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As (micro)políticas que adoecem: mulheres muçulmanas brasileiras e o sofrimento sociopolítico

(Micro)politics of illness : Brazilian Muslim women’s sociopolitical suffering

Des (micro)politiques qui rend malade : les femmes musulmanes brésiliennes et la souffrance sociopolitique

Las (micro)políticas que enferman: mujeres musulmanas brasileñas y el sufrimiento sociopolítico

Resumo:

Este artigo pretende analisar e discutir a dimensão sociopolítica do sofrimento presente nas narrativas de três mulheres brasileiras revertidas à religião islâmica. As reflexões são oriundas de uma pesquisa clínico-qualitativa que, por meio de trabalho de campo e de entrevistas abertas, busca compreender as concepções e experiências de muçulmanas brasileiras em relação à saúde mental e tem como um de seus eixos emergentes os atravessamentos de questões sociais sobre o psiquismo dessas mulheres. As interlocutoras desafiam as concepções reducionistas e individualizantes da saúde mental, evidenciando que o adoecimento psicológico mantém estreita relação com a violência, a negligência, o desamparo e a exclusão, aos quais estão constantemente submetidas.

Palavras-chave:
mulheres muçulmanas; sofrimento sociopolítico; saúde mental

Abstract:

This study analyzes and discusses the socio-political dimension of suffering revealed in the narratives of three Brazilian Muslim women. A clinical-qualitative research was conducted by means of fieldwork and interviews to understand Brazilian Muslim women’s views and experiences concerning mental health and to investigate the influence of social issues on their psyche. The interviewees challenge the reductionist and individualistic perspective on mental health, showing that psychological illness is closely related to the violence, negligence, helplessness, and exclusion to which they are constantly exposed.

Keywords:
Muslim women; sociopolitical suffering; mental health

Résumé :

Cet article analyse et discute la dimension sociopolitique de la souffrance dans les récits de trois femmes musulmanes brésiliennes. Une recherche clinique-qualitative a été menée par le biais des études sur le terrain et des entretiens pour comprendre les conceptions et les expériences des femmes musulmanes brésiliennes concernant la santé mentale et pour étudier l’influence des questions sociales sur leur psychisme. Les interviewées remettent en question le réductionnisme et l’individualisation de la santé mentale en montrant que la maladie psychique entretient un rapport étroit avec la violence, la négligence, l’impuissance et l’exclusion dont elles sont victimes.

Mots-clés :
femmes musulmanes; souffrance sociopolitique; santé mentale

Resumen:

Este estudio tuvo como objetivo analizar y discutir la dimensión sociopolítica del sufrimiento en las narrativas de tres mujeres brasileñas revertidas al Islam. Los datos provienen de una investigación clínico-cualitativa que utilizó trabajo de campo y entrevistas abiertas para comprender las concepciones y las experiencias de mujeres musulmanas brasileñas con relación a la salud mental, y tuvo como uno de sus ejes centrales la influencia de las cuestiones sociales en el psiquismo de estas mujeres. Las participantes critican concepciones reduccionistas e individualizantes de la salud mental mostrando que la enfermedad psíquica tiene estrecha relación con la violencia, la negligencia, la indefensión y la exclusión a la cual se ven sometidas.

Palabras clave:
mujeres musulmanas; sufrimiento sociopolítico; salud mental

Introdução

A religião é uma das instâncias às quais muitos recorrem para dar sentido aos processos relativos à saúde, à doença e ao sofrimento. Embora haja interesse crescente sobre a espiritualidade e a religiosidade, os estudos envolvendo religião ainda são menos valorizados no campo psicológico e, mesmo entre eles, certas religiosidades encontram mais validação do que outras (Scorsolini-Comin, 2018 Scorsolini-Comin, F. (2018). “É como mexer em um vespeiro”: a consideração das religiões afro-brasileiras no cuidado em saúde. Revista da SPAGESP, 19(1), 1-5. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702018000100001
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). No caso do Islã, é escassa a bibliografia sobre essa religião e seus seguidores no panorama da pesquisa psicológica do país (Paiva, & Barbosa, 2021Paiva, C. M., & Barbosa, F. C. (2021). Decolonizando a sexualidade no Islã: um diálogo com mulheres muçulmanas brasileiras. Psicologia & Sociedade, 33, e240224. doi: 10.1590/1807-0310/2021v33240224
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), o que se explica parcialmente pelo fato de ser uma religião minoritária 1 1 Não há dados quantitativos precisos sobre a presença de muçulmanos no Brasil: de acordo com o censo de 2010, havia 35.166 muçulmanos no país, o que representaria apenas 0,02% do total da população (Castro & Vilela, 2019 ). No entanto, há pesquisadores que estimam, como número mais plausível, algo na ordem de 100 a 300 mil pessoas (Pinto, 2010 ). no Brasil, ainda muito cercada de estereótipos e distorções.

Em trabalho acadêmico anterior, constatou-se que experiências de sofrimento levam mulheres a buscar novas concepções de mundo no sistema simbólico islâmico. Esse sofrimento vai sendo (re)significado por meio das regras e rituais religiosos, visto que o Islã é entendido como um código de conduta que rege todas as áreas da vida dos seguidores (Paiva, & Barbosa, 2019Paiva, C. M., & Barbosa, F. C. (2019). Arranjos entre religião, sexualidade e saúde mental: concepções e experiências de mulheres muçulmanas. Revista NUPEM, 11(24), 19-34. doi: 10.33871/nupem.v11i24.667
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). Por ser uma religião prescritiva, cujas regras são entendidas como vindas de Deus para garantir a felicidade, a satisfação e a saúde dos seres humanos, supõe-se que gera uma série de efeitos sobre a saúde mental de muçulmanos(as). No entanto, a tratativa do tema junto aos religiosos dessa denominação vinha sendo ignorada não apenas nas pesquisas científicas no país, mas também dentro das próprias comunidades religiosas: em campo islâmico, as frequentes queixas e compartilhamentos de demandas psicológicas com a pesquisadora, psicóloga de formação, indicaram que a discussão sobre a saúde mental era entendida pelos próprios fiéis como necessária, principalmente pelas mulheres.

Assim, surgiu a pesquisa de doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), que teve como objetivo compreender as concepções e as experiências de mulheres muçulmanas brasileiras com relação à saúde mental (Paiva, 2022Paiva, C. M. (2022). Corpo, mente e coração: saúde mental de mulheres muçulmanas brasileiras. (Tese de Doutorado Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP). doi: 10.11606/T.59.2023.tde-10032023-075246
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). Para alcançar esse entendimento, adotou-se o método clínico-qualitativo que, de acordo com Turato ( 2000 Turato Ribeiro, E. (2000). Introdução à metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: definição e principais características. Revista Portuguesa de Psicossomática, 2(1), 93-108. Recuperado de https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28720111
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), consiste em um conjunto de técnicas e procedimentos científicos “adequados para descrever e interpretar os sentidos e significados dados aos fenômenos relacionados à vida do indivíduo”, sendo especialmente pertinente para investigações que tangenciam a saúde, como “tópicos ligados à saúde/doença, aos processos terapêuticos, aos serviços de saúde e/ou sobre como lidam com suas vidas” (p. 96).

