Resumo
Fundamental aspects of the conception and applications of ecomaterials, in particular porous materials in the perspective of green chemistry are discussed in this paper. General recommendations for description and classification of porous materials are reviewed briefly. By way of illustration, some case studies of materials design and applications in pollution detection and remediation are described. It is shown here how different materials developed by our groups, such as porous glasses, ecomaterials from biomass and anionic clays were programmed to perform specific functions. A discussion of the present and future of ecomaterials in green chemistry is presented along with important key goals.
ecomaterials; green chemistry; porous materials
ecomaterials; green chemistry; porous materials
DIVULGAÇÃO
Ecomateriais: desenvolvimento e aplicação de materiais porosos funcionais para proteção ambiental
Ecomaterials: development and application of functional porous materials for environmental protection
Odair Pastor FerreiraI; Oswaldo Luiz AlvesI, * * e-mail: oalves@iqm.unicamp.br ; Jeremias de Souza MacedoII; Iara de Fátima GimenezII; Ledjane Silva BarretoII
IInstituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, CP 6154, 13084-971 Campinas SP, Brasil
IIDepartamento de Química, Universidade Federal de Sergipe, Av. Marechal Rondon, s/n, 49100-000 São Cristóvão SE, Brasil
ABSTRACT
Fundamental aspects of the conception and applications of ecomaterials, in particular porous materials in the perspective of green chemistry are discussed in this paper. General recommendations for description and classification of porous materials are reviewed briefly. By way of illustration, some case studies of materials design and applications in pollution detection and remediation are described. It is shown here how different materials developed by our groups, such as porous glasses, ecomaterials from biomass and anionic clays were programmed to perform specific functions. A discussion of the present and future of ecomaterials in green chemistry is presented along with important key goals.
Keywords: ecomaterials; green chemistry; porous materials.
INTRODUÇÃO
Ecomateriais
Os materiais sempre estiveram e sempre estarão a serviço da humanidade e, desde a construção da primeira ferramenta, arma ou ornamentação, os recursos naturais passaram a sofrer os efeitos da intervenção humana1. Os processos de produção e aplicação de materiais envolvem, obrigatoriamente, etapas comuns de transformação de matérias-primas, de fabricação de artefatos ou dispositivos, de aplicação durante o ciclo de "vida" do material e, ao fim deste período, de descarte, reuso ou reciclagem. Adicionalmente, uma grande quantidade de outros materiais é consumida diariamente de forma acessória aos produtos propriamente ditos, tais como embalagens, baterias, soldas, pinturas, aditivos retardantes de chama etc., dentre os quais há numerosos exemplos de substâncias tóxicas, cuja substituição é requerida dentro dos paradigmas do desenvolvimento sustentável2.
Todas as etapas do ciclo dos materiais podem exercer algum impacto sobre o ambiente e, de forma mais específica, podem-se destacar: extração de matérias-primas a partir de reservas naturais; emissões gasosas, líquidas e sólidas durante o processo de manufatura; emissões ao ambiente durante o uso dos materiais; implicações energéticas de produção e uso; efeitos positivos ao ambiente durante o ciclo de "vida" do material, quando este é aplicado em descontaminação, remediação ou catálise; impactos ambientais do fim de ciclo do material (se necessita ser aterrado, incinerado, se é reciclável ou se pode ser reaproveitado)3.
Sabe-se que a Terra possui uma capacidade finita tanto para a disponibilidade de recursos como para o descarte dos resíduos, fato que acentua a importância da minimização de perdas ambientais, bem como do uso mais eficiente de recursos e de energia para um desenvolvimento sustentável das nações. Neste contexto, é evidente a necessidade de novas tecnologias para a produção de materiais ambientalmente adequados4. Como resposta a tal necessidade, o conceito de ecomaterial passou a ser disseminado, a partir do início dos anos 90. Nas primeiras discussões em torno do conceito de ecomaterial, sugeriram-se três paradigmas a serem seguidos: a performance do material, no sentido de expandir as fronteiras humanas; o ambiente, no sentido da coexistência harmônica com a ecosfera e a qualidade de vida, no sentido de proporcionar uma vida prática e confortável, em simbiose com a natureza1.
