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A culpa é de junho de 2013? Os caminhos da alienação política e a ascensão da extrema direita no Brasil

Is June 2013 to blame? The paths of political alienation and the rise of the far right in Brazil

Juin 2013 est-il coupable ? Les chemins de l’aliénation politique et la montée de l’extrême droite au Brésil

¿Es junio de 2013 el culpable? Los caminos de la alienación política y el ascenso de la extrema derecha en Brasil

Resumo

Este artigo apresenta as principais causas e o significado das manifestações maciças de junho de 2013 para discutir como a derrota de seu impulso contribuiu para que uma extrema direita formada posteriormente viesse a se apropriar do sentimento de insatisfação com o sistema político, manipulando-o em um sentido regressivo. Como suporte à sua reflexão, o autor recorre às categorias teóricas de alienação política e angústia social em Franz Neumann.

Palavras-chave:
junho de 2013; alienação política; angústia social; Franz Neumann

Abstract

This paper discusses the main causes of and meanings attributed to the mass demonstrations of June 2013 in Brazil, arguing that the defeat of the movement’s momentum contributed to the later appropriation and regressive manipulation of the political dissatisfaction by the far right. Franz Neumann’s theoretical categories of political alienation and social anxiety help to support the reflection.

Keywords:
June 2013; political alienation; social anxiety; Franz Neumann

Résumé

Cet article porte sur les principales causes et les sens apportées aux manifestations massifs du mois juin de 2013 au Brésil, en affirmant que la défaite de leur dynamisme a contribué pour qu’une extrême droite leur ait confisqué le sentiment d’insatisfaction à l’égard du système politique, en le manipulant dans un sens régressif. Pour soutenir sa réflexion, l’auteur recourt aux concepts d’aliénation politique et d’angoisse sociale chez Franz Neumann.

Mots clés :
juin 2013; aliénation politique; angoisse sociale; Franz Neumann

Resumen

Este artículo presenta las principales causas y el significado de las manifestaciones masivas de junio de 2013 en Brasil para discutir cómo la derrota de su impulso contribuyó para que una extrema derecha, que posteriormente se formará, se apropiara del sentimiento de descontento con el sistema político brasileño, manipulándolo en sentido regresivo. Se utiliza como aporte las categorías teóricas de alienación política y angustia social de Franz Neumann.

Palabras clave:
junio de 2013; alienación política; angustia social; Franz Neumann

Introdução

As datas comemorativas são curiosas. Em geral, convencionou-se valorizar os anos múltiplos de dez que decorrem do acontecimento histórico passado: a década, os vinte e os trinta anos, o meio século, o século, e por aí vai. Determinados assuntos que mereceriam uma reflexão ao longo do tempo e uma autoconsciência dela decorrente são destacados e saturados de atenção para depois serem tirados de cena, tão rapidamente quanto foram relembrados, para então retornarem ao esquecimento ou às citações simplistas e falsificadas. É claro que os calendários comemorativos cumprem funções práticas na organização da economia dos afetos da memória. Não se trata aqui de negar essa utilidade e nem duvidar que a seriedade do pensamento seja possível nesses momentos. Pelo contrário, a soma de esforços reflexivos simultâneos pode lançar novas luzes sobre fenômenos do passado. Contudo, numa sociedade capitalista, as datas comemorativas de eventos históricos também são transformadas em campanhas publicitárias atravessadas pela lógica do espetáculo (Debord, 1967/1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.). É necessário que bens cheguem rapidamente ao mercado, independentemente das qualidades que possuam, e isso vale muitas vezes para produtos ideológicos como análises e opiniões. Portanto, os esforços do pensamento crítico são sempre contra a corrente.

Como não seria surpreendente, o mês de junho de 2023 decorreu com a presença da lembrança dos protestos de rua multitudinários ocorridos dez anos atrás, ou as Jornadas de Junho, como alguns preferem denominar com certo tom épico. Ao longo do mês, aquele acontecimento extraordinário foi objeto de atenção na mídia empresarial, nos blogs de esquerda, nas universidades, em eventos promovidos por editoras para o lançamento de livros etc. Certo que muito do que é produção acadêmica sobre o assunto ainda precisará de tempo para ser devidamente avaliada, de modo que a referência que aqui se faz menção é mais em relação ao discurso público. Dessa face visível, não é difícil presumir ou testemunhar que tal debate se desdobrou para as redes sociais, postagens no Twitter, grupos de WhatsApp e conversas diretas. Parece ser um consenso nessa cobertura atribuir àquele episódio de revolta de massa uma importância capital para transformações na realidade política e ideológica brasileira, e não são poucos os que veem aquele momento como o mais determinante para possibilitar as tragédias e os dramas que se abateram sobre o Brasil pelos anos seguintes. Contudo, há uma evidente contradição entre atribuir tanta importância a um evento histórico e concentrar atenção midiática por apenas poucas semanas.

Evidentemente, esses problemas na abordagem dos eventos históricos de relevo não são novos e muito menos restritos ao Brasil, e podemos lembrar, por exemplo, da célebre denúncia dos surrealistas à manipulação do centenário de 1830 na França (Breton, 1929/2001Breton, A. (2001). Segundo Manifesto do Surrealismo. In A. Breton, Manifestos do Surrealismo. Rio de Janeiro, RJ: Nau Editora., p. 183). No mais, a crítica de Walter Benjamin (1940/1994)Benjamin, W. (1994). Sobre o conceito da História. In W. Benjamin, Mágia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (7a.ed). São Paulo, SP: Brasiliense. ao papel ideológico da narrativa historiográfica dos vencedores e dominadores é bastante conhecida. Quando não deliberadamente esquecidas, as memórias das lutas rebeldes estão sujeitas a serem apropriadas pelo mercado ou manejadas por interesses políticos dominantes. No que se refere à memória da revolta urbana brasileira de 2013, o problema não está apenas nessas forças notoriamente elitistas, mas no próprio moderantismo, e até mesmo conservadorismo, da esquerda institucionalizada que atribui culpa às massas que foram às ruas, como se lhes faltassem certos traquejos e cálculos inerentes ao exercício da política profissional. Todo esse discurso exibe uma recusa de encarar com seriedade de análise o que aconteceu e, como salienta Marcos Nobre (2023Nobre, M. (2023). Como Junho de 2013 levou a culpa pelos desastres do país. Folha de S.Paulo, Caderno Ilustríssima de 3 de junho de 2023.), é uma maneira conveniente de “livrar a cara do sistema político pelo que fez ou deixou de fazer em resposta a junho”.