Após a aprovação junto ao Comitê de Ética competente, a primeira etapa da pesquisa envolveu o retorno da pesquisadora às mesquitas para compreender os discursos religiosos sobre saúde, doença e sofrimento que ali circulavam. Em fase posterior, para aprofundar o tema desta tese junto ao grupo de interesse, foram realizadas entrevistas abertas com mulheres muçulmanas brasileiras, além de entrevistas complementares com um sheikh , líder religioso islâmico, e com uma profissional de saúde mental que faz parte da comunidade muçulmana. Por demandar uma abordagem abrangente, os dados foram analisados à luz de referenciais psicológicos e antropológicos, bem como de seus diálogos com os saberes tradicionais islâmicos: tal articulação permitiu abarcar sentidos distintos sobre a saúde mental, bem como traçar um panorama mais completo, que colocou em evidência as questões mais urgentes que estavam se manifestando dentro das comunidades.

Entre os dados obtidos, chamou atenção o destaque dado pelas interlocutoras à influência exercida pelos fatores sociais sobre a saúde mental. Como se sabe, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1947 Organização Mundial de Saúde. (1947). World Health Organization Constitution. Genebra: WHO. Recuperado de http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-en.pdf?ua=1
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) define saúde como um estado completo de bem-estar físico, mental e social do ser humano. Embora passível de críticas, essa definição é relevante porque parte do entendimento de que uma pessoa goza de saúde quando os aspectos físicos, mentais e sociais estão bem alicerçados. Chamamos essa abordagem de biopsicossocial – temos um corpo integrado a uma mente e, enquanto indivíduos, somos diretamente constituídos e atravessados por um tempo histórico, um contexto social, cultural, político, econômico; a esse modelo incorpora-se também a dimensão espiritual, já devidamente reconhecida como esfera constituinte das subjetividades, que deve ser legitimada enquanto fator de saúde (Toniol, 2022Toniol, R. (2022). Espiritualidade incorporada: pesquisas médicas, usos clínicos e políticas públicas na legitimação da espiritualidade como fator de saúde. Porto Alegre, RS: Zouk. ).

Por ampliar a noção de saúde, tal paradigma permite compreendê-la como uma questão coletiva, que extrapola o âmbito individual. Embora a saúde seja um direito humano fundamental, que deveria ser assegurado sem qualquer tipo de distinção, as desigualdades fragilizam os indivíduos e ensejam o desenvolvimento de certas condições psíquicas como resposta ao sofrimento vivenciado: emerge a noção de sofrimento sociopolítico como uma dimensão que escancara o entrelaçamento entre os campos social, clínico e político, elementos indissociáveis na produção das subjetividades (Rosa, 2016Rosa, M. D. (2016). A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo, SP: Escuta; FAPESP. ). Se assumimos que o sujeito é contextual, inseparável do seu entorno social e político, estar posicionado às margens do laço social pode induzir o sujeito ao sofrimento sociopolítico, que promove “o apagamento da força discursiva” daqueles que “ocupam lugar de dejeto no campo social e sobre os quais incidem discursos alienantes e identitários que os criminalizam e os patologizam” (Rosa, Estêvão, & Braga, 2017 Rosa, M. D., Estêvão, I. R., & Braga, A. P. M. (2017). Clínica psicanalítica implicada: conexões com a cultura, a sociedade e a política. Psicologia em Estudo, 22(3), 359-369. doi: 10.4025/psicolestud.v22i3.35354
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, p. 365).

Entre tais grupos vulneráveis estão as minorias religiosas, suscetíveis à segregação e ao desamparo social. Nos últimos anos percebemos que a crescente intolerância ao Islã e seus seguidores intensificou-se, fato que atribuímos ao clima tenso e intransigente que se alastrou no Brasil, atiçando manifestações violentas contra as religiosidades não-hegemônicas. Em campo, já vínhamos fazendo o acolhimento de numerosos casos envolvendo agressões verbais, físicas e simbólicas, direcionadas sobretudo às mulheres muçulmanas que usam o hijab , o véu islâmico, pois, ao tornar explícita a filiação religiosa dessas mulheres, faz com que elas se sujeitem a maior exposição nos espaços públicos, sendo duplamente estigmatizadas (Ciftci, Jones, & Corrigan, 2013 Ciftci, A., Jones, N., & Corrigan, P. W. (2013). Mental health stigma in the Muslim community. Journal of Muslim Mental Health, 7(1), 17-32. doi: 10.3998/jmmh.10381607.0007.102
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).

A abundância de relatos e a incipiência de dados formais sobre o fenômeno da islamofobia, definida como uma espécie de “medo do Islã” que implica em sentimentos hostis direcionados a seus seguidores, motivaram o Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes (GRACIAS) a investigar a fundo a questão, o que deu origem ao I Relatório de Islamofobia no Brasil 2 2 Em novembro de 2023, foi publicado o II Relatório de Islamofobia no Brasil (Barbosa, Souza, & Silva, 2023 ). O documento teve como objetivo analisar a intensificação desse fenômeno a partir do conflito entre Israel e Palestina, evento que serviu como gatilho para a comunidade muçulmana no Brasil. (Barbosa et al., 2022 Barbosa, F. C., Souza, F. F., Lucas, I. M., Rocha, G. C., Carlos, I. H. B., & Paiva, C. M. (2022). I Relatório de Islamofobia no Brasil. São Bernardo do Campo: Ambigrama. Recuperado de https://www.ambigrama.com.br/_files/ugd/ffe057_6fb8d4497c4748f8961c92a546c5b3fc.pdf
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). O documento evidencia como essa depreciação feita pela sociedade em relação à religião islâmica faz com que muçulmano/a(s) enfrentem dificuldades consideráveis no acesso ao mercado de trabalho, à educação e até mesmo ao sistema de saúde. Os dados encontrados estão em sintonia com outros levantamentos e revisões que constataram os efeitos sociais, políticos e institucionais das expressões islamofóbicas vividas em outros contextos, como em Portugal (Araújo, 2019 Araújo, M. (2019). A islamofobia e as suas narrativas em Portugal: conhecimento, política, média e ciberespaço. Oficina do Centro de Estudos Sociais, (447). Recuperado de https://ces.uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/24228_Oficina_do_CES_447.pdf
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) e nos Estados Unidos (Samari, Alcalá, & Sharif, 2018 Samari, G., Alcalá, H. E., & Sharif, M. Z. (2018). Islamophobia, health and public health: a systematic literature review. American Journal of Public Health, 108(6), e1-e9. doi: 10.2105/AJPH.2018.304402
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), e reforçam a urgência de atentar para o caráter psicológico dessa discriminação, bem como adensar as narrativas dos próprios muçulmanos e muçulmanas para melhor compreender suas experiências.

