Acessibilidade / Reportar erro

Reação de geração de oxigênio em eletrodos de Mn2O3 suportados em aço inoxidável

Oxygen evolution reaction on Mn2O3 electrodes supported on stainless steel

Resumo

A study of the kinetics of oxygen evolution in alkaline conditions from ceramic films of Mn2O3 supported on stainless steel was carried out. This study has been done through the determination of transfer coefficients, Tafel slopes and exchange currents using potentiodynamic and quasi-potentiostatic measurements. The activation energy was determined as a function of the overpotential and, additionally, the electrode active surface was estimated. The results are consistent with data already published for other electrodes, implying that the methods used in this work were reliable and precise.

oxygen evolution; ceramic electrodes; electrocatalysis


oxygen evolution; ceramic electrodes; electrocatalysis

ARTIGO

Reação de geração de oxigênio em eletrodos de Mn2O3 suportados em aço inoxidável

Hamilton Varela# # Atualmente no Fritz-Haber-Institut der Max-Plank-Gesellschaft, Faradayweg 4-6, D 14195 Berlin, Germany , Giuseppe A. Câmara e Hélio Scatena Júnior

Departamento de Química - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Depto. de Química - CP 1662 - 59078 - 970 - Natal - RN

Ernesto R. Gonzalez*

Instituto de Química de São Carlos - Universidade de São Paulo - Av. Dr. Carlos Botelho - 1465 - CP 780 - 13560 - 970 - São Carlos - SP

* e-mail: ernesto@iqsc.sc.usp.br

Recebido em 31/5/99; aceito em 3/5/00

Oxygen evolution reaction on Mn2O3 electrodes supported on stainless steel. A study of the kinetics of oxygen evolution in alkaline conditions from ceramic films of Mn2O3 supported on stainless steel was carried out. This study has been done through the determination of transfer coefficients, Tafel slopes and exchange currents using potentiodynamic and quasi-potentiostatic measurements. The activation energy was determined as a function of the overpotential and, additionally, the electrode active surface was estimated. The results are consistent with data already published for other electrodes, implying that the methods used in this work were reliable and precise.

Keywords: oxygen evolution; ceramic electrodes; electrocatalysis.

INTRODUÇÃO

A eletrogeração do oxigênio vem sendo estudada visando a preparação de novos materiais que possam ser utilizados como catalisadores para esse processo, tanto em meio ácido1-4, como em meio básico5-9. As primeiras pesquisas fundamentais sobre as propriedades do RuO2, o principal componente dos eletrodos conhecidos como DSA (Dimensionally Stable Anodes, Ânodos Dimensionalmente Estáveis), surgiram na literatura apenas em 1971. Desde então, investigações fundamentais têm crescido exponencialmente. Atualmente, está se observando, como um estágio mais avançado, uma atitude inversa: a indústria, satisfeita com o desempenho dos DSA's no campo das células Cloro-Álcali, está direcionando sua atenção para os ânodos ativados para a geração de oxigênio e a ativação de cátodos para a formação de hidrogênio10.

Os DSA's consistem de uma mistura de óxidos, usualmente preparados pela decomposição térmica de sais precursores, como RuCl3.3H2O e SnCl2.2H2O11 ou IrCl3.nH2O e CeCl3.7H2O4, suportados em materiais inertes, como o titânio para ânodos. A camada do óxido eletrocatalisador depositado em geral é da ordem de poucos mm. Os óxidos utilizados na catálise da reação de geração de oxigênio (RGO) compõem a interface óxido metálico/solução, são semicondutores e têm a finalidade de diminuir a diferença de potencial necessária para que a reação ocorra. Óxidos semicondutores candidatos a eletrocatalisadores podem ser comparados qualitativamente seguindo critérios como condutividade elétrica e resistência à corrosão12. Sob esses aspectos, Ti2O3/TiO2, RuO2/RuO4 e Ir2O3/IrO2 são freqüentemente utilizados, assim como compostos ternários utilizando (Ru/Ti/Pt)13, por exemplo. Observa-se que as melhores condutividades elétricas são encontradas para os óxidos de rutênio e irídio14. Em geral, a maioria dos eletrodos utiliza esses óxidos, que, suportados em titânio, sofrem um incremento na sua resistência à corrosão em meio alcalino devido à formação de um filme de TiO2 que estabiliza a mistura15.

