Resumos
Realizou-se o estudo do efeito da temperatura, precipitação pluviométrica e da umidade relativa sobre a flutuação sazonal de larvas de Dermatobia hominis em 5.142 peles de bovinos. As peles foram obtidas junto a um matadouro localizado no município de Piraí, estado do Rio de Janeiro, Brasil, durante o período de novembro de 1995 a outubro de 1997. Os maiores picos de peles parasitadas por berne foram observados em novembro de 1995 e dezembro de 1996. Picos menores de infestação foram observados nos meses de março e maio de 1996 e março de 1997, quando também foram observadas altas porcentagens de peles infestadas. O aumento na porcentagem de peles parasitadas acompanhou o aumento da temperatura média mensal, sendo que temperaturas iguais ou maiores que 25ºC se mostraram benéficas ao aumento na porcentagem de peles parasitadas, assim como a precipitação pluviométrica, onde observou-se que períodos de chuvas mensais acima de 200 mm³ favoreceram ao aumento da porcentagem de peles parasitadas. As menores porcentagens de peles parasitadas por berne foram observadas durante o período de junho a outubro de 1996 e de 1997, quando verificou-se temperaturas médias mensais variando entre 21ºC e 22,5ºC, sendo que estas não se mostraram favoráveis ao aumento na porcentagem de peles parasitadas, assim como, precipitações pluviométricas mensais menores que 50 mm³. Das 5.142 peles examinadas, 2.710 (52,7%) encontravam-se parasitadas pelo berne.
Dermatobia hominis; sazonalidade; pele bovina
The effect of temperature, rainfall and relative humidity on the seasonal fluctuation of Dermatobia hominis was investigated by counting the parasitized skins of slaughtered cattle at the abattoir of Pirai county, in the state of Rio de Janeiro, Brazil, from November 1995 to October 1997. The higher incidence of parasitized skins was observed in November 1995 and December 1996. Secondary peaks were observed in March and May 1996 and March 1997. High percentage of parasitism in skins through the summer seasons was associated with mean temperatures of 25°C and rainfall of 200 mm. The larval populations declined in both years from June to October, probably due to low temperatures at an average between 21ºC and 22.5ºC, and to low rainfall (under 50 mm). In a total of 5,142 skins checked in the 2-year study, 2,710 skins (52.7%) were parasitized with D. hominis larvae.
Dermatobia hominis; seazonal fluctuation; bovine skin
Flutuação sazonal de Dermatobia hominis em peles bovinas oriundas de matadouro1
Luciana Gatto Brito2 e Gonzalo Efrain Moya Borja3
ABSTRACT.- Brito L.G. & Moya Borja G.E. 2000. [ Seasonal fluctuation of Dermatobia hominis in bovine skins from a slaughterhouse.] Flutuação sazonal de Dermatobia hominis em peles bovinas oriundas de matadouro. Pesquisa Veterinária Brasileira 20(4):151-154. Depto Parasitologia Animal, Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ 23851-970, Brazil.
The effect of temperature, rainfall and relative humidity on the seasonal fluctuation of Dermatobia hominis was investigated by counting the parasitized skins of slaughtered cattle at the abattoir of Pirai county, in the state of Rio de Janeiro, Brazil, from November 1995 to October 1997. The higher incidence of parasitized skins was observed in November 1995 and December 1996. Secondary peaks were observed in March and May 1996 and March 1997. High percentage of parasitism in skins through the summer seasons was associated with mean temperatures of 25°C and rainfall of 200 mm. The larval populations declined in both years from June to October, probably due to low temperatures at an average between 21ºC and 22.5ºC, and to low rainfall (under 50 mm). In a total of 5,142 skins checked in the 2-year study, 2,710 skins (52.7%) were parasitized with D. hominis larvae.
INDEX TERMS: Dermatobia hominis, seazonal fluctuation, bovine skin.
