Resumos
Foi realizada a intoxicação experimental em ovelhas em diferentes dias de gestação, 12 ovelhas foram dividas em quatro grupos. As ovelhas do Grupo 1 consumiram quatro doses de 5g/kg de folhas verdes durante quatro dias; ovinos do Grupo 2 consumiram duas doses de 10g/kg durante dois dias, o Grupo 3 consumiu uma dose de 20g/kg em um único dia e os ovinos do Grupo 4 não consumiram a planta (controle-negativo). Para testar a toxicidade da planta um ovino macho consumiu 5g/kg até manifestação dos sintomas. Não foram observados sinais clínicos da intoxicação nas ovelhas, mas três cordeiros tiveram morte perinatal, e um cordeiro morreu com três meses de idade; o ovino controle-positivo morreu após 38 dias de consumo diário da planta e os sinais clínicos foram taquipnéia, taquicardia, sonolência, incoordenação e fraqueza. Todos os quatro cordeiros e o ovino controle-positivo foram necropsiados e os achados de necropsia foram áreas esbranquiçadas no miocárdio, evidenciação do padrão lobular do fígado, pulmão vermelho enegrecido e rúmen acentuadamente distendido com presença de gases livres. Os achados histopatológicos foram fibrose cardíaca, necrose dos cardiomiócitos, congestão e edema pulmonar, congestão hepática centrolobular e degeneração esponjosa na região subcortical do encéfalo. Tetrapterys multiglandulosa demonstrou ser tóxica para os fetos ovinos em dosagens que não foram suficientes para induzir sinais clínicos nas ovelhas prenhes, e que a intoxicação pode ocorrer com morte de cordeiros logo após o parto, mesmo após meses de ter cessada a ingestão da planta.
Doenças de ovinos; plantas tóxicas; Tetrapterys multiglandulosa; Malpighiaceae; cardiomiopatia; status spongiosus; intoxicação por palnta
In order to verify the effects of non-lethal doses of Tetrapterys multiglandulosa on ovine fetuses, experimental poisoning in sheep at different days of pregnancy was performed. Green leaves of shooting plants were administered to 9 pregnant ewes divided into three experimental groups. Sheep from Group 1 received four doses of 5g/kg of fresh leaves for 4 days; those from Group 2 received 10g/kg for 2 days; Group 3 sheep received a dose of 20g/kg for one day, and sheep from Group 4 did not receive the plant and served as negative controls. To check the plant toxicity, a male sheep (positive control) received 5g/ kg until the onset of clinical signs. No signs of poisoning were observed in pregnant ewes; three lambs died 1-5 days after birth, and a fourth lamb died within 3 months after have been born. The positive control died after 38 days of daily consumption of the plant, presenting tachypnea, tachycardia, drowsiness, incoordination, weakness and sudden death. All four dead lambs and the positive control sheep were necropsied. The gross lesions were whitish areas in the myocardium, increased lobular pattern of the liver, dark red lungs, metabolization of pericardial fat, and ruminal distention with free gas. Histological findings were cardiac fibrosis, cardiomyocyte necrosis, pulmonary congestion and edema, and spongy degeneration in subcortical cerebral white matter. Tetrapterys multiglandulosa resulted toxic for ovine fetuses at doses that were not suffient to induce clinical signs in the pregnant ewes, demonstrating that the poisoning may be a cause of death of lambs soon after birth, even several months after the ingestion of the plant has been discontinued.