As propriedades de óxidos obtidos a partir do manganês têm sido estudadas em conjunto com outros óxidos de rutênio e irídio, utilizando platina16 e titânio17 como suporte metálico. Considerando o fator econômico, óxidos de manganês são uma escolha bastante atraente. Recentemente o uso de óxidos de manganês e manganês-tungstênio vêm sendo estudado para a geração de oxigênio em água do mar18.

Neste trabalho foram investigadas as propriedades eletrocatalíticas do Mn2O3 suportado em aço inoxidável para a reação de geração de oxigênio, RGO, em meio alcalino. Além da obtenção dos parâmetros cinéticos usuais, foi estudado o comportamento da energia de ativação em função do sobrepotencial aplicado.

ASPECTOS GERAIS

Em sua maioria, os óxidos semicondutores se encontram classificados de acordo com o preenchimento do nível d e o tipo de condutividade que apresentam. Nesse sentido, tanto o monóxido (MnO), quanto o dióxido de manganês (MnO2) são semicondutores e apresentam configuração eletrônica d1 - d5. A maioria dos sesquióxidos (Mn2O3, In2O3 e Ti2O3, entre outros) apresenta assimetria corundum19, resultando em uma separação adicional dos níveis d, tornando a interpretação da estrutura de bandas mais difícil que em perovskitas, por exemplo. De uma forma geral, pode-se afirmar que óxidos formados pelos elementos Cr, Mn, Fe, Co e Ni tendem a permanecer semicondutores, mesmo quando caracterizados por bandas parcialmente preenchidas, graças à sobreposição inadequada e ao alargamento dessas bandas20.

Relação Corrente-Potencial

Partindo da relação geral entre sobrepotencial e corrente21, pode-se chegar a uma expressão para grandes sobrepotenciais anódicos na seguinte forma,

(1)

onde, i é a corrente, io é a corrente de troca, a é o coeficiente de transferência (ou, fração do sobrepotencial relacionada à descarga), f (=F/RT) é uma constante que, a 298 K, vale 38,95 V -1, n é o número de elétrons transferidos por espécie durante o processo, e h é o sobrepotencial, E - Ee, onde Ee é o potencial de equilíbrio. O termo R inclui as resistências impostas ao processo e, em alguns casos, pode ser associado à mudança no valor da inclinação de Tafel. Quando multiplicado pela corrente, este produto Ri corresponde conceitualmente à parcela do sobrepotencial a ser gasta na resistência global do sistema.

Utilizando densidade de corrente, j, e isolando o sobrepotencial, chega-se a seguinte expressão,

(2)

os termos a e b são definidos como constantes de Tafel e dados como,

(3)

De fato, a utilização da equação (3) não permite separar as possíveis contribuições à resistência, R, tendo em vista a dificuldade conceitual na separação desta, além de problemas experimentais relacionados, como por exemplo a dependência observada na localização precisa entre o eletrodo de trabalho e o Luggin. Assim, o valor de R obtido deve ser ser entendido como um uma resistência global, que inclui diferentes contribuições impostas pelo sistema.

Sítios Ativos

Como será discutido, a partir dos resultados obtidos observou-se que a etapa determinante em baixos sobrepotenciais para a reação de geração de oxigênio nos eletrodos estudados é a descarga primária da hidroxila, como discutido por Trasatti22.

Desta forma, a estimativa do número de sítios ativos na superfície representa um importante parâmetro nas propriedades catalíticas do eletrodo. A carga voltamétrica superficial (q) é obtida pela integração do voltamograma cíclico na região de carregamento da dupla camada elétrica que precede o início da RGO e pode ser utilizada para tal estimativa23,24, particularmente considerando sua separação entre as contribuições ditas "interna" e "externa"22, como discutido a seguir.

A dependência entre a carga voltamétrica (q) e a velocidade de varredura (v), está relacionada à existência de regiões menos acessíveis na superfície do eletrodo cerâmico (contornos de grãos, poros, rachaduras, etc.). Assim, pode-se escrever para a carga:

(4)

Onde qt é a carga total, qi é a carga na "superfície interna" (menos acessível) e qe a carga na "superfície externa" (mais acessível). Vale ressaltar que, na realidade, os defeitos não estão necessariamente localizados em uma superfície mais interna, a nomenclatura utilizada tem como finalidade apenas uma melhor visualização do modelo proposto, referindo-se sobre quão acessível é um sítio em relação a outro.

