe, A, & Fancourt, D. (2019). Leading a meaningful life at older ages and its relationship with social engagement, prosperity, health, biology, and time use. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(4), 1207-1212. doi: 10.1073/pnas.1814723116
10.1073/pnas.1814723116...
, entre outros). A educação para a construção e o desenvolvimento desses projetos na escola se tornam, assim, um assunto em pauta (Araújo, Arantes & Pinheiro, 2020Araújo, U. F., Arantes, V., & Pinheiro, V. (2020). Projetos de vida: fundamentos psicológicos, éticos e práticas educacionais. São Paulo, SP: Summus Editorial. ; Arantes & Pinheiro, 2021 Arantes, V. A., & Pinheiro, V. P. G. (2021). Purposes in life of young Brazilians: identities and values in context. Estudos de Psicologia, 38, e200012. doi: 10.1590/1982-0275202138e200012
10.1590/1982-0275202138e200012...
; Malin, 2018Malin, H. (2018). Teaching for purpose: Preparing students for lives of meaning. Cambridge: Harvard Education Press. ).

No entanto, o desenvolvimento dos projetos de vida na escola passa inevitavelmente pela figura do professor, principalmente pela sua formação ética e a necessidade de promover a construção de seu próprio projeto de vida. Apesar de estudos destacarem essa figura como um importante agente na promoção dos projetos de vida de seus alunos, sendo referência e construindo relações afetivas e inspiradoras que favorecem as oportunidades de reflexão (Bundick & Tirri, 2014 Bundick, M. J., & Tirri, K. (2014). Student perceptions of teacher support and competencies for fostering youth purpose and positive youth development: Perspectives from two countries. Applied Developmental Science, 18(3), 148-162. doi: 10.1080/10888691.2014.924357
10.1080/10888691.2014.924357...
; Koshy & Mariano, 2011 Koshy, S. I., & Mariano, J. M. (2011). Promoting youth purpose: A review of the literature. New Directions for Youth Development, 2011 (132), 13-29. doi: 10.1002/yd.425
10.1002/yd.425...
; Malin, Liauw, Remington. 2019 Malin, H., Liauw, I., & Remington, K. (2019). Early adolescent purpose development and perceived supports for purpose at school. Journal of Character Education, 15(2), 1-20. Recuperado de: https://www.proquest.com/openview/5ac9311858463ae8c71af796b74105ce/1?pq-origsite=gscholar&cbl=27598
https://www.proquest.com/openview/5ac931...
; Moran, Bundick, Malin, & Reilly, 2012 Moran, S., Bundick, M.J, Malin, H., & Reilly, T. S. (2012). How Supportive of Their Specific Purposes Do Youth Believe Their Family and Friends Are?. Journal of Adolescence Research, 28(3), 348-377. doi: 10.1177/0743558412457816
10.1177/0743558412457816...
), são poucos os trabalhos acadêmicos voltados para o estudo de seus projetos de vida (Tirri & Urbani, 2016Tirri, K, & Urbani, M. (2016). Education of Finnish student teachers for purposeful teaching. In L. Velle, Masterliness in the Teaching Profession (pp. 30-38). London: Routledge. ; Tirry & Kuusisto, 2021 Tirri, K, & Kuusisto, E. (2021). The challenge of educating purposeful teachers in Finland. Education Sciences, 11(1), 29. doi: 10.3390/educsci11010029
10.3390/educsci11010029...
).

Além disso, são poucos os referenciais que estudam a construção de projetos de vida de forma não-linear (Moran, 2018 Moran, S. (2018). Purpose-in-action education: Introduction and implications. Journal of Moral Education, 47(2), 145-158. doi: 10.1080/03057240.2018.1444001
10.1080/03057240.2018.1444001...
; 2021Moran, S. (2021). Life purpose and intentionally being creative: A cultural-ecological feedback-loop perspective. In D. Schuldberg, R. Richards, & S. Guisinger (Eds.), Chaos and nonlinear psychology: Keys to creativity in mind and life (pp. 303-323). New York: Oxford University Press. ). Para compreender o projeto de vida como um construto psicossocial complexo, buscamos ressignificar seu conceito a partir do paradigma da complexidade (Morin, 2003Morin, E. (2003). A necessidade de um pensamento complexo. In C. Mendes, Representação e Complexidade (pp.69-78). Rio de Janeiro, RJ: Garamond. ), além de dialogar com a neurociência dos afetos (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , 2000Damásio, A. R. (2000). O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. , 2018Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Immordino-Yang, 2016Immordino-Yang, M. H. (2016). Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience. New York: W. W. Norton and Company. ) e com a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (Moreno Marimón, Sastre, Bovet, & Leal, 1998/2000Marimón, M. M., Sastre, G., Bovet, M., & Leal, A. (1998). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas, SP: Unicamp; ), a fim de apreender seus significados afetivos.

Na definição proposta por Damon, Menon e Bronk, “projeto de vida é uma intenção estável e generalizada de realizar algo que seja ao mesmo tempo significativo para o self 1 1 A palavra self , do inglês, refere-se à dimensão do eu. Nesse artigo, optamos por manter o termo original pela falta de um vocabulário na língua portuguesa que expresse o mesmo significado. e de consequência para além do self ” ( 2003/2019Damon, W., Menon, J., & Bronk, K. C. (2003/2019). The Development of Purpose During Adolescence. In J.L Furrow, & L. M. Wagener (Eds.). Beyond the Self: Perspectives on Identity and Transcendence Among Youth, a Special Issue of applied Developmental Science (pp.119-128). New York: Routledge. , p. 121, tradução nossa). Dessa forma, são propostos três componentes para o projeto de vida, que são: (1) uma intenção orientada para o futuro, (2) que leva ao engajamento em ações para realizá-la, com uma (3) motivação voltada para além de si mesmo (Moran et al., 2012 Moran, S., Bundick, M.J, Malin, H., & Reilly, T. S. (2012). How Supportive of Their Specific Purposes Do Youth Believe Their Family and Friends Are?. Journal of Adolescence Research, 28(3), 348-377. doi: 10.1177/0743558412457816
10.1177/0743558412457816...
).

Segundo Damon ( 2008Damon W. (2008). The path to purpose: How young people find their calling in life. New York: The Free Press. ), um projeto de vida plenamente desenvolvido deve ter esses três componentes. Na falta de um deles, temos formas precursoras: objetivos de vida voltados para si (quando há intenção e engajamento em ações, mas a motivação é voltada apenas para si mesmo); e sonho (quando a intenção é voltada para além de si, mas não há engajamento em ações para realizá-la). Na ausência de dois desses componentes, o autor considera que não há projeto de vida (Moran et al., 2012 Moran, S., Bundick, M.J, Malin, H., & Reilly, T. S. (2012). How Supportive of Their Specific Purposes Do Youth Believe Their Family and Friends Are?. Journal of Adolescence Research, 28(3), 348-377. doi: 10.1177/0743558412457816
10.1177/0743558412457816...
).

Embora haja consenso na literatura a respeito dos dois primeiros componentes do projeto de vida (intencionalidade e engajamento, com sentido pessoal), os estudos empíricos não chegaram a uma concordância a respeito da motivação voltada para além de si como um elemento definidor para o projeto de vida (Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A critical component of optimal human development. Berlin: Springer. ; Moran et al., 2012 Moran, S., Bundick, M.J, Malin, H., & Reilly, T. S. (2012). How Supportive of Their Specific Purposes Do Youth Believe Their Family and Friends Are?. Journal of Adolescence Research, 28(3), 348-377. doi: 10.1177/0743558412457816
10.1177/0743558412457816...
). Alguns trabalhos científicos apontam a existência de projetos de vida centrados em si mesmo (Bundick, 2009Bundick, M. J. (2009). Increasing college students’ purpose in life. In Institute on College Student Values Conference. Tallahassee, Florida. ), e outros até antissociais (Bronk & Baumsteiger, 2017Bronk, K. C., & Baumsteiger, R. (2017). The role of purpose among emerging adults. In L. M. Padilla-Walker, & L, J. Nelson (Orgs.), Flourishing in emerging adulthood: Positive development during the third decade of life (pp. 45-66). New York: Oxford Academic. ).