Poisonous plants; Tetrapterys multiglandulosa; Malpighiaceae; cardiomyopathy; status spongiosus; plant poisoning; sheep
Lesões perinatais em cordeiros induzidas pela administração de Tetrapterys multiglandulosa (Malpighiaceae) a ovelhas em diferentes estágios de gestação
Perinatal lesions caused in lambs by feedingTetrapterys multiglandulosa (Malpighiaceae) to sheep at different stages of their pregnancy
Suzamar G. CardinalI; Ana C. AnizII; Bethânia S. SantosII; Nilton M. CarvalhoIII; Ricardo A.A. LemosIV,* * Autor para correspondência: eqrural@nin.ufms.br
IPrograma de Pós-Graduação em Ciência Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Av. Filinto Müller s/n, Cidade Universitária, Campo Grande, MS 79070-900, Brasil
IIBolsista de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq junto à FMVZ/UFMS, Campo Grande, MS
IIILaboratório de Anatomia Patológica, FMVZ/UFMS, Campo Grande, MS
IVDepartamento de Medicina Veterinária, FMVZ/UFMS, Campo Grande, MS
RESUMO
Foi realizada a intoxicação experimental em ovelhas em diferentes dias de gestação, 12 ovelhas foram dividas em quatro grupos. As ovelhas do Grupo 1 consumiram quatro doses de 5g/kg de folhas verdes durante quatro dias; ovinos do Grupo 2 consumiram duas doses de 10g/kg durante dois dias, o Grupo 3 consumiu uma dose de 20g/kg em um único dia e os ovinos do Grupo 4 não consumiram a planta (controle-negativo). Para testar a toxicidade da planta um ovino macho consumiu 5g/kg até manifestação dos sintomas. Não foram observados sinais clínicos da intoxicação nas ovelhas, mas três cordeiros tiveram morte perinatal, e um cordeiro morreu com três meses de idade; o ovino controle-positivo morreu após 38 dias de consumo diário da planta e os sinais clínicos foram taquipnéia, taquicardia, sonolência, incoordenação e fraqueza. Todos os quatro cordeiros e o ovino controle-positivo foram necropsiados e os achados de necropsia foram áreas esbranquiçadas no miocárdio, evidenciação do padrão lobular do fígado, pulmão vermelho enegrecido e rúmen acentuadamente distendido com presença de gases livres. Os achados histopatológicos foram fibrose cardíaca, necrose dos cardiomiócitos, congestão e edema pulmonar, congestão hepática centrolobular e degeneração esponjosa na região subcortical do encéfalo. Tetrapterys multiglandulosa demonstrou ser tóxica para os fetos ovinos em dosagens que não foram suficientes para induzir sinais clínicos nas ovelhas prenhes, e que a intoxicação pode ocorrer com morte de cordeiros logo após o parto, mesmo após meses de ter cessada a ingestão da planta.
Termos de indexação: Doenças de ovinos, plantas tóxicas, Tetrapterys multiglandulosa, Malpighiaceae, cardiomiopatia, status spongiosus, intoxicação por palnta.
ABSTRACT
In order to verify the effects of non-lethal doses of Tetrapterys multiglandulosa on ovine fetuses, experimental poisoning in sheep at different days of pregnancy was performed. Green leaves of shooting plants were administered to 9 pregnant ewes divided into three experimental groups. Sheep from Group 1 received four doses of 5g/kg of fresh leaves for 4 days; those from Group 2 received 10g/kg for 2 days; Group 3 sheep received a dose of 20g/kg for one day, and sheep from Group 4 did not receive the plant and served as negative controls. To check the plant toxicity, a male sheep (positive control) received 5g/ kg until the onset of clinical signs. No signs of poisoning were observed in pregnant ewes; three lambs died 1-5 days after birth, and a fourth lamb died within 3 months after have been born. The positive control died after 38 days of daily consumption of the plant, presenting tachypnea, tachycardia, drowsiness, incoordination, weakness and sudden death. All four dead lambs and the positive control sheep were necropsied. The gross lesions were whitish areas in the myocardium, increased lobular pattern of the liver, dark red lungs, metabolization of pericardial fat, and ruminal distention with free gas. Histological findings were cardiac fibrosis, cardiomyocyte necrosis, pulmonary congestion and edema, and spongy degeneration in subcortical cerebral white matter. Tetrapterys multiglandulosa resulted toxic for ovine fetuses at doses that were not suffient to induce clinical signs in the pregnant ewes, demonstrating that the poisoning may be a cause of death of lambs soon after birth, even several months after the ingestion of the plant has been discontinued.
Index terms: Poisonous plants, Tetrapterys multiglandulosa, Malpighiaceae, cardiomyopathy, status spongiosus, plant poisoning, sheep.