Na era da “desinformação digital em rede” (Schneider, 2022), há uma ambiência técnica, econômica e cultural que oferece outros ritmos e dimensões à circulação e predomínio das meras opiniões totalmente alheias aos fatos. Longe de significar uma crítica do existente, a ignorância ou a desconsideração deliberada de fatos centrais do passado tende a reforçar a vigência dos fatos consumados do presente. Portanto, em um evento histórico como as manifestações de massa de 2013, tão polêmico de interpretações, qualquer análise deve partir de uma rememoração dos fatos e de suas determinações, ainda que por meio de um resumo que anteceda a exposição propriamente teórica. Isso se faz necessário tendo em vista que no debate público sobre a revolta de junho de 2013 não há apenas controvérsias sobre os sentidos a serem extraídos de tal acontecimento e que fundamentam diferentes tomadas de posição política por parte de grupos e indivíduos, o que seria normal e previsível, mas persiste uma profunda oposição entre versões sobre o que de fato realmente aconteceu. E em se tratando de algo que se deu recentemente no tempo histórico, há uma pluralidade de visões e percepções decorrentes das memórias que foram se construindo ao longo dos últimos dez anos.

Os fatos e seus fatores

O levante de massa de junho de 2013 foi um evento imprevisível, mas nem por isso foge à razão. Havia, sem dúvida, um certo “espírito do tempo” favorável à insubordinação que se revelava no ciclo de revoltas daquele período em diversas partes do mundo, mas influências externas sempre se subordinam à estrutura social interna. No Brasil, apareciam sinais do aumento de tensões relacionadas a contradições urbanas, e retrospectivamente é sempre muito mais fácil avaliá-los. Em Porto Alegre, uma luta que vinha desde janeiro conquistou em abril a revogação do aumento da tarifa - primeiro veio uma decisão judicial liminar e, com a continuidade da mobilização, a prefeitura decidiu não recorrer. Em maio, manifestações pela mesma causa ocorreram nas cidades de Natal e Goiânia. Tais lutas serviram de exemplo para os milhares de jovens que começaram a sair às ruas no início do mês de junho, especialmente em São Paulo, onde em 6 de junho foi levantado o cartaz “repetiremos Porto Alegre”. Nesse momento, quem estava à frente da luta era o Movimento Passe Livre (MPL), uma rede não hierárquica de pequenos grupos autonomistas organizados regionalmente (Giraldes, 2017Giraldes, M. (2017). O acaso e o desencontro: das manifestações de 2013 ao golpe de 2016. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., pp. 30-31; Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 242-253), cujo lema principal, “por um mundo sem catracas”, carrega uma forte e eloquente poética emancipatória que lembra o estilo textual de movimentos tão diferentes como o situacionismo e o zapatismo.

As contradições urbanas que apareciam em 2013 não estavam restritas à questão do transporte público. No final de março, no Rio de Janeiro, ocorreu uma ação policial, ordenada pelo governo do estado, que despejou pela força uma comunidade indígena que há anos ocupava um prédio histórico em ruínas nas cercanias do estádio do Maracanã, no que antes havia sido o Museu do Índio. A ação da polícia foi especialmente truculenta e a resistência da autodenominada Aldeia Maracanã, cujos integrantes reivindicavam o direito a uma existência indígena dentro da metrópole, atraiu a solidariedade ativa de uma militância não indígena que se colocava em oposição à violência dos projetos de modificação urbana relacionados à realização da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Quando eclodiram as manifestações de junho, a Aldeia Maracanã foi uma presença e um símbolo de prestígio nas ruas do Rio de Janeiro (Torraca, 2016Torraca, L. (2016). Democracia encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris., pp. 20-21, 229; Giraldes, 2017Giraldes, M. (2017). O acaso e o desencontro: das manifestações de 2013 ao golpe de 2016. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., p. 32). Em abril e maio, estudantes secundaristas da periferia de São Paulo, solidários aos professores da rede pública em greve, criaram a palavra de ordem “educação padrão FIFA”, que viria a se difundir em junho como um lema irônico na reivindicação por melhores serviços públicos (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 275).

Os sinais anteriormente mencionados não eram exatamente apenas sinais, mas elos que já se encadeavam como parte do processo de ebulição popular que viria a irromper em junho. No entanto, havia determinações sociais mais profundas. Melhorias nas condições de vida dos mais pobres eram evidentes, com mais acesso a bens materiais e elevação da escolaridade, as quais resultavam de uma série de políticas públicas e gastos governamentais, favorecidos, todos estes, por um cenário internacional de valorização dos preços dos bens primários produzidos no país (o ciclo das commodities). A despeito desses avanços sociais, não se rompia com a estrutura urbana vigente e o crescimento econômico recente elevava as contradições a outro patamar (Maricato, 2015Maricato, E. (2015). Para entender a crise urbana. São Paulo, SP: Expressão Popular.). Desde 2008, os preços dos aluguéis apresentavam uma curva ascendente e alguns números são bastante impressionantes. De acordo com o Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados, havia em junho de 2013, em relação a janeiro de 2008, um aumento acumulado de 87,98% e 131,17% nos preços dos aluguéis anunciados para novas locações em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, números que se colocavam muito acima da inflação e das médias de aumentos salariais do período. No entanto, as contradições de junho de 2013 não diziam respeito exclusivamente à crise urbana, mas também às relações de trabalho. Desde o começo da série histórica do Dieese, no início dos anos 80, nunca um ano havia tido tantas greves quanto 2013. Foram 2.050 paralisações de trabalhadores no país, sendo 54,5% no setor privado (Giraldes, 2017Giraldes, M. (2017). O acaso e o desencontro: das manifestações de 2013 ao golpe de 2016. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., pp. 42-51). Além de a multiplicação das greves e das multidões protestando nas ruas, o ano de 2013 foi intenso em ocupações urbanas. Na realidade, as manifestações de massa deram um impulso a movimentos sociais por moradia no segundo semestre de 2013. Em cidades como São Paulo e Belo Horizonte, cresceu significativamente o número de ocupações urbanas e de pessoas vivendo nelas (Andrés, 2013, pp. 306-310). Não pode ser uma mera coincidência sem significado a ocorrência em um mesmo ano de tantas pessoas protestando nas ruas, tantos trabalhadores em greve e tantas ocupações de imóveis e terrenos urbanos.