Concordando com a ideia de que não precisam ser voltados para o bem comum para existirem e inspirados na definição de Damon e Colby ( 2015Damon, W., & Colby, A. (2015). The Power OF Ideals: the real story of moral choice. New York: Oxford University Press. ) em torno do campo moral, conceituamos projetos de vida éticos como aqueles cujas metas e valores visam “proporcionar benefícios e prevenir danos às pessoas, à sociedade e ao mundo para além de si mesmo” (Damon & Colby, 2015Damon, W., & Colby, A. (2015). The Power OF Ideals: the real story of moral choice. New York: Oxford University Press. , p. xi) Entendemos, portanto, o projeto de vida ético enquanto construção culturalmente desejável na aspiração de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária.

Para o estudo dos significados afetivos dos projetos de vida, partimos de conceitos propostos por Damásio, que define emoções como fenômenos de autorregulação da vida física e mental em busca da homeostase, entendida não apenas como força que nos move para a sobrevivência, “mas à sobrevivência regulada num espectro que nós, seres humanos conscientes, identificamos como bem-estar” (Damásio, 2004Damásio, A. R. (2004). Emotions and feelings. In Feelings and emotions: The Amsterdam symposium (pp. 49-57). Cambridge: Cambridge University Press. , p. 50, tradução nossa). Já sentimentos são definidos enquanto “as representações mentais das mudanças fisiológicas que acontecem durante as emoções” (Damásio, 2004Damásio, A. R. (2004). Emotions and feelings. In Feelings and emotions: The Amsterdam symposium (pp. 49-57). Cambridge: Cambridge University Press. , p. 52, tradução nossa). A partir da teoria dos marcadores somáticos (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; 2018Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ), buscaremos compreender como foram construídos, ao longo de suas vidas, os sentimentos que atuaram como reguladores da ação ética desses professores.

Partimos do princípio de que os significados afetivos presentes nas narrativas dos professores são a expressão em linguagem dos sentimentos e as representações mentais das emoções que, por sua vez, são reguladores das nossas escolhas na busca da homeostase (bem-estar) enquanto sentimentos da escala do prazer e da dor. Buscamos, então, interpretar esses significados dentro das histórias de vida dos professores para compreendermos o papel das emoções na regulação de suas metas e escolhas ao longo da vida.

Para tanto, assumimos como referencial teórico-metodológico a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (Marimón, Sastre, Bovet, & Leal, 1998/2000Marimón, M. M., Sastre, G., Bovet, M., & Leal, A. (1998). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas, SP: Unicamp; ; Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. ), que nos permitiu realizar uma análise qualitativa das narrativas de cada um dos participantes deste estudo, respeitando suas idiossincrasias e, ao mesmo tempo, detectando suas semelhanças e diferenças.

Partindo da ideia de que o sujeito constrói modelos da realidade que lhe permitem conhecer parte do mundo que o cerca, a teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento procura estudar a forma como ocorre essa construção. Frente a acontecimentos “observáveis” por meio dos quais é possível realizar diversas interpretações, cada sujeito seleciona e ordena uma série de elementos e significados, a partir dos quais constrói um modelo organizador. Com isso, ao mesmo tempo que tal referencial assume a importância da experiência como elemento regulador do psiquismo humano, também confere uma maior fidedignidade aos dados, já que não trabalha com categorias pré-determinadas de modelos organizadores. Estes são, nesse sentido, extraídos a partir das respostas dos sujeitos, e não por inferências prévias do(a) pesquisador(a).

Apesar de serem contingentes com a lógica subjacente às estruturas de pensamento, os Modelos Organizadores não são construídos somente a partir delas. Eles ampliam a análise ao incluir desejos, sentimentos, afetos, representações sociais e valores de quem os aplica. Assim, tal referencial abre-nos possibilidades para um entendimento mais amplo sobre os projetos de vida e os seus significados afetivos, demonstrando como diferentes aspectos se articulam de maneira dialética no funcionamento psíquico.

Por meio da interpretação dos significados afetivos presentes nas narrativas autobiográficas de cinco educadores brasileiros, pretendemos compreender: que processos psicossociais e significados afetivos levaram eles a se tornarem pessoas comprometidas com a educação para a transformação social, construindo projetos de vida voltados para o bem comum?

Temos como objetivos específicos: (1) identificar e interpretar os significados afetivos presentes nos projetos de vida dos professores; (2) descrever e analisar os processos psicossociais de construção dos projetos de vida, ao longo da vida; e (3) investigar o papel das emoções e sentimentos na regulação de suas escolhas ao longo da vida.

Método

O presente estudo é de natureza qualitativa e se inspira na metodologia inaugurada por Colby e Damon ( 1992Colby, A., & Damon, W. (1992). Some Do Care: Contemporary lives of moral commitment. New York: The Free Press. ), conhecida como exemplar research . Esse método prevê a seleção intencional de exemplos morais (pessoas em processos avançados de construção da moralidade) para representar de forma mais ampla a extensão do potencial moral humano (Bronk, 2014Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A critical component of optimal human development. Berlin: Springer. ). Do ponto de vista metodológico, este estudo se encontra dentro da abordagem de autobiografia assistida (Deware & Hare apud. Colby & Damon, 1992Colby, A., & Damon, W. (1992). Some Do Care: Contemporary lives of moral commitment. New York: The Free Press. ), na qual o pesquisador investiga a trajetória de vida em parceria com o pesquisado, considerando sua visão sobre ela.

Participaram do estudo cinco educadores de escolas públicas e comunitárias brasileiras do sudeste (2), centro-oeste (1) e nordeste (2), sendo três de regiões urbanas e dois de regiões rurais, dois educadores do sexo masculino e três do sexo feminino, quatro educadores brancos e uma educadora negra. Os participantes foram escolhidos a partir de uma seleção inicial realizada pelo programa Escolas Transformadoras, liderado pela Ashoka Brasil e pelo Instituto Alana, reconhecidos pelo impacto social do trabalho pedagógico coletivo que conduzem.

O processo de seleção dos educadores premiados, do qual participamos enquanto colaboradoras, envolvia quatro etapas: (1) a nomeação por membros da academia de renomadas universidades públicas brasileiras e pelo departamento de inovação do Ministério da Educação, assim como das Secretarias de Educação municipais e estaduais parceiras; (2) entrevista com os líderes, professores, estudantes e familiares da escola; (3) visita de observação do cotidiano da escola e produção de relatório; e (4) banca de aprovação composta por membros da academia e empreendedores sociais. Dentre os educadores selecionados, priorizamos os líderes de escolas públicas ou comunitárias, considerando a maior diversidade regional, racial e de gênero deles.

O instrumento utilizado para guiar as entrevistas foi construído a partir de dois protocolos: o primeiro publicado na obra Some do Care (Colby e Damon, 1992Colby, A., & Damon, W. (1992). Some Do Care: Contemporary lives of moral commitment. New York: The Free Press. ) na pesquisa que desenvolveram com exemplos morais norte-americanos e, o segundo, no Revised Youth Purpose Interview (Andrews et. al., 2006Andrews, M., Bundick, M., Jones, A., Bronk, K. C., Mariano, J. M., & Damon, W. (2006). Revised youth purpose interview. California: Stanford Center on Adolescence. ), utilizado em pesquisas sobre projetos de vida no Center on Adolescence da Universidade Stanford. Consolidados internacionalmente, os instrumentos foram traduzidos e adaptados ao propósito desta pesquisa. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, tendo em média duas horas de duração.

Análise dos dados

O processo de análise dos dados se deu com base nos pressupostos teórico-metodológicos adotados pela Teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento (Moreno Marimón, Sastre, Bovet, & Leal, 1998/2000Marimón, M. M., Sastre, G., Bovet, M., & Leal, A. (1998). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas, SP: Unicamp; ) e pela Neurociência dos Afetos (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , 2000Damásio, A. R. (2000). O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. , 2018Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Immordino-Yang, 2016Immordino-Yang, M. H. (2016). Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience. New York: W. W. Norton and Company. ) e foi composto por três etapas: na primeira, buscamos identificar as experiências que contribuíram para construção de seus projetos de vida, reconstruindo suas trajetórias e descrevendo episódios de sua infância, adolescência e idade adulta por eles apontados como os mais significativos para esta construção; na segunda etapa identificamos os principais significados afetivos (sentimentos) presentes nestas experiências e a partir da teoria dos marcadores somáticos, buscamos identificar quais sentimentos funcionam como reguladores dos comportamentos e escolhas éticas destes professores; na terceira e última etapa, realizamos uma análise interpessoal e coletiva, visando identificar as semelhanças nas experiências (elementos) e sentimentos (significados) que caracterizam os modelos organizadores de professores altamente engajados em seu compromisso ético e, além disso, buscamos delinear os processos comuns ao desenvolvimento de projetos de vida éticos.

