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Redes sociais significativas de familiares no processo de luto antecipatório no contexto dos cuidados paliativos

Significant family social networks in the anticipatory mourning process within palliative care

Les réseaux sociaux familiaux significatifs dans le processus de deuil anticipé en soins palliatifs

Redes sociales significativas en el proceso de duelo anticipatorio de los cuidadores familiares, en el contexto de los cuidados paliativos

Resumo:

O objetivo deste estudo qualitativo foi caracterizar a estrutura e as funções das redes sociais significativas no processo de luto antecipatório de familiares cuidadores no contexto dos cuidados paliativos. Utilizou-se a entrevista semiestruturada e o Mapa de Redes com 14 familiares cuidadores que estavam acompanhando pacientes em um hospital oncológico do Sul do Brasil. Os dados foram organizados e analisados com base na Grounded Theory e com auxílio do software ATLAS.ti 7.5. Os resultados indicaram a prevalência de redes de tamanho médio e grande, além do predomínio dos membros da rede familiar. As principais funções desempenhadas pelos membros das redes foram de ajuda material e de serviços e apoio emocional. Este estudo evidencia a importância da visibilização das redes sociais significativas como recursos de intervenção em saúde, que promovem apoio material, cognitivo e emocional durante o processo dos cuidados paliativos, principalmente quanto à elaboração do luto antecipatório.

Palavras-chave:
cuidados paliativos; luto; luto antecipatório; redes sociais; suporte social

Abstract:

This qualitative study characterizes the structure and functions of significant social networks in the anticipatory mourning process of family caregivers within palliative care. Data were collected by means of semi-structured interviews and the Map of Networks conducted with 14 family caregivers at an Oncology Hospital in southern Brazil, and then organized and analyzed by Grounded Theory using the ATLAS.ti 7.5 software. Results showed a prevalence of medium and large-sized networks, as well as the predominance of family network members. Material help and services and emotional support were the main functions performed by network members. This study highlights the importance of making meaningful social networks visible as health intervention resources that provide material, cognitive and emotional support during palliative care, especially in regards to anticipatory grief.

Keywords:
palliative care; grief; anticipatory mourning; social networks; social support

Résumé :

Cette étude qualitative caractérise la structure et les fonctions des réseaux sociaux significatifs dans le processus de deuil anticipé des aidants familiaux dans le cadre des soins palliatifs. Les données ont été recueillies par des entretiens semi-structurés et de la carte des réseaux réalisées avec 14 aidants familiaux de patients dans un hôpital d’oncologie du sud du Brésil, puis organisées et analysées selon la théorie ancrée. Les résultats montrent une prévalence des réseaux moyens et grands, ainsi que la prédominance des membres du réseau familial. L’aide et les services matériels et le soutien émotionnel sont les principales fonctions remplies par les membres du réseau. Cette étude souligne l’importance de faire apparaître les réseaux sociaux significatifs comme des ressources d’intervention en santé qui apportent un soutien matériel, cognitif et émotionnel au cours de soins palliatifs, notamment en ce qui concerne le deuil anticipé.

Mots-clés :
soins palliatifs; deuil; deuil anticipe; réseaux sociaux; soutien social

Resumen:

El objetivo de este estudio cualitativo fue caracterizar la estructura y las funciones de las redes sociales significativas en el proceso de duelo anticipatorio de los cuidadores familiares, en el contexto de los cuidados paliativos. Se utilizaron entrevista semiestructurada y Mapa de Redes con 14 cuidadores familiares de pacientes en un Hospital de Oncología del sur de Brasil. Los datos se organizaron y para su análisis se aplicó la Grounded Theory, con el uso del software ATLAS.ti 7.5. Se observó la prevalencia de redes medianas y grandes, y predominio de miembros de la red familiar. Las principales funciones desempeñadas por los integrantes de las redes fueron la ayuda material y los servicios y el apoyo emocional. Este estudio destaca la importancia de visibilizar redes sociales significativas como recursos de intervención en salud, que brindan apoyo material, cognitivo y emocional durante el proceso de cuidados paliativos, especialmente en la preparación del duelo anticipatorio.

Palabras clave:
cuidados paliativos; duelo; duelo anticipatorio; redes sociales; apoyo social

Introdução

Tendo em vista a expressiva incidência das doenças crônicas, nas últimas décadas, os cuidados paliativos ganham destaque como uma proposta de promoção da qualidade de vida, aos pacientes, familiares e cuidadores. Para tanto, configuram-se como cuidados ativos holísticos, que visam oferecer ampla assistência, desempenhada por uma equipe multidisciplinar, a pessoas em intenso sofrimento em decorrência de doença grave, durante todo o percurso desta (“Palliative…”, 2018 Palliative care definition. (2018). International Association for Hospice and Palliative Care. Recuperado de https://bit.ly/3u5SKu0
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).

Nesse contexto, diante de uma doença grave, os familiares tendem a vivenciar o processo de luto antecipatório mediante a possibilidade de perda do ente querido. Esse processo se constitui a partir da consciência e integração da morte da pessoa, mesmo que haja períodos de negação em relação a tal possibilidade. Nesse sentido, a aproximação da finitude do paciente provoca nos familiares uma variedade de emoções e sentimentos que se assemelham aos do luto pós-morte, tais como sofrimento, ansiedade, raiva, culpa e solidão (Worden, 2013Worden, J. W. (2013). Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental (A. Zilberman, L. Bertuzzi, S. Smidt, Trad., 4a ed.). São Paulo, SP: Roca ).

Diante disso, as redes sociais significativas podem favorecer essa vivência, ao proporcionar o senso de compartilhamento e a diminuição do estresse relativo a eventos vitais como o adoecimento crônico e o processo de fim de vida. De acordo com Sluzki ( 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ), as redes sociais significativas se referem ao conjunto das pessoas consideradas pelo indivíduo como importantes no seu universo relacional, tais como os familiares, amigos, pessoas da comunidade, colegas de trabalho e/ou estudo e profissionais dos serviços de saúde. Estes últimos, somados a outros membros da rede de suporte institucional e de organizações formais, são aqui considerados componentes da rede de suporte social , a qual desenvolve funções tanto emocionais quanto materiais. Essas funções, que visam promover saúde, podem ser realizadas por meio de práticas de prestação de serviços, contribuindo para diminuição do estresse e o aumento do bem-estar do sujeito (Ornelas, 2008Ornelas, J. (2008). Psicologia comunitária. Lisboa, Portugal: Fim de Século. ).