Ainda que precários, os dados disponíveis sobre junho de 2013 permitem vislumbrar os perfis mais marcantes nas ruas. Em primeiro lugar, esses dados desmentem que aquelas fossem manifestações dominadas pela classe média, embora existisse alguma sobrerrepresentação dessa camada social, o que, aliás, não era nenhuma novidade na história brasileira. Os mais pobres enfrentam maiores limitações de tempo, distância e dinheiro para deslocamentos dentro da cidade. Mesmo assim, uma grande proporção dos que participaram estavam inseridos nas faixas de renda baixa ou média baixa. Na pesquisa mais geral, realizada pelo Ibope em oito capitais (SP, RJ, MG, RS, PE, CE, BA e DF) na noite de 20 de junho, data das maiores concentrações de todo o evento, 45% responderam ter renda familiar mensal de até cinco salários mínimos, enquanto 49% responderam ter renda superior a esse nível e 6% não responderam. Por outro lado, pesquisas realizadas com foco em metrópoles específicas demonstram uma composição mais popular do que a aferida pelo Ibope. Na mesma noite de 20 junho, a Plus Marketing identificou 88% de manifestantes que declararam renda familiar mensal de até cinco salários mínimos no Rio de Janeiro, sendo 34% com renda familiar de até dois salários mínimos. De sua parte, o Instituto Innovare revelou 56% com renda familiar até cinco salários mínimos na manifestação de Belo Horizonte em 22 de junho. Nota-se que todas essas pesquisas mediram a renda total pela soma dos ganhos de todos na mesma residência, e não a renda familiar per capita. Ademais, é importante ter em vista que todas essas pesquisas foram realizadas durante grandes atos nas capitais, que em geral ocorrem em áreas centrais das cidades, mas em junho de 2013 contabilizaram-se protestos em centenas de municípios (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 265). Em grandes metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, mobilizações foram vistas em bairros e municípios da periferia (Singer, 2013Singer, A. (2013). Brasil, junho de 2013: classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos CEBRAP, (97), 22-40. doi: 10.1590/S0101-33002013000300003
https://doi.org/10.1590/S0101-3300201300...
; Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 308). No que se refere aos recortes de idade e escolaridade, as manifestações de junho de 2013 apresentam uma identidade mais nítida que a renda. Pela pesquisa do Ibope, 63% dos manifestantes tinham entre 14 e 29 anos, 43% possuíam curso superior completo e outros 49% apresentavam ensino médio completo ou ensino superior iniciado. Pode-se então concluir, pelos dados apresentados, que o perfil predominante no ponto alto das manifestações foi o de jovens com alta escolaridade pertencentes ao proletariado ou à classe média (Singer, 2013Singer, A. (2013). Brasil, junho de 2013: classes e ideologias cruzadas. Novos Estudos CEBRAP, (97), 22-40. doi: 10.1590/S0101-33002013000300003
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; Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 271).

A posição da mídia e sua influência nos protestos é um ponto polêmico do debate sobre as manifestações de 2013. Há um senso comum que se consolidou em parte da esquerda que afirma que as manifestações se tornaram gigantescas e se espalharam por todas as regiões do país quando o oligopólio midiático, em especial as Organizações Globo, passou a expressar apoio aos protestos, e que a partir desse momento de virada, mais especificamente no dia 17 de junho, o sentimento popular foi manipulado e canalizado para pautas conservadoras e moralizantes. Mas será que é possível atribuir à ação da mídia empresarial a responsabilidade pela explosão popular? Não obstante o repúdio inicial do oligopólio midiático às demandas e ações dos manifestantes, o Datafolha já apontava em 13 de junho que 55% dos paulistanos apoiavam os protestos contra o aumento das tarifas de ônibus. Essa pesquisa foi realizada antes da manifestação que veio a ocorrer na mesma data, quando a brutal violência policial, inclusive contra jornalistas, certamente contribuiu para o aumento da solidariedade da população. Segundo o Datafolha, o apoio às manifestações cresceu para 77% em 18 de junho. Considerando ser muito provável que esse crescimento também estivesse ocorrendo em outras capitais, tendo em vista a tendência geral de maior comparecimento aos atos de rua, é razoável questionar se a virada na cobertura midiática não teria sido mais adaptação à onda crescente de apoio popular em vez de um cálculo para angariar maior engajamento da população. Nesse aspecto, as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus em Porto Alegre, que antecederam em poucos meses o levante nacional de junho, são interessantes de se mencionar por revelarem tendências que depois se mostrariam por todo o país. Entre o protesto de 25 de março e de 1º de abril na capital gaúcha, o número estimado de manifestantes se multiplicou por dez, passando de 500 para 5 mil, apesar de toda campanha abertamente hostil por parte da imprensa. Por outro lado, com a multiplicação dos manifestantes, também apareceria uma pluralidade de cartazes individuais, o que se tornaria depois uma marca das manifestações de junho de 2013 (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 250-252).

Outra ponderação à suposta liderança dos meios de comunicação empresariais é que na pesquisa do Ibope de 20 de junho, 62% responderam que souberam da convocação do protesto pelo Facebook; 29%, por outros meios da internet; 1%, pelo Twitter; 31%, por amigos, colegas ou familiares; 3%, pela base do movimento; 25%, por televisão, rádio, jornais impressos ou jornais on-line. A soma das respostas resulta em mais de 100%, o que demonstra que as pessoas podiam saber das manifestações por mais de uma fonte. No entanto, esses dados nos revelam que o peso da mídia tradicional na divulgação dos protestos teria sido muito menor do que o Facebook e ainda menos importante que as convocações pessoais ou por outros meios da internet.