RESUMO.- Realizou-se o estudo do efeito da temperatura, precipitação pluviométrica e da umidade relativa sobre a flutuação sazonal de larvas de Dermatobia hominis em 5.142 peles de bovinos. As peles foram obtidas junto a um matadouro localizado no município de Piraí, estado do Rio de Janeiro, Brasil, durante o período de novembro de 1995 a outubro de 1997. Os maiores picos de peles parasitadas por berne foram observados em novembro de 1995 e dezembro de 1996. Picos menores de infestação foram observados nos meses de março e maio de 1996 e março de 1997, quando também foram observadas altas porcentagens de peles infestadas. O aumento na porcentagem de peles parasitadas acompanhou o aumento da temperatura média mensal, sendo que temperaturas iguais ou maiores que 25ºC se mostraram benéficas ao aumento na porcentagem de peles parasitadas, assim como a precipitação pluviométrica, onde observou-se que períodos de chuvas mensais acima de 200 mm3 favoreceram ao aumento da porcentagem de peles parasitadas. As menores porcentagens de peles parasitadas por berne foram observadas durante o período de junho a outubro de 1996 e de 1997, quando verificou-se temperaturas médias mensais variando entre 21ºC e 22,5ºC, sendo que estas não se mostraram favoráveis ao aumento na porcentagem de peles parasitadas, assim como, precipitações pluviométricas mensais menores que 50 mm3. Das 5.142 peles examinadas, 2.710 (52,7%) encontravam-se parasitadas pelo berne.
TERMOS DE INDEXAÇÃO: Dermatobia hominis, sazonalidade, pele bovina.
INTRODUÇÃO
Larvas de Dermatobia hominis, produzem a miíase furuncular cutânea, também denominada de dermatobiose, que acomete os animais domésticos e selvagens, além de parasitar o homem (Sancho 1988). Este díptero pode ser encontrado do sul do México até o norte da Argentina, sendo o Chile o único país do continente americano onde não há relatos da presença desta espécie (Creighton & Neel 1952).
A importância econômica deste díptera vem sendo descrita por vários autores em toda a América Latina. No Panamá, Dunn (1934) citou que os bovinos jovens são os que se apresentam mais parasitados pelo berne. Lombardero & Fontana (1968) na Argentina, reportaram que os prejuízos causados pela dermatobiose se relacionavam com a morte de bezerros intensamente infestados, a formação de abscessos que podem servir de substrato à miíase primária por Cochliomyia hominivorax, desvalorização do couro, diminuição na produção de leite, e também a gastos relacionados com mão de obra e medicamentos utilizados para o combate desta parasitose.
Oliveira (1983) afirmou que 89% das peles por ele examinadas em curtumes na região de São Carlos, no estado de São Paulo, possuíam perfurações causadas pelo berne; sendo que 18% dos couros não apresentavam condições de serem manufaturados devido ao grande número de cicatrizes nas peles, e estas por serem áreas de menor resistência a tração impossibilitariam a utilização das peças. Horn & Arteche (1985) realizando uma estimativa junto ao Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil, verificaram que apenas 15% de um total de 12 milhões de couros produzidos anualmente poderiam ser considerados de primeira categoria, e dos 85% restantes, 40% seriam de segunda, 30% de terceira e 15% são considerados refugos.
Para o uso de medicações estratégicas no controle do berne sobre os bovinos, é necessário o prévio conhecimento da sazonalidade deste parasita. O controle eficiente do berne resulta na redução do número de aplicações de drogas bernicidas sobre os animais, diminuindo o risco de consumo de carne ou leite contaminados por resíduos de drogas.
No intuito de se estabelecer uma possível correlação entre a incidência de D. hominis e a influência exercida pelos fatores climáticos (temperatura, umidade relativa e precipitação pluviométrica), foi realizada a contagem mensal das peles bovinas que se apresentavam parasitadas por berne. E buscou-se avaliar a metodologia do uso de peles bovinas em substituição ao uso de animais vivos nos estudos da flutuação sazonal deste díptero.
MATERIAL E MÉTODOS
Durante 24 meses, entre os meses de novembro de 1995 e outubro de 1997, foram examinadas 5.142 peles de bovinos sacrificados no matadouro municipal de Piraí. Neste matadouro são abatidos animais provenientes do próprio município e dos municípios vizinhos de Itaguaí, Seropédica, Nova Iguaçu e Japeri, todos localizados no estado do Rio de Janeiro.