Os membros das redes sociais significativas desempenham papéis que favorecem o acolhimento do indivíduo, o compartilhamento de atividades, o auxílio na resolução de questões e a abertura para novas relações. As funções, de acordo com Sluzki ( 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ) são caracterizadas como: companhia social , cuja a finalidade é “estar com”, de modo próximo; apoio emocional , que se encarrega do apoio, compreensão, empatia e compartilhamento; guia cognitivo e de conselhos , o qual oferece um protótipo de papel a ser seguido e o compartilhamento de informações pessoais ou sociais; regulação ou controle social , que medeia a resolução de conflitos na ratificação de papeis e responsabilidades e ao neutralizar divergências de comportamentos que se contrapõem à expectativa coletiva; ajuda material e de serviços , em que se proporciona auxílio prático, ou seja, acesso a conhecimentos específicos, serviços de saúde ou ajuda física; e acesso a novos contatos , os quais favorecem a aproximação de novas pessoas e vínculos. Nessa direção, os atributos dos vínculos podem ser analisados conforme a função predominante, isto é, qual função o membro desempenha prioritariamente, e com base na multidimensionalidade, ou seja, a quantidade de funções ofertadas por cada membro. Em termos estruturais, as redes sociais podem ser avaliadas por seu tamanho, que pode ser pequeno, médio ou grande (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ).

Outra propriedade relativa à caracterização da estrutura da rede refere-se à densidade, que representa o grau de relação e/ou vínculo entre as pessoas, independentemente do informante. Já o modo como essas pessoas estão dispostas na rede, quanto à proximidade com o indivíduo, diz sobre a composição ou distribuição das pessoas na rede, e a dispersão representa a distância geográfica entre os membros. As características dos membros, tais como idade, sexo, cultura e nível socioeconômico, são relativas à homogeneidade ou heterogeneidade da rede em termos demográficos e socioculturais (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ).

Com relação à participação da rede social nos cuidados paliativos, o estudo de Arber, Hutson, Vries e Guerrero ( 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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), cujos participantes foram familiares cuidadores de pacientes com tumor cerebral, demonstrou que os membros da família e os amigos foram as pessoas que mais disponibilizaram apoio, e os vizinhos se prontificaram a assistir o paciente e atuar no caso de alguma crise, permitindo aos cuidadores trabalhar em tempo parcial. Para Lewis, DiGiacomo, Currow e Davidson ( 2014Lewis, J. M., DiGiacomo, M., Currow, D. C., & Davidson, P. M. (2014). Social capital in a lower socioeconomic palliative care population: A qualitative investigation of individual, community and civic networks and relations. BMC Palliative Care, 13, Artigo 30. doi: 10.1186/1472-684X-13-30
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), o auxílio dos vizinhos, por exemplo, cortando a grama e preparando refeições, foi considerado importante para os familiares conseguirem prestar o cuidado ao paciente. Os mesmos estudos também destacaram a disponibilidade dos vizinhos em conversar. Por outro lado, ressalta-se a sensação de desconexão com a comunidade, o que encontra correspondência no relato dos familiares no estudo de Gott et al. ( 2018Gott, M., Wiles, J., Moeke-Maxwell, T., Black, S., Williams, L., Kerse, N., & Trussardi, G. (2018). What is the role of community at the end of life for people dying in advanced age? A qualitative study with bereaved family carers. Palliative Medicine, 32(1), 268-275. doi: 10.1177/0269216317735248
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), em que os cuidadores mencionaram ter se sentido pouco apoiados pelos membros da rede comunitária. A pouca participação de indivíduos da comunidade na vivência do luto dos familiares também foi observada no estudo de Luna e Moré ( 2020Luna, I. J., & Moré, C. L. O. O. (2020). Redes pessoais significativas e os recursos de enfrentamento no luto. Saúde & Transformação Social, 11(1), 91-104. ).

A pesquisa de Benkel, Wijk e Molander ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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) revelou que parentes e amigos foram quem mais contribuiu com os cuidadores de pacientes que morreram durante os cuidados paliativos, e mais da metade dos entrevistados relatou ter recebido apoio emocional de suas famílias e dos amigos. Para os pais de crianças em cuidados de fim de vida (Eskola, Bergstraesser, Zimmermann, & Cignacco, 2017Eskola, K., Bergstraesser, E., Zimmermann, K., & Cignacco, E. (2017). Maintaining family life balance while facing a child’s imminent death: A mixed methods study. Journal of Advanced Nursing, 73(10), 2462-2472. doi: 10.1111/jan.13304
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), o auxílio para as atividades domésticas e o apoio durante o luto foram considerados essenciais. Os resultados apontaram que, para os pais, a ajuda recebida dos amigos através do cuidado com as crianças e com a elaboração da comida contribuíram para que eles passassem mais tempo com o filho adoecido.

Em consonância a isso, pesquisas realizadas com familiares de pacientes mostraram a participação das redes sociais no contexto de fim de vida e cuidados paliativos. O estudo de Canaway, Al-Janabi, Kinghorn, Bailey e Coast ( 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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) indicou o apoio emocional disponibilizado pela família, amigos, colegas, serviços de caridade e religiosos como facilitador dessa experiência. Já o estudo de Williams et al. ( 2011Williams, A. M., Eby, J. A., Crooks, V. A., Stajduhar, K., Giesbrecht, M., Vuksan, M., Cohen, S. R., Brazil, K., & Allan, D. (2011). Canada’s compassionate care benefit: Is it an adequate public health response to adressing the issue of caregiver burden in end-of-life care? BMC Public Health, 11, Artigo 335. doi: 10.1186/1471-2458-11-335
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) destacou a ajuda dos empregadores através do acesso a folgas para permanecerem com o paciente. Em contrapartida, a pesquisa de Roij, Brom, Youssef-El Soud, Poll-Franse, & Raijmakers ( 2018Roij, J., Brom, L., Youssef-El Soud, M., Poll-Franse, L., & Raijmakers, N. J. H. (2018). Social consequences of advanced cancer in patients and their informal caregivers: A qualitative study. Supportive Care in Cancer, 27, 1187-1195. doi: 10.1007/s00520-018-4437-1
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) revelou que o apoio emocional percebido foi insuficiente.

Diante disso, o apoio dos membros da família e dos amigos funcionou como uma maneira de manejar o estresse, enquanto a ausência de apoio foi considerada um dos principais elementos para sua potencialização, além do sentimento de sobrecarga (Williams et al., 2011Williams, A. M., Eby, J. A., Crooks, V. A., Stajduhar, K., Giesbrecht, M., Vuksan, M., Cohen, S. R., Brazil, K., & Allan, D. (2011). Canada’s compassionate care benefit: Is it an adequate public health response to adressing the issue of caregiver burden in end-of-life care? BMC Public Health, 11, Artigo 335. doi: 10.1186/1471-2458-11-335
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). Nessa perspectiva, é possível que pessoas de fora da família (Gott et al., 2018Gott, M., Wiles, J., Moeke-Maxwell, T., Black, S., Williams, L., Kerse, N., & Trussardi, G. (2018). What is the role of community at the end of life for people dying in advanced age? A qualitative study with bereaved family carers. Palliative Medicine, 32(1), 268-275. doi: 10.1177/0269216317735248
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), familiares e amigos ajam de modo a evitar o contato com o cuidador principal, levando-o a se sentir pouco amparado (Arber et al., 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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).