INTRODUÇÃO
Tetrapterys multiglandulosa e T. acutifolia são cipós ou arbustos escandentes da família Malpighiaceae, conhecidos popularmente por cipó-vermelho ou cipó-ferro e cipóruão ou cipó-preto, respectivamente (Tokarnia et al. 2000). As plantas do gênero Tetrapterys são responsáveis por intoxicação espontânea em bovinos caracterizada por aborto, natimortos, e insuficiência cardíaca em bovinos jovens e adultos nos Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais (Tokarnia et al. 1989) e Mato Grosso do Sul (Carvalho et al. 2006).
Os sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva observados nesses casos são edema subcutâneo de declive, ingurgitamento e pulsação da veia jugular. Na necropsia, observam-se edemas cavitários, fígado de nozmoscada, dilatação cardíaca e áreas brancas de contorno irregular no miocárdio, principalmente no septo interventricular. Achados histopatológicos incluem tumefação difusa de miofibras cardíacas, vacuolização de fibras isoladas e fibrose intersticial (Tokarnia et al. 2000, Carvalho et al. 2006). Sinais clínicos neurológicos, como prostração, letargia, sonolência e debilidade, são descritos em bovinos (Carvalho et al. 2006) e em ovinos (Almeida et al. 2008). Esses sintomas clínicos estão relacionados à degeneração esponjosa da substância branca encefálica, cuja lesão é conhecida como status spongiosus.
A intoxicação é relacionada a perdas produtivas em bovinos (Tokarnia et al. 1989), natimortos ou nascimento de bezerros fracos que morrem alguns dias após o parto (Carvalho et al. 2006). Essa foi a principal característica do surto descrito em Mato Grosso do Sul, no qual 230 vacas de um total de 290 abortaram, pariram natimortos ou bezerros fracos que morreram alguns dias após o parto. As vacas permaneceram 30-40 dias em pasto infestado pela planta e os abortos e demais sinais clínicos da intoxicação ocorreram até dois meses após as vacas serem retiradas do pasto.
O quadro clínico e patológico tem sido reproduzido em ovinos, evidenciando que essa espécie animal pode ser utilizada como modelo experimental da intoxicação (Riet-Correa et al. 2005, Carvalho et al. 2006, Almeida et al. 2008).
O objetivo deste trabalho foi descrever as lesões perinatais em ovinos causadas pela ingestão de Tetrapterys multiglandulosa (Malpighiaceae) em doses não letais para ovelhas prenhes administrada em diferentes dias de gestação.
MATERIAL E MÉTODOS
Doze ovelhas prenhes foram selecionadas por meio de ultrassom, identificadas por colares enumerados e aleatoriamente divididas em quatro grupos com três ovelhas. Folhas verdes de Tetgrapterys multiglandulosa foram administradas por ingestão forçada aos três grupos. O consumo total foi de 20g/kg de peso corporal. O Grupo 1 recebeu quatro doses de 5g/kg; o Grupo 2 recebeu duas doses de 10g/kg e o Grupo 3 recebeu dose única de 20g/kg. O Grupo 4 foi utilizado como controle e foi mantido nas mesmas condições que os demais grupos, apenas não consumindo a planta. Todas as ovelhas foram mantidas em baias de alvenaria, sendo alimentadas com 2% de ração em relação ao peso vivo, feno e água à vontade até o final do experimento. Esse delineamento está descrito no Quadro 1.
Para comprovar a toxicidade da planta foi utilizado um ovino (controle positivo) de oito meses de idade (Ovino 310) que consumiu 5g/kg de planta verde diariamente até a manifestação dos sintomas.
Durante 30 dias, a partir do início do experimento, foi realizado exame físico, com monitoração da freqüência cardíaca e respiratória, temperatura retal e coloração de mucosas de todas as ovelhas, incluindo o ovino controle positivo.
Todos os cordeiros nascidos das ovelhas do experimento foram identificados por meio de colar com código numérico correspondendo ao mesmo número de suas mães, acrescido da letra A e, no caso de parto gemelar, o código numérico de um cordeiro foi acrescido da letra A e do outro, letra B. Os cordeiros foram acompanhados até seis meses de vida para verificar a possível ocorrência de sinais clínicos da intoxicação crônica.