Experimentalmente se observa que a carga decresce com o aumento da velocidade de varredura. Os dados de carga podem ser analisados utilizando-se uma função apropriada de v, objetivando a obtenção de valores de q para v ® ¥ e v ® 0. Considerando que a dependência de q com v envolve o acesso lento das espécies às regiões menos acessíveis da superfície, espera-se que q seja uma função do tempo de difusão. Na voltametria cíclica, o tempo é definido em termos da variação de potencial25, a velocidade de varredura do potencial pode ser relacionada com o inverso do tempo de difusão. Admitindo difusão semi-infinita, é de se esperar que a carga q seja linearmente relacionada com v-1/2, ou seja,

(5)

De modo que, quando v-1/2® 0, q¥® qe.

Pode-se inferir que a superfície "mais acessível" é aquela que, mesmo a altas velocidades de varredura (v ® ¥), experimenta um certo acúmulo de carga.

Uma relação semelhante pode ser obtida para a estimativa da carga associada à região "menos acessível". Naturalmente, espera-se que 1/q decresça linearmente com v-1/2, assim,

(6)

Com qo = qe na equação (4). Assim, resulta que para v ® 0, q ® q0

Assim, a razão entre qo e q¥ está relacionada à razão entre as superfícies "interna" e "externa" na camada de óxido. A carga voltamétrica depende da velocidade de varredura, sugerindo que as reações na superfície são limitadas pela difusão lenta das espécies doadoras de carga até o sítio de reação. Os resultados indicam uma contribuição relacionada a uma superfície "externa", onde as reações redox ocorrem mais facilmente, e uma relacionada a uma superfície "interna", onde as reações experimentam a dificuldade do acesso das espécies doadoras de carga. Esta abordagem é considerada bastante conveniente para estudos das propriedades da interface óxido/solução, tendo em vista que a hipótese fundamental de difusão lenta das espécies doadoras de carga tem sido confirmada por outras técnicas26-28.

Fenomenologia

Recentemente a geração de oxigênio foi tratada considerando-se o balanço de massa na superfície eletródica, tanto através de voltametria cíclica29 como por espectroscopia de impedância eletroquímica30. Tais tratamentos consideraram o processo cinético como função da taxa de coleção de bolhas, da taxa de escape de bolhas e da dissolução de oxigênio eletrogerado. Uma importante propriedade das superfícies eletrocatalisadoras é a hidrofobicidade, discutida a seguir.

O mecanismo geral da geração de oxigênio pode ser ilustrado pela seqüência ilustrada na Figura 1. Inicialmente ocorre a eletrogeração em um sítio ativo na superfície, aumentando a concentração do oxigênio dissolvido na região de contorno, em seguida a nucleação ocorre quando a concentração de oxigênio dissolvido começa a saturar a região adjacente ao sítio ativo. Após a formação da bolha de oxigênio, as moléculas geradas podem proceder através de três caminhos distintos:


(a) moléculas e pequenas bolhas são coletadas por bolhas maiores que aderem à superfície;

(b) grandes bolhas escapam da superfície;

(c) bolhas são dissolvidas e difundem para o seio da solução, caso esta não esteja saturada com oxigênio.

A quantidade de oxigênio gerado por cada mecanismo está relacionada ao comportamento cinético das bolhas na superfície eletródica, e as velocidades de cada mecanismo estão relacionadas à hidrofobicidade da superfície. A velocidade de coleção de bolhas numa superfície hidrofóbica é maior que numa hidrofílica, obviamente.

A maioria das bolhas é coletada e crescida num centro hidrofóbico, mas uma pequena quantidade escapa do sítio de nucleação para o seio da solução. Observa-se claramente a ação de duas forças atuando sobre a bolha formada: uma força adesiva que mantém a bolha unida à superfície e é proporcional à hidrofobicidade, e uma força "flutuante" que aumenta com o tamanho da bolha e atua no sentido do eletrodo para a solução. Quando o tamanho da bolha excede um certo valor crítico, a força "flutuante" atuando na bolha se torna maior que a força adesiva e a bolha escapa da superfície do eletrodo. Devido ao fato da hidrofobicidade do sítio de nucleação (ou sítio ativo) ser menor que a do centro hidrofóbico, o tamanho crítico de quebra da bolha no sítio de nucleação é menor que no centro hidrofóbico. Se o tamanho da bolha aderida à superfície é maior que a espessura da camada adjacente, ou limite, a porção superior da bolha em contato com a solução não saturada no seio, dissolverá, formando oxigênio dissolvido, que difunde ao seio da solução (ver Figura 1). Todos os parâmetros envolvidos na elaboração desse modelo podem ser obtidos através da utilização da espectroscopia de impedância eletroquímica, EIE, como mostrado por St-Pierre e col.31.