Assim, sem o uso de categorias prévias, analisamos e descrevemos as dinâmicas de organização do pensamento que configuram os modelos organizadores dos professores participantes, seus projetos de vida e os significados afetivos a eles relacionados.

Considerações éticas

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, sob o protocolo FEUSP 130/2020. Os procedimentos foram realizados segundo as normas éticas estipuladas pela Resolução CNS 510/2016 sobre a Ética para Pesquisas com seres humanos. Foi aplicado um termo de consentimento aos participantes, o que assegurou o caráter voluntário e sigiloso da participação.

Resultados e Discussão

Significados afetivos nos projetos de vida dos professores

Os principais significados afetivos relacionados aos projetos de vida identificados nas narrativas dos professores são: (1) sentimentos de bem-estar, prazer, alegria, animação, felicidade, satisfação e realização pessoal no exercício da profissão docente ao contribuir para o crescimento, aprendizado e felicidade de seus estudantes; (2) sentimentos de gratidão e admiração por pessoas que os inspiram e apoiam na construção de seus projetos de vida, promovendo o desejo de retribuir à sociedade os benefícios recebidos; e (3) sentimentos de dor, pesar e indignação diante da violência, do racismo, das desigualdades e das injustiças que os levam à busca da transformação da realidade.

Sentimentos de bem-estar na profissão docente

Felipe 2 2 Os nomes dos participantes e escolas foram modificados ou omitidos para garantir o sigilo dos participantes. nos fala do prazer que sente nas suas atividades diárias como diretor voluntário na escola comunitária, no centro budista e no Instituto.

Eu me sinto muito animado! Tem um fogo!… Ontem mesmo terminou aqui um curso com o Giovani Dias e a gente conversando eu falei: Cara, não é nem trabalho isso! Não posso considerar isso trabalho, é uma atividade que me dá prazer e que me preenche de tal forma que chamar isso de trabalho é sacanagem, [risos] é uma coisa muito prazerosa. . . . É uma felicidade profunda nisso tudo.

Alice se emociona ao falar de seu sentimento de realização no trabalho da escola municipal, onde trabalha há mais de 20 anos:

Ah me sinto totalmente feliz!. . . Eu acho que isso [a escola] é um presente que eu sinto que eu pude ter na vida. [ela se emociona e chora] Eu me sinto realizada. Se me perguntarem, se tem mais alguma coisa para eu fazer nesta vida, eu acho que eu fiz o que eu queria fazer.

Eva nos relata, entre momentos de afeto com os estudantes, o quanto seu trabalho no Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) a alimenta:

O CIEJA é o meu alimento, eu vou com muita alegria, com muita satisfação. . . . Eu acho que eu agrego outros valores para as coisas que eu faço. Então essa sensação de estar aqui assim, de escutar, de poder ajudar.

Edson fala do seu sentimento de realização em trabalhar em uma escola que impacta positivamente a vida dos jovens da sua região:

Contribuir para mudar a realidade de outras pessoas, como a nossa está sendo mudada, transformada. Então é um sentimento muito bom de realização mesmo. . . . É uma forma de me sentir bem também, fazendo.

Sueli nos conta como trabalhar na Escola L. M. é a realização de um sonho:

Ah eu me sinto realizada! Porque eu sempre tive o sonho de trabalhar na área de educação. . . . E hoje você coordenar uma escola que coincide com o que você acredita na vida… . . . você pode unir o que você gosta de fazer com o que você acredita. . . . trabalhar as questões raciais e desenhar um projeto e ver aquele projeto sair do papel. Essa autonomia que eu tenho na escola comunitária eu acho que me realiza . . . me completa bastante.

Sentimento de admiração e gratidão por seus mestres e apoiadores

Representações do sentimento de admiração e gratidão por conviverem com pessoas éticas, que se tornam inspirações e exemplos e os apoiam em seus projetos, também estão presentes entre os significados afetivos comuns relatados por esses educadores, promovendo um desejo de retribuir para a sociedade os benefícios recebidos.

Edson fala de sua admiração pelo professor Mauro Pereira, idealizador do movimento estudantil (M.E.) que inspirou e fundou a escola onde hoje trabalha.

Ah e eu preciso também enfatizar realmente a importância do professor Mauro Pereira em toda essa trajetória. Porque ele é um cara que é lá da nossa região, ali onde nasceu o movimento, não por acaso ele foi o estimulador e apoiador de tudo que aconteceu ao longo de todos esses anos. Mas ele é um cara que dedicou e que dedica a vida dele para ajudar as pessoas, para transformar a realidade das comunidades. E de uma forma muito enfática, para contribuir, para melhorar a educação pública do nosso país. Ele é um cara que realmente dedica a vida a isso, sem esperar nada em troca…. Ele é um cara que articula como professor da Universidade…, mas ele também é o cara que a gente pode contar para dar aula aqui para os nossos estudantes… O cara é um amigo que quando você precisa conversar,… você pode contar com ele.

Destaca também o sentimento de gratidão por ter vivenciado a experiência do movimento estudantil e seu desejo de retribuir o que recebeu para a sociedade.

Foi a grande oportunidade da minha vida, ter conhecido o M.E., ter convivido e conviver até hoje com pessoas tão boas e tão comprometidas na causa coletiva e não somente com você mesmo. . . . E contribuir para que outras pessoas tenham a oportunidade de entrar na universidade . . . além de ser um exercício de gratidão porque eu passei pelo processo, é uma forma de fazer com que eu me sinta bem.

Sueli relata o acolhimento pelas mulheres da escola comunitária, além da admiração e inspiração por elas que lhe faz sentir o desejo e a responsabilidade em dar continuidade e ampliar o trabalho recebido de suas mãos:

Dandara foi a coordenadora que estava…na época que eu entrei e foi a primeira pessoa que, com toda a minha timidez, como todo o meu falar baixo, [se emociona] as minhas escritas sem as organizações ortográficas e ela percebeu que por baixo daquilo tudo tinha esse potencial, que eu me vejo hoje. Foi a primeira pessoa que disse: eu acredito em você!… Ela me disse: "Hoje eu saio da coordenação, mas eu saio porque eu estou entregando a você." Então isso também me dá uma responsabilidade muito grande de deixar ou melhorar o patamar da escola aonde ela deixou, então se Dandara levou até aqui ou eu levo pra frente, porque eu não posso deixar a escola ficar nenhum passo atrás do que ela deixou.

Felipe narra a admiração e gratidão pelos muitos mestres que encontrou na vida e como isso culminou em seu trabalho na escola comunitária:

Meu tio é fundamental na minha formação como pessoa. Márcio, Marcinho. Tio Marcinho era uma referência na minha família. Ele sempre foi o intelectual da família…. Ele é uma referência cultural na minha vida, é essa referência, essa sorte que eu tive de ter ele do meu lado.

Em 2005 eu encontro o Lama P.S. e eu percebi que eu tinha um mestre. A partir daí eu segui acompanhando a Lama, seguindo o Lama, ouvindo o Lama . . . E tudo isso caminha até que o Lama me convida para ser diretor da Escola Comunitária.

E Alice descreve sua gratidão pelos muito professores e colaboradores que a apoiaram na construção do projeto da escola.

O Paulo Freire era o secretário de educação e a Vera Barreto e o marido dela, o Luiz Carlos Barreto, eles foram meus professores que eram maravilhosos…. a Vera e o Barreto me ajudaram muitíssimo. [Se emociona e chora] Os dois morreram já, mas eles foram pessoas fundamentais pra mim. De me ajudar nas dificuldades. E depois veio o Pichon. E tudo ao mesmo tempo. Tinha o grupo do Pichon, tinha a Vera e o Barreto que faziam intervenção. Tinha o Práxis que fazia intervenção. Tinha um grupo de cultura popular que começou a acontecer aqui dentro da escola, por conta de uma mãe, a Conceição Acciolly que foi uma grande companheira minha de trabalho, que inventou as oficinas, que trabalhou com as mães. Muita gratidão por tanta gente que ajudou.

Esses sentimentos da escala do prazer (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ) os alimentam e os movem a agir em direção às suas intenções (Immordino-Yang & Faeth, 2010). Em outras palavras, cuidar de seus alunos, participar do seu desenvolvimento e contribuir para a educação na sua comunidade, seu bairro, seu estado ou na sociedade mais ampla é, para esses educadores, uma forma de realização e crescimento pessoal que traz bem-estar.

A convivência com pessoas que admiram os permitem construir redes de apoio para seus projetos pessoais e coletivos e os motiva a ampliarem os benefícios recebidos nessa convivência para outros.