Independentemente de quais tenham sido as motivações para a mudança da cobertura midiática a partir de 17 de junho, o fato é que o oligopólio midiático passou a tentar influenciar os protestos a se concentrarem na pauta anticorrupção em detrimento das bandeiras mais sociais. No geral, aqueles que assumem a narrativa de que as manifestações foram capturadas por uma orientação de direita se concentram nesse momento. Especial destaque é dado às ações de intolerância e brutalidade por parte de manifestantes contrários à presença de bandeiras de partidos e movimentos sociais no dia 20 de junho, e que evidentemente expressavam ignorância e tendências reacionárias presentes no interior da massa, que nunca é um ente desprovido de contradições, ainda que houvesse a infiltração de provocadores e gangues fascistas (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 279-280). Esses elementos parciais da realidade embasam o discurso sobre o “ovo da serpente”, mas o problema desse ponto de vista é que ele para na manifestação de 20 de junho, no máximo no pronunciamento de Dilma Rousseff em cadeia de rádio e televisão no dia seguinte, e pula diretamente para a Lava Jato e a campanha pelo impeachment. Desse discurso passa despercebido o editorial do jornal O Globo, em 22 de junhoO Globo. Ultrapassou os limites. Editorial de 22 de junho de 2013., “Ultrapassou os limites: é evidente a utilização das manifestações por grupos de vândalos, movidos por ideologia de fundo político ou não”. A recomendação era que as pessoas saíssem das ruas e depositassem suas expectativas na luta institucional: “As ruas são apenas parte dos processos de mobilização política. Uma etapa que se esgota, como a atual se esgotou”. Os que falam em “ovo da serpente” se esquecem do que veio depois: toda a campanha midiática de criminalização das manifestações com a desculpa de combater “vândalos” e “black blocs”; os confrontos permanentes entre policiais e manifestantes; os inquéritos policiais abertos; a explosão das ocupações de terrenos e imóveis urbanos em cidades como São Paulo e Belo Horizonte; as ocupações de câmaras de vereadores em diversas capitais na reivindicação pelo direito ao transporte púbico; as palavras de ordem “Onde está o Amarildo?” e pelo “fim da Polícia Militar”; a aliança entre manifestantes e os movimentos grevistas de professores, garis e rodoviários no Rio de Janeiro; o fenômeno dos “rolezinhos” de jovens negros e pobres em shoppings centers; a Campanha pela Liberdade de Rafael Braga (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 302-328) 1 1 Os casos Amarildo e Rafael Braga são bastante ilustrativos da violência racista do Estado. No dia 14 de julho de 2013, o servente de pedreiro Amarildo Dias de Souza foi levado de sua casa, na Favela da Rocinha, por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada na comunidade e nunca mais foi visto (Andrés, 2023, p. 325). No dia 25 de julho, moradores da Rocinha saíram em manifestação até o bairro do Leblon, onde encontraram os ativistas do movimento Ocupa Cabral, que acampavam na rua onde residia o então governador Sérgio Cabral Filho. Durante dias, os dois movimentos compartilharam o mesmo acampamento, o que expressou naquele momento uma unidade entre manifestantes do morro e do asfalto (Torraca, 2016, p. 166, nota 414). Em 2019, dos vinte e cinco policiais militares denunciados pelo Ministério Público, oito acabaram condenados em segunda instância pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação de cadáver (ver https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-03/justica-absolve-policiais-acusados-de-tortura-e-morte-de-amarildo, consultado em 9 de julho de 2023). Também no Rio de Janeiro, mas algumas semanas antes, na grande manifestação de 20 de junho de 2013, Rafael Braga foi preso pela polícia sob a alegação absurda de portar dois frascos contendo detergente de cozinha e água sanitária. Ele trabalhava como catador de lixo, dormia nas ruas do centro da cidade durante a semana para economizar com transporte e não participava do protesto. Ele foi condenado por porte de material explosivo e passou alguns anos na prisão (Torraca, 2016, pp. 276-277; Andrés, 2023, pp. 324-325). .

Ao contrário do que alegam os adeptos da tese do “ovo da serpente”, as empresas de mídia não obtiveram sucesso na tentativa de impor uma direção ideológica à massa nas ruas. As pautas dos protestos continuaram bastante amplas e plurais. Como se sabe, a oposição à PEC 37 estava no centro do discurso da mídia e não era difícil incutir a ideia de que tal proposta de mudança constitucional não passava de uma artimanha de políticos corruptos para garantirem a própria impunidade, afinal, abolir a prerrogativa de investigação criminal dos ministérios públicos seria conferir um monopólio para as polícias. Ser contra ou a favor da PEC 37 não era um fator de delimitação entre esquerda e direita, existindo posições divergentes nos dois campos. Mesmo assim, em 22 de junho, um ato de rua convocado pela direita exclusivamente para protestar contra a PEC 37 reuniu cerca de trinta mil pessoas na Avenida Paulista, o que não é pouco, mas naquela semana de milhões nas ruas significava um número modesto (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 267-268). Além do mais, a PEC 37 sairia de cena no dia 25 de junho, arquivada pela Câmara dos Deputados, enquanto as manifestações e ocupações de espaços públicos se prolongariam, com idas e vindas, por mais alguns meses.

Apesar de pautas amplas, difusas, por vezes contraditórias e até opostas, é possível identificar duas linhas principais de insatisfação na massa que protestava. De acordo com a já referida pesquisa do Ibope de 20 de junho, havia uma pluralidade de causas mencionadas, mas algumas se destacavam. Quando considerada apenas a primeira resposta sobre o motivo de ter ido à manifestação, 27,8% alegaram lutar contra o aumento ou a favor da redução das tarifas; 24,2% citaram a corrupção; 12,1% reivindicavam melhorias na saúde e 5,3% na educação; 5,5% se opunham prioritariamente à PEC 37; 4,5% estavam contra os gastos com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Ao se considerar três razões principais, o resultado era 49% contra a corrupção; 40,5% contra a tarifa do transporte; 36,7% pela saúde e 29,8% pela educação; 11,9% contra a PEC 37; 30,9% contra os gastos com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. A elevada porcentagem de respostas sobre o transporte público é ainda mais notável ao se ter em conta que na véspera já havia ocorrido a revogação do aumento das passagens de ônibus em alguns municípios, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Por mais que devamos guardar ressalvas diante das pesquisas de opinião apresentadas pelos institutos ligados à grande mídia, é possível vislumbrar que a revolta popular de junho de 2013 expressou tanto o desejo e a reivindicação pelos “bens comuns” da vida na cidade (Rolnik, 2015Rolnik, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e das moradias na era das finanças. São Paulo, SP: Boitempo ., p. 375) quanto uma profunda insatisfação com o sistema político. Os protagonistas dessa revolta foram majoritariamente jovens com alta escolaridade oriundos do proletariado e da classe média. Entretanto, não era apenas neles que se expressavam aquelas demandas e insatisfações, tendo em vista o altíssimo apoio detectado na população durante o auge dos protestos. Se ocorreu essa empatia, isso se deu, em alguma medida, pelo fato de a maioria da população, que não participou diretamente indo às ruas, via nas manifestações o reflexo de anseios que também nutria. O que se verificou nos anos seguintes é que a insatisfação com o sistema político acabou desempenhando um papel central nos movimentos da conjuntura nacional. Para auxiliar na análise da trajetória dessa insatisfação antissistema, será útil a referência ao texto de um autor ligado ao “círculo externo” da Escola de Frankfurt.