Os cordeiros das ovelhas submetidas à intoxicação experimental que morreram foram necropsiados e as descrições registradas em fichas individuais. Foram coletados fragmentos de coração, pulmão, fígado, rim, baço, músculo esquelético e sistema nervoso central, fixados em formol a 10% e processados para rotina histológica e corados com hematoxilina e eosina. Os cortes de miocárdio também foram corados pela técnica de Tricrômico de Masson para evidenciar o colágeno (Culling et al. 1985). Também foram colhidos fragmentos de placenta de todas as ovelhas, e processados para rotina histológica.
A idade perinatal do ovino foi considerada como correspondente a 15% do tempo de gestação (Blood & Studdert 2002); e o tempo de gestação considerado foi de 150 dias conforme Hafez et al. (2004). Ou seja, os cordeiros que morreram antes de completar 22 dias de nascido foram considerados como morte perinatal.
A escolha das ovelhas como meio experimental foi devido a estudos anteriores reproduzirem os sinais clínicos e patologia semelhantes as que acontecem na intoxicação espontânea em bovinos (Riet-Correa et al. 2005).
RESULTADOS
Não foram observados sinais clínicos da intoxicação nas ovelhas durante e após a gestação. As ovelhas deste estudo pariram cordeiros com peso variando de 2,567 kg a 6,0kg.
Houve morte de cordeiros filhos de ovelhas que receberam a planta entre 55 e 120 dias de gestação: quatro cordeiros pertencentes aos Grupos 1 e 2 manifestaram sinais clínicos e morreram. Os sinais clínicos, os achados de necropsia e a histopatologia dos cordeiros estão descritos no Quadro 2 e demonstrados nas Figuras 1-4.
O Ovino 310 (controle-positivo) começou a apresentar sinais clínicos no 35º dia de ingestão da planta: letargia, sonolência, incoordenação, pressão da cabeça contra a parede, taquicardia, timpanismo, ingurgitamento da veia jugular e decúbito lateral, no 38º dia foi suspensa a administração da planta e foi sacrificado no 40º dia quando se encontrava em fase terminal. Na necropsia, o coração estava com área esbranquiçada no epicárdio do ventrículo direito, sendo mais acentuado ao corte do miocárdio. Na abertura da cavidade abdominal notou-se rúmen dilatado e com presença de grande quantidade de gases livres. O fígado apresentava evidenciação lobular nas superfícies capsular e de corte e os linfonodos, em geral, estavam edemaciados.
No exame histológico, as lesões encontradas foram: fibrose focalmente extensa no ventrículo direito e septo interventricular, necrose dos cardiomiócitos, congestão hepática centrolobular, congestão e edema pulmonar e degeneração esponjosa na região subcortical do córtex cerebral (status spongiosus).
Não foram encontradas alterações histológicas significativas nas placentas das ovelhas que ingeriram a planta assim como nas placentas do grupo controle.
DISCUSSÃO
Os ovinos demonstraram ser um ótimo modelo experimental para o estudo da intoxicação por Tetrapterys multiglandulosa, corroborando relatos de outros autores que utilizaram essa espécie animal para estudar a intoxicação e reproduziram sinais clínicos e patologia semelhantes as que acontecem na intoxicação espontânea em bovinos (Riet-Correa et al. 2005, Carvalho et al. 2006, Almeida et al. 2008). As vantagens de modelos experimentais com ovinos devem-se à facilidade de manejo e ao menor peso resultando em menor quantidade de planta necessária para reprodução experimental e menor consumo de alimentos.
O tempo médio de gestação dos ovinos (150 dias) é consideravelmente inferior ao tempo médio de gestação dos bovinos (278 dias) (Hafez & Hafez 2004). Essa é outra vantagem dos ovinos sobre os bovinos para o estudo de doenças reprodutivas.