Sentimento de dor, pesar e indignação com a violência como desejo de transformação da realidade

Por fim, nossos entrevistados relatam como principais significados afetivos da escala da dor (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ) os sentimentos de dor, pesar e indignação vivenciados diante de situações de opressão e violência, despertando o questionamento e o desejo de transformação da realidade.

Eva narra a experiência de violência vivida na escola quando criança como um disparador para a vontade de transformar as relações na escola e dar voz aos discentes:

A professora queria que eu falasse estojo, a palavra estojo. Olha, eu acho que eu era pequenininha de certo, porque falar palavra é lá na alfabetização. E eu por ter a família italiana, misturava português e italiano, com minha avó a gente só falava em italiano. Eu falava “estonjo”. A professora falava assim: “Mas é estojo!” Escrevia a palavra na lousa e falava: “Leia!” E eu lia: “Estonjo”. Antigamente, eram aqueles estojos de madeira, feitos pelo pai. . . . Madeira! Não era aglomerado. Ela pegou e meteu na minha cabeça. Fez um corte. O sangue descia. “Vai sentar”. Depois me mandaram para casa. E cheguei em casa e ainda apanhei da mãe, porque falou que eu tinha que ter prestado atenção. Era outra realidade. Isso já deveria falar para eu evitar a escola, não é? Mas acho que foi aí eu comecei a pensar, porque as crianças não poderiam se expressar de alguma maneira. Eu era muito questionadora.

Felipe fala de sua indignação com a ditadura militar, influenciado por sua mãe e seu tio quando ainda era criança como o sentimento disparador para a possibilidade de agir para a mudança, desde a militância nos movimentos estudantis até sua atuação na comunidade budista:

Eu nasci na ditadura, sou de 1964. A família de minha mãe sempre foi um pessoal mais liberal e por outro lado, meu pai era do DOPS [departamento de Ordem Política e Social], não só era do DOPS, mas ele era da equipe do Delegado Fleury, não sei se você ouviu falar, o mais sanguinário dos torturadores do DOPS. Então você imagina! Minha mãe se separou do meu pai, eu fiquei ouvindo minha mãe e meus avós. [risos] Ela tinha o ímpeto, ela tinha a questão da justiça social muito forte. Meu tio trouxe a teoria, me apresentou Karl Marx quando eu tinha 15 anos, me colocou para ler o Capital, o manifesto comunista. . . . Então, eu tinha 9 anos e pouco quando eu peguei o meu radinho, chamei meus amigos de rua, liguei o rádio, estava tendo a posse do presidente Ernesto Geisel, e eu e meus amigos ficamos vaiando o rádio, indignados! Pronto, tudo começou aí. . . . Então eu sempre estive envolvido, sempre tive essa questão de achar que a minha ação de alguma forma poderia mudar alguma coisa. Isso passa por fases,… me envolvi com política estudantil… da paixão infanto-juvenil pela política, pelo embate, pelas discussões, essa chama virou uma brasa… ouvindo o Lama e acabei achando que não seria bem através de uma permanente militância política que a coisa poderia se fazer, mas aí eu comecei a perceber que a grande mudança é uma mudança interna.

Sueli ressignifica o racismo e a exclusão vivenciadas na infância em seu projeto de vida pela educação antirracista:

Hoje eu percebo o quanto é distante a formação que a gente tem nas escolas dessa verdadeira história, e a criança que estuda aqui na L.M. a tem essa oportunidade de conhecer. E nem partindo para o mérito de que é certo e errado, de que Zumbi foi melhor que Pedro Álvares Cabral, mas partindo do princípio que quando você está aprendendo você precisa ter um leque maior, ter tudo, não ter só um lado, como é mostrado pra gente. E o que a gente faz aqui na escola é ter esse leque aberto. Não a gente dizer para as crianças que a Barbie é feia, pra que se construa um racismo às avessas. É dizer para elas que existe a Barbie, que a Barbie é bonita, que tem cabelo liso, mas existe a boneca de pano que pode ter uma referência maior com ela. E o quanto todas essas coisas que são negadas refletem na sua construção de identidade. Porque eu tive minha formação inteira sem ter referências, porque as imagens que eu tinha que colocar para construir e fazer o cartão de Dia das Mães eram de mulheres brancas que estavam nas revistas, eu não conhecia as histórias [das figuras negras]. Então todo esse processo de reconstrução da identidade étnica, de aceitar o seu perfil, de mulher negra periférica e que pode ter um destino diferente do que as pessoas impõem, foi construído dentro desta escola.

E Edson faz das dificuldades vividas para estudar na zona rural um motor para transformar a realidade dos jovens da sua região, participando do movimento estudantil.

No ensino médio eu tive que sair de casa com meu irmão mais velho porque não tinha ensino médio na nossa comunidade e foi difícil…. No último ano do ensino médio eu voltei para a casa dos meus pais porque era uma coisa que eu queria muito, voltar para casa e eu viajava toda noite pra fazer o terceiro ano do ensino médio na cidade,… 30 km de distância, a gente saía de casa quatro da tarde e chegava uma hora da manhã. . . . O M.E. é um movimento de estudantes que se construiu exatamente pela deficiência das escolas, a falta de escolas na zona rural. Um grupo de estudantes resolveu se juntar para estudar juntos e conseguir superar as dificuldades de escolarização, e conseguiram depois entrar na universidade. A partir do momento que conseguiram passar na Universidade começaram a retornar para as comunidades aos finais de semana, para ajudar outras pessoas.

Nesse sentido, compreendemos que os sentimentos da escala da dor podem ter um papel importante na construção de projetos de vida éticos, ao marcarem essas experiências como algo que necessita ser transformado (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ), permitindo, assim, sua ressignificação como desejo de transformação da realidade.

Processos psicossociais de Construção dos projetos de vida, ao longo da vida

Ao descrever e analisar as trajetórias dos professores, evidenciamos duas principais contribuições para a compreensão dos processos de construção do projeto ao longo da vida: (1) a construção dos projetos de vida pressupõe uma relação de retroalimentação, nem sempre linear, entre intenção e ação; e (2) os projetos de vida não são estáveis, mas se transformam ao longo da vida em processos de continuidade-ruptura.

Relação de retroalimentação entre intenção e ação

Damon, Menon e Bronk ( 2003/2019Damon, W., Menon, J., & Bronk, K. C. (2003/2019). The Development of Purpose During Adolescence. In J.L Furrow, & L. M. Wagener (Eds.). Beyond the Self: Perspectives on Identity and Transcendence Among Youth, a Special Issue of applied Developmental Science (pp.119-128). New York: Routledge. ) observam a presença dos dois componentes (intenção e ação) já em sua definição, quando diferenciam projeto e sentido da vida, destacando que embora o último possa ser uma intenção em abstrato, o projeto de vida é a tradução desse sentido por meio do engajamento em ações.

Em nosso estudo, identificamos ambos os componentes constituindo o projeto de vida. No entanto, não encontramos uma relação de causalidade linear, tendo intenções antecipadas como causas e ações de engajamento como suas consequências. Alguns de nossos entrevistados nos contam que entraram em contato com as lutas que hoje são centrais em seus projetos de vida sem nenhuma intencionalidade, mas pelo contexto social em que estavam inseridos.

É o caso de Edson, jovem de comunidade rural no interior do Ceará, que encontrava muita dificuldade para estudar pois não havia escolas na zona em que morava. Sua necessidade de continuar estudando o levou a fazer parte das aulas organizadas por um movimento estudantil (M.E.). Quando começou a frequentá-las, não conhecia as razões éticas ou políticas do movimento e não tinha nenhuma intenção de contribuir para a educação do seu município. Edson não tinha sequer a certeza de que desejava fazer um curso superior ou seguir carreira acadêmica, pois tinha pouca clareza do que isso significava, sentia apenas a vontade de continuar estudando, como ele mesmo afirma. “Quando eu terminei o ensino médio eu não sabia nem o que era a universidade direito. [Entrei no movimento com] a visão de que era a oportunidade de continuar estudando”.