A alienação política segundo Franz Neumann

Franz Neumann é mais conhecido por ter desenvolvido uma teoria do direito no capitalismo (1936/2013) e ser o autor de uma das pesquisas mais completas, até hoje, sobre o nazismo (1942/2009). A sua obra mais célebre, Behemoth: the structure and practice of national socialism (2009)Neumann, F. (2009). Behemoth: the structure and practice of national socialism, 1933-1944. Chicago: Ivan R. Dee, 2009., é uma análise robusta e bem documentada do regime fascista alemão em suas determinações econômicas, administrativas, legais e ideológicas. Essa obra tornou-se um clássico e até hoje é uma referência importante nos estudos historiográficos sobre o nazismo (Paxton, 2004/2007Paxton, R. (2007). A anatomia do fascismo. São Paulo, SP: Paz e Terra.). Um pouco menos conhecido é o seu artigo Ansiedade e política, de 19542 2 No original alemão, Angst und Politik e na versão em inglês, Anxiety and Politics, de modo que os títulos de Neumann são traduzidos para o português como Ansiedade e Política (1969), na edição traduzida do inglês, ou Angústia e Política (2017), na edição traduzida do alemão. Para as citações textuais e as referências de páginas, uso no artigo a edição de 1969 tão somente por familiaridade, e não por alguma preferência de versão. . Infelizmente, Neumann morreu pouco depois em um acidente de carro na Suíça, mas o seu derradeiro texto permanece como uma leitura útil para a compreensão dos mecanismos psicológicos da ascensão de movimentos de massa de extrema direita. No referido artigo, Nemann faz uma combinação entre a psicanálise freudiana e a teoria marxista da alienação ‒ sem deixar de “pagar tributo” aos antecedentes filosóficos de Marx no idealismo alemão (Schiller, Hegel e Feuerbach). Em termos acadêmicos, pode-se dizer que Neumann realiza uma interpretação marxista especialmente do livro de Freud Psicologia de massas e análise do Eu (1921/2011)Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud,. Obras completas (vol. 15, pp. 13-113). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1921). e que o artigo se coloca em uma zona interdisciplinar entre psicologia social, teoria política e história das ditaduras.

Neumann menciona três tipos de alienação: psicológica, social e política. A alienação psicológica é aquela que nasce da oposição entre o instinto, que impele cada indivíduo ao prazer, e a vida em sociedade, pois a satisfação instintiva sem limites é incompatível com o progresso civilizatório. A referência aqui obviamente é o livro de Freud, O mal-estar na civilização (Freud, 1930/2010Freud, S. (2010). O mal-estar na civilização. In S. Freud, Obras completas (vol. 18, pp. 13-122). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1930).), que Neumann aceita como pressuposto antropológico. A renúncia às satisfações dos instintos caracteriza o que Neumann denomina alienação psicológica e nem sempre a angústia que decorre desse fenômeno assume contornos patológicos, cumprindo, inclusive, funções de proteção e amadurecimento. Mas essa é uma condição antropológica que torna as outras formas de alienação psicologicamente possíveis (Honneth, 2003Honneth, A. (2003). “Anxiety and Politics”: The Strengths and Weaknesses of Franz Neumann’s Diagnosis of a Social Pathology. Constellations, 10(2), 247-254. doi: 10,1111/1467-8675.00327.
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, p. 248), embora Neumann não chegue a se debruçar sobre a causa de determinadas pessoas se mostrarem psicologicamente mais suscetíveis que outras à propaganda fascista, apesar de estarem inseridas em condições materiais de vida semelhantes, questão que já havia sido objeto de outros estudos frankfurtianos, como aqueles dedicados à personalidade autoritária (Adorno; Frenkel-Brunswik; Levinson & Sanford, 1950/2019Adorno, T., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D., & Sanford, R. (2019). The Autoritharian Personality.. London; New York: Verso.). Diferentemente de ser uma condição da vida em civilização, a alienação social é um fenômeno historicamente vinculado à dominação do modo de produção capitalista. Aqui as referências teóricas principais são os Manuscritos econômico-filosóficos (1844/2004)Marx, K. (2004). Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo, SP: Boitempo . e O capital (1867/1985)Marx, K. (1985). O Capital: crítica da economia política (2a. ed.). 2 volumes. Coleção Os Economistas. São Paulo, SP: Nova Cultural., de Marx. Na consciência alienada, há um estranhamento em relação ao mundo que, apesar de resultado da práxis humana, aparece, para essa consciência, como um fato dado. A base econômica da alienação social é a divisão social do trabalho enquanto ordenação desigual e hierárquica que separa o trabalhador da propriedade dos meios de trabalho que utiliza e do próprio produto do seu trabalho. Com o predomínio da divisão social do trabalho voltada para a produção mercantil em larga escala, os indivíduos, nesse tipo de sociedade, se veem dominados por objetos que são produtos de atividade social humana (mercadorias), e, desse modo, são alienados da natureza, de si mesmos e de seus semelhantes. Essa estrutura social capitalista de desigualdade e alienação funda a concorrência entre as pessoas em todos os níveis, da qual decorre a insegurança e “o medo de degradação social” (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 317). Como a concorrência é disseminada, o medo da deterioração das condições econômico-sociais de existência ou de perda de status permeia as lutas de classes e se expressa nos conflitos e opressões de grupos raciais e religiosos.

A crise econômica costuma disparar o medo social de aviltamento das condições de vida ou do status. Mas para que surjam movimentos de massa reacionários, tipo o fascismo, Neumann salienta que a esse quadro é necessário que coexista o fenômeno da alienação política:

. . . a rejeição consciente de todo o sistema político que se manifesta como apatia porque o indivíduo não vê possibilidade de mudar o que quer que seja no sistema por meio de seus esforços. A vida política pode, por exemplo, se exaurir na competição de partidos políticos que sejam meras máquinas sem participação da massa, mas que monopolizam a política em tal extensão que torna impossível o aparecimento de um novo partido dentro das regras válidas do jogo. É . . . o cerne do que caracterizo como alienação política. Geralmente, e se funciona dentro da alienação social, ela leva à paralisia parcial do Estado e abre o caminho para um movimento cesarista que, desprezando as regras do jogo, se utiliza da incapacidade do cidadão para tomar decisões individuais e compensa a perda do ego pela identificação com um césar (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 318).