Energia de Ativação

Classicamente a catálise é um processo que incrementa a velocidade de uma reação química, sendo a substância responsável por esse ganho na velocidade chamada catalisador. Um aspecto comum aos catalisadores é que eles participam passivamente dos processos nos quais estão envolvidos. Na catálise heterogênea, servem como "ponto de encontro" para as substâncias envolvidas na reação. De forma análoga, quando um eletrodo atua como um sítio ou suporte metálico para a reação eletródica, ou reação de transferência de carga, pode ser designado de eletrocatalisador.

Utilizando-se a forma clássica da equação de Arrhenius para a dependência da constante de velocidade com a temperatura, chega-se à energia de ativação em sua forma mais simples, onde é mostrada a dependência da velocidade de reação, ou corrente, com a temperatura,

(7)

Sendo definida a partir desta equação a energia de ativação aparente Ea'(h), que depende do sobrepotencial aplicado.

(8)

O termo que multiplica o sobrepotencial na equação (8), (1-a)nF, surge simplesmente das substituições indicadas na literatura. No entanto, como será mostrado na discussão dos resultados, este termo não representa exatamente a relação entre a energia de ativação aparente e o sobrepotencial. Assim, foi substituído por um parâmetro b, cujo significado físico será discutido em termos do mecanismo da reação.

Assim, a equação final para a obtenção das curvas de Arrhenius toma a forma,

(9)

EXPERIMENTAL

A metodologia de confecção dos eletrodos de óxido de manganês utilizando vários sais como precursores, além dos parâmetros mais significativos para a otimização dos procedimentos experimentais, sugerindo o melhor sal como precursor, espessura do filme depositado, temperatura de confecção, e um minucioso estudo envolvendo a estimativa da ordem de reação, encontram-se na literatura32. Desta forma, partiu-se das condições ótimas já estabelecidas para a realização de um estudo cinético mais detalhado para a RGO sobre eletrodos de óxido de manganês utilizando aço inoxidável como suporte metálico.

Foram cortadas placas de aço inoxidável (434 - L, identificado através de análises de Raio-X), com 0,8 mm de espessura, 1x1 cm2 de área geométrica e uma haste de 4 cm de comprimento e 2 mm de largura. Os eletrodos cortados foram lixados com lixa de ferro número 150, limpos com álcool isopropílico (Merck), pesados e depois pintados com a solução aquosa 0,3 mol dm-3 de nitrato de manganês (Aldrich). Em seguida foram colocados na estufa a 373 K por 5 minutos, visando à eliminação da água na superfície, minimizando assim a formação de rachaduras no filme. Após este período, o eletrodo foi colocado numa mufla pré-aquecida a 583 K, para a formação do filme, por 10 minutos. Os procedimentos pintura/estufa/mufla foram repetidos em média doze vezes até que se obtivesse a espessura desejada. Em seguida, o eletrodo foi deixado na mufla por 1 hora a 583 K, para garantir a transformação completa do sal em óxido. Realizou-se então uma última pesagem e, a partir dessa massa obtida, calculou-se a espessura do filme, considerando a densidade do óxido de manganês formado e a área do eletrodo, que totaliza 2 cm2, considerando-se as suas duas faces (1 x 1 cm2 em cada face), a espessura nominal utilizada foi de 3 mm. Foi utilizado um lote de cinco eletrodos, onde se verificou a reprodutibilidade das medidas.

As medidas eletroquímicas foram realizadas utilizando o esquema de quatro eletrodos, sendo um de trabalho, um de referência (mercúrio/óxido de mercúrio, Hg(l)/HgO(s),KOH (1 moldm-3)) e dois auxiliares de platina, com um Potenciostato/Galvanostato E. G. & G 273 ¾ A para as medidas potenciodinâmicas e quase-estacionárias. Utilizou-se NaOH 1,0 mol dm-3 (Synth) como eletrólito de suporte e O2 (Aga, 99,5%) para o borbulhamento no eletrólito durante o condicionamento do sistema e realização de medidas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estudos termogravimétricos envolvendo a decomposição do nitrato de manganês indicam a temperatura de conversão do sal em óxido como sendo de 583 K. As análises de raio-X indicaram a presença predominante do a - Mn2O332, de acordo com Ardizone e col.33, que utilizaram 473 K para a conversão.