Em relação à rede de suporte social/institucional, 40% dos familiares do estudo de Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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) relataram receber auxílio dos profissionais, de maneira complementar ao apoio disponibilizado pelas redes sociais. Aqueles participantes cuja rede social era menos atuante demonstraram ter maior necessidade de apoio profissional, e um terço dos entrevistados expressou a necessidade deste apoio no período mais próximo da morte do paciente (Benkel et al., 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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). Dessa maneira, os profissionais podem exercer um papel fundamental ao escutar, acolher e validar os sentimentos dos familiares, atuando como elemento para a proteção de dificuldades na elaboração do luto (Braz & Franco, 2017Braz, M. S., & Franco, M. H. P. (2017). Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(1), 90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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).

Worden ( 2013Worden, J. W. (2013). Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental (A. Zilberman, L. Bertuzzi, S. Smidt, Trad., 4a ed.). São Paulo, SP: Roca ) frisa a importância do apoio da rede social durante o luto, e a atuação das redes, para Luna e Moré ( 2020Luna, I. J., & Moré, C. L. O. O. (2020). Redes pessoais significativas e os recursos de enfrentamento no luto. Saúde & Transformação Social, 11(1), 91-104. ), favorece os recursos de enfrentamento da perda. Assim, entende-se que a importância das redes pode ser pensada também durante a vivência do luto antecipatório, haja vista a sustentação de outras pesquisas, como de Rogalla ( 2018Rogalla, K. B. (2018). Anticipatory grief, proactive coping, social support, and growth: Exploring positive experiences of preparing for loss. Journal of Death and Dying, 81(1), 107-129. doi: 10.1177/0030222818761461
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). Seus achados evidenciaram a relação entre crescimento pessoal (capacidade de adaptar-se melhor, tornar-se resiliente e compreensivo) e apoio social, ao passo que buscar e ter acesso a esse apoio foi associado ao crescimento pessoal do familiar. De outro lado, o estudo de Burke et al. ( 2015Burke, L. A., Clark, K. A., Ali, K. S., Gibson, B. W., Smigelsky, M. A., & Neimeyer, R. A. (2015). Risk factors for anticipatory grief in family members of terminally ill veterans receiving palliative care services. Journal of Social Work in End-of-Life & Palliative Care, 11(3-4), 244-266. doi: 10.1080/15524256.2015.1110071
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) destacou que a ausência de apoio foi relacionada a dificuldades de elaboração do luto antecipatório.

Diante das considerações sobre a temática, realizou-se uma busca por publicações, em bases de dados, que versassem sobre os cuidados paliativos, redes sociais e luto antecipatório, o que evidenciou uma lacuna na produção científica, pois a escassa publicação está focada no paciente. Em especial, aponta-se que a perspectiva das redes é pouco explorada nos estudos de luto antecipatório, no contexto dos cuidados paliativos. A partir disso, objetivou-se caracterizar a estrutura e funções das redes sociais significativas no processo de luto antecipatório de familiares cuidadores, no contexto dos cuidados paliativos.

Nesse sentido, destaca-se a relevância de produzir embasamento teórico e científico relativo aos familiares, buscando melhor caracterizar as funções das redes, a fim de favorecer as intervenções em saúde com estes familiares cuidadores e auxiliar o manejo do luto antecipatório, a partir da identificação das potencialidades das redes sociais. Com isso, sinaliza-se que este estudo avança no sentido de visibilizar a concepção das redes configuradas, aprofundando as perspectivas de redes e as funções que estas desempenham no processo de luto antecipatório.

Método

Participaram deste estudo qualitativo 14 familiares de pacientes em cuidados paliativos, assistidos por um hospital oncológico, na região Sul do Brasil. A caracterização dos participantes consta nas Tabelas 1 e 2 .

Tabela 1.
Caracterização sociodemográfica dos participantes familiares cuidadores

Tabela 2.
Caracterização da situação referente ao adoecimento e cuidado desempenhado

A coleta de dados se realizou por meio de observação participante, entrevista semiestruturada e Mapa de Redes. A observação participante, com registro em diário de campo, durou, aproximadamente, sete semanas. Após, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os familiares cuidadores, por meio de um roteiro, com itens norteadores que contemplavam: dados sociodemográficos; significados atribuídos aos cuidados paliativos e ao processo de adoecimento do paciente diante da possibilidade de morte; estratégias de enfrentamento utilizadas; tomadas de decisões e conversações desenvolvidas sobre a morte.

Em um momento inicial, era explicado ao participante que, além das questões inerentes à entrevista, havia um segundo momento, constituído pela aplicação do Mapa de Redes. O Mapa de Redes é composto por três círculos concêntricos. Um círculo interno, no qual se situam as relações íntimas ou cotidianas; um círculo intermediário, que se refere às relações com menor grau de intimidade; e um círculo externo, representado pelas relações ocasionais ou com conhecidos (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ). Os quatro quadrantes do Mapa de Redes representam a família, amizade, relações comunitárias e relações de trabalho ou estudo ( Figura 1 ). Cabe mencionar que foi realizada a adaptação de um Mapa, incluindo a subseção internet, a pedido de um dos participantes.

Figura 1.
Mapa de Redes de Sluzki

O Mapa de Redes foi subsidiado pela entrevista semiestruturada e teve por objetivo conhecer quem eram as pessoas significativas naquele momento da vida dos participantes e entender de que forma os auxiliavam. Ao finalizar o roteiro da entrevista, perguntava-se ao participante se ele estava bem para prosseguir ou se desejava retomar em outro momento. Com exceção de dois participantes, todos quiseram seguir com a construção.

Os dados que emergiram da coleta foram analisados e organizados com o auxílio do software ATLAS.ti 7.5 para dados qualitativos, conforme os pressupostos da Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada (L. O. Rocha, Trad., 2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. ), através dos procedimentos de codificação aberta, axial e seletiva, que possibilitaram a identificação dos elementos das narrativas e o agrupamento em categorias de análise iniciais. Em seguida, realizou-se o reagrupamento dos elementos, relacionando categorias e subcategorias, refinando e integrando os dados e construindo as categorias inter-relacionadas a partir da compreensão do fenômeno central.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do hospital e Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob parecer número CAAE: 03196118.2.0000.0121. A fim de preservar o sigilo das informações, os participantes foram identificados pela letra P, seguida pelo número de ordem da entrevista.