Os dados meteorológicos para o presente estudo foram obtidos junto a Estação Ecologia Agrícola/PESAGRO, localizada no município de Seropédica (latitude sul 22º 45', longitude oeste 43º 41'), por se tratar da estação meteorológica mais representativa das condições climáticas presentes nos municípios de origem dos animais abatidos no referido matadouro.
Realizou-se a visita ao matadouro três vezes por semana durante todo o período experimental. As peles foram contadas e separadas em peles portadoras de dermatobiose e peles não parasitadas, e mensalmente obteve-se a porcentagem de peles bovinas parasitadas.
Para se demonstrar a influência relativa exercida pelos fatores climáticos sobre a proporção de peles parasitadas utilizou-se o delineamento estatístico de regressão múltipla.
RESULTADOS
Os resultados sobre a porcentagem de peles parasitadas pelas larvas de berne durante o período de novembro de 1995 a outubro de 1997 estão representados no Quadro 1. Foi constatada a presença da dermatobiose em todos os meses de observação. Das 5.142 peles examinadas, 2.710 apresentavam-se parasitadas por larvas de Dermatobia hominis, o que correspondeu a 52,7% de parasitismo.
As maiores porcentagens de peles infestadas ocorreram nos meses de dezembro de 1996 onde encontrou-se 93,08% do total de peles parasitadas, novembro de 1995 com 87,55% e março de 1996 com 76,64% (Quadro 1).
As mais altas porcentagens de infestação nas peles ocorreram quando nos meses antecedentes foram observados aumentos tanto da temperatura média quanto da precipitação pluviométrica. Estes fatores provavelmente ajudaram a penetração no solo das larvas que abandonaram os hospedeiros e diminuíram o período pupal de D. hominis. Tendo em vista que a presença dos dípteros vetores é indispensável para o transporte dos ovos de D. hominis até os bovinos, as mesmas condições climáticas que possibilitaram a pupação das larvas de berne, provavelmente ajudaram também a pupação das larvas dos vetores.
A equação de regressão múltipla (y = -21,909308K + 2,765582T + 0,0783746P - 0,059246 UR; onde y = porcentagem de peles parasitadas; K = coeficiente de interseção; T = temperatura; P = precipitação pluviométrica e UR = umidade relativa) mostrou uma mediana influência dos fatores climáticos sobre a proporção de peles parasitadas. A umidade relativa do ar foi o fator climático de menor influência sobre o aumento ou diminuição na porcentagem de infestação das peles bovinas, constatado pela baixa correlação entre esta variável climática e a porcentagem de peles parasitadas (r= 0,159045).
Durante o período de junho a outubro de 1996 ocorreu uma acentuada queda na porcentagem de peles parasitadas, em decorrência da diminuição da precipitação pluviométrica dos meses antecedentes de abril e maio, sendo que tal situação prolongou-se até o mês de outubro. A queda da temperatura média mensal nos meses compreendidos entre abril e setembro do referido ano também promoveram a manutenção do baixo parasitismo sobre as peles examinadas. (Fig. 1)
No ano de 1997, no mesmo período compreendido entre os meses de junho a outubro, não se observou a queda na porcentagem de peles parasitadas de maneira acentuada como a verificada no ano anterior. Tal fato relacionou-se as condições atípicas de precipitação pluviométrica que ocorreram a partir do mês de fevereiro e que se mantiveram até setembro onde, a baixa precipitação do mês de fevereiro determinou uma queda na porcentagem de peles parasitadas pelo berne a partir de abril, promovendo o decréscimo na porcentagem de peles parasitadas nos meses de julho a setembro. (Fig. 1)
Em todos os meses do presente estudo, tanto a precipitação quanto a temperatura foram as variáveis climáticas de maior influência sobre o aumento ou diminuição na porcentagem de peles bovinas parasitadas por larvas de D. hominis.
DISCUSSÃO
O percentual de 52,7% das peles bovinas examinadas neste estudo encontrarem-se portadoras de dermatobiose, mostrou-se inferior a porcentagem de infestação de 89% relatada por Oliveira (1983) ao observar peles bovinas provenientes de curtumes no estado de São Paulo. O mesmo foi observado com relação aos resultados obtidos por Horn & Arteche (1985), que encontraram injúrias provocadas pelo berne em 85% das peles bovinas beneficiadas ao realizarem estimativa junto ao Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil.