As medidas potenciostáticas ou quasi-estacionárias varreram uma região de 450 a 950 mV e antes de cada ponto tomado o potencial permaneceu condicionado por três minutos, tempo suficiente para considerar o sistema como em estado estacionário.

Na Figura 2, são mostrados os resultados obtidos, tanto para a densidade de corrente quanto para o seu logaritmo, em função do potencial. Para a estimativa dos parâmetros a, b e R mostrados na equação (2), foram colocados em gráfico os valores de sobrepotencial (para Eo = 400 mV) em função da densidade de corrente, e foi realizado um ajuste com a equação (2). Das várias medidas realizadas com os respectivos ajustes, observou-se uma satisfatória reprodutibilidade e a validade do ajuste foi conferida pelo monitoramento do termo chi-quadrado34. O valor de R obtido é dado em unidades de W cm-2, e informa diretamente o valor da resistência pela área geométrica, discutida anteriormente. Em geral, trabalhos que utilizam estes mesmos argumentos na estimativa de R, obtêm seu valor numérico por métodos gráficos, considerando a mudança de inclinação de Tafel para maiores sobrepotenciais. Apesar de conceitualmente coerentes, os métodos gráficos perdem em exatidão quando comparados ao ajuste das curvas de sobrepotencial versus densidade de corrente. A partir dos valores de a e b obtidos, utilizou-se a equação (3) na estimativa da densidade de corrente de troca (jo), coeficiente de transferência (a), além do próprio b, inclinação da reta de Tafel. Particularmente, a inclinação de Tafel, b, é um parâmetro utilizado quando da descrição das propriedades de um material candidato a eletrocatalisador, já que fornece a variação do potencial por década de corrente, significando que, quanto menor este valor, melhor será o material.


Além das informações mecanísticas clássicas relacionadas, o parâmetro de Tafel permite avaliar a atividade eletrocatalítica global em sistemas eletroquímicos através da contribuição de efeitos estruturais (relacionados à morfologia do eletrodo) e eletrônicos. Para materiais de mesmas características morfológicas, como é o caso, não parece haver alteração no mecanismo de eletrogeração de O2, pois os valores não acusam variações significativas em toda a série de eletrodos utilizados neste trabalho.

Os valores típicos obtidos são R = 1,06 W cm-2, b = 118 mV déc-1, a = 0,51, jo = 4,2 x 10-8A cm-2 e E* (potencial medido para uma densidade de corrente de 100 mA cm-2) = 840 mV. O valor de R calculado pode ser comparado com o obtido através do método de Shub e Reznick35,36(= 1,10 ± 0,02 W cm-2), onde a comparação entre os dois valores confere boa confiabilidade ao método utilizado no presente trabalho.

O valor da inclinação de Tafel é igual ao obtido para os sistemas Ti/SnO2 + CuCo2O4 e Ti/SnO2 + TiO2 em meio alcalino37. Sob este aspecto, é bem conhecido que os melhores resultados obtidos são para eletrodos de Rutênio e Irídio suportados em Titânio38,39. O valor de b sugere a etapa de descarga primária do íon OH-, como sendo a determinante22,40,41,

Mn + OH-® MnOH + e-

onde um cátion Mnsuperficial encontra-se cercado octaedricamente por espécies OH- e O-2 durante a etapa determinante do processo de geração de oxigênio. O grau de overlap entre o orbital eg (Mn) e os orbitais dos elétrons dos grupos OH- determina a velocidade de transferência eletrônica. Em regiões altamente anódicas de sobrepotencial todos os cátions (Mn) da superfície encontram-se completamente cercados por íons O2-. As espécies OH- serão descarregadas nestes íons. A formação de um "tapete" de oxigênio representa uma barreira para a transferência de elétrons, o que justifica a mudança de inclinação da curva de polarização a sobrepotenciais suficientemente positivos42, já que contribui para a resistência global discutida.