Características estruturais das redes configuradas

O conjunto de características estruturais das redes sociais significativas, configuradas em torno dos 14 familiares cuidadores participantes deste estudo, são descritas a partir do tamanho, distribuição, dispersão e multidimensionalidade. Cabe mencionar que, por meio de um cálculo, com base no total de membros dos Mapas, foi estabelecida uma média entre 12 e 13 pessoas. A partir disso, os Mapas compostos de 10 até 13 membros foram considerados de tamanho médio, acima de 13, de tamanho grande, e abaixo de 10, de tamanho pequeno. Os grupos mencionados pelos participantes receberam valoração igual a um na contabilização dos membros, haja vista que não houve a nominação das pessoas.

Conjunto de propriedades das redes sociais significativas

Em relação ao tamanho das redes, seis participantes tinham redes grandes, com 14 a 31 membros, e seis participantes (P1, P6, P9, P11, P13 e P14) tinham as redes médias, com 10 a 13 membros. Outros dois participantes, P7 e P12, tinham redes pequenas, contendo 6 e 5 membros, respectivamente.

O conjunto das redes individuais revelou um total de 168 membros e 13 grupos, somando o total de 181 conexões. No que tange à distribuição desses vínculos: a) 84 membros estavam nas relações da família; b) 34 membros e 3 grupos, nas relações de amizade, mais 1 grupo da subseção da internet; c) 19 membros e 2 grupos nas relações da comunidade; d) 18 membros e 5 grupos nas relações com os serviços de saúde e/ou assistenciais; e e) 13 membros e 2 grupos nas relações de trabalho e/ou estudo. Em relação à dispersão, observou-se que: a) 67 pessoas e 4 grupos estavam no círculo 1; b) 73 pessoas e 4 grupos estavam no círculo 2; c) 28 pessoas e 5 grupos estavam no círculo 3 ( Figura 2 ).

Figura 2.
Mapa de Redes geral dos participantes familiares cuidadores

Referente à multidimensionalidade dos vínculos, os membros da família desempenharam o total de 110 funções, seguidos pelos amigos, com 54 funções, e pelos serviços assistenciais e de saúde, com 34 funções. As relações comunitárias apresentaram vínculos com 26 funções, e as relações de trabalho e estudo foram descritas com 20 funções. Os resultados mostraram que 54 pessoas desempenharam mais de uma função, e o total de funções desempenhadas pelos membros de todas as redes foi 244. Deste número, 108 foram funções de ajuda material e de serviços, 92 foram de apoio emocional, 20 foram de companhia social, 17, de guia cognitivo e de conselhos e 7, de regulação social, e não houve menção de acesso a novos contatos. Cabe destacar que as funções predominantes nos quadrantes da família, comunidade e serviços assistenciais e de saúde foram as de ajuda material e de serviços, seguidas pelo apoio emocional. Já nas relações de amizades e com colegas de trabalho e/ou estudo, prevaleceu a função de apoio emocional, seguida pela de ajuda material e de serviços.

Rede da família

O conjunto das propriedades indicou que as relações familiares foram predominantes, com 84 membros – 46,4% do total –, além de terem desempenhado o maior número de funções (110). Dentre as pessoas citadas, destacam-se: irmão(ã), namorado/cônjuge, filhos(as), primos, vó, tios(as), sogro(a), irmão deste, sobrinho, madrinha, cunhada, cuidadora do paciente, amiga, além do paciente, que era pai da participante. Estas pessoas foram alocadas predominantemente no círculo íntimo, no qual figuraram 46 membros, seguido pelo círculo das relações com menor grau de intimidade, com 27 membros, e por 11 membros no círculo das relações ocasionais.

Observa-se que, além da família atual e da extensa, os participantes também incluíram pessoas que consideraram parte da família. A entrevistada P5 adicionou uma amiga, a quem considerava como uma “ segunda mãe ”, assim como P6, que disse ter um relacionamento muito próximo com uma amiga e um amigo da família, o qual, naquele momento, estava morando na mesma casa que ela. P13 incluiu a cuidadora formal do paciente, que também era cunhada dele, pois, de acordo com o participante, ela “ já era da família ”. Cabe mencionar que P1 não incluiu ninguém nesta rede e P4 colocou, junto a si, o cachorro.

Observando o predomínio das funções desempenhadas

Os membros da rede da família dos participantes desempenharam a função de ajuda material e de serviços (54 membros), uma vez que auxiliavam nas demandas pessoais, como comprar remédios, dar caronas, cuidar e levar os filhos na escola, e também naquelas relativas às tarefas domésticas e familiares, como varrer a casa, lavar a louça e fazer comida. Além disso, destaca-se o auxílio diante das tarefas referentes ao paciente, como ajudar financeiramente nas despesas, levá-lo para o hospital e consultas, dar banho, fazer curativos, oferecer ajuda para acessar os médicos e os medicamentos e revezar turnos para prestar assistência ao paciente.

O apoio emocional (34 membros) foi sentido por meio do ato de “ segurar a mão um do outro ”, como um alicerce para o familiar, ou por palavras e gestos de carinho, ao buscar saber e preocupar-se em com o estado do cuidador, “ dando força ” e se disponibilizando para conversar. Os membros desta rede também convidavam os familiares cuidadores para sair, tomar um café, ir ao shopping, caracterizando tais ações na função de companhia social. Ainda, visualizou-se a função de guia cognitivo e de conselhos, quando P11, por exemplo, mencionou que recorreria aos tios para obter informações e opiniões sobre a doença do paciente. Já a função de regulação social foi descrita nas situações em que os familiares atuaram como mediadores de conflitos ou chamando a atenção dos cuidadores para a necessidade de descansarem e cuidarem de sua saúde. Sob outra perspectiva, houve relatos de ausência de apoio dos familiares para auxiliar no cuidado com o paciente e pouca ativação da rede familiar, como destacado por P7, que tinha receio de prejudicar o emprego dos filhos ao acioná-los, além de considerar que ela e o marido “ ficavam em último plano ”.

Rede das amizades

A rede das amizades foi a segunda mais numerosa, com um total de 34 membros e 4 grupos, contando a da subseção da internet (20,99%). Destas pessoas, 10 membros e 2 grupos estavam no círculo mais próximo, enquanto 18 membros estavam no círculo intermediário e 6 membros e 2 grupos no círculo mais distante.