Quando a alienação política leva ao desinteresse e à apatia em relação ao sistema político, não é a princípio uma ameaça. O alheamento das massas da política é o ideal e a realização dos regimes liberal-burgueses que permite que se governe sem prestar contas ao povo. Por um longo período, diferente em cada país, essa não participação era garantida pela proibição do associativismo operário e por várias regras censitárias de restrição do voto e da elegibilidade dos cidadãos. O problema é quando a alienação política se torna ativa e questiona o sistema político. Não é difícil perceber que essa categoria de Neumann guarda analogias com o que Gramsci denomina “crise de autoridade” ou “crise de hegemonia” na relação entre representantes e representados (Gramsci, 2000Gramsci, A. (2000). Cadernos do cárcere, v. 3. Maquiavel - notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira., p. 60).

A oposição em face de um sistema político que se declara democrático, mas na prática é elitista e restritivo, pode assumir formas e conteúdos democráticos ou autoritários, de esquerda ou de direita. O tipo autoritário de direita é o objeto principal do estudo de Neumann, que estava interessado em compreender “o apoio dado à ditadura pelas massas menos privilegiadas” (Marcuse, 1957/1969Marcuse, H. (1969). Prefácio. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 7-10). Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores. (Trabalho original publicado em 1957), p. 9). Neumann até menciona a possibilidade de ocorrerem associações democráticas, de “identificação cooperativa”, não “cesaristas” e, portanto, não baseadas na angústia e no medo, mas ele não chega a desenvolver essa categoria (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 305). No mesmo sentido, Adorno havia ressaltado que o fenômeno de rendição do Eu diante da imagem de um líder, que para ele é a identificação conformista com o mundo existente, é mais típico dos “movimentos ultrarreacionários” do que dos “movimentos que demonstram mais confiança nas massas” (1951/2015Adorno, T. (2015). Teoria freudiana e o padrão da propaganda fascista. In T. Adorno, Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo, SP: Editora UNESP, 2015. (Trabalho original publicado em 1951)., pp. 183-185). Por outro lado, Neumann também reconhece a existência de associações sem investimento libidinal, assentadas tão somente na “coação” ou nos “interesses materiais comuns” (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 304). Todavia, Freud já havia anotado que a permanência de uma “comunidade de interesses” para além da “vantagem imediata” pressupõe alguma ligação libidinal que prolongue e fixe a associação entre os participantes (Freud, 1921/2011Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud,. Obras completas (vol. 15, pp. 13-113). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1921)., p. 58).

O que liga os indivíduos inseridos em movimentos regressivos de massa é a identificação afetiva, de natureza libidinal, com um líder. Como se sabe, para Freud a identificação que predomina nas aglomerações efêmeras não é do Eu (ego) dos indivíduos da massa para com a imagem do líder, mas do Super-eu (superego) deles, que identificam no líder a liberdade de ação e outros atributos que admiram e gostariam de ter. Portanto, ocorrem duas identificações: a de cada indivíduo da massa com o líder, que não é visto como um igual, mas hipnoticamente como um ideal do Eu; e a identificação dos indivíduos entre si por compartilharem o investimento libidinal em relação a uma mesma figura carismática (Freud, 1921/2011Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud,. Obras completas (vol. 15, pp. 13-113). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1921)., pp. 64-65, 111-112). Por sua vez, a identificação do Eu seria mais rara e típica de indivíduos em que não se desenvolveu a separação entre o Eu e a consciência moral, isto é, o Super-eu e, para esses, basta que as características de personalidade deles coincidam com a força e a liberdade libidinal que o líder aparenta ter (Freud, 1921/2011Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud,. Obras completas (vol. 15, pp. 13-113). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1921)., p. 93). Por outro lado, cada indivíduo possui “múltiplos laços por identificação”, o que inclui “raça, classe, comunidade de fé, nacionalidade etc.”, que lhe fornecem “diversos modelos” para a construção do “ideal do Eu”. A “independência e originalidade” que o indivíduo conseguirá preservar ou desenvolver diante de cada uma dessas identificações comunitárias dependerá de sua própria história (Freud, 2011, p. 92). Portanto, é possível aferir que as identificações resultantes de subculturas de raça, classe, fé, nacionalidade etc. e a história de cada indivíduo tanto podem facilitar quanto dificultar a rendição psicológica diante de determinada imagem de líder.

A leitura de Neumann é que a manipulação da angústia social ativa as estruturas neuróticas e paranoicas preexistentes de alienação psicológica, resultando em uma rendição do Eu diante do líder cesarista. Para Neumann, a manipulação passa necessariamente por alguma teoria de conspiração na história. Para que tenha eficácia, a teoria da conspiração, por mais mentirosa que seja, precisa se basear em algum resíduo de verdade, ainda que muito indireto. É o que Neumann chama de “concretização falsa” e que confere força ideológica de aparência de verdade à teoria da conspiração (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 306). A concretização falsa da propaganda nazista era a realidade da crise econômica e das duras condições impostas pelo Tratado de Versalhes, a partir das quais se erigia a mentira de que tudo não passava de uma conspiração de marxistas e judeus aliados a interesses estrangeiros que visavam destruir o povo alemão. “A Alemanha de 1930-1933 era a terra da alienação e da ansiedade” (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 314).

A manipulação da angústia e do medo por meio de alguma teoria da conspiração na história reforça a alienação, pois retira das pessoas a real compreensão do “processo que leva à degradação” de suas condições de vida (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), p. 321). O objetivo do movimento regressivo é mobilizar a alienação política da massa para a destruição do sistema político existente não no sentido de uma maior emancipação, mas para expropriar o pouco que há de direitos e liberdade conquistados. Contudo, a relação afetiva com o líder carismático é sempre precária, e, por isso, uma vez no poder, o movimento regressivo necessita de alguma forma se institucionalizar. Desse modo, a angústia é prolongada no tempo por meio das técnicas de propaganda; do terror da “incalculabilidade das sanções”; e do cometimento de crimes em comum pelos seguidores do líder, o que reforça os laços entre os componentes da massa mobilizada e organizada (Neumann, 1954/1969Neumann, F. (1969). Ansiedade e Política. In F. Neumann, Estado democrático e Estado autoritário (pp. 296-329). Rio de Janeiro, RJ: Zahar . (Trabalho original publicado em 1954), pp. 318-321).