Ao vivenciar a experiência do M.E. retornando a sua comunidade, a princípio por interesse de rever seus familiares, Edson passa a conhecer suas causas, suas lutas, refletir sobre os problemas da sua região, participar da fundação de escolas populares cooperativas e sentir bem-estar em contribuir para sua comunidade, criando vínculos afetivos com pessoas que hoje estão ao seu lado no trabalho de educação que realiza. Edson constrói, portanto, um repertório intuitivo e afetivo de experiências (Immordino-Yang & Faeth, 2016Immordino-Yang, M. H. & Faeth, M. (2016). The role of emotion and skilled intuition in learning. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.93-106). New York: W. W. Norton and Company. ; Kahneman, 2012Kahneman, D. (2012). Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva. ) que alimenta sua intencionalidade e amplia sua consciência crítica, possibilitando a ressignificação de seu desejo inicial voltado para si mesmo em uma intenção de contribuir para a melhoria da educação pública, causa a qual hoje se dedica integralmente, como ele afirma:

Comecei esse trabalho também por um desejo de voltar para casa de ver minha família, e então consegui enxergar esse sentimento de empatia, de contribuir para a comunidade como um fator de felicidade para mim, de bem-estar e satisfação pessoal.

Sua primeira intenção era apenas de atender uma necessidade pessoal, não sendo ética no sentido trazido por Damon e Colby ( 2015Damon, W., & Colby, A. (2015). The Power OF Ideals: the real story of moral choice. New York: Oxford University Press. ), de buscar o bem comum. Na ação e na reflexão alimentadas pelas emoções e sentimentos, na interação com o meio, constrói-se uma nova intencionalidade, uma intenção ética que se torna central no seu projeto de vida.

O processo de continuidade-ruptura

Os projetos de vida de nossos entrevistados não se mostraram estáveis ao longo da vida, mas manifestaram uma dinâmica constante de permanência e mudança. (Machado, 2006Machado, N. J. (2006). Educação: Projetos e Valores. São Paulo, SP: Escrituras. ; Velho, 1994Velho, G. (1994). Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Apresentam momentos de ruptura e descontinuação associados a retomadas, recomeços e transformações. Essa dinâmica de conservação-transformação parece estar intensamente relacionada à negociação interna de valores centrais e periféricos (Lapsley & Narvaez, 2004Lapsley, D., & Narvaez, D. (Eds.). (2004). Moral development, self, and identity. New Jersey: LEA. ; Narvaez & Lapsley, 2009Narvaez, D., & Lapsley, D. (2009). Moral identity, moral functioning, and the development of moral character. In D. M. Bartels, C. W. Bauman, L. J. Skitka, & D. L. Medin (Eds.), The Psychology of learning and motivation (vol. 50, pp. 237-274). Burlington: Academic Press. ; Shao, Aquino, & Freeman, 2008 Shao, R., Aquino, K., & Freeman, D. (2008). Beyond moral reasoning: A review of moral identity research and its implications for business ethics. Business Ethics Quarterly, 18(4), p. 513-540. Recuperado de https://www.jstor.org/stable/27673251
https://www.jstor.org/stable/27673251...
) e aos fatores sociais (culturais e históricos), que Velho ( 1994Velho, G. (1994). Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ) chama de campo de possibilidades.

Felipe nasceu no ano do golpe militar de 1964, então sua infância, adolescência e juventude são marcadas pela luta pela democracia. Participa dos movimentos estudantis contra a ditadura e tem como grande referência e influência seu tio, um intelectual de esquerda que lhe apresenta Karl Marx e as ideias comunistas. Ainda no ensino médio, Felipe se apaixona por história e deseja seguir esse caminho profissional. No entanto, mudanças na realidade financeira da família de Felipe, em seu campo de possibilidades, o levam a fazer escolhas diferentes.

Sua mãe, que sustentava a família sem ter o apoio do pai, vai à falência e pede a ele que ajude financeiramente na casa. Então, ele decide fazer faculdade de administração de empresas, deixando temporariamente seu sonho de ser historiador e passando a trabalhar no departamento de marketing de um banco. Alguns anos depois, já estabilizado financeiramente, Felipe entra na faculdade de história, deixa o banco e segue sua carreira como professor por muitos anos, encontrando grande realização pessoal.

A princípio, a escolha por trabalhar no departamento de marketing de um banco é uma grande ruptura no projeto de Felipe. Parece até mesmo uma incoerência de valores um militante de esquerda que combate o poderio do capital trabalhar para uma instituição que representa exatamente esse poderio. No entanto, entra no cenário o jogo de negociação de valores internos (Lapsley & Narvaez, 2004Lapsley, D., & Narvaez, D. (Eds.). (2004). Moral development, self, and identity. New Jersey: LEA. ) diante das contradições inerentes à vida nas sociedades modernas complexas (Velho, 1994Velho, G. (1994). Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ). Por um período, a intenção de conseguir o sustento material e o sentimento de dever com sua família se sobrepôs ao seu desejo pessoal de fazer a faculdade de história. A estabilidade financeira que consegue no banco, ao mesmo tempo que parece uma incoerência, modifica seu campo de possibilidades, dando a ele a oportunidade de realizar seu ideal e se tornar professor de história.

A história de Felipe evidencia que os projetos de vida não são necessariamente estáveis ao longo da vida, mas tomam diferentes contornos de acordo com o campo de possibilidades (Velho, 1994Velho, G. (1994). Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. ) delineado em determinado momento histórico e contexto social e cultural, que são o cenário para a negociação de valores, motivações internas e escolhas pessoais.

Papel das emoções e sentimentos na construção dos projetos de vida

Como afirma Damásio ( 2018Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ), nossas escolhas são afetadas pelo repertório de emoções e sentimentos experimentados ao longo da vida, que qualificam e atribuem valores às experiências. Observamos nas narrativas de nossos entrevistados que as emoções e sentimentos da escala do prazer (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ) participam da construção de seus projetos de vida ao marcarem positivamente as experiências de dedicação e cuidado com o outro (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , Immordino-Yang & Damásio, 2016Immordino-Yang, M. H., & Damásio, A. R. (2016). We Feel Therefore We Learn: The Relevance of Affective and Social Neuroscience to Education. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.27-42). New York: W. W. Norton and Company. ), compondo um repertório intuitivo (Kahneman, 2012Kahneman, D. (2012). Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva. , Immordino-Yang & Faeth, 2016Immordino-Yang, M. H. & Faeth, M. (2016). The role of emotion and skilled intuition in learning. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.93-106). New York: W. W. Norton and Company. ) que organiza o self em direção à transcendência de si mesmo , dando contorno a formas de pensar, sentir e agir eticamente no mundo.

A princípio, essas emoções e sentimentos se organizam em modelos locais, que são construídos desde a infância a partir de situações concretas e pontuais, tendo sua operatividade restrita a esse contexto (Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. ). À medida que as experiências são revividas e ressignificadas, os modelos se ampliam, generalizam-se e se consolidam “no que chamamos de modelos matriciais, porque são as matrizes de onde partem para entender, avaliar e compreender o presente” (Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. , p. 33, tradução nossa).

Buscaremos, portanto, defender duas hipóteses a respeito do papel dos sentimentos na construção dos projetos de vida éticos: (1) as emoções e sentimentos de bem-estar, ao serem generalizados da experiência pessoal (de ser cuidado e cuidar de si) para a experiência coletiva (de cuidar do outro), contribuem para a construção de projetos de vida éticos; e (2) as emoções e sentimentos de dor e pesar da vida pessoal, ao serem generalizadas como indignação positiva e desejo de mudança da realidade coletiva, contribuem para a construção de projetos de vida éticos.

Emoções e sentimentos de bem-estar generalizados da experiência pessoal para a experiência coletiva

Edson vivencia o cuidado diligente de seus pais, familiares, professores e comunidade ainda muito pequeno. No ambiente simples da comunidade rural, apesar das dificuldades encontradas, vive uma infância marcada afetivamente pela liberdade e alegria, cercado de irmãos, primos, tios e tias com quem compartilha brincadeiras, afetos e ideias. Ainda criança, participa como ajudante de sua mãe, que é professora, no ensino de outras crianças, sentindo bem-estar nessa dedicação ao outro.

Eu tinha uma vida muito boa na minha comunidade, muitos amigos, muitos primos, uma família grande que interagia muito, então realmente foi uma infância muito feliz. . . . Sou de uma família de cinco irmãos, meu pai é agricultor, minha mãe é professora da rede municipal… eu gostava de acompanhar minha mãe… eu ia para a sala de aula dela as vezes, porque ela me levava para ajudar… nas férias, ela levava para nossa casa as crianças que não tinham aprendido a ler, que estavam com dificuldades e a gente ajudava. . . . eu me sentia bem naquele ambiente, desenvolvi um gosto.