Foram incluídos amigos, um chefe do trabalho do participante e outro do paciente, uma enfermeira, uma faxineira da instituição, grupos da igreja e amigos(as) do(a) paciente. O grupo de pastores no WhatsApp, pertencente a subseção da internet, foi acrescentado por P1, haja vista um vídeo divulgado no qual ele contava as dificuldades que estava enfrentando junto com a esposa. Cabe mencionar que P7, P11 e P12 não apontaram ninguém na rede das amizades.

Observando o predomínio das funções desempenhadas

Os amigos desempenharam 54 funções, dentre as quais se destaca a de apoio emocional (28 membros), ofertado à medida que perguntavam como o familiar cuidador estava, buscavam tirá-lo “ do contexto da doença ”, mostrando-se presentes, colocando-se à disposição, acolhendo-o e possibilitando que ele desabafasse, como exemplifica a fala de P8: “ Acho que as amizades foram um ponto bem forte que eu encontrei no pessoal do grupo de jovens um apoio que… talvez eu não tive na minha família, sabe ”. A função de ajuda material e de serviços (15 membros) foi realizada por meio do auxílio financeiro, nas despesas da família e nas relativas ao paciente, e “ dando serviço ”, no caso do chefe. Merece destaque o grupo do WhatsApp mencionado por P1, em que inúmeras pessoas da mesma comunidade religiosa do participante depositaram valores na sua conta bancária, a fim de colaborar com os gastos financeiros da família. Segundo ele, o vídeo teve grande alcance, ainda que ele não conhecesse as pessoas que faziam parte do grupo virtual.

Além disso, os amigos convidavam os familiares para sair, para beber, comer, se distrair e “ tirar o foco ”, desempenhando a função de companhia social. As relações de amizade também funcionaram como guia cognitivos e de conselhos ao, por exemplo, recomendarem que o cuidador buscasse outras opiniões médicas sobre o estado de saúde do paciente. Por outro lado, houve relatos de decepção e ausência do apoio das amizades ao sentirem que os amigos não agiram conforme esperavam ou por não terem demonstrado apoio.

Rede da comunidade

Referente às relações comunitárias, constaram 19 membros e 2 grupos, o equivalente a 11,6% do total dos vínculos significativos. Estes membros foram distribuídos em: 2 membros, no primeiro círculo; 12 membros e 1 grupo no segundo círculo; 5 membros e 1 grupo no terceiro círculo. Nesta rede, foram incluídos pessoas e grupos da igreja, vizinhos, funcionários, uma médica e assistentes sociais. P4 e P14 não mencionaram ninguém.

Observando o predomínio das funções desempenhadas

Os membros da comunidade desempenharam um total de 26 funções, em especial, a de ajuda material e de serviços (16 membros), chamando a ambulância quando o paciente passou mal, cuidando das crianças, fornecendo itens de higiene ou prestando atenção ao paciente. Já o apoio emocional (10 membros) foi percebido, pelos familiares cuidadores, ao “ ajudar em oração ”, colocar-se à disposição para “ chamar, independente do horário ” e ao poder dividir as “ angústias e tristezas ”. Em contrapartida, os entrevistados relataram relações comunitárias “ não fortes o suficiente ”, além da decepção com a comunidade da igreja, por não terem disponibilizado o apoio esperado.

Rede dos serviços de saúde e/ou assistenciais

Nas relações com os serviços de saúde e/ou assistenciais foram mencionados 18 membros e 5 grupos, representando 12,7% do total das pessoas significativas. Estas foram distribuídas em: 4 membros e 1 grupo, no primeiro círculo; 10 membros e 3 grupos no segundo círculo; 4 membros e 1 grupo no terceiro círculo. Compuseram essa rede: a copeira, funcionários do administrativo, médicos, enfermeiros, psicóloga, assistente social, grupo de técnicos em enfermagem e de profissionais, os quais prestavam assistência no ambulatório da instituição. Ainda, P6 mencionou que se tratava de toda a equipe da instituição, “ desde as meninas da limpeza, até o m édico, enfermeiro, todos, a equipe do hospital em si ”. Seis participantes não indicaram ninguém como figura significativa nesta rede.

Observando o predomínio das funções desempenhadas

Os membros desta rede desempenham o total de 34 funções, dentre as quais se destaca a de ajuda material e de serviços (17 membros), percebida pelos familiares cuidadores com base na prestação de um cuidado técnico, no esclarecimento de dúvidas, informações sobre o funeral e no auxílio para obtenção de recursos materiais para o cuidado. O apoio emocional (11 membros) ofertado pelos profissionais refere-se a ações como de oferecer conforto, uma “ palavra amiga ”, de demonstrar preocupação com o cuidador, como expressou P5: “ mas ela se preocupou bastante comigo, da minha situação, de não adoecer, de ficar com o peso todo em cima de mim. Então isso aí foi legal, porque eu vi a preocupação dela comigo ”. Como guia cognitivo e de conselhos, os membros desta rede atuaram auxiliando com opiniões e orientações, solicitadas pelos familiares, em relação às condutas com o paciente.

Rede de trabalho e dos estudos

A rede de trabalho e dos estudos foi composta por 13 membros e 2 grupos, o equivalente a 8,28% do total de pessoas das redes sociais significativas dos participantes. Quatro membros foram alocados no círculo 1; 7 membros e 1 grupo, no círculo 2; 2 membros e 1 grupo, no círculo 3. Foram mencionados amigos, colegas e ex-colegas de trabalho, pacientes – clientes da P3 – chefes e ex-chefes. Cinco participantes não incluíram ninguém nestas relações.

Observando o predomínio das funções desempenhadas

Os membros desta rede desempenharam 20 funções, em especial a de apoio emocional (9 membros), ao se colocarem disponíveis para conversar e ouvir, por meio de “ incentivo emocional ”, por parte de uma colega, por exemplo, a qual havia passado por situação semelhante. Também, ao perguntarem como os familiares e pacientes estavam se sentindo, ao ofertarem amparo emocional, colocando-se à disposição, e ao tranquilizar os cuidadores em relação a seu emprego.

Além disso, prestaram ajuda material e de serviços (6 membros), ao proporcionar que o familiar cuidador trabalhasse a distância, e “ financeiramente, se precisasse botar gasolina no carro, eu levava lá, abasteciam, me ajudavam bastante ” (P13). Ainda, os membros desta rede desempenharam a função de companhia social, ao estar junto, fazer brincadeiras e ajudar a “espairecer”.

A percepção dos familiares cuidadores acerca da rede do paciente e suas implicações

Nas narrativas dos participantes e nos Mapas de P2, P3, P5, P8, P10, P11 e P13 apareceram pessoas significativas para o paciente, como amigos da igreja, amigos de outros contextos, prima e o chefe do paciente. A atuação da rede do paciente, sob a ótica do familiar cuidador, foi reconhecida como facilitadora do processo, tanto para o familiar quanto para o paciente.