A manipulação do medo e a ascensão da extrema direita

A extrema direita não teria o sucesso que alcançou no Brasil sem se apropriar do desprestígio do sistema político que circulava na sociedade, mas nada disso poderia se dar de maneira automática. Foi necessário que o deslocamento da conjuntura histórica nacional produzisse certas condições e oportunidades.

O prolongamento das manifestações após o auge festivo das multidões na semana entre 17 e 22 de junho de 2013 levou a uma polarização nas ruas entre os manifestantes que continuaram na luta e o aparelho repressivo do Estado. Pelos meses seguintes, nunca mais se repetiu o ponto máximo daquela semana, mas nem por isso as manifestações deixaram de ser frequentes, algumas, inclusive, reuniram milhares de pessoas (Torraca, 2016Torraca, L. (2016). Democracia encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris., pp. 236-280; Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 323-328), várias das quais estiveram expostas a agressões físicas, ameaças, prisões, inquéritos e processos judiciais (Artigo 19, 2014Artigo 19 no Brasil (2014). Protestos no Brasil 2013. Relatório técnico. Recuperado de https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2014/06/Protestos_no_Brasil_2013-vers%C3%A3o-final.pdf.
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). Nessa fase, a posição da grande mídia empresarial já era novamente de apoio à manutenção violenta da ordem. Quando chegou a Copa do Mundo de 2014, eram poucos os manifestantes que continuavam ativos, mas nem por isso a repressão policial e judicial foi abandonada - e o apoio popular aos protestos havia se tornado minoritário (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 323-328, 331-333). Toda essa campanha midiática em defesa da polícia, pela ordem, pela salvaguarda do patrimônio público e privado, contra a desobediência civil, e até mesmo de criminalização das manifestações coincidiu com uma maior direitização da sociedade brasileira nos anos seguintes. Outros fatores certamente contribuíram para isso, talvez até com maior peso, como a crise econômica, a Lava Jato e a campanha pelo impeachment, mas não é razoável desconsiderar toda a ação ideológica da mídia e do aparelho repressivo do Estado entre o segundo semestre de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 (Giraldes, 2017Giraldes, M. (2017). O acaso e o desencontro: das manifestações de 2013 ao golpe de 2016. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., pp. 62-65).

Derrotada a direita tradicional e liberal-conservadora na eleição presidencial de outubro de 2014, reeleita Dilma Rousseff, iniciou-se uma nova conclamação às ruas. A direita havia aprendido as lições de junho de 2013 sobre a importância das mobilizações de massa. As manifestações pelo impeachment realizadas em 2015 e 2016 também apresentaram seus momentos multitudinários, mas as diferenças com junho de 2013 não passam despercebidas. Primero, as mobilizações da direita apresentaram um perfil etário diferente. O Datafolha detectou em manifestações paulistas as seguintes médias de idade: 27,1 anos em 17/6/2013; 45,5 anos na maior concentração de massa pelo impeachment, em 13/3/2016; e 38,9 anos na convocação da esquerda contra o impeachment, em 18/6/2016. Com a perda do impulso de junho de 2013, uma juventude saiu das ruas e não mais voltou. Segundo, não houve nenhuma contradição no apoio do oligopólio midiático às manifestações da direita, que foi integral e em bloco. Terceiro, a ética e a estética dos protestos de 2013 foram completamente opostas às das manifestações pelo impeachment. Enquanto a imagem de 2013 foi de repressão policial e resistência juvenil, as manifestações da direita em 2015 e 2016 exibiam selfies com a PM. Por mais contraditórias que tenham sido, as manifestações de 2013 foram em luta contra o aparelho repressivo do Estado. As da direita exibiam repúdio pelo sistema político, mas demonstravam confiança nos ministérios públicos, nos juízes, nas polícias, nas forças armadas, nos agentes criminosos da ditadura militar, e por isso eram pró-autoridade e repressivas (Giraldes, 2017Giraldes, M. (2017). O acaso e o desencontro: das manifestações de 2013 ao golpe de 2016. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., pp. 64-66).

Como demostrou Singer (2015Singer, A. (2015). Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Novos Estudos CEBRAP , (102), 39-67. doi: 10.25091/S0101-3300201500020004
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), entre 2011 e 2012 se constituiu uma “frente única burguesa antidesenvolvimentista” de oposição ao governo Dilma. Esse movimento pelo alto foi o sujeito classista da campanha pelo impeachment. Em março de 2014, surgiu a Lava Jato, expressão de uma elite togada que logo passou a agir politicamente contra o governo federal e o Partido dos Trabalhadores. Em 31 de agosto de 2016, o Senado, com a conivência do Supremo Tribunal Federal, concluiu o processo de impeachment e referendou a instalação de um governo formado por homens brancos ricos que eram a imagem do conservadorismo do sistema político brasileiro. Ao mesmo tempo, cresciam a angústia, o medo e a revolta no contexto de uma grave crise econômica, em parte causada pelo fim do ciclo internacional das commodities, em parte intensificada pela política, e em parte prolongada pelo retorno do neoliberalismo como programa de governo.

Dentro dessa conjuntura, surgiu, quase como “acidente”, uma nova direita, de massa, extremista, com discurso antissistema, hábil no uso das redes sociais, não sujeita à direção da mídia tradicional e tendo por proposta levar o neoliberalismo às últimas consequências. Essa extrema direita é quem mais conseguiu instrumentalizar, contra o sistema político, os afetos de angústia e medo decorrentes da crise econômica, valendo-se amplamente da exploração de teorias da conspiração. A extrema direita manipula tanto o medo em relação à pauperização das condições materiais de vida quanto o ressentimento diante da possibilidade de perda de status em relação àqueles que estão em uma condição socialmente inferior por determinações das opressões de classe, raça e gênero. Daquilo que passou por junho de 2013, a nova extrema direita conseguiu a proeza de herdar tanto a ideologia repressiva policialesca que se opôs àquelas manifestações quanto o sentimento de desprestígio do sistema político que se expressava nas ruas e que também estava presente na simpatia que os protestos receberam da sociedade naquele momento (Neuenschwander e Giraldes, 2022Neuenschwander, J., & Giraldes, M. (2022). Democracia sem povo e o novo populismo de direita no Brasil. In R. De Giorgi, J. Lasmar,; L. Gontijo, & M. Bicalho (Orgs.), Direito, democracia, futuro e risco (pp. 153-179). Belo Horizonte, MG: D`Plácido., p. 170-174). A herança de junho de 2013 esteve, com razão, em eventos e movimentos como a “primavera feminista de 2015 e 2016 e as ocupações de escolas públicas secundaristas em 2016 (Andrés, 223Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 356-364), mas foi a extrema direita que, na denúncia do sistema político, predominou na conquista de corações. As transformações na conjuntura a favoreceram, pois, sem o crescimento da insegurança econômica e existencial causado pela crise econômica posterior e sem a ofensiva ideológica pelo impeachment, teria sido muito improvável que a extrema direita angariasse tanto apoio popular.