No ambiente, a queda na temperatura acarretou um aumento no período pupal de D. hominis, ocasionando uma menor emergência de adultos nos meses de temperaturas mais amenas. Tal situação tende propiciar à uma menor infestação pelo berne nos animais mantidos em ambientes sob estas condições de temperatura e precipitação (Koone & Banegas 1959).
Solos mais secos devido a baixa precipitação pluviométrica, representam um ambiente inóspito à penetração das larvas de D. hominis que caem durante este período, induzindo à uma menor emergência das ímagos, tendo como conseqüência direta uma menor pressão de vetores carreando ovos de D. hominis no ambiente (Moya Borja 1979).
A baixa emergência de ímagos de D. hominis associada a condições inadequadas de umidade no solo e a temperaturas mais baixas, determinou no presente estudo a queda acentuada na porcentagem de peles parasitadas nos meses posteriores àqueles de baixa precipitação pluviométrica e temperatura mais amenas.
Bellato et al. (1986) encontraram infestações de estágios larvais de D. hominis durante todo o ano nos bovinos do Planalto Catarinense, porém com maior intensidade nos meses de verão, onde a média de parasitismo sobre os animais foi de aproximadamente 80 bernes/bovino. Lello et al. (1982) demonstraram que o período de maior infestação do berne sobre os bovinos se dá nos meses de novembro a março, o que também coincide com as observações feitas durante os 24 meses do presente estudo.
Maia & Guimarães (1985) em Governador Valadares, Minas Gerais, observaram que o período de maior parasitismo pelo berne sobre bovinos foi entre os meses de outubro e dezembro, coincidindo com a estação chuvosa.
Nas peles observadas no matadouro, os meses de maior incidência da dermatobiose foram aqueles antecedidos por períodos de precipitação pluviométrica acima de 200 mm3, que corresponderam aos meses de chuvas mais intensas na região de origem dos animais abatidos. Oliveira (1985) estudando as variações mensais dos índices de perfuração deixadas pelo berne em couros de bovinos da região de São Carlos, no estado de São Paulo, observou que estas se tornam mais intensas a partir do mês de setembro, seguindo até janeiro, ocorrendo um novo aumento de parasitismo nas peles no mês de maio. Tal fato também foi verificado no presente estudo no ano de 1996, onde observou-se um pequeno aumento na porcentagem de peles parasitadas em maio.
A manutenção do parasitismo pelo berne durante os meses de precipitação pluviométrica mais baixas, correspondente aos meses de inverno, foi proporcionada pela queda das larvas ao final do verão. Estas por ainda encontrarem boas condições de umidade no solo conseguem atingir a forma adulta no inverno, promovendo a manutenção de populações de D. hominis no ambiente durante todos os meses do ano. Observações similares foram reportadas por Bellato et al. (1986) que observaram piques moderados e intermitentes do número médio de bernes em bovinos nos meses de junho a agosto.
No Brasil, o berne ocorre em 94% dos municípios da federação (Horn & Arteche 1985), com exceção das zonas secas do Nordeste, onde sua ocorrência só é relatada na época das águas. Horn & Arteche (1985) ao realizarem um levantamento sobre a situação das parasitoses na pecuária nacional, relatam que na região Norte, nos estados do Amapá, Rondônia e Acre, e alguns estados do Nordeste, como Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe, não foi constatada a presença autóctone de D. hominis, estando sua ocorrência condicionada a animais parasitados procedentes de outros estados.
Trabalho realizado sob os auspícios da CAPES. Parte da Tese de Mestrado do primeiro autor junto ao Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária-Parasitologia Veterinária (CPMV-PV), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Referências bibliográficas
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- Koone H.D. & Banegas A.D. 1959. Biology and control of Dermatobia hominis (L. Jr.) in Honduras. J. Kansas Entomol. Soc. 32(3):100-108.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jan 2001 -
Data do Fascículo
Dez 2000