Observando o predomínio das funções desempenhadas pelas redes do paciente

Direcionada também ao paciente, estas pessoas desempenharam ajuda material e de serviços ao comprar roupas, comida, remédios, levar o paciente para o hospital e ajudar financeiramente. Os participantes também perceberam a oferta de apoio emocional para o paciente, ao levarem flores, com palavras de força e incentivo, promovendo reflexões e facilitando a ressignificação do processo. Isso se desdobrava em implicações para os familiares, desde auxílio instrumental ao conforto emocional: “ ajuda a minha mãe, porque uma coisa que faz bem pra minha mãe, a amiga ir lá, conversar, dar atenção, então ajuda a mim porque tá fazendo bem pra minha mãe ” (P5). Além disso, esses momentos em que os amigos do paciente prestavam companhia social permitiam ao familiar descansar ou realizar outras atividades.

Discussão

Os resultados deste estudo indicaram que quase metade dos familiares (6) tinham redes grandes, as quais, segundo Sluzki ( 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ), podem não ser efetivas, dada a falsa sensação de que outras pessoas envolvidas nessa rede poderiam estar atuando para auxiliar o indivíduo na dissolução das questões. O autor também destaca que redes pequenas, como as de dois participantes, podem ser pouco funcionais diante de conjunturas de longa duração ou de sobrecarga, enquanto as redes de tamanho médio tendem a ser mais efetivas ao favorecer o intercâmbio entre seus membros, na articulação da resolução de problemas.

Outros seis familiares tinham a rede de tamanho médio e, apesar disso, P1 relatou o sentimento de exaustão e sobrecarga diante do processo de cuidado do paciente. Acredita-se que isso possa encontrar correspondência também na distribuição dos vínculos, ou seja, no caso deste participante, todos os membros da rede estavam concentrados no quadrante das amizades. Sluzki ( 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ) indica que redes muito concentradas são menos efetivas e flexíveis, enquanto as redes numerosas e pouco diversificadas tendem a ser pouco atuantes. Além disso, tal sentimento de sobrecarga pode estar relacionado à abstenção dos familiares na assistência ao paciente (Williams et al., 2011Williams, A. M., Eby, J. A., Crooks, V. A., Stajduhar, K., Giesbrecht, M., Vuksan, M., Cohen, S. R., Brazil, K., & Allan, D. (2011). Canada’s compassionate care benefit: Is it an adequate public health response to adressing the issue of caregiver burden in end-of-life care? BMC Public Health, 11, Artigo 335. doi: 10.1186/1471-2458-11-335
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). Diante disso, os familiares participantes que mais se queixaram de exaustão (P1 e P5) foram os mesmos que relataram a ausência ou insuficiência de apoio dos familiares.

Ainda em relação à distribuição dos membros, observou-se que quase a metade deles (84) figuraram no quadrante da família, e a segunda rede mais numerosa foi a dos amigos (37). Isso corrobora o estudo de Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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), no qual os familiares, parentes e amigos foram os principais responsáveis pela disponibilização de apoio, no contexto dos cuidados paliativos. No tocante à dispersão dos membros, visualiza-se que a maioria dos integrantes (77) estavam no círculo intermediário de proximidade, evidenciando a prevalência de relações pessoais com menor grau de compromisso, em comparação ao círculo das relações íntimas. É preciso considerar que, quanto mais próximas e íntimas são as conexões, maior a facilidade em acessá-las (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ).

Somado a isso, observou-se que menos da metade dos membros (54) das redes exerciam mais de uma função, o que pode indicar baixa versatilidade dos vínculos (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ), pois pode apontar para dificuldades em reconhecer qualidades específicas dos membros das suas redes, gerando empecilhos para acioná-los. No que tange às funções desempenhadas, houve o predomínio da oferta de ajuda material e de serviços (108), seguida pela função de apoio emocional (92), em especial, proveniente de familiares e amigos. No estudo de Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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), a ajuda material e de serviços foi proporcionada por meio do auxílio com aspectos legais e financeiros, enquanto nas pesquisas de Canaway et al. ( 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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) e Eskola et al. ( 2017Eskola, K., Bergstraesser, E., Zimmermann, K., & Cignacco, E. (2017). Maintaining family life balance while facing a child’s imminent death: A mixed methods study. Journal of Advanced Nursing, 73(10), 2462-2472. doi: 10.1111/jan.13304
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) tal auxílio se direcionou para o cuidado com o paciente. Diante disso, as necessidades mais apontadas pelos familiares no estudo de Eskola et al. ( 2017Eskola, K., Bergstraesser, E., Zimmermann, K., & Cignacco, E. (2017). Maintaining family life balance while facing a child’s imminent death: A mixed methods study. Journal of Advanced Nursing, 73(10), 2462-2472. doi: 10.1111/jan.13304
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) foram a ajuda prática nos serviços domésticos e o suporte ao luto.

Merece destaque a função de apoio emocional, desempenhada pelos familiares dos participantes deste estudo, a fim de oferecer amparo aos cuidadores. As funções de guia cognitivo e de conselhos, regulação social e companhia social, ainda que pouco mencionadas, foram importantes para que os familiares tivessem a quem recorrer, na busca de opiniões e conselhos, em relação às condutas a serem tomadas; para que pudessem olhar para si e reconhecer a alta carga de demanda que tinham, além de se sentirem acompanhados durante o processo (Sluzki, 1997Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: Alternativas terapêuticas. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. ).

Depois das relações familiares, os amigos foram as pessoas significativas que ofertaram de maneira mais frequente o apoio emocional aos familiares cuidadores, assim como sinalizado em outras pesquisas (Arber et al., 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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; Benkel et al., 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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; Canaway et al., 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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; Eskola et al., 2017Eskola, K., Bergstraesser, E., Zimmermann, K., & Cignacco, E. (2017). Maintaining family life balance while facing a child’s imminent death: A mixed methods study. Journal of Advanced Nursing, 73(10), 2462-2472. doi: 10.1111/jan.13304
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). Para uma das participantes (P8), por exemplo, o amparo emocional disponibilizado pelos amigos representou um apoio que não havia sido ofertado pelos familiares, o que vai ao encontro do estudo de Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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), no qual os amigos e colegas foram mais acessados pelos cuidadores do que os membros da família, com vistas a desenvolver conversações sobre assuntos delicados. Destaca-se que as relações de amizade com pessoas que passaram por experiências semelhantes favorecem o sentimento de reciprocidade e de alívio (Arber et al., 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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; Benkel et al., 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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).