Diferentemente das manifestações de 2013, há no movimento da extrema direita a personificação em um indivíduo. Sobre a figura inapta a quem os elementos mais reacionários da burguesia brasileira ergueram como chefe e instrumento, cabe pesquisar se a identificação que tem predominado na base social do movimento é aquela descrita por Freud (1921/2011Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud,. Obras completas (vol. 15, pp. 13-113). São Paulo, SP: Companhia das Letras (Trabalho original publicado em 1921)., pp. 64-65, 111-112) como a sua forma típica, na qual os indivíduos veem o líder não como um igual, mas como o ideal do Eu, ou seja, alguém com atributos de caráter extraordinários. Por mais que Mussolini e Hitler fossem figuras vulgares, evidentemente a propaganda criava em torno deles uma imagem de superioridade. No caso de Bolsonaro, cabe refletir se a maioria de seus seguidores veem nele não um ideal, mas um igual ou até alguém inferior, uma pessoa que, precisamente por ser desprovida de virtudes morais e intelectuais, seria a vingança das pessoas comuns contra o sistema político. Nesse caso, o que predominaria é a satisfação de saber que no lugar dele poderia ser qualquer um da massa. Independentemente de qual dessas formas de identificação predomine hoje na extrema direita brasileira, sempre existirão aqueles que se reconhecem na maldade do líder e desenvolvem uma identificação direta (de Eu para Eu).

Conclusão ‒ rememorar as causas vencidas

No aforismo 98 de Minima moralia, Adorno nos traz uma bela reflexão sobre qual deve ser a relação do pensamento crítico com a dialética da história:

Quando Walter Benjamin dizia que a história até hoje foi escrita da perspectiva do vencedor e deveria ser escrita daquela dos perdedores, seria o caso de acrescentar que, embora o conhecimento deva expor a sequência linear de vitória e derrota, deve igualmente voltar-se para aquilo que se subtraiu a essa dinâmica, restou no caminho - de certo modo os resíduos e pontos cegos que escaparam à dialética. É da essência do derrotado parecer acessório, lateral, estranho. O que transcende a sociedade dominante não é apenas a potencialidade desenvolvida por ela como também aquilo que não se ajustou bem às leis do desenvolvimento histórico. A teoria é remetida ao torto, ao opaco, ao despercebido, que como tais desde logo trazem consigo algo de anacrônico, sem que esse, todavia, se perca no obsoleto porque pregou uma peça na dinâmica histórica (1951/2008Adorno, T. (2008). Minima moralia. Rio de Janeiro: Azougue., p. 148).

Desde quando emergiram, as manifestações de junho de 2013 têm sido vistas com estranhamento. Pelas suas dimensões, elas não poderiam passar despercebidas, mas as percepções se atêm a um jogo de imagens parciais de memórias manipuladas (Ricoeur, 2007Ricoeur, P. (2007). A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp., pp. 93-99, 455-459). O pensamento voltado para a expectativa do progresso linear e acomodado vê o que apareceu dez anos atrás como irracional, inapropriado, impertinente, quando não suspeito e mal-intencionado. Perde-se da memória que o melhor no impulso de junho de 2013 foi reprimido e se dissipou sem que viesse a ser organizado. Tendo sido aquele um evento histórico sem sujeito consciente e que, portanto, não chegou a se constituir movimento, e pelo fato de a resistência contra a extrema direita ser feita hoje em nome da defesa do sistema político existente, nenhum grupo de relevo na cena nacional reivindica a herança daquela rebeldia. Novas potencialidades sempre estão à espera de um momento. O pensamento crítico brasileiro terá muito a contribuir ao ajustar contas com o que se perdeu em 2013.

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  • Singer, A. (2015). Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Novos Estudos CEBRAP , (102), 39-67. doi: 10.25091/S0101-3300201500020004
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  • Torraca, L. (2016). Democracia encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris.
  • 1
    Os casos Amarildo e Rafael Braga são bastante ilustrativos da violência racista do Estado. No dia 14 de julho de 2013, o servente de pedreiro Amarildo Dias de Souza foi levado de sua casa, na Favela da Rocinha, por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada na comunidade e nunca mais foi visto (Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., p. 325). No dia 25 de julho, moradores da Rocinha saíram em manifestação até o bairro do Leblon, onde encontraram os ativistas do movimento Ocupa Cabral, que acampavam na rua onde residia o então governador Sérgio Cabral Filho. Durante dias, os dois movimentos compartilharam o mesmo acampamento, o que expressou naquele momento uma unidade entre manifestantes do morro e do asfalto (Torraca, 2016Torraca, L. (2016). Democracia encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris., p. 166, nota 414). Em 2019, dos vinte e cinco policiais militares denunciados pelo Ministério Público, oito acabaram condenados em segunda instância pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação de cadáver (ver https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-03/justica-absolve-policiais-acusados-de-tortura-e-morte-de-amarildo, consultado em 9 de julho de 2023). Também no Rio de Janeiro, mas algumas semanas antes, na grande manifestação de 20 de junho de 2013, Rafael Braga foi preso pela polícia sob a alegação absurda de portar dois frascos contendo detergente de cozinha e água sanitária. Ele trabalhava como catador de lixo, dormia nas ruas do centro da cidade durante a semana para economizar com transporte e não participava do protesto. Ele foi condenado por porte de material explosivo e passou alguns anos na prisão (Torraca, 2016Torraca, L. (2016). Democracia encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris., pp. 276-277; Andrés, 2023Andrés, R. (2023). A razão dos centavos. Rio de Janeiro, RJ: Zahar., pp. 324-325).
  • 2
    No original alemão, Angst und Politik e na versão em inglês, Anxiety and Politics, de modo que os títulos de Neumann são traduzidos para o português como Ansiedade e Política (1969), na edição traduzida do inglês, ou Angústia e Política (2017), na edição traduzida do alemão. Para as citações textuais e as referências de páginas, uso no artigo a edição de 1969 tão somente por familiaridade, e não por alguma preferência de versão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2023
  • Aceito
    08 Mar 2024
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