Esses sentimentos experimentados na infância compõem o repertório intuitivo de Edson (Kahneman, 2012Kahneman, D. (2012). Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva. ; Immordino-Yang & Faeh, 2016Immordino-Yang, M. H. & Faeth, M. (2016). The role of emotion and skilled intuition in learning. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.93-106). New York: W. W. Norton and Company. ), construindo um conhecimento cognitivo-afetivo que se organiza em modelos organizadores do pensamento (Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. ). Tais modelos se ampliam e se generalizam quando, na juventude, Edson passa a fazer parte do coletivo de estudantes. Ele é beneficiado pela ação dos que compartilham seus conhecimentos, experimentando bem-estar por ser cuidado. Ali tem a responsabilidade de cuidar de si, estudar, dedicar-se aos seus estudos para entrar na universidade federal e tem sucesso no seu esforço, experimentando mais uma vez o bem-estar. Em seguida, tendo entrado na universidade, volta à comunidade e ensina os jovens, experimentando agora o bem-estar em beneficiar os outros.

Eu fui participar, eu não conhecia nada. Entrei na universidade e fui convidado a ajudar um grupo de outros estudantes a se preparar para entrar na universidade e primeiro eu comecei a fazer isso porque eu via também uma oportunidade de poder voltar para minha comunidade todos os finais de semana, porque era uma coisa importante para mim. Depois de um tempo eu comecei a entender que participar deste trabalho, era uma coisa que me fazia bem. A gente começa a desenvolver empatia pelas pessoas, a gente começa a ter interesse e sentir que pode contribuir com o desenvolvimento da nossa comunidade. Pode contribuir para mudar a realidade de outras pessoas, como a nossa está sendo mudada, transformada. Então é um sentimento muito bom de realização mesmo. Hoje . . . eu vejo que foi a grande oportunidade da minha vida, ter conhecido o movimento, ter convivido e conviver até hoje com pessoas tão boas e tão comprometidas na causa coletiva e não somente com você mesmo. Então eu vejo que tem um aprendizado enorme da importância que nós temos e podemos ter para melhorar a nossa comunidade.

Essas experiências, marcadas afetivamente por sentimentos de bem-estar, alegria, esperança e gratidão, funcionam como sinalizadores em cada momento de tomada de decisão de Edson (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ; Immordino-Yang & Damásio, 2016Immordino-Yang, M. H., & Damásio, A. R. (2016). We Feel Therefore We Learn: The Relevance of Affective and Social Neuroscience to Education. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.27-42). New York: W. W. Norton and Company. ). Quando ele decide continuar retornando à sua comunidade para ensinar os jovens, participar da fundação de uma escola comunitária na sua comunidade, opta por ser professor e diretor na rede pública e, enfim, escolhe fazer da luta pela educação pública de qualidade no seu estado um projeto de vida, todas essas decisões são orientadas pela sinalização de um sentimento de bem-estar.

Compreendido como um pensamento emocional (Immordino-Yang & Damásio, 2016Immordino-Yang, M. H., & Damásio, A. R. (2016). We Feel Therefore We Learn: The Relevance of Affective and Social Neuroscience to Education. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.27-42). New York: W. W. Norton and Company. ), não é uma emoção fugaz aleatória, mas parte constituinte de um modelo matricial de pensamento que, ao se ampliar e se generalizar da experiência individual para a coletiva, referencia seus pensamentos, sentimentos e ações em prol do bem comum (Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. ). O sentimento de bem-estar integra os objetivos pessoais de Edson com metas voltadas para a transformação social, de forma que não haja diferenciação entre suas metas voltadas para si e as para além de si (Colby & Damon, 1992Colby, A., & Damon, W. (1992). Some Do Care: Contemporary lives of moral commitment. New York: The Free Press. ), pois elas se integram e se retroalimentam em um modelo mais amplo de pensamento. Em outras palavras, podemos dizer que, ao generalizar o modelo de sua experiência pessoal à experiência coletiva, construindo um vínculo afetivo com o mundo mais amplo, Edson aprende a se importar com os outros.

Essa generalização, que marca a construção dos modelos matriciais e se manifesta na integração e retroalimentação (Morin, 2003Morin, E. (2003). A necessidade de um pensamento complexo. In C. Mendes, Representação e Complexidade (pp.69-78). Rio de Janeiro, RJ: Garamond. ) entre “metas para si” e “para além de si”, fica evidente também na fala de Alice sobre seu sentimento de realização e de crescimento pessoal na transformação de seu projeto pessoal em um projeto coletivo da escola:

Eu queria fazer um projeto, eu queria de verdade poder construir alguma coisa. . . . Nesse percurso, eu penso que para mim esse exercício foi uma construção. Quando eu cheguei nessa escola, por exemplo, tinha uma secretária que falava assim: “Alice, eu sonhei com você.” “É mesmo? O que você sonhou?” “Eu sonhei que você estava em cima de um trator e você apertava a primeira e ia para cima de todo mundo.” [risos]. . . . O quanto eu era radical e eu falava eu quero fazer isso eu vou fazer e ia pra cima de todo mundo, doa a quem doer. Hoje o quanto eu sei que eu tenho que ir negociando, o quanto eu tenho que cuidar do outro…. Então eu acho que tudo isso foi parte do processo.. . . . Isso é uma realização muito pessoal. Quando eu penso da onde eu parti para onde eu cheguei.

Alice foi uma menina de classe média que estudou em uma escola particular católica montessoriana de vanguarda. As experiências positivas vividas na escola, o engajamento no movimento da teologia da libertação e o bem-estar experimentado nos trabalhos voluntários são marcadores (Damásio, 1994Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ) que a levam, já no ensino médio, a ter o desejo de levar essa educação de vanguarda que viveu em sua experiência pessoal para os menos favorecidos. Alice encontra sua realização pessoal no exercício de um projeto de vida voltado para os outros, proporcionando às crianças uma educação que considere seus projetos de vida e percursos pessoais, seus sonhos e seu bem-estar. Ao mesmo tempo, encontra para si o que busca para eles: a felicidade, a possibilidade de escolher seu próprio percurso, de poder sonhar e tornar seu sonho uma realidade.

Ah [me sinto] totalmente feliz! . . . Quando eu comecei eu não sabia o que ia acontecer e era uma coisa muito de sonho. E de alguma forma eu pude construir esse sonho, torná-lo… [se emociona e chora] Eu consegui transforma-lo numa coisa presente, numa realidade, . . . Eu penso em ter pessoas mais felizes, pessoas que busquem os seus próprios projetos. Eu acho que as pessoas só podem ser felizes quando elas saem com a possibilidade da liberdade… [fica mais emocionada]. . . . O meu grande sonho é que todas as pessoas possam ter sonhos.

Ao realizar as metas para além de si, ela as realiza também para si, num processo que segue o ciclo retroativo apontado por Morin ( 2003Morin, E. (2003). A necessidade de um pensamento complexo. In C. Mendes, Representação e Complexidade (pp.69-78). Rio de Janeiro, RJ: Garamond. ), alimentado pelos sentimentos.

As emoções e sentimentos de bem-estar também integram as metas pessoais e coletivas na trajetória de Felipe:

Não posso considerar isso trabalho, é uma atividade que me dá prazer e que me preenche de tal forma que chamar isso de trabalho é sacanagem, [risos] é uma coisa muito prazerosa.. . . . É minha própria caminhada espiritual, o meu compromisso comigo mesmo, dentro das minhas práticas espirituais e o meu caminho rumo à iluminação. Que eu coloco verdadeiramente como o pano de fundo de tudo isso. Eu não consigo diferenciar minha atividade na escola, minha atividade no instituto, de tudo isso… Para mim, tudo é prática. . . . A minha prática de vida é a minha prática espiritual também, não há dissociação, por isso não é trabalho.

Felipe, assim como Alice, encontra na dedicação aos outros a realização da sua meta pessoal: a busca pela iluminação. E isso lhe traz uma satisfação tão profunda que, para ele, suas atividades não são um trabalho para os outros, mas a sua própria caminhada espiritual em busca da felicidade. O elo afetivo com a coletividade contribui para a generalização de seus modelos locais em modelos matriciais em que o bem-estar de si e do outro se retroalimentam, referenciando seus pensamentos, sentimentos e ações em prol do coletivo.

Sentimentos de dor e pesar pessoais generalizados em desejo de transformação da realidade coletiva

A caminhada desses educadores não é marcada apenas por sentimentos de bem-estar. Os da escala da dor (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ) também possuem um papel importante na construção de seus projetos de vida.