Além de apoio emocional, os amigos mencionados pelos participantes deste estudo providenciaram, principalmente, auxílio financeiro, configurando a ajuda material e de serviços. Já para os participantes do estudo de Eskola et al. ( 2017Eskola, K., Bergstraesser, E., Zimmermann, K., & Cignacco, E. (2017). Maintaining family life balance while facing a child’s imminent death: A mixed methods study. Journal of Advanced Nursing, 73(10), 2462-2472. doi: 10.1111/jan.13304
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), houve auxílio para cuidar das crianças e fazer a comida, permitindo que eles passassem mais tempo com o paciente, enquanto para os participantes do estudo de Arber et al. ( 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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), a ajuda foi direcionada ao acesso a serviços, direitos e benefícios. Em relação a isso, é possível pensar na ajuda material, prestada pelos integrantes do grupo do WhatsApp de P1, ainda que o participante não os conhecesse pessoalmente. Reflete-se sobre o alcance das mídias sociais e suas potencialidades diante desses casos, haja vista o impacto significativo no processo de luto antecipatório e a sensação de apoio evidenciada pelo participante.

O desempenho, por parte dos amigos, das funções de guia cognitivo e de conselhos e companhia social também foi mencionado, e a função de companhia social representou uma maneira de os familiares saírem do cenário da doença, apontado, por Williams et al. ( 2011Williams, A. M., Eby, J. A., Crooks, V. A., Stajduhar, K., Giesbrecht, M., Vuksan, M., Cohen, S. R., Brazil, K., & Allan, D. (2011). Canada’s compassionate care benefit: Is it an adequate public health response to adressing the issue of caregiver burden in end-of-life care? BMC Public Health, 11, Artigo 335. doi: 10.1186/1471-2458-11-335
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), como uma ferramenta para reduzir o estresse e a sobrecarga. Por outro lado, também pode ser visualizado nos resultados desta pesquisa o relato de familiares sobre ausência e distanciamento dos amigos, assim como assinalado no estudo de Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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).

No que tange às relações da comunidade, observou-se o segundo menor número de membros (21), de desempenho e variedade de funções (26), o que aponta para a baixa participação da comunidade durante o processo de luto antecipatório dos familiares. Isso vai ao encontro de outras pesquisas, nas quais se observou a sensação de desconexão da comunidade e de limitação de disponibilidade de apoio (Gott et al., 2018Gott, M., Wiles, J., Moeke-Maxwell, T., Black, S., Williams, L., Kerse, N., & Trussardi, G. (2018). What is the role of community at the end of life for people dying in advanced age? A qualitative study with bereaved family carers. Palliative Medicine, 32(1), 268-275. doi: 10.1177/0269216317735248
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; Lewis et al., 2014Lewis, J. M., DiGiacomo, M., Currow, D. C., & Davidson, P. M. (2014). Social capital in a lower socioeconomic palliative care population: A qualitative investigation of individual, community and civic networks and relations. BMC Palliative Care, 13, Artigo 30. doi: 10.1186/1472-684X-13-30
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).

Diante disso, os componentes das redes comunitárias dos familiares participantes desempenharam, com maior incidência, a ajuda material e de serviços, e o apoio emocional também foi mencionado como advindo da comunidade religiosa, de modo ambivalente. Tal resultado corrobora Canaway et al. ( 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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), que indicaram a sensação de apoio, ainda que tenha sido situado um sentimento de decepção com a comunidade. Nessa direção, evidenciou-se em outros estudos a disponibilidade dos vizinhos em relação ao auxílio com o paciente e abertura para conversas (Arber et al., 2013Arber, A., Hutson, N., Vries, K., & Guerrero, D. (2013). Finding the right kind of support: A study of carers of those with a primary malignant brain tumour. European Journal of Oncology Nursing, 17(1), 52-58. doi: 10.1016/j.ejon.2012.01.008
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; Lewis et al., 2014Lewis, J. M., DiGiacomo, M., Currow, D. C., & Davidson, P. M. (2014). Social capital in a lower socioeconomic palliative care population: A qualitative investigation of individual, community and civic networks and relations. BMC Palliative Care, 13, Artigo 30. doi: 10.1186/1472-684X-13-30
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).

Neste estudo, os membros dos serviços assistenciais e de saúde também realizaram, predominantemente, as funções de ajuda material e de serviços, seguidas pelo apoio emocional. Ao encontro disso, Canaway et al. ( 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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) destacaram a importância de dispor do apoio prático dos profissionais, desde o cuidado com o paciente até a disponibilidade para obtenção de informações e esclarecimento de dúvidas e o auxílio para os aspectos práticos envolvidos no fim de vida do paciente.

Além disso, a respeito dessa rede, a participante P5, por exemplo, mencionou a preocupação de uma profissional com os impactos na sua saúde, o que foi entendido como uma manifestação de preocupação por parte da profissional, levando P5 a se sentir emocionalmente amparada. Nesse sentido, em Benkel et al. ( 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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) o suporte social acontecia de maneira complementar à rede dos familiares, ou seja, quando estes sentiam que o apoio não era suficiente durante o processo. Entende-se que os profissionais, ao se disponibilizarem e se mostrarem preocupados com o bem-estar dos familiares cuidadores, podem favorecer o enfrentamento do processo de adoecimento, morte e luto (Braz & Franco, 2017Braz, M. S., & Franco, M. H. P. (2017). Profissionais paliativistas e suas contribuições na prevenção de luto complicado. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(1), 90-105. doi: 10.1590/1982-3703001702016
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). Cabe reiterar que seis participantes não mencionaram ninguém no quadrante dos serviços de saúde. Acredita-se que isso ocorra pela presença de possíveis conflitos com a equipe e pelo processo de elaboração da aceitação dos cuidados paliativos e da proximidade da finitude como geradores de um campo de tensionamento e não reconhecimento dessa rede.

Ademais, estiveram presentes os membros da rede de trabalho e estudos, ainda que esta tenha sido a menos numerosa. Isso pode estar relacionado também ao afastamento ou a mudanças em relação ao trabalho e aos estudos, por conta do desempenho dos cuidados, e ao fato de três participantes estarem aposentados e duas não trabalharem, nem estudarem. Ainda assim, as pessoas significativas desta rede desempenharam as funções de apoio emocional, ajuda material e de serviços e de companhia social, com predominância da primeira. Outras pesquisas indicam um lugar de destaque dos colegas de trabalho, para os familiares, na disponibilização de apoio emocional (Benkel et al., 2009Benkel, I., Wijk, H., & Molander, U. (2009). Family and friends provide most social support for the bereaved. Palliative Medicine, 23(2), 141-149. doi: 10.1177/0269216308098798
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; Canaway et al., 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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).