Em linhas gerais, além de serem benignos ao meio ambiente, os ecomateriais devem trazer benefícios em termos de conforto e qualidade de vida, devem ser compatíveis com o avanço tecnológico, mostrando que a expansão das fronteiras da humanidade pode e deve ser feita de forma tão segura quanto eficiente. Isto equivale a dizer que o desenvolvimento sustentável não é sinônimo de retrocesso e não impõe um modo de vida desconfortável e rústico, baseado no uso de materiais de qualidade inferior. Os ecomateriais são programados especificamente para minimizarem efeitos adversos ao meio ambiente, mantendo sua performance e preço competitivo. A questão-chave no caso dos ecomateriais é ser seguro ao meio ambiente e/ou trazer benefícios claros à ecosfera. Alguns exemplos1-4: materiais naturalmente atóxicos; materiais fabricados a partir de fontes renováveis de matéria-prima e energia, não representando ameaça ao desenvolvimento sustentável ou fabricados a partir do reaproveitamento de resíduos cumulativos no ambiente; materiais cuja manufatura segue rotas com alto rendimento, baixo consumo de energia e de água, bem como isentas de emissões tóxicas; materiais que substituam outros de impacto ambiental negativo ou com aplicações voltadas para despoluição, tratamento de resíduos e estabilização dos mesmos através de incorporação em fases sólidas, por ex., materiais produzidos dentro de uma estratégia programada de seu fim de ciclo: que possam ser reciclados ou reaproveitados, de forma harmônica com a natureza e com a vida.
Geralmente os materiais são utilizados na forma de um produto, peça ou dispositivo e, em conseqüência, o conceito de ciclo de vida está diretamente conectado à vida útil do produto em questão5. Contudo, o ciclo de vida de um material é diferente do ciclo de vida de seus produtos. Os materiais podem ser utilizados outras vezes através de reciclagem, prolongando seu ciclo de vida total. Isto é possível porque as aplicações de um mesmo material são mais amplas que aquelas do produto, que são específicas. Um fato que prejudica a reciclagem é a incorporação de aditivos a um material, com finalidade de modificar alguma propriedade e torná-lo apropriado a um determinado produto/finalidade. Isto faz com que o material não se preste à reciclagem e posterior fabricação de produtos diferentes. O fato de que as propriedades de um material podem ser controladas através de modificações microestruturais é uma interessante alternativa frente ao uso de aditivos, sendo compatível com a reciclagem.
Além das categorias de ecomateriais destacadas anteriormente, há dois outros tipos de ecomateriais, em um sentido mais amplo, úteis para a solução de problemas ambientais6,7. De um lado, estão os materiais para sistemas avançados de energia, tais como células solares, células a combustível e sistemas para conversão termoelétrica. De outro, estão os materiais funcionais para a proteção ambiental, que removem poluentes já liberados no ambiente. Neste último caso, encontram-se principalmente os diversos tipos de materiais porosos, alguns dos quais serão destacados no presente trabalho.
Neste contexto, um aspecto de fundamental relevância diz respeito ao planejamento racional que deve ser observado na preparação dos materiais, dentro da perspectiva das funções e aplicações em proteção ambiental. Neste caso específico, podemos destacar a preparação de catalisadores, sensores e materiais para remediação de efluentes. Tais aplicações, por sua vez, são aderentes ao contexto da Química Verde, caracterizado por uma série de paradigmas 8-10. Dentre estes, podemos destacar a necessidade da substituição de processos incompatíveis com o desenvolvimento sustentável: geradores de resíduos volumosos e/ou tóxicos e que levam ao esgotamento de recursos naturais não-renováveis de matérias-primas e energia. Isto pode ser concretizado pela preparação de novos catalisadores que permitam a proposição de rotas alternativas, com a conseqüente redução do impacto ambiental. Os catalisadores também podem trazer vantagens adicionais: propiciar a redução da escala das plantas industriais; permitir a geração do mesmo produto através de um número menor de etapas de produção.