Seguindo a proposta de estimar os sítios acessíveis na superfície do eletrodo, foram realizados vários voltamogramas cíclicos na região de carregamento dos sítios que precede a região de geração de oxigênio. A carga voltamétrica foi obtida como indicado na seção anterior e sua variação com a velocidade de varredura está ilustrada na Figura 3. Como esperado, observa-se a diminuição da carga com o aumento da velocidade de varredura devido à dificuldade crescente em carregar os sítios ativos a altas velocidades.


O tratamento consiste em obter os valores extrapolados para a carga à velocidade zero, qo e à velocidade infinita, q¥ através da curvas mostradas nas figuras 4 e 5. Segundo as equações (5) e (6) os valores dos coeficientes lineares nas Figuras 4 e 5 fornecem q¥ e qo, respectivamente, 0,67 e 1,37 mC cm-2. Estes valores, que fornecem uma razão qo/q•, igual a 2,04, são perfeitamente compatíveis com os apresentados na literatura para RuO2 e IrO243,44, com valores próximos a 2, significando que os sítios ativos "mais acessíveis" representam cerca de 50% dos sítios totais na superfície eletródica. Tal fato reflete a alta porosidade dos eletrodos estudados, superior aos de Co3O4 e NiCo2O4, por exemplo22.



Curvas estacionárias de corrente-potencial foram obtidas a várias temperaturas como mostrado na Figura 6. Os trabalhos que tratam da obtenção da energia de ativação para sistemas semelhantes discutem apenas o termo indicado aqui como energia de ativação aparente, Ea'(h), sendo citados valores em função do sobrepotencial. Seguindo este ponto de vista, estão mostrados na Tabela 1 os valores em dois sobrepotenciais escolhidos para os sistemas indicados, em meio alcalino.


Os resultados mostrados indicam uma energia comparável para o sobrepotencial de 250 mV, corroborando a proposta de que a etapa determinante é a descarga primária do íon OH-. Além disso, valores semelhantes para a energia de ativação aparente para os três sistemas indicados, atestam que os sítios citados correspondem ao Mn17. Para o sobrepotencial de 350 mV, no entanto, a energia de ativação aparente é bem menor que os valores dos outros dois sistemas da Tabela 1. Essa discussão pode ser ilustrada pela escolha do termo b modificando a equação (9).

A obtenção da energia de ativação propriamente dita foi feita através da curva de Ea' em função do sobrepotencial como mostrado na Figura 7 e, obviamente, espera-se uma relação linear de acordo com a equação (8). No entanto, são observadas duas regiões distintas, uma para valores de sobrepotencial até 300 mV e outra para valores superiores a este. Os valores para o parâmetro b foram 187 e 46 kJ V-1 mol-1, e as energias de ativação de 102 e 33 kJ mol-1, respectivamente. Os valores obtidos para as energias de ativação, tanto aparente quanto real, estão de acordo com a diferenciação entre as energias envolvidas nos processos químicos e eletroquímicos, com maiores valores de energia de ativação para aqueles em relação a estes. As dificuldades na obtenção da energia de ativação estão relacionadas primariamente ao fato do desconhecimento da dependência do potencial do eletrodo de referência com a temperatura, no entanto, aqui esta variação não foi considerada, e o valor do potencial de equilíbrio foi tomado como sendo o mesmo nas diferentes temperaturas. De fato, esta aproximação confere uma certa imprecisão aos resultados indicados, porém não compromete as análises pertinentes, de cunho mais conceitual e qualitativo.


Esta mudança no valor de energia de ativação esta associada à mudança no valor da inclinação de Tafel, indo de 120 (em h < 300 mV) para 300 mV/déc (h > 300 mV). Tal mudança pode ser associada a uma alteração da etapa determinante da velocidade do processo, conduzindo o sistema a uma menor energia de ativação para esta nova etapa determinante. De fato, a mudança nos valores de inclinação das curvas corrente ¾ potencial, chegando a atingir 300 mV déc-1 em regiões altamente anódicas é considerada complexa e pode ser ainda atribuída a alguns fatores como: mudança do mecanismo da reação; mudança no grau de recobrimento da superfície eletródica (para um mesmo mecanismo); modificação na etapa determinante do processo, como conseqüência da mudança no caráter da interação entre a superfície eletródica e espécies intermediárias da reação; e aparecimento de reações paralelas, como por exemplo a formação de um óxido (dependendo da natureza do substrato)45.