O Brasil é líder mundial em transtornos de ansiedade e detém o índice de depressão mais alto da América Latina (OMS, 2017 Organização Mundial de Saúde. (2017). Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO, 2017. Recuperado de https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254610/WHO-MSD-MER-2017.2-eng.pdf
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) – evidentemente, muçulmanos estão incluídos nesses números. Como resposta a essas posições no ranking da saúde mental global, tem-se no país a adesão a uma onda medicalizante, que muitas vezes reduz os sujeitos a seus sintomas e diagnósticos, supervalorizando-os em detrimento da pessoa em sofrimento: persiste a noção de que, tal qual os acometimentos do corpo, os da mente também precisam ser pautados em marcadores biológicos que serviriam como régua para o estabelecimento de um funcionamento ideal. Poderia surpreender que tais conceituações convencionais alinhadas ao modelo biomédico tenham recebido destaque nas narrativas de muitas interlocutoras muçulmanas; mas tais respostas são coerentes com o processo corrente de homogeneização da saúde mental a partir de um discurso dominante (Watters, 2010 Watters, E. (2010). A americanização da doença mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(1), 102-115. doi: 10.1590/S1415-47142010000100007
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), bastante pautado pelos modos de vida impostos pelo neoliberalismo, cujos efeitos podem ser sentidos nas formas como experimentamos e como gerimos o sofrimento psíquico (Safatle, Silva Junior, & Dunker, 2020Safatle, V., Silva Junior, N., & Dunker, C. (Orgs). (2020). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte, MG: Autêntica. ).

Seja para endossar ou para criticar tal entendimento, as interlocutoras fazem alusão a essa visão que coloca sobre o indivíduo a responsabilidade total pela busca e manutenção do seu bem-estar. É usual que o ônus seja colocado sobre a pessoa em sofrimento: localiza-se o “problema” no sujeito, ele é quem deve ser diagnosticado e tratado. No entanto, sabe-se que a saúde mental não se reduz a uma equação bioquímica: ela fala dos modos de vida das pessoas, dos grupos, das comunidades.

Posto isto, este artigo tem como objetivo apresentar e analisar os dados referentes a um dos eixos compreensivos que emergiram no processo de pesquisa sobre saúde mental de mulheres muçulmanas brasileiras, com foco em sua relação com uma série de aspectos sociais, o que nos permite discutir a saúde enquanto construção e responsabilidade coletiva. A seguir, destacamos as interlocuções realizadas com três mulheres revertidas ao Islã, nomeadas ficticiamente como Stéfani, Débora e Verônica, que, ao revelarem suas experiências de violência e exclusão, apontaram para a dimensão do sofrimento sociopolítico vivido por muçulmanas brasileiras, bem como seus efeitos sobre a dinâmica psíquica dessas mulheres.

As muçulmanas revertidas vivem a islamofobia dentro da islamofobia ”: efeitos do processo de reversão sobre a saúde mental

Revertido/a é um termo nativo: segundo a crença islâmica, todos os seres humanos nascem muçulmanos e, quando professam o seu testemunho de fé, retornam à religião da qual tinham se afastado. Stéfani, que desde a reversão tem atuado na comunidade em ações especialmente direcionadas a esse público, relatou as particularidades de ser uma mulher revertida na comunidade e as implicações desse processo de reconhecer-se como muçulmana sobre a saúde mental das brasileiras.

Stéfani inicia sua narrativa pelo hijab e pelas agruras da islamofobia como consequência de seu uso. Sabe-se que o hijab, o véu islâmico , tem sido tomado por parcelas da sociedade de forma reducionista e pejorativa, como se fosse uma marca visível da repressão das mulheres muçulmanas. Para elas, o uso do véu assume significado de devoção a Deus, e pode ser lido como um sinal diacrítico que marca sua pertença como mulher e como muçulmana (Paiva, & Barbosa, 2021Paiva, C. M., & Barbosa, F. C. (2021). Decolonizando a sexualidade no Islã: um diálogo com mulheres muçulmanas brasileiras. Psicologia & Sociedade, 33, e240224. doi: 10.1590/1807-0310/2021v33240224
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). Trata-se de uma prescrição religiosa, mas seu uso não pode ser imposto: a decisão de usá-lo é individual e requer parcimônia. No entanto, para muitas mulheres, como Stéfani, aqui apresentada, e Verônica, que será anunciada na última seção do texto, o hijab tem se tornado ponto de conflito.

Teve uma época que eu cheguei a usar o hijab , mas na minha profissão não tem a menor condição. Eu fui transferida de setor por conta da discriminação. Claro que ninguém falou que era por causa do hijab , mas a gente sabe, né? Na rua já puxaram, no shopping já fui discriminada por uma vendedora. Estava andando com uma amiga, aí nós ouvimos uma pessoa gritando: “por que vocês não voltam pras suas terras, suas desgraçadas?”. Esse tipo de coisa toda. Há uma ignorância, uma incipiência latente aí, que parece que a gente não consegue esclarecer, por mais que tente. A pessoa faz questão de ser ignorante, ela não quer saber. É intolerância mesmo. Então lógico, quando eu vou pra mesquita, eu vou de hijab . Mas, no dia a dia eu não uso. É uma opção minha. (Stéfani)

A suspensão do uso do hijab foi um processo carregado de sofrimento para Stéfani não só no âmbito individual, por descumprir sua obrigação religiosa, mas também por violar o que ela entende como um direito que lhe deveria ser garantido. Ao relatar a intolerância vivida em relação à sua vestimenta religiosa, Stéfani levanta outro ponto fundamental, que é a racialização feita sobre as mulheres muçulmanas: uma religião é racializada quando as crenças e práticas dos adeptos são associadas a certas características étnicas que, por sua vez, remetem à traços biológicos (Aziz, 2021Aziz, S. (2021). The racial Muslim: When racism quashes religious freedom. Berkeley, CA: University of California Press. ). No Brasil, associa-se o Islã aos diacríticos árabes, colocando-os equivocadamente como equivalentes. Tal dificuldade de entendimento de que é possível ser brasileira e muçulmana é fruto do desconhecimento da história da presença dos muçulmanos no país, que é geralmente pensada apenas a partir da imigração árabe 3 3 No Brasil, os fluxos migratórios árabes aconteceram principalmente por parte de libaneses, sírios e palestinos que, impulsionados por crises socioeconômicas e conflitos geopolíticos, chegaram ao país no final do século XIX e ao longo do século XX. , invisibilizando os “outros muçulmanos”, tais como os de origem asiática e africana 4 4 Têm-se recuperado a história dos malês, muçulmanos africanos escravizados que compuseram as primeiras comunidades islâmicas em nosso país no início do século XIX, como mostra o documentário “Allah, oxalá: na trilha malê” (Barbosa, 2015 ). , e os revertidos.