Eva relata uma experiência escolar marcada pela inadequação e pela violência, como narra no episódio em que a professora lhe agride com o estojo por ler uma palavra errada. É justamente aos alunos “inadequados” e excluídos do sistema escolar que Eva dedica seu projeto de vida. Os sentimentos de pesar e indignação vividos em sua experiência pessoal a conectam com as crianças que vivem essa mesma experiência na escola, promovendo uma busca positiva de transformação da realidade. Como afirma Damásio ( 2018Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ), o mal-estar sinaliza que há algo errado e que essa não é uma experiência que deve ser repetida, e sim transformada. Mas Eva não quer a transformação da realidade somente para si mesma, ela se identifica com o coletivo das crianças oprimidas e generaliza esse sentimento de indignação e questionamento em direção a uma ação em prol do bem coletivo.

Eu tive um problema sério de visão, eu passei por 20 cirurgias. Eu só não fiquei cega porque minha mãe não acreditou nisso. Aos sete anos eu descobri que já tinha uma miopia enorme. . . . Então acho que também por causa da minha deficiência, “quatro olhos”, óculos, me incomodava uma porção de coisas, e eu achava que eu também tinha que ajudar essas pessoas que precisavam de mais atenção. Essa coisa do social sempre me chamava atenção, eu sempre fui muito movida pelos excluídos. Quando o menino sofria muito bullying ou qualquer coisa, . . . eu pegava esses meninos, e não deixava [que fizessem mal para eles]. Era como se fosse assim, estão perto da Eva então está tudo bem.

No entanto, há algo a mais que permite à Eva ressignificar essa experiência. Fosse esse processo algo dado espontaneamente, todas as crianças que sofressem más experiências tornar-se-iam “naturalmente” transformadoras da realidade, mas, ao contrário, diversas pesquisas apontam que crianças que sofrem violência tendem a reproduzir essas experiências, tornando-se violentas (Adorno, 2002Adorno, S. (2002). Criança e adolescente e a violência urbana. São Paulo, SP: BEV-USP. ; OMS, 2016OMS – Organização Mundial da Saúde. (2016). Prevenindo a violência juvenil: um panorama das evidências. São Paulo, SP: NEV – USP. ). Portanto, nossa interpretação é de que Eva reconhece essas experiências de violência, e as generaliza ao coletivo de crianças e estudantes que sofrem violência (Marimón & Sastre, 2020Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa. ), construindo um modelo matricial que as compara ao conjunto de suas experiências, em que há um vasto repertório de cuidado, afeto e respeito. Esses são os sinalizadores (Damásio, 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ) que permitem que ela construa um modelo de mundo onde a violência é possível de ser transformada.

Apesar do sentimento de inadequação, Eva guarda o sentimento de pertencimento na família, que ela descreve como “uma família muito amorosa, que falava muito, brigava muito, discutia muito, gritava muito, mas no fim todo mundo terminava, na volta de uma mesa pra comer junto e confraternizar”. Esse repertório de sentimentos de bem-estar em suas vivências, segundo estamos buscando interpretar, servem de referência não apenas para que ela identifique e qualifique a experiência negativa enquanto tal como sugere Damásio ( 2003Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt. ), mas também para que ela possa almejar algo diferente, transformando a experiência negativa em luta.

Sendo assim, defendemos a leitura de que os sentimentos da escala da dor podem ter um papel importante na construção de projetos de vida éticos quando generalizados ao coletivo, permitindo a conexão com a dor do outro na construção de modelos matriciais que levam à significação da violência enquanto fenômeno pessoal e social, além da sua superação como projeto pessoal e coletivo.

Considerações finais

Observamos como fenômeno comum ao processo de construção dos projetos de vida éticos dos professores a integração de suas metas pessoais com aquelas para o bem comum, reguladas pelos sentimentos de bem-estar generalizado da experiência pessoal de serem cuidados e cuidarem de si e relacionados à experiência coletiva de cuidar do outro e pelos sentimentos de dor e indignação, igualmente generalizados da dor pessoal à dor coletiva, movendo os professores à sua superação não apenas enquanto busca pessoal, mas como promoção do bem coletivo.

Como implicação para a formação de professores e a construção de seus projetos de vida, destacamos, entre outras possibilidades, a necessidade de promover a reflexão sobre suas próprias histórias de vida e seus projetos, buscando proporcionar a conexão entre suas trajetórias pessoais e a de seus estudantes, auxiliando-os a expandirem suas experiências afetivas pessoais à experiência coletiva.

Promover o engajamento do professor em ações para o bem coletivo na escola, auxiliando-o a encontrar bem-estar e realização pessoal no exercício da profissão e valorizando e apoiando sua participação, suas iniciativas e seus projetos, por meio de uma gestão democrática e da construção de relações de cooperação entre eles, também parecem estratégias efetivas para a promoção do compromisso com a educação.