As pesquisas realizadas no Laboratório de Química do Estado Sólido (IQ-Unicamp) e pelo Grupo de Tecnologia de Materiais (tecmat - DQI-UFS) vêm sendo desenvolvidas em aderência com as concepções gerais de Química Verde, sobretudo focalizando os ecomateriais e, dentre eles, os sólidos porosos. Caracterizados por este entorno, destacamos os materiais lamelares, as vitrocerâmicas e os vidro porosos.
É oportuna a apresentação de breve introdução sobre as características gerais destas famílias de sólidos porosos, a fim de se ilustrar como a compreensão de suas estruturas, formação e papel dos diferentes componentes pode auxiliar na elaboração programada das propriedades e aplicações em problemas ambientais.
Sólidos porosos
Todo sólido, a rigor, apresenta algum grau de porosidade, detectável ou não, resultante da existência de cavidades, canais ou interstícios. A porosidade de um material exerce influência sobre algumas de suas propriedades físicas, tais como densidade, condutividade térmica e resistência mecânica. Como conseqüência, o controle da estrutura porosa é de grande importância, por ex., no design de catalisadores, adsorventes industriais, membranas e cerâmicas11.
Os poros podem ser classificados como abertos ou fechados, segundo sua disponibilidade a um fluido externo. Na Figura 1 mostram-se vários tipos de poros abertos (a, b, c) e fechados (d). Os poros fechados são inativos quanto ao fluxo de líquidos e gases, mas exercem influência sobre as propriedades mecânicas, a densidade e a condutividade térmica. Por outro lado, poros como os representados por (b) e (c) são chamados de poros "cegos", visto que não têm abertura em uma das extremidades. Outra forma de classificação dos poros leva em consideração sua forma: cilíndricos (c) e gargalo de garrafa (b). A rugosidade da superfície (e) também pode ser considerada como porosidade. A IUPAC recomenda uma classificação para as faixas de tamanho, considerando as propriedades de adsorção12. Assim, têm-se: microporos (< 2 nm); mesoporos (2-50 nm) e macroporos (> 50 nm). Vários autores têm reiterado que tais limites de tamanho são, até certo ponto, artificiais, na medida em que resultam dos limites das técnicas de caracterização. A despeito disto, tal classificação tem sido aceita e empregada dentro da perspectiva da aplicação destes materiais13.
A porosidade pode também ser uma característica inerente da estrutura cristalina, como no caso dos zeólitos e dos materiais lamelares12. Em tais casos, a porosidade intracristalina geralmente assume dimensões moleculares, apresentando arranjos bastante regulares. A presença de poros pode resultar, ainda, da consolidação de pequenas partículas de géis ou cerâmicas (coalescência e sinterização) ou da remoção de elementos da estrutura original. Este último caso é chamado de subtrativo, uma vez que tem lugar quando da saída de gases, durante o aquecimento de um material, ou com a dissolução seletiva de componentes de sólidos multifásicos, como ocorre na preparação de vidros e vitrocerâmicas porosas12.
É importante reconhecer que, com o aumento do conhecimento químico sobre os sólidos porosos, muitas matrizes puderam ser sintetizadas por métodos de preparação relativamente simples e que utilizam insumos de baixo custo. Devido às características químicas e físicas descritas, os materiais porosos podem ser planejados e sintetizados para que venham a ter aplicações ambientais como, por ex., no sensoriamento e remediação de efluentes, tirando partido tanto de reações de intercalação, quanto da adsorção das espécies químicas pela superfície. O desenvolvimento de materiais porosos com alta capacidade de adsorção e que possam ser reutilizados ou reciclados vem se tornando um grande desafio, principalmente quando os conceitos envolvidos na Química Verde são levados em conta8-10. Assim, haverá economia de matérias-primas e energia e, ainda, redução da quantidade de resíduos gerados. Dentre os materiais que têm grandes perspectivas nesta direção estão, sem dúvida, vidros e vitrocerâmicas14,15, carbonos ativados16,17 e argilas aniônicas18,19.