Sobre isso, Stéfani lembra que “ a religião é para todos ”. Não obstante, saber que está no seu “ direito de ser muçulmana ” não a isenta do sofrimento, já que, para ela, a saúde mental das mulheres revertidas é afetada diretamente pela desvalorização que as atinge por todos os lados da sociedade: a revertida tenta se encaixar, mas “ não vai ser árabe nunca, e nem plenamente aceita como brasileira nunca ”. A interlocutora utiliza o tópico para introduzir o que ela chama de “ islamofobia dentro da islamofobia ”: como afirmamos no relatório anteriormente mencionado, os dados sugeriram que as mulheres revertidas são as que mais sentem os efeitos da intolerância e da violência direcionada a muçulmanos no país. Nas palavras de Stéfani, são elas o elo “ mais fraco ” da comunidade:

Com as revertidas é tudo mais: mais preconceito, mais dificuldades. Isso no casamento, na sociedade, com os próprios dirigentes islâmicos, no trabalho, dentro da própria casa. A gente vive em um limbo. E trabalha a nossa resiliência no limbo. Vendo de dentro e de fora, como a pessoa tá? No limbo, tentando lutar por um lugar ao sol. As muçulmanas revertidas vivem a islamofobia dentro da islamofobia. Como fica a saúde mental da mulher, tendo que lidar com todos esses aspectos? É uma luta constante. (Stéfani)

Stéfani elenca as dificuldades pelas quais passou desde que se reverteu ao Islã: para além das microagressões vividas na rua, no espaço doméstico a relação conflituosa com a família parece ser uma constante. Ela fornece um exemplo, referindo-se à dificuldade de seguir as prescrições religiosas alimentares em uma residência em que é a única muçulmana: como no Islã é proibida a ingestão de carne suína e derivados, foi feita em sua casa uma divisão dos alimentos por meio da separação das geladeiras. No entanto, a interlocutora deixa entrever que é o tempo todo lembrada de sua escolha pela reversão ao Islã, ou seja, demanda-se dela que arque com as consequências de ser muçulmana em uma casa (e em uma sociedade) na qual é uma minoria, uma exceção e não a regra. Esse discurso, na opinião de Stéfani, também é violento:

São escolhas que a gente faz na vida que, realmente, você não pediu opinião do outro [para se reverter à religião]. E, de fato, o outro não tem nada a ver com a sua vida, se você quiser plantar bananeira você planta. Quem paga minhas contas sou eu, popularmente falando. Mas aquilo tudo ofusca, reflete em você. São afetos. Essas resistências prejudicam e muito a saúde mental do outro . . . as revertidas não têm família muçulmana. Ninguém consegue aconselhar essas mulheres da forma como deve ser feito, da forma como elas precisam. (Stéfani)

A interlocutora afirma “ bancar suas escolhas ”, tomando na mão as rédeas de sua vida, mas parece sugerir que não recebe a contrapartida, que seria o respeito dos demais em relação às decisões que tomou. De acordo com ela, as mulheres muçulmanas revertidas, por não terem nascido em “ berço islâmico ” e por terem os seus círculos sociais limitados após a reversão, vivem em latente estado de desamparo e solidão.

Quando “ algo acontece e gira a chavinha ”: violência, ansiedade e agência social

Débora, revertida há quase uma década, faz há quatro anos tratamento para transtorno de ansiedade generalizada e para episódios depressivos. Ela endossa o desamparo e a solidão das mulheres revertidas apontados por Stéfani. Nascida em uma cidade muito pequena, tinha o sonho de se mudar para um lugar onde pudesse se sentir mais acolhida e aceita em suas pertenças. No entanto, quando se muda para o Rio de Janeiro, Débora é confrontada com um cenário nada idílico, muito distinto daquele que ela havia idealizado: depara-se “ com uma realidade em que eu estava sozinha, sem minha família ”, constatando que estava “ despreparada para viver em uma cidade grande ”.

Teve um dia que eu achei que eu ia morrer porque eu comecei a ouvir um tiroteio, e eu estava sozinha em casa. Eu não sabia que era ansiedade, eu nunca soube que eu tinha ansiedade e depressão. Foi nesse momento que eu descobri, sempre falta de ar, tremor, dor no peito. Eu sentei na cama e pensei: meu Deus, eu acho que eu posso estar tendo um episódio de pânico, de ansiedade. Eu tentava respirar e não conseguia, e aí eu deitei na cama, comecei a orar, pedi para Deus me ajudar . . . eu passei semanas com tremores no corpo depois desse episódio, e aí vira e mexe ainda tenho tremores na boca, aperto no peito, falta de ar. (Débora)

Débora faz uma associação direta entre a exposição à violência e os prejuízos para a saúde mental:

Então aqui começou a aparecer todos os sintomas, e ainda mais fortes . . . isso foi perdurando, até que na época da morte da Marielle [Franco] , aí eu comecei a ter pânico mesmo. Eu não conseguia ficar em casa, tinha tremor, eu tinha falta de ar. (Débora)

Em levantamento internacional das pesquisas realizadas sobre saúde mental de muçulmanos/as, apontou-se haver uma relação direta entre as demandas locais e a temática predominante a ser estudada (Altalib, Elzamzamy, Fattah, Ali, & Awaad, 2019 Altalib, H. H., Elzamzamy, K., Fattah, M., Ali, S. S., & Awaad, R. (2019). Mapping global Muslim mental health research: analysis of trends in the English literature from 2000 to 2015. Global Mental Health, 6, e6. doi: 10.1017/gmh.2019.3
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). Em nosso país, consideramos que o recorte temático mais abordado estaria relacionado à ansiedade e à depressão, por serem as nossas questões mais imperativas, o que de fato se verificou no percurso da pesquisa. Quando buscamos entender os motivos pelos quais somos “o país mais ansioso do mundo”, parece-nos impossível escavar as respostas sem olhar para as questões sociais, mais especificamente para a nossa desigualdade estrutural e tudo que ela acarreta, como violência, pobreza, fome, falta de moradia, insegurança: não temos garantidos nossos direitos básicos, não temos garantidas condições de vida dignas.

Débora não descarta os aspectos físico-orgânicos da saúde mental: a interlocutora havia iniciado nossa conversa apontando ser ansiosa “ desde a barriga da mãe ”. Nos dois lados de sua família, há pessoas diagnosticadas com os mais diversos transtornos e vivendo em profundo sofrimento psíquico, relatou, fazendo alusão a um possível componente genético que explicaria a sua ansiedade. Entretanto, são os aspectos psicossociais da saúde mental os protagonistas de nossa conversa. Débora coloca ênfase sobre o fator ambiental: acredita que morar em uma cidade tachada como violenta fez com que determinados gatilhos fossem disparados.