Tetrapterys multiglandulosa demonstrou ser tóxica para os fetos, nas dosagens de 20g/kg divididos em quatro doses de 5g/kg, e na dosagem de 20g/kg divididos em duas doses diárias de 10g/kg. Ocorreram mortes em cordeiros nascidos das mães que receberam a planta entre 55 e 120 dias de gestação. Embora não tenham ocorrido lesões em cordeiros cujas mães receberam 20 gramas em dose única, não é possível afirmar que esse tratamento não é tóxico para os fetos por causa do número pequeno de animais avaliados no experimento. As principais lesões observadas nos cordeiros foram: fibrose acentuada no miocárdio (Fig.1), resultando em estase venosa, e edema no fígado e pulmão. Essas lesões são semelhantes às descritas por Riet-Correa (2004) e Carvalho et al. (2006). Esses achados explicam os sinais clínicos de insuficiência respiratória, ingurgitamento da jugular, fraqueza e morte. A patogênese das lesões nos fetos causadas por T. multiglandulosa provavelmente é a mesma que ocorre na intoxicação por Ateleia glazioviana (Carvalho et al. 2006). Demonstrou-se na intoxicação por Atelia glazioviana em bovinos que os abortos não ocorrem por lesão na placenta e sim por lesões de fibrose cardíaca e status spongiosus no encéfalo, induzida transplacentariamente (Raffi et al. 2004). Esses autores relatam que os fetos que sucumbem a essas lesões são expelidos do útero e aqueles com lesões menos severas nascem fracos e não sobrevivem. Essa condição foi observada no presente relato, no qual não ocorreram abortos e sim mortes perinatais.
A alteração esponjosa observada no encéfalo dos ovinos (Fig.2) é uma mielinopatia espongiforme causada por edema intramielínico, evidenciado por estudos em microscopia eletrônica (Riet-Correa 2004).
A ausência de lesões histológicas significativas nas placentas das ovelhas que ingeriram a planta, associada às lesões cardíacas presentes no cordeiro 2A que morreu imediatamente após o parto, e também nos Cordeiros 3A, 4A e 6A e as lesões nervosas nos Cordeiros 2A e 3A foram responsáveis pelas mortes desses ovinos. Esses resultados concordam com relatos anteriores da intoxicação experimental com Tetrapterys spp. (Riet-Correa 2004), e também com um estudo realizado com Ateleia glazioviana em ovelhas prenhes o qual demonstra que as lesões cardíacas e a degeneração esponjosa do cérebro, e não as lesões placentárias são as responsáveis pela morte fetal. Essa observações diferem dos trabalhos Melo et al. (2001) e Campos et al. (2004) que atribuem a morte fetal na intoxicação experimental por Tetrapterys spp. em cabras e ovelhas às lesões placentárias. Entretanto esses autores não mencionam a realização de necropsias e exames histológicos nos fetos abortados.
Experimentos com ovelhas prenhes demonstraram que a planta provoca lesões nos fetos ovinos semelhantes às observadas nos fetos bovinos e também nos bovinos adultos. Essas lesões são consideradas como a causa dos abortos e da mortalidade perinatal (Riet-Correa 2004, Carvalho et al. 2006).
Lesões cardíacas nos cordeiros foram observadas até 185 dias depois de cessada a ingestão da planta, e estão de acordo com relatos anteriores que descrevem que a lesão cardíaca é progressiva (Riet-Correa 2004, Almeida et al. 2008). Por outro lado, status spongiosus foi observado nos Cordeiros 2A e 3A (Fig.2) A mãe do cordeiro 2A ingeriu a planta com 62 dias de gestação e a mãe do Cordeiro 3A, com 120 dias de gestação. Desse modo, a lesão foi observada entre 30 e 88 dias após a suspensão da administração da planta. Esses dados diferem de observações realizadas em experimentos com cordeiros de um ano de idade que receberam dose total de 110g/kg durante 33 dias, nos quais se observou que as lesões do sistema nervoso regrediam e as lesões cardíacas progrediam depois de cessada a ingestão (Almeida et al. 2008).