Referências

  • Andrews, M., Bundick, M., Jones, A., Bronk, K. C., Mariano, J. M., & Damon, W. (2006). Revised youth purpose interview. California: Stanford Center on Adolescence.
  • Arantes, V. A., & Pinheiro, V. P. G. (2021). Purposes in life of young Brazilians: identities and values in context. Estudos de Psicologia, 38, e200012. doi: 10.1590/1982-0275202138e200012
    » https://doi.org/10.1590/1982-0275202138e200012
  • Araújo, U. F., Arantes, V., & Pinheiro, V. (2020). Projetos de vida: fundamentos psicológicos, éticos e práticas educacionais. São Paulo, SP: Summus Editorial.
  • Adorno, S. (2002). Criança e adolescente e a violência urbana. São Paulo, SP: BEV-USP.
  • Berger, P. L., & Luckman, T. (2007). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento (27a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Boyle, P. A., Barnes, L. L., Buchman, A. S., & Bennett, D. A. (2009). Purpose in life is associated with mortality among community-dwelling older persons. Psychosomatic Medicine, 71(5), 574-579. doi: 10.1097/PSY.0b013e3181a5a7c0
    » https://doi.org/10.1097/PSY.0b013e3181a5a7c0
  • Boyle, P. A., Buchman, A. S., & Bennett, D. A. (2010). Purpose in life is associated with a reduced risk of incident disability among community-dwelling older persons. American Geriatric Psychiatry, 18(12), 1093-1102. doi: 10.1097/JGP.0b013e3181d6c259
    » https://doi.org/10.1097/JGP.0b013e3181d6c259
  • Bronk, K. C. (2014). Purpose in Life: A critical component of optimal human development. Berlin: Springer.
  • Bronk, K. C., & Finch, W. H. (2010). Adolescent characteristics by type of long-term aim in life. Applied Developmental Science, 14(1), 35-44. doi: 10.1080/10888690903510331
    » https://doi.org/10.1080/10888690903510331
  • Bronk, K. C., & Baumsteiger, R. (2017). The role of purpose among emerging adults. In L. M. Padilla-Walker, & L, J. Nelson (Orgs.), Flourishing in emerging adulthood: Positive development during the third decade of life (pp. 45-66). New York: Oxford Academic.
  • Bronk, K.C., Mitchell, C., Hite, B., Mehoke, S., & Cheung, R. (2020). Purpose Among Youth From Low-Income Backgrounds: A Mixed Methods Investigation. Child Development, 91(6), 1231-1248. doi: 10.1111/cdev.13434
    » https://doi.org/10.1111/cdev.13434
  • Bronk, K.C. (2020). The Importance of Purpose: theory, research, and application. In S. I. Donaldson, M. Csikszentmihalyi, & J. Nakamura (Eds.), Positive Psychological Science: Improving Everyday Life, Well-Being, Work, Education, and Societies Across the Globe (pp. 60-77). New York: Routledge.
  • Burrow, A. L, O’Dell, A. C., & Hill, P. L. (2010). Profiles of a developmental asset: Youth purpose as a context for hope and well-being. Journal of Youth and Adolescence, 39(11), 1265-1273. doi: 10.1007/s10964-009-9481-1
    » https://doi.org/10.1007/s10964-009-9481-1
  • Bundick, M. J. (2009). Increasing college students’ purpose in life. In Institute on College Student Values Conference. Tallahassee, Florida.
  • Bundick, M. J., & Tirri, K. (2014). Student perceptions of teacher support and competencies for fostering youth purpose and positive youth development: Perspectives from two countries. Applied Developmental Science, 18(3), 148-162. doi: 10.1080/10888691.2014.924357
    » https://doi.org/10.1080/10888691.2014.924357
  • Bundick, M. J., Remington, K, Morton, E., & Colby, A. (2021). The contours of purpose beyond the self in midlife and later life. Applied Developmental Science, 25(1), 62-82. doi: 10.1080/10888691.2018.1531718
    » https://doi.org/10.1080/10888691.2018.1531718
  • Burrow, A. L., Agans, J. P., & Rainone, N. (2018). Exploring purpose as a resource for promoting youth program engagement. Journal of Youth Development, 13(4), 164-178. doi: 10.5195/jyd.2018.601
    » https://doi.org/10.5195/jyd.2018.601
  • Colby, A., & Damon, W. (1992). Some Do Care: Contemporary lives of moral commitment. New York: The Free Press.
  • Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • Damásio, A. R. (2000). O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • Damásio, A. R. (2003). Looking for Spinosa: joy, sorrow and the feeling brain. New York: Houghton Miffling Hancourt.
  • Damásio, A. R. (2004). Emotions and feelings. In Feelings and emotions: The Amsterdam symposium (pp. 49-57). Cambridge: Cambridge University Press.
  • Damásio, A. R. (2018), A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura. São Paulo, SP: Companhia das Letras.
  • Damon W. (2008). The path to purpose: How young people find their calling in life. New York: The Free Press.
  • Damon, W., & Colby, A. (2015). The Power OF Ideals: the real story of moral choice. New York: Oxford University Press.
  • Damon, W., & Malin, H. (2020). The development of Purpose: An internacional perspective. In L.A. Jensen (Ed.), The Oxford Handbook of Moral Development: An Interdisciplinary Perspective (pp. 110-127). New York: Oxford University Press.
  • Damon, W., Menon, J., & Bronk, K. C. (2003/2019). The Development of Purpose During Adolescence. In J.L Furrow, & L. M. Wagener (Eds.). Beyond the Self: Perspectives on Identity and Transcendence Among Youth, a Special Issue of applied Developmental Science (pp.119-128). New York: Routledge.
  • Hill, P. L., Edmonds, G. W., Peterson M., Luyck, K., & Andrews, J. A. (2016). Purpose in Life in Emerging Adulthood: Development and Validation of a New Brief Measure. The Journal of Positive Psychology, 11(3), 237-245. doi: 10.1080/17439760.2015.1048817
    » https://doi.org/10.1080/17439760.2015.1048817
  • Hill, P. L., Burrow, A.L., & Bronk, K.C. (2016). Persevering with positivity and purpose: An examination of purpose commitment and positive affect as predictors of grit. Journal of Happiness Studies, 17(1), 257-269. doi: 10.1007%2Fs10902-014-9593-5
    » https://doi.org/doi: 10.1007%2Fs10902-014-9593-5
  • Immordino-Yang, M. H. (2016). Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience. New York: W. W. Norton and Company.
  • Immordino-Yang, M. H., & Damásio, A. R. (2016). We Feel Therefore We Learn: The Relevance of Affective and Social Neuroscience to Education. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.27-42). New York: W. W. Norton and Company.
  • Immordino-Yang, M. H. & Faeth, M. (2016). The role of emotion and skilled intuition in learning. In M. H. Immordino-Yang (Org.), Emotions, learning, and the brain: exploring the educational implications of affective neuroscience (pp.93-106). New York: W. W. Norton and Company.
  • Kahneman, D. (2012). Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.
  • Koshy, S. I., & Mariano, J. M. (2011). Promoting youth purpose: A review of the literature. New Directions for Youth Development, 2011 (132), 13-29. doi: 10.1002/yd.425
    » https://doi.org/10.1002/yd.425
  • Lapsley, D., & Narvaez, D. (Eds.). (2004). Moral development, self, and identity. New Jersey: LEA.
  • Machado, N. J. (2006). Educação: Projetos e Valores. São Paulo, SP: Escrituras.
  • Malin, H. (2018). Teaching for purpose: Preparing students for lives of meaning. Cambridge: Harvard Education Press.
  • Malin, H., Liauw, I., & Remington, K. (2019). Early adolescent purpose development and perceived supports for purpose at school. Journal of Character Education, 15(2), 1-20. Recuperado de: https://www.proquest.com/openview/5ac9311858463ae8c71af796b74105ce/1?pq-origsite=gscholar&cbl=27598
    » https://www.proquest.com/openview/5ac9311858463ae8c71af796b74105ce/1?pq-origsite=gscholar&cbl=27598
  • Marimón, M. M., Sastre, G., Bovet, M., & Leal, A. (1998). Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. Campinas, SP: Unicamp;
  • Marimón, M. M., & Sastre, G. (2020). Por qué vemos dinosaurios en las nubes: De las sensaciones a los modelos organizadores del pensamento. Barcelona: Gedisa.
  • Moran, S. (2017). Youth purpose worldwide: A tapestry of possibilities. Journal of Moral Education. 46(3), 231-244. doi: 10.1080/03057240.2017.1355297
    » https://doi.org/10.1080/03057240.2017.1355297
  • Moran, S. (2018). Purpose-in-action education: Introduction and implications. Journal of Moral Education, 47(2), 145-158. doi: 10.1080/03057240.2018.1444001
    » https://doi.org/10.1080/03057240.2018.1444001
  • Moran, S. (2021). Life purpose and intentionally being creative: A cultural-ecological feedback-loop perspective. In D. Schuldberg, R. Richards, & S. Guisinger (Eds.), Chaos and nonlinear psychology: Keys to creativity in mind and life (pp. 303-323). New York: Oxford University Press.
  • Moran, S., Bundick, M.J, Malin, H., & Reilly, T. S. (2012). How Supportive of Their Specific Purposes Do Youth Believe Their Family and Friends Are?. Journal of Adolescence Research, 28(3), 348-377. doi: 10.1177/0743558412457816
    » https://doi.org/10.1177/0743558412457816
  • Morin, E. (2003). A necessidade de um pensamento complexo. In C. Mendes, Representação e Complexidade (pp.69-78). Rio de Janeiro, RJ: Garamond.
  • Narvaez, D., & Lapsley, D. (2009). Moral identity, moral functioning, and the development of moral character. In D. M. Bartels, C. W. Bauman, L. J. Skitka, & D. L. Medin (Eds.), The Psychology of learning and motivation (vol. 50, pp. 237-274). Burlington: Academic Press.
  • OMS – Organização Mundial da Saúde. (2016). Prevenindo a violência juvenil: um panorama das evidências. São Paulo, SP: NEV – USP.
  • Seligman, M. (2018). PERMA and the building blocks of well-being. Journal of Positive Psychology, 13(4), 333-335. doi: 10.1080/17439760.2018.1437466
    » https://doi.org/10.1080/17439760.2018.1437466
  • Shao, R., Aquino, K., & Freeman, D. (2008). Beyond moral reasoning: A review of moral identity research and its implications for business ethics. Business Ethics Quarterly, 18(4), p. 513-540. Recuperado de https://www.jstor.org/stable/27673251
    » https://www.jstor.org/stable/27673251
  • Shiba, K., Kubzansky, L. D., Williams, D. R., VanderWeele, T. J., & Kim, E. S. (2021). Associations Between Purpose in Life and Mortality by SES. American Journal of Preventive Medicine, 60(5), 595-736. doi: 10.1016/j.amepre.2021.02.011
    » https://doi.org/10.1016/j.amepre.2021.02.011
  • Steptoe, A, & Fancourt, D. (2019). Leading a meaningful life at older ages and its relationship with social engagement, prosperity, health, biology, and time use. Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(4), 1207-1212. doi: 10.1073/pnas.1814723116
    » https://doi.org/10.1073/pnas.1814723116
  • Tirri, K., Moran, S., & Mariano, J. M. (2016). Education for purposeful teaching around the world. Journal of Education for Teaching, 42(5), 526-531. doi: 10.1080/02607476.2016.1226551
    » https://doi.org/10.1080/02607476.2016.1226551
  • Tirri, K, & Urbani, M. (2016). Education of Finnish student teachers for purposeful teaching. In L. Velle, Masterliness in the Teaching Profession (pp. 30-38). London: Routledge.
  • Tirri, K, & Kuusisto, E. (2021). The challenge of educating purposeful teachers in Finland. Education Sciences, 11(1), 29. doi: 10.3390/educsci11010029
    » https://doi.org/10.3390/educsci11010029
  • Velho, G. (1994). Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
  • 1
    A palavra self , do inglês, refere-se à dimensão do eu. Nesse artigo, optamos por manter o termo original pela falta de um vocabulário na língua portuguesa que expresse o mesmo significado.
  • 2
    Os nomes dos participantes e escolas foram modificados ou omitidos para garantir o sigilo dos participantes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2024
  • Aceito
    13 Maio 2024
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br