Adicionalmente, é digno de nota o destaque que a interlocutora dá ao assassinato de Marielle Franco, ocorrido em 14 de março de 2018, quando ela e seu motorista Anderson Gomes foram perseguidos e executados na região central do Rio de Janeiro (Gonçalves, Leitão, Araújo, & Teixeira, 2018 Gonçalves, J. R. G., Leitão, L., Araújo, M., & Teixeira, P (2018, 14 de março). Vereadora do PSOL, Marielle Franco é morta a tiros na Região Central do Rio. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psol-marielle-franco-e-morta-a-tiros-no-centro-do-rio.ghtml
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). Vereadora filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (Psol), eleita com grande expressividade, Marielle defendia fortemente os direitos humanos, era militante da causa LGBTQIA+ e tinha um trabalho voltado à denúncia do abuso de autoridade nas comunidades, ela mesma nascida e crescida no Complexo da Maré. A execução de Marielle foi entendida por Débora como um ataque concreto e simbólico a todas as causas que ela defendia: a interlocutora, também ela jovem, também ela negra, também ela voltada para as causas sociais e feministas, afirma que foi a partir da morte de Marielle que ela começou “ a ter pânico mesmo ”.

Débora prossegue:

Se a gente parar para pensar, tem muita gente que desenvolve um transtorno mental por gatilhos, e esses gatilhos vêm de situações sociais: um roubo, um assalto, uma situação social. Muitas vezes é algo social que acontece e ali gira a chavinha. Eu já tinha [ansiedade e depressão] , mas conseguia conviver com aquilo, mas a partir do momento que acontece algo e desencadeia uma crise, ali você vê que existem os fatores sociais. (Débora)

O apontamento feito por Débora dialoga com a obra de Das ( 2020Das, V. (2020). Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo, SP: Unifesp. ): um evento crítico pode fazer aflorar conflitos latentes, cuja violência se prolifera e toma conta da vida das pessoas, especialmente das mulheres, das mais variadas maneiras. Em uma leitura livre, a morte de Marielle Franco pode ser traduzida como um evento crítico que passa a ter seus efeitos produzidos e sentidos no cotidiano, na esfera íntima: tal qual sugere Das ( 2020Das, V. (2020). Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo, SP: Unifesp. ), deixa de ser extraordinário e desce para o ordinário, inscrevendo-se nos corpos e nas subjetividades dos que sentirão os efeitos daquele acontecimento.

Débora retoma fragmentos discursivos de Stéfani, sobre desamparo e exclusão, passando do macro da cidade para o micro das comunidades islâmicas:

Eu acho que o Rio de Janeiro em si não colabora [com a saúde mental] . É uma cidade grande, violenta. E a comunidade muçulmana não ajuda também, sabe? A gente não ouve falar disso [saúde mental] na comunidade. (Débora)

Por ser um tema entendido como delicado, carece ainda de ações mais concretas por parte da comunidade: Débora afirma ser preciso “ trazer mais a saúde mental ” para dentro do seu grupo religioso. Entre as comunidades muçulmanas brasileiras, o tema ganhou atenção recentemente, de 2019 em diante, quando as mesquitas passaram a organizar palestras presenciais e online que levam ao público informações básicas sobre saúde mental, enfatizando seu caráter preventivo. Começa-se a atender tal demanda psicológica dos muçulmanos a nível informativo e educativo, mas não interventivo: não há, até o presente momento, nenhum serviço que ofereça atendimento culturalmente apropriado para a comunidade muçulmana do país. É essa a realidade que Débora quer modificar. Ela pretende implantar, junto a outras mulheres muçulmanas, um serviço comunitário focado na saúde mental e na assistência social, inspirado por modelos bem-sucedidos em funcionamento em outros países.

Entre tais serviços de saúde mental dedicados à população muçulmana, a referência mundial é o norte-americano Khalil Center 5 5 Ver https://khalilcenter.com/ , centro de bem-estar comunitário psicológico e espiritual que promove a prática profissional da psicologia com base nos princípios islâmicos. Além do Khalil, outras iniciativas internacionais podem ser destacadas, como o Naseeha 6 6 Ver https://naseeha.org/ , serviço de atendimento telefônico que desde 2006 oferece um suporte “imediato, anônimo e confidencial” feito por conselheiros treinados; e o Support Embrace Empower Mental Health Advocacy (SEEMA 7 7 Ver https://seemamentalhealth.com/ ) , que tem como intuito dar suporte às famílias dos pacientes em sofrimento psíquico grave. Outro modelo de fácil implantação tem sido o oferecimento, dentro das próprias instalações das mesquitas, de um espaço exclusivo para atendimento profissional, algo semelhante ao que Débora e suas colegas muçulmanas pretendem levar adiante.

Ao convocar a comunidade para se deslocar do discurso e passar para a ação, Débora evidencia seu protagonismo e capacidade de agência:

Mais do que falar, tem que agir . . . quando a pessoa se sente acolhida pela comunidade as coisas mudam [emociona-se] . Eu vejo isso no trabalho que acontece nos Estados Unidos, é muito bonita a forma com que eles trabalham, e é o que eu quero fazer. É o meu sonho. É um movimento que tem que vir da comunidade, nos Estados Unidos essas associações têm mais força do que as próprias entidades religiosas. É se desligar um pouco das entidades e fazer entre a gente. É difícil, mas tem que ter um primeiro pontapé. (Débora)

Débora conta que o ensinamento de cuidar do próximo faz parte de sua vida desde pequena, mas que foi no Islã que esse princípio se materializou e ganhou novos sentidos, pois “ estender a mão ” para os irmãos nos momentos difíceis é parte fundamental da religião.

Se a gente não se sente acolhido, fica solitário. E essa solidão faz com que a gente desenvolva doenças. É importante se sentir integrado, se identificar com alguma nomenclatura, algum grupo, sentir que você faz parte de algo. Sentir-se abraçado, acolhido, um ajudar o outro, um segurar o outro pela mão. Ninguém vive sozinho, a gente precisa um do outro. (Débora)

Enquanto muitos entendem que a religião e a saúde mental são questões de foro íntimo, vividas exclusivamente no interior de cada indivíduo, Débora acredita que é no coletivo que as pessoas se desenvolvem e se aprimoram: é pelo coletivo que podem melhorar.