ESTUDOS DE CASOS DE APLICAÇÕES DE ECOMATERIAIS
Foram selecionados alguns casos de materiais porosos desenvolvidos e testados no contexto de ecomateriais, os quais geraram patentes, para uma ilustração dos diferentes aspectos envolvidos. Dentre estes, podemos destacar: modificação da superfície de um vidro poroso, a fim de conferir uma funcionalidade voltada para a detecção de gases poluentes; aproveitamento de biomassa proveniente do processamento de casca de côco na preparação de carbono ativado com características programáveis; imobilização de HRP ("Horseradish peroxidase") em vitrocerâmica porosa à base de fosfato para descoloração de efluentes têxteis; preparação de uma argila aniônica adequada para a remoção de corantes aniônicos presentes em efluentes reais de indústrias têxteis e sua posterior reciclagem (ou reutilização).
Ecomaterial para detecção de dióxido de enxofre
Dentre as diversas categorias de ecomateriais temos materiais funcionais para detecção de espécies poluentes, dentro da perspectiva de prevenção de emissões acidentais que ultrapassem níveis seguros. O estudo de caso selecionado aborda um material que, adicionalmente, é reutilizável, diminuindo o uso de recursos naturais e a geração de resíduos. Trata-se, especificamente, da modificação da superfície do material poroso por uma espécie ativa, de modo a conferir funcionalidade.
O ecomaterial em questão foi desenvolvido através da imobilização, no vidro poroso Vycor (PVG - Corning)20, do composto dimérico de paládio monovalente21,22 [Pd2Cl2(dppm)2] - dppm = bis(difenilfosfino)metano, (C6H5)2PCH2 P(C6H5)2 -, propiciando o desenvolvimento de um material poroso para a detecção de SO2. O composto imobilizado apresenta uma ligação simples Pd-Pd, na qual ocorrem reações de inserção reversível de moléculas como CO, SO2, H2, causando mudança drástica na cor, que pode ser facilmente detectada por absorção no UV-Visível23. Demonstrou-se que tais reações, no interior dos poros do vidro, são reversíveis sob vácuo ou sob fluxo de gás inerte, o que aponta o material como reutilizável24,25.
Carbono ativado obtido a partir do pó de casca de côco para a adsorção de corantes
Este estudo refere-se a um caso em que um ecomaterial aplicável na remoção de corantes presentes em efluentes têxteis foi obtido a partir de resíduos que seriam acumulados no ambiente, atendendo duplamente aos paradigmas do desenvolvimento sustentável.
A fração da casca do côco conhecida como mesocarpo é beneficiada industrialmente, a fim de se extrair as fibras mais longas e de maior valor comercial. Tal processamento gera, como subproduto, um pó formado por fibras de tamanho pequeno, as quais praticamente não têm aproveitamento e podem se acumular no ambiente26. A fim de minimizar esta eventual acumulação, o pó de casca de côco foi utilizado, neste estudo, como matéria-prima para a preparação de carbonos ativados16,17. Os carbonos ativados são os adsorventes mais utilizados da atualidade, apresentado grande volume de poros e elevada área superficial27. Merece destaque o uso de carbonos ativados na adsorção de corantes presentes em efluentes têxteis, processo cuja eficiência está condicionada à predominância de mesoporos (poros com diâmetros entre 2 e 50 nm), dada a presença de grupamentos volumosos na estrutura de corantes comuns.
O carbono ativado mesoporoso obtido a partir do pó de casca de côco apresentou área superficial de 1884 m2/g, sendo testado quanto à capacidade adsortiva frente aos corantes Azul de metileno (catiônico, dimensões: dmínimo: 6 Å, dmáximo: 14 Å) e Amarelo de remazol (aniônico, dimensões: dmínimo: 8 Å, dmáximo: 16 Å). Os resultados de capacidade adsortiva e eficiência de descoloração indicaram que os carbonos mesoporosos são adequados à adsorção de corantes, evidenciando que a matéria-prima utilizada, que poderia ser acumulada como um resíduo no ambiente, converteu-se em um produto com potencial de aproveitamento16,17.