Neste ponto, deve-se salientar que a diminuição da energia de ativação para altos valores de sobrepotencial não pode ser associada a um melhor desempenho do eletrodo na eletrocatálise da RGO, pois, como discutido, esta diminuição está associada a uma mudança do mecanismo de reação, conduzindo a um aumento da inclinação de Tafel, e um conseqüente aumento adicional da demanda energética necessária à RGO. Esta discussão ilustra a natureza eletrocatalítica desses processos, indicando as distintas influências dos dois fatores energéticos associados, temperatura e sobrepotencial aplicado, evidenciando o compromisso existente na análise desses dois fatores. Diferenças observadas na energia de ativação para outros sistemas podem ser discutidas considerando modelos de interação entre as espécies em solução, através de tratamentos alternativos do coeficiente de atividade, por exemplo46.

A partir dos resultados obtidos, sistemas similares estão sendo estudados, considerando outros aspectos, como, por exemplo, a avaliação da vida útil dos eletrodos, fundamental para aplicações específicas, e modelagem dos dados de impedância, considerando a hidrofobicidade da superfície.

CONCLUSÕES

Alternativamente aos tradicionais DSA's, os eletrodos estudados de Mn2O3 suportados em aço inoxidável, se mostraram promissores com respeito às propriedades eletrocatalíticas, além do baixo custo associado à sua manufatura. Os eletrodos mostraram um comportamento similar com relação aos parâmetros cinéticos obtidos para os eletrodos estudados, e os mesmos são comparáveis com os resultados de dados da literatura para outras superfícies. A relação entre as cargas voltamétricas extrapoladas para velocidades de varredura zero e infinito é comparada aos dados da literatura, com uma proporção similar entre os sítios ativos mais e menos acessíveis. Alternativamente à teoria utilizada para reações eletródicas em geral, a dependência entre a energia de ativação aparente em relação ao sobrepotencial foi obtida e permitiu a descrição do significado físico do parâmetro b, relacionando-o à mudança de inclinação de Tafel (mecanismo) associada ao valor da resistência. Esta análise permitiu uma discussão dos principais aspectos conceituais envolvendo energia de ativação para este sistema.

AGRADECIMENTOS

Hamilton Varela agradece ao CNPq e Giuseppe A. Câmara à CAPES, pelas bolsas concedidas durante a realização deste trabalho.