A religião tem a questão individual da espiritualidade, da ligação com Deus, mas a religião é praticamente uma questão coletiva porque você tem que lidar com o outro, e o seu desenvolvimento interno vem a partir da interação com o outro. Essa interação coletiva faz você se desenvolver espiritualmente. Eu acho que tem sim o esforço individual, eu olho por mim: tenho que procurar ajuda, me tratar. Mas se não tiver também os fatores à minha volta que contribuam com a minha melhora, de nada vai adiantar. Se a sociedade não colaborar, não tem melhora. Os dois andam juntos. O coletivo faz com que o indivíduo tenha forças pra enfrentar a doença. (Débora)

Eu sou muçulmana e ponto ”: islamofobia e justiça social

Na seção anterior vimos como um entorno violento pode ser disparador de prejuízos sobre a saúde mental. A seguir, Verônica relatará uma grave agressão islamofóbica que viveu na cidade de São Paulo. Ela, mulher jovem que se apresenta como feminista, forte e determinada, conta como esse evento foi um divisor de águas na sua vida – e também na sua história com o Islã.

É muito difícil você me ver parada, eu me movimento pelas minorias. Eu tenho minhas militâncias, e o Islã é uma delas. Só que o Islã me trouxe muitas facilidades, mas também muitos problemas. Quando teve o ataque ao Charlie Hebdo, se não fosse minha fé eu teria saído do Islã na hora. Eu levei uma pedrada. Se aquela pedra pegasse na minha cabeça, faria um estrago muito grande. Pegou na perna. Eu estava indo pra uma consulta em um posto de saúde aqui perto, e a rua é bifurcada. Passei por uma parte que tinha uma construção e daquela construção eu só ouvi alguém falando isso: “sua muçulmana maldita”. Tacou a pedra em mim e correu para o outro lado. (Verônica)

Em 2015, homens entraram na sede do jornal satírico francês Charlie Hebdo e dispararam tiros sobre os que ali estavam (Ataque em sede, 2015 Ataque em sede do jornal Charlie Hebdo em Paris deixa mortos (2015, 7 de janeiro). G1. Recuperado de https://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/01/tiroteio-deixa-vitimas-em-paris.html
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/...
). O ataque aconteceu após o jornal publicar uma série de charges e caricaturas do Profeta Muhammad 8 8 A nomeação do Profeta como “Maomé”, frequentemente utilizada em língua portuguesa, é considerada pelos muçulmanos como pejorativa e ofensiva. : o Islã proíbe que Deus e todos os profetas sejam representados imageticamente. Acontecimentos de tal magnitude aumentam a hostilidade direcionada contra a população muçulmana: quando um episódio dessa proporção ocorre, as associações islâmicas prontamente emitem notas de repúdio, usualmente fazendo menção ao versículo segundo o qual tirar a vida de alguém equivale a exterminar toda a humanidade ( AlcorãoAlcorão. O significado dos versículos do Alcorão Sagrado com comentários (14a ed.). São Paulo, SP: Marsam. , 5:32) – muçulmanos brasileiros sentem-se impelidos a dar explicações, ainda que não tenham qualquer responsabilidade sobre tais atos. É o mesmo que Verônica viu acontecer com ela, pois, ao ser atacada, estava “ pagando por algo que não fez ”: de certa forma, cruelmente pagando o preço de assumir sua pertença religiosa perante a sociedade, que é constantemente negativada.

Esse episódio não foi a única violência endereçada à Verônica pelo motivo de ser muçulmana. Ela conta:

Eu tenho uma cicatriz de uma agressão que sofri de um policial na Avenida Paulista. Apanhei de um policial, uma autoridade que devia me proteger, não me agredir. Eu apanhava direto de idosos também, levava guarda-chuvadas. E eu não podia revidar. Se eu revidasse, iam falar que era culpa da minha religião. Tipo: eu avisei que todo muçulmano é assim [agressivo]. (Verônica)

De acordo com Schwarcz ( 2019Schwarcz, L. M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo, SP: Companhia das Letras. ), muito agrada aos brasileiros a imagem de tolerância e pacificidade, mas nos recusamos a assumir a face perversa do nosso autoritarismo, cujas raízes estão emaranhadas nos cinco séculos de nossa história. Por muito perdurou o mito de que o Brasil seria um “país harmônico e sem conflitos”, no qual “inexistiriam ódios raciais, de religião e de gênero” (Schwarcz, 2019Schwarcz, L. M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 22), ignorando o fato de que o país, marcado pela exploração, pelo colonialismo e pela tradição escravocrata, consolidou uma desigualdade estrutural que segue produzindo efeitos e sustentando precariedades, sendo a violência a expressão mais visível deste confronto, e o ódio, o afeto social dominante (Dunker, 2017Dunker, C. (2017). Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano. São Paulo, SP: Ubu. ). Assim, as expressões islamofóbicas no Brasil também nos impelem a questionar a dissimulada cordialidade nacional e a refletir sobre a intolerância perante aqueles que nos são ou nos parecem diferentes.

Ainda que em cenário inoportuno, as minorias religiosas têm se mobilizado. Nos últimos anos, vem sendo notada e noticiada a popularização do Islã nas periferias brasileiras: inspirados por Malcolm X, jovens fazem um trabalho intenso de divulgação da religião, dando ênfase à sua mensagem antidiscriminatória. Tomassi ( 2011Tomassi, B. C. T. (2011). Assalamu Aleikum favela: a performance Islâmica no movimento hip hop das periferias do ABCD e de São Paulo (Dissertação de Mestrado). Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. ), em sua dissertação sobre a performance islâmica no movimento hip hop das periferias do ABCD e de São Paulo, descobriu que seus interlocutores, motivados pela “ânsia por justiça”, viram no Islã uma religião que abraça sua luta social (p. 74). Foi também esse o grande atrativo do Islã aos olhos de Verônica, tão apegada às militâncias sociais. No entanto, após a violência que sofreu, a interlocutora diz ter recebido um “virar de costas” da comunidade:

E aí eu fiquei mal porque foi quando a comunidade islâmica me virou as costas . . . Eu fiquei assustada com a comunidade porque ouvi deles que não existia islamofobia. Cara, é impossível uma coisa dessas. Mas quando eu vi que eu estava nessa sozinha, que a comunidade não ia dar suporte, como não dá até hoje, foi quando eu fui ficando bem ruim mesmo. Não tem como você negar a existência, as coisas existem, a islamofobia existe. Você está ali vendo sua amiga, sua parceira, sua irmã sofrer isso e diz que não existe. Aí você diz que só aconteceu com ela e fecha os olhos? (Verônica)

Após não ter seu sofrimento reconhecido pela sua comunidade religiosa, Verônica se afasta das pessoas e das mesquitas, mas não da religião: afinal, “ a culpa não era do Islã, mas sim dos muçulmanos ”. Verônica afirma que “ começou a ficar doente ” quando se deu conta que o Islã que ela estudou está longe de ser o que ela encontra na realidade:

A realidade é que as meninas quando se revertem caem em um conto muito fictício, entram achando que vão ter a comunidade que o Profeta Muhammad indicou e quando se dá conta vê que é só utopia. Existe uma panela feminina, uma panela masculina . . . e quando você cai nelas você se sente na necessidade de fazer parte daquilo porque senão você vai ser rechaçada e excluída, e se isso acontecer você não será uma boa muçulmana. Não dá pra viver desse jeito! (Verônica)

Os muçulmanos e muçulmanas se entendem como parte de uma comunidade global, a Ummah, que pode ser pensada como uma grande comunidade islâmica, constituída por todos os muçulmanos do mundo: embora o Islã tenha sido revelado na Arábia, desde sua origem se diz que a religião poderia ser guia para toda a humanidade. Essa ideia expressa uma mensagem igualitária e unificadora: aderidos ao propósito comum de adoração, bastaria ser muçulmano para garantir seu pertencimento nessa coletividade.