Imobilização da peroxidase de rabanete ("Horseradish HRP VI") em vitrocerâmica porosa e utilização do ecomaterial resultante na descoloração de efluentes da indústria papeleira
Neste estudo de caso, um ecomaterial foi concebido dentro da perspectiva de tratamento de poluição já existente. Vale ressaltar que tal perspectiva, apesar de não aderente aos preceitos da Química Verde, é um processo absolutamente indispensável. Propõe-se, para o processo de descontaminação, uma rota que utiliza materiais benignos, biocompatíveis e reutilizáveis. Além disto, o tratamento de efluentes aquosos propicia a diminuição da quantidade de água utilizada, através da possibilidade de reutilização.
Utilizou-se um vidro com a composição 6Li2O.24TiO2. 39CaO.31P2O5 como precursor na obtenção, através de cristalização e lixiviação, de uma vitrocerâmica porosa, composta principalmente por LiTi2(PO4)314,28 . Devido a sua biocompatibilidade, a vitrocerâmica porosa foi utilizada neste exemplo para imobilizar a enzima HRP VI ("Horseradish peroxydase" peroxidase de rabanete), tendo em vista a utilização do ecomaterial na descoloração de efluentes provenientes da indústria papeleira29,30. A descoloração observada durante o tratamento do efluente papeleiro é devida ao processo enzimático (clivagem oxidativa das substâncias coloridas), e não à adsorção das substâncias coloridas por parte do suporte (a vitrocerâmica), o que propicia um processo de descontaminação verdadeira, dado não se limitar a transferir o poluente de uma fase para outra, por ex., da fase líquida para a sólida.
Argilas aniônicas sintéticas para a remediação de efluentes têxteis reais
Neste caso também foi desenvolvido um ecomaterial para a remediação de poluição já existente. As atividades da indústria têxtil levam a um grande consumo de água e corantes, principalmente, na etapa de tingimento das fibras. Conseqüentemente, ocorre a produção de efluentes de elevada coloração. O descarte descontrolado de tais efluentes em fontes de água (rios e lagos) provoca um impacto prejudicial ao meio ambiente. Desta forma, o tratamento de efluentes coloridos antes de seu descarte é extremamente recomendado. Somado a tal fato, o tratamento do efluente ainda permitiria a reutilização da água dos processos.
Uma das maneiras de remoção de corantes do meio aquoso é através de processos de adsorção. O desenvolvimento de adsorventes de alta capacidade de adsorção e que possam ser reutilizados, impedindo que os corantes se espalhem no meio ambiente, está dentro do conceito de ecomateriais.
Argilas aniônicas são raras na natureza, entretanto, podem ser sintetizadas, de forma controlada, com grande facilidade. Tais materiais apresentam estrutura lamelar e possuem fórmula geral [M2+1-xM3+x (OH)2]x+(An-x/n )x-.nH2O31, onde M2+ são cátions metálicos divalentes (geralmente Mg2+, Fe2+, Co2+, Cu2+, Ni2+ ou Zn2+), M3+ são cátion trivalentes (geralmente Al3+ e Fe3+) que juntamente com as hidroxilas formam o esqueleto lamelar; An- são ânions com n cargas negativas (geralmente NO3-, CO32- ou Cl-) localizados no ambiente interlamelar (para visualizar a estrutura das argilas aniônicas vide Figura 2 da ref. 31). As argilas aniônicas interagem fortemente com espécies químicas carregadas negativamente, tanto através de sua região interlamelar como através de sua superfície externa. As diferentes combinações de M2+ e M3+, razão M2+/M3+ e ânions interlamelares podem gerar argilas com diferentes propriedades. Dadas as suas propriedades, as argilas aniônicas poderiam ser utilizadas como adsorventes na remediação de efluentes têxteis contendo corantes aniônicos.