  • 1. Da Silva, L. A.; Alves, V. A.; Da Silva, M. A. P.; Trasatti, S.; Boodts, J. F. C.; Electrochim. Acta 1997, 42, 271.
  • 2. Da Silva, L. A.; Alves, V. A.; Trasatti, S.; Boodts, J. F. C.; J. Electroanal. Chem. 1997, 97, 477.
  • 3. Camara, O. R.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1996, 41, 419.
  • 4. Alves, V. A.; Da Silva, L. A.; Boodts; J. F. C.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1994, 39, 1585.
  • 5. Ardizzone, S.; Fegonara, G.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1990, 35, 263.
  • 6. Angelinetta, C.; Trasatti, S.; Atanasoska, L. D.; Atanasoska, R. T.; J. Electroanal. Chem. 1986, 214, 535.
  • 7. Cappadonia, M.; Divisek, J.; Heyden, T. U. D.; Stimming, U.; Electrochim. Acta 1994, 39, 1559.
  • 8. Vracar, L.; Conway, B. E.; Electrochim. Acta 1990, 35, 1919.
  • 9. Schmidt, T.; Wendt, H.; Electrochim. Acta 1994, 39, 1763.
  • 10. Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1991, 36, 225.
  • 11. Boodts, J. F. C.; Trasatti, S.; J. Electrochem. Soc. 1990, 137, 3784.
  • 12. Tseung, A. C. C.; Jasem, S.; Electrochim. Acta 1977, 22, 31.
  • 13. Lassali, T. A. F.; De Castro, S. C.; Boodts, J. F. C.; Electrochim. Acta 1998, 43, 2515.
  • 14. Mattos-Costa, F. I.; Lima-Neto, P.;Machado, S. A. S.; Avaca, L. A.; Electrochim. Acta 1998, 44, 1515.
  • 15. De Faria, L. A.; Boodts, J. F. C.; Trasatti, S.; Colloid Surfaces 1998, 132, 53.
  • 16. Bodoardo, S.; Brenet, J.; Maja, M.; Spinelli, P.; Electrochim. Acta 1993, 39, 1999.
  • 17. Morita, M.; Iwakura, C.; Tamura, H.; Electrochim. Acta 1978, 23, 331.
  • 18. Izumiya, K.; Habazaki, H.; Kumagai, N.; Kawashima, A.; Hashimoto, K.; Electrochim. Acta 1998, 43, 3303.
  • 19. Rao, C. N. R.; Subba Rao, G. V.; Phys. State Sol A 1970, 1, 597.
  • 20. Tuller, H. L.; "Highly Conductive Ceramics", IN: Ceramic Materials for Eletronics, Marcel Dekker Inc., New York, 1991.
  • 21. Bockris, J. O'M.; Reddy, A. K. N.; Modern Electrochemistry, Plenum Press, pp. 880, New York, 1970.
  • 22. S. Trasatti, IN: J. Lipkowski e P. N. Ross (editores). The Electrochemistry of Novels Materilas, VCH, New York, 1994, p. 207.
  • 23. Ardizone, S.; Fregonara, G.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1989, 35, 263.
  • 24. De Pauli, C. P., Trasatti, S.; J. Electroanal. Chem. 1995, 396, 161.
  • 25. Bard, A. J.; Faulkner, L. R.; Electrochemical Methods, John Wiley & Sons, pp. 143, New York, 1980.
  • 26. Weston, J. E.; Steele, B. C. H.; J. Appl. Electrochem. 1980, 10, 49.
  • 27. Dobhlfer, K.; Metikos, M.; Ogumi, Z.; Gerischer, H.; Ber. Bunsenges. Phys. Chem. 1978, 82, 1046.
  • 28. Rishpon, J.; Gottesfeld, S.; J. Electrochem. Soc. 1984, 131, 1960.
  • 29. Shieh, D. T.; Hwang, B. J.; J. Electroanal. Chem. 1985, 391, 77.
  • 30. Ho, C. N.; Hwang, B. J.; J. Electroanal. Chem. 1994, 377, 177.
  • 31. St-Pierre, J.; Wragg, A.; Electrochim. Acta 1993, 38, 1381.
  • 32. Mattos, F. I.; Dissertaçăo de Mestrado DQ-UFRN, Natal ž RN, 1995.
  • 33. Ardizone, S.; Bianchi, C. L.; Tirelli, D.; J. Electroanal. Chem. 1997, 425, 19.
  • 34. Barroso, L. C.; Barroso, M. M. A.; Campos-Filho, F. F.; Carvalho, M. L. B.; Maia, M. L.; "Cálculo Numérico", 2Ş ed., Harbra Ltd., Săo Paulo, 1987.
  • 35. Shub, D. M.; Reznik, M. F.; Shalaginov, V. V.; Elektrokhim. 1985, 21, 855.
  • 36. Shub, D. M.; Reznik, M. F.; Elektrokhim. 1985, 21, 937.
  • 37. Jin, S.; Ye, S.; Electrochim. Acta 1996, 41, 827.
  • 38. Matsumoto, Y.; Tazawa, T.; Muroi, N.; Sato, E.; J. Electrochem. Soc. 1986, 133, 2257.
  • 39. Miles, M. H.; Klaus, E. A.; Gunn, B. P.; Locker J. R.; Serafin, W. E.; Electrochim. Acta 1978, 23, 521.
  • 40. Morita, M.; Iwakura, C.; Tamura, H.; Electrochim. Acta 1978, 23, 331.
  • 41. Bockris, J. O'M.; J. Chem. Phys 1956, 24, 827.
  • 42. Matsumoto, Y.; Sato, E.; Electrochim. Acta 1979, 24, 421.
  • 43. Ardizzone, S.; Fregonara, G.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1989, 35, 263.
  • 44. Baroneto, D.; Krstajic, N.; Trasatti, S.; Electrochim. Acta 1994, 39, 2359.
  • 45. Mattos-Costa, F. I.; Tese de Doutorado IQSC-USP, Săo Carlos ž SP, 2000.
  • 46. Chiavone-Filho, O.; Varela, H.; Oliveira, H. N. M.; Proceedings of International Symposium on Calorimetry and Chemical Thermodynamics Campinas ž SP, Brazil, 1998.
  • #
    Atualmente no Fritz-Haber-Institut der Max-Plank-Gesellschaft, Faradayweg 4-6, D 14195 Berlin, Germany
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jan 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 1999
    • Aceito
      03 Maio 2000
    Sociedade Brasileira de Química Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), CP6154, 13083-0970 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br