Diz-se que, naquele que é considerado como o Sermão da Despedida, o Profeta Muhammad teria afirmado que nenhum ser humano é superior a outro, exceto pela piedade e pelas boas ações (Rahemtulla, 2017Rahemtulla, S. (2017) Qur’an of the oppressed: Liberation theology and gender justice in Islam. Oxford: Oxford University Press. ). Historiograficamente, vivia-se na península arábica do século VII um estado de “desunião crônica” (Armstrong, 2002Armstrong, K. (2002). Maomé: uma biografia do Profeta. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 256), no qual Muhammad teria surgido como “um árbitro preocupado em fazer a paz e conciliar disputas à luz de princípios de justiça” (Hourani, 2007Hourani, A. (2007). Uma história dos povos árabes. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 35), transformando as condições de vida de seu povo por meio de uma profícua reforma social ao colocar-se a favor dos vulneráveis e oprimidos: pede-se aos muçulmanos que “não maltrates o órfão, nem tampouco repudies o mendigo” ( AlcorãoAlcorão. O significado dos versículos do Alcorão Sagrado com comentários (14a ed.). São Paulo, SP: Marsam. , 93:9-10) e que se zele pelos indefesos, mulheres e crianças ( AlcorãoAlcorão. O significado dos versículos do Alcorão Sagrado com comentários (14a ed.). São Paulo, SP: Marsam. , 4:75). Assim, a “ comunidade do Profeta ” à qual a interlocutora se refere é a que reuniria a todos igualmente, independentemente do gênero, da raça, da classe e da ascendência, prezando pela harmonia e sobretudo pela justiça.

Pelo exposto, Verônica, Débora e Stéfani apontam como a experiência vivida por elas destoa desse cenário idealizado. De acordo com Verônica, o descompasso surge quando se ignora a essência da religião, que seria seguir o Islã com o coração:

O Islã, se ele não é seguido com o coração, todo mundo que está dentro fica doente . . . isso foi deteriorando a minha cabeça e chegou no ponto que eu realmente fiquei doente fisicamente, foi aí que eu tive o primeiro surto de pânico. Eu não conseguia sair de casa, não queria ir para a mesquita, não queria ver ninguém. Eu fiquei muito mal. (Verônica)

O relato de Verônica revela como não apenas a violência, mas o desencanto, a falta de apoio e a falta de reconhecimento também podem adoecer. Tal qual Débora, que destacou que o desenvolvimento e a melhora se dão no coletivo, Verônica afirma que é preciso ter iniciativa para fazer o que a religião preconiza: é dever de todo muçulmano ser ativo na construção de “uma sociedade justa e boa” (Armstrong, 2002Armstrong, K. (2002). Maomé: uma biografia do Profeta. São Paulo, SP: Companhia das Letras. , p. 57), jamais passivo diante das desigualdades e injustiças cometidas contra os demais.

Verônica faz alusão a uma espiritualidade e religiosidade engajadas: diz ter percebido que o que realmente conduz sua vida é “ ajudar a quem precisa ”, independentemente da religião que as pessoas seguem – e é por esse caminho que ela vai ressignificar o que vivenciou.

O que ficou de bom de tudo isso que eu passei, de verdade, foi a superação diária do desconforto que aquilo me causou. Graças a Deus que eu levei aquela pedrada. Deus foi bom. Deus é bom o tempo todo. Ainda bem que eu levei aquela pedrada, várias coisas aconteceram depois disso. A raiva passou, mas daquela época pra cá fiquei mais forte, ajudando as pessoas. (Verônica)

A interlocutora se reposiciona: entende que, apesar do sofrimento, “ foi ótimo levar a pedrada ”, pois “ isso me deu força para entender que eu tenho que estar ao lado das minorias mesmo ”. Se, por um lado, perdeu o seu referencial de comunidade islâmica ideal, por outro, foi capaz de se identificar com novas causas que lhe proporcionam sentido.

Outro dia virei para o meu marido do nada e falei: vamos fazer chá e levar pra quem mora na rua? Postei sobre isso, apareceu uma doação, depois apareceu outra. De chá passou para sopa, de dez pra cinquenta, de cinquenta pra cem. Foi muito louco. Eu preciso estar com pessoas que tenham o mesmo pensamento, a mesma iniciativa. Se é pra ajudar, é pra ajudar todo mundo. Esse grupo que a gente fundou, é um coletivo. Só tem eu de muçulmana . . . Você tá fazendo o que acredita, um trabalho que você gosta, cercada de gente que acredita nas mesmas coisas, cercada de gente que você gosta. Tem como ficar doente? Não tem como. (Verônica)

Para ela, o sentido de comunidade não é estar com quem compartilha uma religião em comum, mas com quem tem os mesmos valores. Ao se dispor a “ ajudar todo mundo ”, sem distinções, ela destaca que apenas agindo coletivamente em rede é que o sofrimento social será amenizado. Fazer o que acredita, cercada dos que endossam esse projeto, promove a atenuação do seu próprio sofrimento: assim “ não tem como ficar doente ”.

Verônica, assim como Stéfani, abandonou o uso do hijab . Por ter se afastado dessa e de outras regras islâmicas, Verônica diz:

Para a comunidade islâmica eu vivo em um erro terrível. O pessoal nem perde mais tempo me julgando porque eu chuto o pau da barraca. Eu faço muita coisa que, se for analisar, eu nem sou mais considerada muçulmana pela doutrina. Mas eu sei que eu acredito piamente em Deus, em um único Deus, e que o Profeta Muhammad é mensageiro de Deus. E acabou. Quem acha que eu não sou muçulmana que se lasque. Eu sou muçulmana e ponto. (Verônica)

Retoma-se aqui a máxima antropológica de que é muçulmano quem se diz muçulmano, sofre quem diz que sofre: questionar essas nomeações é retroalimentar a violência que as interlocutoras viveram, e que ainda vivem. Urge oferecer escuta: “ as pessoas precisam ser ouvidas ”.