Para a remediação de um efluente têxtil real (coletado na região de Amaricana-SP) foi desenvolvida uma argila de composição Mg2Al(OH)6NO3.nH2O, na forma de pó. Tal argila foi suspensa diretamente no efluente. Após a decantação do adsorvente, observou-se uma eficiência de descoloração do efluente acima de 98%, com redução de outros parâmetros como, por ex., demanda química de oxigênio (DQO) e carbono orgânico total (COT)18,32. Um ponto importante para os ecomateriais é sua reciclabilidade e/ou reutilização, isto que dizer, seu fim de ciclo. Algumas argilas aniônicas apresentam uma propriedade conhecida como "efeito memória", que é sua capacidade de reconstrução estrutural após uma etapa de decomposição térmica (temperatura de aquecimento entre 400-600 °C) no qual é formado um óxi-hidróxido misto, pelas simples adição do produto de decomposição em água19,31. Assim, tal propriedade pode ser usada para a reutilização da argila aniônica no processo de remediação de efluentes têxteis.
A argila usada na remediação do efluente têxtil real foi reutlizada da seguinte maneira: a argila contendo o corante adsorvido foi submetida a uma etapa de decomposição térmica e, desta forma, o corante foi eliminado, principalmente, na forma de CO2 e H2O. O produto sólido resultante, o óxi-hidróxido misto, foi colocado novamente em cotanto com o efluente real. O sólido recupera a capacidade de adsorção, sendo a eficiência de descoloração acima de 95% para os cinco ciclos consecutivos estudados, sendo que o material ainda poderia ser reutilizado outras vezes18,32.
COMENTÁRIOS FINAIS
O constante desafio de evitar danos ao meio ambiente, particularmente aqueles produzidos pela atividade industrial, tem funcionado como uma força-dirigente no desenvolvimento da emergente área de ecomateriais e, nesta, incluímos particularmente os materiais porosos. Isto tem ressaltado, de maneira inequívoca, que a atividade em química deve trabalhar com a idéia não só de reduzir, ao máximo possível, o impacto ambiental, via monitoramento, como também minimizar os efeitos negativos em situações já claramente identificadas, via desenvolvimento de processos de remediação.
Não temos dúvidas de que ainda existem muitas possibilidades para aplicação, cada vez maior, dos materiais porosos na cadeia de conhecimentos e conceitos relacionados à Química Verde. Tanto as vitrocerâmicas e vidros porosos, além dos materiais lamelares e carbonos ativados, vivem, ainda, sua infância no que diz respeito às aplicações como ecomateriais, ou seja: solução de problemas ambientais. Dentre tais possibilidades, podemos citar: sistemas para a manutenção da qualidade do ar em unidades hospitalares, tais como UTIs (Unidades de Terapia Intensiva), no enfrentamento do problema da infecção hospitalar; no tratamento de águas residuais e para o consumo humano, através da eliminação de elementos como o arsênio e o boro; monitoramento de gases de emissões industriais (dióxido de carbono, dióxido de enxofre e óxidos nitrosos). Portanto, existem enormes oportunidades para utilização destes materiais, nos mais variados segmentos da atividade humana. Muitos destes temas estão sendo, neste momento, estudados tanto no LQES quanto pelo Grupo de Tecnologia de Materiais (TECMAT).
A despeito destas oportunidades, existem várias questões que continuam a desafiar os químicos de materiais (e também os de ecomateriais), ligadas ao controle do tamanho, distribuição, e funcionalização dos poros, mas também à obtenção de materiais com alta conectividade dos poros, ao desenvolvimento de novas rotas de síntese e, mais recentemente, à obtenção de materiais contendo poros com dimensões nanométricas.
Pelo que foi colocado e, sobretudo, porque o Brasil possui em abundância matérias-primas e insumos para produção destes materiais, avaliamos que existam razões objetivas, não só para a realização dessas pesquisas, como também para seu incremento, como um dos elementos contributivos para a complexa equação do desenvolvimento sustentável.
AGRADECIMENTOS
À FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (I. F. Gimenez), ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (O. P. Ferreira) e à CAPES - Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- (J. S. Macedo) pelas bolsas concedidas. Aos programas PRONEX e Instituto do Milênio de Materiais Complexos (Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil/PADCT) e à FAP-SE (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sergipe) pelo apoio financeiro.
Recebido em 10/2/06; aceito em 25/4/06; publicado na web em 28/11/06
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Mar 2007 -
Data do Fascículo
Abr 2007
Histórico
-
Aceito
25 Abr 2006 -
Recebido
10 Fev 2006