Nas necropsias dos cordeiros não foram observados aumentos do padrão lobular do fígado ou aspecto de nozmoscada provavelmente porque os cordeiros manifestaram sinais agudos a subagudos da intoxicação (1-5 dias) e essa alteração é característica secundária da insuficiência cardíaca crônica. Já o Cordeiro 4, que sobreviveu até três meses de idade manifestou sinais clínicos de taquicardia e taquipnéia por todo esse período. As lesões de fibrose multifocal no ventrículo direito e esquerdo e septo interventricular observados na histopatologia (Fig.3-4), justificam os sinais clínicos de distúrbios cardíacos. Entretanto, apesar da intensidade das lesões cardíacas, a causa da morte não pôde ser atribuída com segurança à intoxicação, pois na histopatologia do sistema nervoso central foram observados microabscessos no tronco encefálico, lesão compatível com a infecção por Listeria monocitogenes (Schild 2007).
Neste experimento, as dosagens e o período de ingestão não foram suficientes para provocar sinais clínicos nas ovelhas prenhes, nem provocar aborto, como observado em estudos realizados com ovinos que consumiram 1,5g/kg durante 27 dias e 3g/kg durante 48 dias (Riet-Correa 2004). Também não causaram mortalidade em ovinos, como na reprodução experimental em que dois ovinos consumiram doses diárias de 6,44g/kg e 3,68g/kg de T. multiglandulosa dessecada. Ambos os animais tiveram morte espontânea no 29º e 35º dias após o início do experimento (Carvalho et al. 2006).
Os resultados do presente estudo comprovam que a ingestão de pequenas quantidades da planta por curtos períodos de tempo é suficiente para provocar lesão fetal e mortalidade perinatal. Esses dados justificam o nascimento de bezerros fracos que morriam alguns dias após o nascimento, cujas mães não apresentavam sinais clínicos da intoxicação. Esses partos ocorreram vários meses após ter cessado a ingestão da planta (Carvalho et al. 2006).
Diante do exposto, em condições naturais deve ser considerada de alto risco a permanência de vacas prenhes em áreas infestadas pela planta por curtos períodos de tempo, mesmo quando a infestação for baixa. Essas observações também são importantes para o diagnóstico da intoxicação e o diagnóstico diferencial com outras causas de perdas reprodutivas, uma vez que as mortes dos bezerros podem ocorrer vários meses após a ingestão da planta e em locais onde ela não está presente.
No experimento realizado com o cordeiro macho que consumiu a planta até manifestação dos sinais clínicos, foi reproduzida predominantemente a forma neurológica da intoxicação caracterizada clinicamente por apatia, sonolência, incoordenação, compressão da cabeça contra a parede, timpanismo, taquicardia, decúbito e morte. Na necropsia foram observadas extensas áreas esbranquiçadas no miocárdio e presença de grande quantidade de gases no rúmen. Histologicamente foram observadas extensas áreas de fibrose difusa do miocárdio e degeneração esponjosa na região subcortical cerebral. Achados semelhantes são descritos por outros autores (Riet-Correa et al. 2005, Carvalho et al. 2006).
Um quadro semelhante ocorre na intoxicação por Ateleia glazioviana em bovinos, que mostram uma síndrome letárgica quando ingerem altas doses da planta (Gava & Barros 2001, Gava et al. 2001).
CONCLUSÕES
Tetrapterys multiglandulosa causou lesões perinatais em cordeiros filhos de ovelhas que ingeriram quatro doses de 5g/kg com 62 e 120 dias de gestação e para cordeiros filhos de ovelhas que ingeriram duas doses de 10g/kg com 55 e 76 dias de gestação. Portanto, o princípio tóxico atravessa a barreira placentária.
As doses administradas não provocaram nenhuma alteração clínica nas ovelhas, mas provocaram fibrose acentuada no miocárdio de quatro cordeiros e degeneração esponjosa em dois. Essas lesões foram suficientemente graves e provocaram a morte deles, evidenciando que a dosagem para causar lesões nos animais adultos é maior do que a dosagem tóxica para os fetos.
Agradecimentos.- Ao CNPq (Edital Instituto do Milênio) pelo apoio financeiro para a execução do projeto.
Recebido em 29 de abril de 2009
Aceito para publicação em 14 de setembro de 2009
Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Mar 2010 -
Data do Fascículo
Jan 2010
Histórico
-
Aceito
14 Set 2009 -
Recebido
29 Abr 2009