A fé é meu acolhimento. A minha fé me abraça. É o que me levanta, é o que eu preciso. A minha fé me deixa viva. O amor que eu tenho por Allah9 9 Allah significa “Deus” em árabe. é muito grande, muito forte . . . é isso o Islã, entender que o protagonista nunca vai deixar de ser Deus, e está tudo bem você seguir do seu jeito, do jeito que seja mais confortável para você, sem usar roupas que podem trazer dores de cabeça para mim na rua. Eu quero sair e voltar viva, não quero apanhar quando sair de casa. Meu acolhimento no Islã é esse. (Verônica)

Considerações finais

As agendas das mulheres muçulmanas perpassam vários condicionantes e categorias de entendimento, como raça, classe e gênero (Bouteldja, 2016 Bouteldja, H. (2016). Raça, classe e gênero: uma nova divindade de três cabeças. Cadernos de Gênero e Diversidade, 2(2), 5-9. doi: 10.9771/cgd.v2i2.20686
doi: 10.9771/cgd.v2i2.20686...
). Neste artigo, ao elencarem alguns modos pelos quais sua saúde mental se articula a processos políticos, históricos e culturais, as interlocutoras evidenciam o anseio de terem seus sofrimentos, queixas e demandas reconhecidas e legitimadas socialmente, dentro e fora de suas comunidades. Entende-se, pois, que uma pesquisa sobre saúde mental, se desvinculada dos contextos que a sustentam, nada representa.

Nosso trabalho, direcionado sobre um público negligenciado, mostra que há um claro atravessamento de questões sociais sobre a saúde mental das mulheres muçulmanas. Por diversas vezes, as interlocutoras apresentaram uma série de vicissitudes, contingências e hostilidades que permeiam seu contexto sociocultural, ressaltando a posição de desproteção que vivem ao serem subjugadas como mulheres que estão às margens . Por um lado, é certo que a violência, o desprestígio, o preconceito, a humilhação, a falta de reconhecimento social, entre tantos outros fatores, prejudicam a saúde mental das mulheres aqui mencionadas. Por outro, todas reforçam que é justamente o coletivo que pode facilitar iniciativas que favoreçam o seu restabelecimento. Retomando uma fala da interlocutora Débora, que sintetiza essas ideias, “ se a sociedade não colaborar, não há melhora ”: alimenta-se a convicção de que transformações sociopolíticas podem operar mudanças discursivas que, por sua vez, geram efeitos sobre o desamparo vivido.

Stéfani, Débora e Verônica divergem da narrativa individualista e culpabilizante sobre a saúde mental, rumo a uma abordagem mais comunitária, segundo a qual todos deveriam agir para garantir o bem-estar dos que sofrem. As interlocutoras recordam que o Islã é uma religião que essencialmente preza pela cooperação e pela coletividade – logo, o cuidado também deveria ser compartilhado. Semelhantemente, acreditam que é do coletivo que devem surgir as iniciativas de promoção de saúde: cultivar laços afetivos, sentir-se parte de um grupo, ter sua crença, suas experiências e seus saberes respeitados e valorizados, ser ouvido, receber apoio social e ser reconhecido também devem ser fatores considerados na composição da saúde mental. Se os aspectos sociais desfavoráveis podem adoecer, o coletivo pode ser transformador, promotor de potência e de capacidade de agência.

Os lugares sociais e políticos que as mulheres muçulmanas têm ocupado nas malhas sociais não equivale àqueles que desejam ocupar. Visibilizar essas mulheres é fundamental para descolá-las da posição de subalternidade a que estão constantemente submetidas: atentar para o discurso dos excluídos, e não para o que é dito sobre eles, é uma alternativa rumo à construção de contranarrativas que revelem a violência e o sofrimento vividos, e tentem reparar a violação de direitos decorrentes. Afinal, para muito além de efeitos psicológicos individuais, as interlocutoras relatam o quanto o sofrimento sociopolítico interfere em seus processos de socialização e, estruturalmente, faz com que elas sejam apartadas das políticas públicas e institucionais.

Para o combate ao preconceito contra o/a(s) muçulmano/a(s), recomenda-se, em um sentido macro, que essas questões sejam debatidas com a sociedade, e que as pesquisas acadêmicas realizadas em campo islâmico sejam fortalecidas. Nesse aspecto, ouvir as mulheres muçulmanas é importante para a ampliação da compreensão sobre seus modos de subjetivação em sua relação com contextos socioculturais diversos, e permite lançar à luz suas necessidades, suas dificuldades e suas reivindicações – é pela despotencialização da violência que o sujeito de desejos, vontades, escolhas e pertenças pode emergir.

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  • 1
    Não há dados quantitativos precisos sobre a presença de muçulmanos no Brasil: de acordo com o censo de 2010, havia 35.166 muçulmanos no país, o que representaria apenas 0,02% do total da população (Castro & Vilela, 2019 Castro, C. M., & Vilela, E. M. (2019). Muçulmanos no Brasil: uma análise socioeconômica e demográfica a partir do Censo 2010. Religião & Sociedade, 39(1), 170-197. doi: 10.1590/0100-85872019v39n1cap08
    doi: 10.1590/0100-85872019v39n1cap08...
    ). No entanto, há pesquisadores que estimam, como número mais plausível, algo na ordem de 100 a 300 mil pessoas (Pinto, 2010Pinto, P. G. H. R. (2010). Islã e civilização: uma abordagem antropológica. Aparecida, SP: Santuário. ).
  • 2
    Em novembro de 2023, foi publicado o II Relatório de Islamofobia no Brasil (Barbosa, Souza, & Silva, 2023 Barbosa, F. C.; Souza, F. F., & Silva, F. C. P. II Relatório de Islamofobia no Brasil - pós 07/10/2023. Gracias – Grupo de Antropologia em contextos islâmicos e árabes. Recuperado de https://drive.google.com/file/d/1YxUS_ZtBNuWG23Hg9hNm0LacdVnJZUfb/view
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    ). O documento teve como objetivo analisar a intensificação desse fenômeno a partir do conflito entre Israel e Palestina, evento que serviu como gatilho para a comunidade muçulmana no Brasil.
  • 3
    No Brasil, os fluxos migratórios árabes aconteceram principalmente por parte de libaneses, sírios e palestinos que, impulsionados por crises socioeconômicas e conflitos geopolíticos, chegaram ao país no final do século XIX e ao longo do século XX.
  • 4
    Têm-se recuperado a história dos malês, muçulmanos africanos escravizados que compuseram as primeiras comunidades islâmicas em nosso país no início do século XIX, como mostra o documentário “Allah, oxalá: na trilha malê” (Barbosa, 2015 Barbosa, F. C. (2015). Allah, oxalá: na trilha malê. [Vídeo]. Brasil: Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA-USP). Recuperado de https://lisa.fflch.usp.br/node/219
    https://lisa.fflch.usp.br/node/219...
    ).
  • 5
  • 6
  • 7
  • 8
    A nomeação do Profeta como “Maomé”, frequentemente utilizada em língua portuguesa, é considerada pelos muçulmanos como pejorativa e ofensiva.
  • 9
    Allah significa “Deus” em árabe.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2022
  • Aceito
    02 Mar 2024
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