Nessa direção, observamos, neste estudo, casos de chefes que flexibilizaram os horários e locais de trabalho, além de terem tranquilizado os familiares para que eles pudessem estar presentes na hospitalização do paciente. Isso também foi indicado por Canaway et al. ( 2017Canaway, A., Al-Janabi, H., Kinghorn, P., Bailey, C., & Coast, J. (2017). Development of a measure (ICECAP-Close Person Measure) through qualitative methods to capture the benefits of end-of-life care to those close to the dying for use in economic evaluation. Palliative Medicine, 31(1), 53-62. doi: 10.1177/0269216316650616
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), e foi apontado como fator que auxiliou na vivência do processo, pois precisar lidar com questões envolvidas no trabalho pode ser um elemento gerador de estresse, como evidenciou Williams et al. ( 2011Williams, A. M., Eby, J. A., Crooks, V. A., Stajduhar, K., Giesbrecht, M., Vuksan, M., Cohen, S. R., Brazil, K., & Allan, D. (2011). Canada’s compassionate care benefit: Is it an adequate public health response to adressing the issue of caregiver burden in end-of-life care? BMC Public Health, 11, Artigo 335. doi: 10.1186/1471-2458-11-335
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).

Somado a isso, reitera-se a percepção dos familiares acerca da rede social do paciente, uma vez que se sentiram beneficiados a partir da atuação desta. Diante disso, é possível pensar no caráter complementar das redes específicas do paciente na participação do processo, em especial, para aqueles familiares que têm pouco apoio disponível. A rede social do paciente também foi mencionada no estudo de Roij et al. ( 2018Roij, J., Brom, L., Youssef-El Soud, M., Poll-Franse, L., & Raijmakers, N. J. H. (2018). Social consequences of advanced cancer in patients and their informal caregivers: A qualitative study. Supportive Care in Cancer, 27, 1187-1195. doi: 10.1007/s00520-018-4437-1
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), trazendo outro enfoque, direcionado ao modo como os cuidadores funcionavam como mantenedores das relações sociais do paciente.

No conjunto das articulações teóricas supramencionadas, a partir dos resultados deste estudo, aponta-se para a participação das redes sociais significativas no processo de elaboração do luto antecipatório. Nessa direção, os achados de Rogalla ( 2018Rogalla, K. B. (2018). Anticipatory grief, proactive coping, social support, and growth: Exploring positive experiences of preparing for loss. Journal of Death and Dying, 81(1), 107-129. doi: 10.1177/0030222818761461
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) indicam que ter tido acesso ao apoio social favoreceu a percepção de um crescimento pessoal por parte daqueles familiares que estavam vivenciando o luto antecipatório. Ainda, em relação ao luto, as redes sociais demonstram ser importantes propulsoras do enfrentamento da perda (Luna & Moré, 2020Luna, I. J., & Moré, C. L. O. O. (2020). Redes pessoais significativas e os recursos de enfrentamento no luto. Saúde & Transformação Social, 11(1), 91-104. ), e a ausência desse apoio pode levar a dificuldades na elaboração do luto (Worden, 2013Worden, J. W. (2013). Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental (A. Zilberman, L. Bertuzzi, S. Smidt, Trad., 4a ed.). São Paulo, SP: Roca ), assim como do luto antecipatório (Burke et al., 2015Burke, L. A., Clark, K. A., Ali, K. S., Gibson, B. W., Smigelsky, M. A., & Neimeyer, R. A. (2015). Risk factors for anticipatory grief in family members of terminally ill veterans receiving palliative care services. Journal of Social Work in End-of-Life & Palliative Care, 11(3-4), 244-266. doi: 10.1080/15524256.2015.1110071
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).

As discussões tecidas remetem às implicações da emergência das redes sociais significativas na vivência do luto antecipatório nos cuidados paliativos. Assim, consideram-se os vínculos em torno do familiar cuidador, bem como o desempenho das funções, como recursos que podem auxiliar tanto nas demandas práticas e instrumentais quanto naquelas emocionais e cognitivas que, por sua vez, repercutem no processo de elaboração da perda iminente.

Considerações finais

Este estudo objetivou caracterizar a estrutura e as funções das redes sociais significativas no processo de luto antecipatório de familiares cuidadores no contexto dos cuidados paliativos. Os resultados mostraram que, na vivência do processo de luto antecipatório, as redes sociais significativas se constituem como importantes elementos para o desempenho do cuidado e para o compartilhamento das vivências nesse contexto. Isto é, representam e auxiliam na articulação dos recursos para o manejo da elaboração do luto antecipatório, considerando a possibilidade de contar com a disponibilidade de apoio de pessoas significativas. Destas, observou-se o predomínio da rede da família, que também desempenhou uma gama mais diversa de funções, e, na sequência, esteve a rede composta pelos amigos, seguida pelas redes da comunidade, dos serviços de saúde e de trabalho e estudos. Quanto à rede dos amigos, resgata-se o grupo do WhatsApp, que merece atenção, com base no progressivo aumento no uso das mídias sociais.

As contribuições desta pesquisa para o avanço na produção científica se referem ao protagonismo dos familiares, uma vez que há um grande volume de publicações focadas na perspectiva do paciente. Em especial, destaca-se a visibilização das redes em torno dos familiares cuidadores, frisando as funções desempenhadas, o que possibilita a articulação de estratégias em cuidados paliativos por parte dos profissionais. Além disso, a rede do paciente também pode ser identificada como um elemento facilitador para as intervenções e para dirimir a sobrecarga dos cuidadores principais. Com isso, sinaliza-se o Mapa de Redes como um instrumento de intervenção que permite visibilizar as redes configuradas em torno do cuidador e do paciente, a partir das quais é possível construir estratégias de intervenção, levando em consideração as singularidades desses vínculos. Ou seja, um trabalho sustentado no contexto relacional dos familiares e pacientes envolvidos nesse processo, que favoreça o reconhecimento das potencialidades das redes, promovendo a elaboração do luto antecipatório dos familiares.

No que tange às limitações desta pesquisa, situam-se as características socioculturais deste contexto, quais sejam, hospital oncológico, com uma estrutura já desenvolvida e a localização no Sul do Brasil. Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas em diferentes contextos socioculturais do país e em diferentes cenários nos quais os cuidados paliativos sejam desenvolvidos, como em hospitais gerais e em domicílio.

Quanto aos desdobramentos contemporâneos, estudos sobre as redes sociais significativas podem ser desenvolvidos para analisar os impactos de pandemias no processo de luto antecipatório de familiares que acompanham pacientes em cuidados paliativos e, além disso, avaliar o papel das mídias sociais, como os grupos digitais, nesse contexto. Ainda assim, espera-se que os resultados desta pesquisa possam subsidiar intervenções com os familiares, contribuindo para potencializar os aspectos saudáveis dessa vivência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2022
  • Aceito
    02 Fev 2023
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